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Contratações públicas: princípio da isonomia versus privilégio das microempresas e empresas de pequeno porte

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Agenda 01/12/2014 às 10:29

4.O TRATAMENTO PRIVILEGIADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

4.1. Contratações Públicas e a Lei Complementar nº 123/06

Antes de adentrar na questão base do presente debate, necessário esclarecer segundo o entendimento de Gasparini (2012, p. 757) que o sistema das contratações públicas tem como arcabouço estrutural a Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), que apresenta como objetivo viabilizar uma maior facilitação no desempenho das tarefas realizadas pelas Comissões licitatórias dos órgãos para a consequente seleção da proposta mais benéfica ao ente administrativo.

Assim, segundo a ideia de Justen Filho (2007, p. 92) o determinado tratamento privilegiado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte não ficou adstrito apenas ao texto constitucional, sendo confirmado pela Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), especificamente em seu capítulo V, para disciplinar acerca das regras que regulamenta a ampliação do acesso às licitações e contratações de compras, obras e serviços pelos entes federativos, tratamento esse sintetizado pelos artigos 1º e 42 a 49 da mesma lei, que trata das aquisições públicas. Os artigos 42 e 43 estatuem normas sobre a regularidade fiscal das microempresas e empresa de pequeno porte. Em seguida, os artigos 44 e 45 delimitam sobre o direito de preferência, o artigo 46 possibilita a autorização da emissão de cédula de crédito microempresarial. Já os artigos 47, 48 e 49 dispõem sobre tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte.

Aduzem Pereira Junior e Dotti (2012, p. 73) que as inovações trazidas no bojo do respectivo Estatuto almejam implementar o tratamento diferenciado que o próprio texto constitucional assegura às microempresas e empresas de pequeno porte.

Referendam Pereira Junior e Dotti (2012, p. 73) que existem quatro elementos que oportunizam um amplo acesso de oportunidades aos contratos administrativos, quais sejam: um prazo especial para a comprovação da regularidade fiscal da pequena e microempresa, na fase de habilitação da licitação – art. 43, §§ 1º e 2º da LC nº 123/06 (BRASIL, 2006); empate ficto com a empresa de grande porte, caso o valor da proposta da pequena ou microempresa for até 10% superior ao daquela, ou no valor de 5% na espécie pregão (arts. 44 e 45); emissão de cédula de crédito microempresarial pela microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 46); a concessão de tratamento diferenciado e simplificado disferido as micro e pequenas empresas com intuito primordial de promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, para a correta concretização das políticas públicas.

No âmbito federal, o decreto nº 6.204/2007 (BRASIL, 2007) surgiu para ratificar a correta aplicabilidade do tratamento diferenciado, favorecido e simplificado voltados às microempresas e as empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens e serviços. Nessa linha de pensamento, estatui Justen Filho (2007, p. 25) que o respectivo decreto somente será aplicado na esfera federal, os demais entes poderão instituir regulamento próprio, caso contrário aplicar-se-á a respectiva Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006).

Outro ponto a ser mencionado, segundo Justen Filho (2007, p. 25) é que o artigo 1º do decreto supramencionado diz que se coadunam com tal tratamento favorecido os “órgãos da administração pública federal direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista”, não ensejando a aplicação aos Poderes Judiciário e Legislativo, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público. Tal posicionamento vai de encontro ao que se encontra arquitetado na própria LC nº 123/06 (BRASIL, 2006), na medida em que seus benefícios são autoaplicáveis e gerais, ou seja, não depende de norma para a sua correta eficácia.

4.2. Função Social das Contratações Públicas na Lei Complementar nº 123/06

De início, sabe-se que, com a inserção da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) no ordenamento jurídico brasileiro, inúmeros foram os questionamentos abordados, entre um deles, destaca-se um maior respeito aos parâmetros sociais para a correta efetivação de uma contratação pública.

Segundo a ideia de Ferreira (2012, p. 39) a “função social” da contratação administrativa passou por uma modificação bastante significativa, de forma a transcender a concepção tradicional arguida acerca da socialização das aquisições públicas e, nos dias atuais, inserir cada vez mais a visão macroeconômica das contratações públicas.

