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Capitalização de juros no direito brasileiro

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

Resumo: O artigo analisa a capitalização de juros, sua abordagem doutrinária e jurisprudencial, e sua viabilidade no direito brasileiro constitucionalizado. Primeiro discorre, citando renomados autores, sobre o significado da capitalização. Depois sobre o seu tratamento na lei e pelas súmulas jurisprudenciais, a abordagem doutrinária e, ao fim, realiza uma avaliação da possibilidade de capitalização perante a Constituição.

Sumário: 1. Introdução; 2. Significado da capitalização de juros; 3. Regime legal brasileiro da capitalização de juros; 4. Abordagem doutrinária da capitalização de juros; 5. Da impossibilidade da capitalização de juros: uma perspectiva constitucional; 6. Conclusão.


1. Introdução

O presente artigo se debruça a analisar a capitalização dos juros no direito brasileiro: seu significado, o tratamento legal, as posições doutrinárias e a eventual possibilidade da capitalização em face do direito privado constitucionalizado.


2. Significado da capitalização de juros

Capitalização dos juros significa juros compostos, em oposição aos juros simples. Enquanto naqueles os juros se incorporam ao capital ao final de cada período de contagem, nestes tal não ocorre. No caso de se incorporar, a taxa de juro do novo período incidirá sobre o quantum de juros do período anterior, porque incide sobre o capital total (capital inicial mais o juro que a ele se "incorporou"). É chamada "capitalização" de juros porque é a "ação" de tornar os juros em "capital".

Pontes de Miranda afirmava que

"Dizem-se simples os juros que não produzem juros; juros compostos os que fluem dos juros. Se se disse ‘com os juros compostos de seis por cento’, entende-se que se estipulou que o principal daria juros de seis por cento e sobre esses se contariam os juros de seis por cento ao ano’ (= com capitalização anual)." 1

Bruno Mattos e Silva explana a questão de modo singelo:

O que são juros simples? Juros simples são aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros que se acrescente ao saldo devedor. Vale dizer, assim, que os juros não pagos não constituem a base de cálculo para a incidência posterior de novos juros simples. E o que são juros compostos? Juros compostos são aqueles que incidirão não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Como se pode perceber, capitalização dos juros pode, matematicamente, ocorrer mês a mês, semestralmente, ano a ano, etc. 2


3. Regime legal brasileiro da capitalização de juros;

Num ligeiro retrospecto histórico, antes de se passar à regência legal da capitalização pelo ordenamento jurídico pátrio, observa-se que o Código Comercial não admitia a capitalização, em seu artigo 253, com exceção da anual em conta-corrente. O Código Civil brasileiro do início do século, individualista e patrimonialista, externando em mais um ponto sua postura liberal, permitiu no art. 1262. a livre pactuação do anatocismo. Contudo, foi revogado neste aspecto pelo art. 4° da Lei da Usura, a qual pretendeu ceifar os excessos e abusos praticados na cobrança de juros. Em caráter excepcional admitiu a mesma regra permissiva que já estabelecera anteriormente o Código Comercial, a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos de conta-corrente ano a ano.

Como leciona Roberto Rosas, a interpretação da Lei da Usura não foi pacífica, mas entendeu a Suprema Corte que ela proibiu o anatocismo ainda que expressamente estipulado, firmando seu entendimento na súmula n° 121, que assim dispôs: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada". 3

Embora o Supremo Tribunal tenha decidido que a lei n° 4.595/64 derrogou a Lei da Usura no tocante ao limite da taxa de juros para instituições financeiras (súmula n° 596 4), a Lei de Reforma Bancária não derrogara a Lei da Usura no tocante à proibição da capitalização de juros. Somente seria possível a capitalização quando lei especial a permite, como as leis que disciplinam o crédito rural, crédito industrial e crédito comercial, desde que seja também pactuada (lei que permita é requisito necessário mas não suficiente). Nesse sentido se editou a súmula n° 93 do Superior Tribunal de Justiça: "A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros".

Podem-se citar duas ementas, a exemplo, que resumem a posição atual do Superior Tribunal de Justiça neste tema:

DIREITOS COMERCIAL E ECONÔMICO. FINANCIAMENTO BANCÁRIO. JUROS. TETO DE 12% EM RAZÃO DA LEI DE USURA. INEXISTÊNCIA. LEI 4.595/64. ENUNCIADO DA SÚM. 596/STF. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. EXCEPCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. ENUNCIADO DA SÚM. 282/STF. (...)

II – Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por Lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei 4.595/64 o art. 4° do DEC 22.626/33. O anatocismo, repudiado pelo verbete da Súm. 121/STF, não guarda relação com o enunciado da Súm. 596. da mesma Corte. (...)

(RESP n° 164935/RS, decisão de 16/06/1.998, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira)

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MÚTUO BANCÁRIO – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO – TAXA DE JUROS – LIMITAÇÃO – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – PROIBIÇÃO – PRECEDENTES. (...)

II – A capitalização dos juros somente é permitida nos contratos previstos em lei, entre eles as cédulas e notas de créditos rurais, industriais e comerciais, mas não para o contrato de mútuo bancário.

III – Precedentes.

IV – Recurso conhecido e provido.

(RESP n° 176322/RS, decisão de 23/02/1.999, Relator Ministro Waldemar Zveiter)

Recentemente, duas medidas provisórias abordaram o assunto. Elas foram eternizadas pelo art. 2° da Emenda Constitucional n° 32, de 11 de setembro de 2001, que determinou que "As medidas provisórias editadas em data anterior à publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional."

A primeira, a medida provisória n° 2.160-25, de 23 de agosto de 2001, dispôs sobre a Cédula de Crédito Bancário, definindo-a no art. 1° como "(...) título de crédito emitido, por pessoa física ou jurídica, em favor de instituição financeira ou de entidade a esta equiparada, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade". Essa medida provisória permitiu o pacto de capitalização dos juros neste título executivo específico.

Comentando a medida provisória, Nelson Lacerda afirma que essa medida provisória amplia sobremaneira o poder das instituições financeiras, em detrimento da sociedade, sendo "prova de que o governo encontra-se refém das instituições financeiras". Assim se posiciona o autor:

A prerrogativa "capitalizados" derruba o princípio legal sedimentado desde 1850, no Código Comercial, na Lei de Usura, nos julgados do Supremo Tribunal Federal e na Constituição Federal, e quebra a hierarquia dos poderes. Se utilizada a prerrogativa em questão, o valor a ser pago quase dobra, senão vejamos tomando exemplos. Juros lineares a uma taxa de 10% ao mês: em 12 meses, sobre a dívida incidem juros anuais de 120%. Juros capitalizados: considerada a mesma alíquota de 10%, chegamos a 213% ao ano sobre o principal.(...). 5

A Procuradora da República Valquíria Oliveira Quixadá Nunes entende que a legalização do anatocismo é um "acinte aos Tribunais e aos consumidores". Abordando também o referido diploma, assim se pronunciou:

A jurisprudência assentada no STF, no STJ e nos TRFs demonstra a validade da proibição da Lei da Usura. A proibição da capitalização dos juros nos contratos de empréstimo, a exemplo do cheque especial, financiamentos para habitação etc. ficou clara. No entanto, quando os bancos se viram derrotados, saíram desesperados em busca de socorro ao governo, que prontamente os atendeu.

Aliás, para tutelar os interesses dos banqueiros, o governo não se importou nem com os demais poderes, interferindo diretamente na competência do Poder Legislativo, com a edição de medida provisória sobre a matéria, e ainda desrespeitando e afrontando o Poder Judiciário, que, com o repúdio categórico ao anatocismo, tentou fomentar em seus julgamentos o resgate do equilíbrio na relação cliente/banco, já tão prejudicada com as abusivas taxas de juros praticadas, e que fica agora perdida com a imposição, pelo governo, da extorsiva cobrança de juros sobre juros.

A segunda é a medida provisória n° 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, que "dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro nacional, consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências". Mais drástico, este diploma legal no seu art. 5° permite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, em todas as operações realizadas pelas instituições financeiras.

Afora não se detectar relevância alguma, ou urgência alguma, nesta norma sob forma de "medida provisória", requisitos que esta deveria conter, ela estatui preceito evidentemente discriminatório ao restringir a possibilidade exclusivamente à instituição financeira, padecendo evidentemente de dupla inconstitucionalidade.