De maneira a esclarecer o que fora supramencionado, assim aponta Justen Filho (2010, p. 746):

Segundo a concepção tradicional, as contratações públicas seriam destinadas exclusivamente a prover os entes estatais dos bens, serviços e obras necessários ou dar um destino aos bens de que os entes administrativos não necessitassem. Sob esse enfoque, as contratações públicas era destinadas a promover a satisfação direta e imediata das necessidades estatais. Na dimensão macroeconômica, é inquestionável que a contratação pública apresenta uma relação socioeconômica. A atividade contratual do Estado não pode ser concebida como um simples instrumento para atender necessidades administrativas. A afirmação de um estado intervencionista acarretou uma função promocional de satisfação de direitos. O Estado assumiu o dever de satisfazer uma ampla gama de necessidades coletivas e individuais. Isso significa que o Estado necessita realizar contratações frequentes, que envolvem valores muito elevados. O estado, individualmente considerado, torna-se o maior contratante na economia. Isso significa que o setor privado acaba sendo modelado para atender às necessidades estatais. Se o estado cessasse repentinamente de promover contratações, o resultado seria o caos – não apenas colapso dos serviços estatais, mas também pela ociosidade do setor produtivo.

Assim, percebe-se que a amplitude dispensada quando da inter-relação das contratações públicas com a concepção tradicional da função social dos contratos administrativos é estritamente voltada apenas para prover os entes administrativos, sem promover qualquer interação socioeconômica com o conjunto de atividades econômicas administrativas, mas sim, voltar-se exclusivamente a satisfação imediata da atividade estatal.

Percebe-se isso, quando se traduz a ideia trazida por Ferreira (2012, p. 43), qual seja, a de que o descumprimento da função social da licitação, ou seja da promoção do desenvolvimento nacional sustentável, nos dias atuais, desagua no desrespeito da seleção da proposta mais benéfica, na medida em que só vislumbra como sendo juridicamente relevante apenas o papel econômico para a Administração, excluindo o aspecto social também interligado.

Como mesmo preceitua Ferreira (2012, p. 44) a função social nas contratações públicas é tida como finalidade material extraordinária, na medida em que a “socialidade” não se restringe apenas em satisfazer o interesse da administração, mas sim o interesse geral, coletivo e social, de modo a gerar efeitos amplos e indistintos para toda a coletividade.

Em suma, segundo o disposto por Ferreira (2012, p. 44), o intuito estrutural da concepção de “função social” abarcada na Lei Geral de Licitações e Contratações Administrativas, bem como na Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) é romper com o caráter neutro da administração pública para a fixação e seu objeto, o rol de licitantes e os ganhos para posterior contratação administrativa, através disso irá ser concretizado o exercício da sua função administrativa efetiva, não se restringindo apenas a ordem econômico-financeira que condiciona uma aquisição pública.

4.3. O Desenvolvimento Nacional Sustentável como fonte legal para as aquisições públicas

Em decorrência direta do caráter privilegiado concedido às micro e pequenas empresas emerge a ideia disciplinada no próprio texto do artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), que tem como objetivo imediato o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, de modo a ampliar a eficácia das políticas públicas e o incentivo direto a tecnologia.

Nessa linha de raciocínio, indispensável será dispor acerca da alteração realizada no artigo 3º da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), quando da inserção na Lei nº 12.349/2010 (BRASIL, 2010) da terceira finalidade mediata das licitações públicas, qual seja a promoção do desenvolvimento nacional sustentável conjugada diretamente com o caráter isonômico dispensado às MEs e EPPs e a consequente seleção da proposta mais vantajosa para a Administração.

Tal ampliação, como bem preleciona Justen Filho (2007, p. 92) foi planejada para reestruturar e transformar as licitações públicas em instrumento de contensão do exercício abusivo de poder pelos agentes públicos desprovidos de boa-fé.

Nos dias atuais, segundo ideia de Ferreira (2012, p. 45) as escolhas administrativas dependem, diretamente, de uma análise conjunta do interesse público, de forma a atender todas as finalidades essenciais constitucionalmente previstas aos indivíduos e aquelas decorrentes da lei.

Nessa linha de pensamento, ainda preleciona Ferreira (2012, p. 44) que incentivar o microempreendedorismo pela via das licitações é potencializar a criação de oportunidades de crescimento econômico sustentável e aumentar, gradativamente, as chances de realização da dignidade da pessoa humana pela facilitação de ingresso no mercado formal de trabalho e, pois, no rumo do pleno emprego.

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O desenvolvimento, como argumenta Ferreira (2012, p. 65), para ser enquadrado como sustentável deve respeitar três viés, quais sejam: o econômico, o social e o ambiental, para que, através da conjugação deles, confira um avanço significativo do juízo central de sustentabilidade.

De modo a esclarecer tal linha de pensamento, Ferreira (2012, p. 68) aponta que a sustentabilidade econômica tem como escopo o crescimento econômico e as estruturas produtivas, de modo a gerar uma eficiência mínima dos sistemas econômicos. Em contrapartida e inter-relacionado com a sustentabilidade econômica, tem-se a social, como sendo uma junção dos valores de democracia e do caráter social, ao fim, tem-se a sustentabilidade ambiental que apresenta como escopo principal a própria atividade humana que desrespeita os fatores ambientais.

Em suma, como estatuído anteriormente e segundo entendimento de Justen Filho (2007, p. 93) as contratações públicas frente à lei complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) deve garantir um efetivo respeito aos parâmetros acima expostos, como consequência direta desse caráter diferenciado e simplificado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte, como forma de incentivar o efetivo respeito ao desenvolvimento nacional sustentável.


5.O PRINCÍPIO DA ISONOMIA FRENTE À LEI 123/06

5.1. Breve análise sobre o Princípio Constitucional da Isonomia

D’Oliveira (2011) apresenta que o princípio da isonomia estrutura-se como um pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, na medida em que a sociedade busca o tratamento justo aos que ainda não tiveram a correta viabilização e implementação de tais direitos mais básicos e fundamentais, ainda nesse raciocínio o reconhecimento da igualdade apenas em seu aspecto formal, naquela restrita a análise fria do texto da lei, esquecendo-se da aplicabilidade para a concretização dos direitos conferidos nos ordenamentos jurídicos pátrios. (D’OLIVEIRA, 2011)

Nesse interim, sabe-se que a igualdade não se resume apenas naquela rotulada como formal, ou seja, aquela disposta no texto legal, mas, também, naquela que confere meios eficazes de concretização de todos os direitos em lei estabelecidos.

Nesse seara, de forma a ratificar tal posicionamento, para Pinto Ferreira (1983, p. 770) esta igualdade perante a lei:

[...] deve ser entendida como igualdade diante da lei vigente e da lei a ser feita, deve ser interpretada como um impedimento à legislação de privilégios de classe, deve ser entendida como igualdade diante dos administrados e juízes.

Para um efetivo entendimento, de maneira brilhante, estatui Bulos (2009, p. 420), “que a regra que rege a igualdade não consiste senão em tratar os desiguais na medida em que se desigualem”, nesse entendimento é que se forma a verdadeira lei da igualdade, ou seja, tratar com desigualdade os iguais ou com igualdade os desiguais, seria desigualmente flagrante, e não a igualdade real previamente estabelecida.

5.2. Definição e distinção entre Microempresa e Empresa de Pequeno Porte

O art. 3º da LC 123/06 (BRASIL, 2006) estatui acerca da definição, a saber:

Art. 3º  Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais);

II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

Conforme se extrai da própria definição dada pela lei às micro e pequenas empresas e segundo posicionamento de Spinola (2008, p. 108), sabe-se que a principal diferença existente entre ambas, resume-se ao faturamento, tal distinção leva-se em conta apenas o porte da empresa pelo seu faturamento bruto anual.