A Gazeta do Povo de 12 de abril de 2.000 trazia a manchete "Medida beneficia bancos e afeta as pessoas que pagam empréstimos", de Mirian Gasparin de Oliveira. Reportava a autora que "Mais uma vez o lobby dos banqueiros funcionou e o consumidor sai prejudicado. No dia 31 de março, praticamente na surdina, o governo federal editou medida provisória autorizando os bancos a cobrarem juros sobre juros em financiamentos habitacionais, cheque especial e em contratos com prazo inferior a um ano." 6

Noticiava o artigo que várias liminares já haviam sido concedidas por juízes das Varas Cíveis de Curitiba, impedindo a cobrança de juros sobre juros, bem como que a Andif (Associação Nacional dos Devedores de Instituição Financeira) já estava tomando providências judiciais. 7

Carlos Alberto Etcheverry, Juiz de Direito no Rio Grande do Sul, acompanhando a medida, asseverou em seu artigo "Capitalização de Juros":

Enxertando a regra sob exame em uma medida provisória que não tem qualquer relação com o sistema financeiro, existiriam boas chances de não chamar a atenção. Com uma vantagem adicional: a cobrança de juros compostos, tal como vedados na Lei de Usura, ficaria legitimada desde logo e até que os legisladores examinassem a medida provisória, que poderia ser reeditada ad infinitum, já que parece consolidado o entendimento de que o parágrafo único do art. 62. da Constituição Federal - segundo o qual ela perde a eficácia se não convertida em lei no prazo de trinta dias - não diz o que diz.

Como os critérios para aferir outros requisitos autorizadores do uso desse mecanismo legal - relevância e urgência - possuem uma elasticidade simplesmente inacreditável, nada haveria a temer se examinada a questão sob o aspecto jurídico. Claro, o mesmo observador referido anteriormente poderia afirmar que ao menos a relevância estaria presente, arrematando, em tom irônico, com a pergunta: mas para quem? 8

A este respeito, Bruno Mattos e Silva afirmou:

Para edição de uma medida provisória, nos termos da constituição, existe a necessidade da questão ser relevante e urgente.

No caso em tela, a questão é, sem dúvida alguma, relevante. Justificaria a edição de uma medida provisória sobre o tema. Causa perplexidade, contudo, que a medida provisória tenha trazido regra mais benéfica para as já poderosas instituições financeiras!

(...)

No tocante ao outro requisito para a validade de uma medida provisória, não parece ser urgente a liberalização total do anatocismo: os bancos já são muito ricos e podem muito bem praticar o anatocismo apenas anualmente e devolver o dinheiro dos juros cobrados a maior, em razão de uma deliberada e consciente violação da Lei de Usura.

Isto é, o teor da medida provisória não é urgente para os interesses da sociedade; urgente ele é, porém, para os bancos, com inúmeras ações, contestando a ilegalidade do anatocismo, sendo julgadas procedentes, a mudança da legislação!

Contudo, dificilmente o STF irá proclamar a ilegalidade da referida medida provisória, em razão de falta do requisito de urgência. 9


4. Abordagem doutrinária da capitalização de juros

Embora haja na doutrina alguns autores que defendem a possibilidade da capitalização de juros, prepondera a corrente contrária, para a qual a capitalização é um mal a ser extirpado do ordenamento jurídico, seja pelo Poder Legislativo, seja pelo Judiciário. Devem-se abordar as duas correntes.

Na primeira figuram os autores Cançado e De Lima 10, que entendem que a súmula n° 121 da Colenda Suprema Corte não se aplica às instituições financeiras. Lecionam os autores que a orientação jurisprudencial é no sentido de ser vedada a capitalização de juros em período inferior a um ano para todos os segmentos (seja instituição financeira ou não), sendo contudo permitida a capitalização anual de juros contratuais, compensatórios e moratórios para todos os agentes econômicos. A lei n° 4.595/64, neste tocante, em nada alterou a Lei da Usura, que repetiu o Código Comercial.

Há, no dizer dos dois autores, uma interpretação extensiva, e de acordo com os fins da lei, para o que seja "contrato de conta corrente" do art. 4° da LU e do 253 do Código Comercial, já que estes dois diplomas não estabelecem em qualquer de seus dispositivos distinção de tipo ou modalidade contratual, abrangendo então quaisquer saldos contratuais, que evoluam ao longo do tempo, tendo sido tal entendimento corroborado pelo STJ e STF. A capitalização em período inferior, como semestral, só é permitida quando há lei especial que com isso expressamente consinta (como os decretos-lei n° 167/67, no tocante à cédula de crédito rural, n° 413/69, no tocante à cédula de crédito industrial, e lei n° 6840/80, no tocante à cédula de crédito comercial).

No mesmo sentido dos autores acima, e por eles citado, está o prof. Humberto Theodoro Júnior 11, que ressalva que só incidem tais capitalizações quando as partes expressamente pactuarem no contrato de financiamento. Não há vedação da Lei da Usura para isso, e a Lei Bancária não a alterou.

Cançado e De Lima procuram ainda demonstrar que a capitalização decorre de um imperativo matemático-financeiro, devendo ser permitida sempre, mesmo que não pactuada pelas partes contratantes.

No mesmo sentido, embora entenda que sempre a capitalização anual ou em período menor (quando lei permitir) se dá somente com convenção expressa, mostra-se Humberto Theodoro Júnior, citado pelos autores acima. É o sentido do seguinte trecho de um parecer seu:

De lege ferenda, se me afigura razoável deixar-se, dentro de parâmetros mais flexíveis, o problema dos períodos de capitalização de juros para a livre convenção das partes, ou mesmo fazê-la confundir com o simples enunciado da taxa de juros aplicável (anual, mensal, diária), como aliás, parece prevalecer no direito comparado e recomendar a técnica econômica e matemática. Mas, enquanto permanecerem em vigor o Código Comercial, o Código Civil e a Lei da Usura, não há como generalizar aquilo que tradicionalmente se vê como estrita exceção à regra de somente ser admissível a capitalização anual. 12

Dornelles da Luz, do mesmo modo, mostra-se favorável à capitalização dos juros. Assevera o autor:

Não há como escapar da realidade. Os Bancos, fazendo o que se convencionou chamar de intermediação financeira, têm que repassar o dinheiro pelo seu custo, mais o spread que constitui sua comissão. Ora, se a capitalização mensal é consentida na captação como seria possível proibir seu repasse? Pode um comerciante ser obrigado a vender sua mercadoria com prejuízo? Há fundamento jurídico a respaldar uma proibição dessa natureza? Só mesmo em uma economia de guerra ter-se-á justificativa jurídica.

Aos poucos os Tribunais foram-se dando conta da absurdidade de algumas teses que entre eles encontrava sustentação.(...). Mas, não demorará muito, chegará a admiti-lo (refere-se ao compto capitalizado dos juros) em toda operação bancária indistintamente, enquanto perdurarem essas ruinosas condições em nossa economia. 13

Não obstante haja autores que, assim, defendem a possibilidade jurídica da capitalização de juros, a grande maioria da doutrina se posiciona em sentido contrário. E não sem argumentos. A lista dos autores que assim se posicionam é enorme, e seus argumentos em geral têm por base a Lei da Usura, até pouco tempo vigente, entendendo que só se admite a capitalização quando a lei expressamente a permite e é expressamente pactuada.

Neste sentido, além da jurisprudência, por exemplo, os autores Rodrigues Alves 14, José Reinaldo Coser 15, Nardim Darcy Lemke 16, Cristiano Álvares Vallardes do Lago. 17

Contudo, com a edição das novas medidas provisórias o cenário muda, bem como devem mudar os argumentos. Os argumentos tradicionais cedem indefesos frente ao novo argumento legislativo das medidas provisórias que estão a admitir a capitalização. Neste aspecto, interessante e original é o argumento do juiz Sérgio Gischkow Pereira, que entende, a partir da aplicabilidade imediata da regra constitucional que veda os juros reais a 12% ao ano, estar extirpada de nosso ordenamento jurídico a capitalização de juros.

Assim se pronuncia Pereira: "Inviável, por outro lado, permaneça a figura dos juros compostos. Admitida que fosse, estaria profundamente comprometida a limitação constitucional e burlada de maneira escancarada. O limite da Carta Magna é para a taxa de juros reais, sem abrir exceção par uma taxa real resultante de capitalização de juros." 18

Como se procurará demonstrar, a capitalização de juros não é juridicamente cabível, nem mesmo quando lei a permite.

Sobre o autor
Deltan Martinazzo Dallagnol

Procurador da República em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Capitalização de juros no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3439. Acesso em: 18 nov. 2024.

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