De maneira a complementar tal ideia, Montãno (1999, p. 15) estatui que o critério diferenciador entre ambas privilegia apenas os aspectos quantitativos, não as considerando em seu aspecto qualitativo, visto que a receita bruta anual é tópico medidor do padrão de produção da pequena empresa.

 Transcorrido esses apontamentos, Santana e Guimarães (2014, p. 28) afirmam que tanto as pessoas físicas quanto jurídicas, uma vez preenchidos os requisitos mínimos legais, poderão recebem o status jurídico de microempresa e empresa de pequeno porte, sendo detentoras de todos os benefícios em lei estipulados.

Indispensável ainda será arguir que a referida LC nº 123/06 (BRASIL, 2006) apresenta blocos normativos dissociados, ou seja, tem-se a criação do Estatuto da Microempresa, a criação do Simples Nacional, alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas, alterações previdenciárias e licitatórias condensadas em apenas uma estrutura normativa. Apesar disso, os benefícios na lei assegurados, de diferentes áreas, são interpretados de forma individual, de modo a não desfigurar o que se encontra delineado no texto legal.

Como posto por Santana e Guimarães (2014, p. 32) deve o instrumento convocatório dispor, de forma direta e objetiva, acerca da documentação necessária para que o licitante receba a intitulação do status jurídico de microempresa e/ou empresa de pequeno porte, e, por conseguinte, sejam amparados com todos os benefícios, dispondo ainda o momento da sua apresentação e a espécie de recurso cabível após decisão proferida pela comissão licitatória.

5.3. Caráter Privilegiado Concedido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

A proclamação da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) emergiu para ser um novo Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, em substituição direta à Lei nº 9.317/96 (BRASIL, 1996), que instituiu o Simples Nacional, e à Lei nº 9.841/99, o Estatuto da microempresa e empresa de pequeno porte, onde retrata o tratamento jurídico diferenciado.

Sabe-se que o referido estatuto foi insculpido através de Lei Complementar, como bem dispõe o art. 59, parágrafo único, do texto constitucional (BRASIL, 1988):

O tratamento diferenciado concedido às micro e pequenas empresas tem embasamento constitucional, como se observa:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituída sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Tendo a Carta Magna como arcabouço estrutural, observa-se a plena efetividade da lei complementar que hoje regulamenta às microempresas e as empresas de pequeno porte, de modo que seu favorecimento é fonte da igualdade também presente no aparato normativo brasileiro.

Além da base constitucional previamente estabelecida, o art. 1º da LC nº 123/06 (BRASIL, 2006), assim estabelece:

Art. 1º. Esta lei complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

I – à apuração e recolhimento de impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;

II - ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;

III - ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.

IV - ao cadastro nacional único de contribuintes a que se refere o inciso IV do parágrafo único do art. 146, in fine, da Constituição Federal.

§ 1º Cabe ao Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) apreciar a necessidade de revisão, a partir de 1º de janeiro de 2015, dos valores expressos em moeda nesta Lei Complementar.

Para o correto andamento privilegiado concedido às micro e pequenas empresas, exige-se, de plano, a sua comprovação jurídica, seja qual for a modalidade licitatória que participe. Nesse entendimento, Gasparini (2010, pp. 692-693) preleciona que a comprovação jurídica, dar-se-á mediante a apresentação da documentação prevista no art. 27, I combinado com o art. 28 da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), bem como também a declaração de enquadramento como ME ou EPP.

Como bem disciplinado anteriormente, o enquadramento legal para distinguir a microempresa da empresa de pequeno porte é justamente o faturamento bruto, visa-se apenas o lado quantitativo em detrimento do qualitativo. Para ratificar esse entendimento, necessário será transcrever o que vem insculpido no art. 11 do Decreto nº 6.204/07 (BRASIL, 2007) que:

Art. 11.  Para fins do disposto neste Decreto, o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte dar-se-á nas condições do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em especial quanto ao seu art. 3º, devendo ser exigido dessas empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os requisitos legais para a qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte, estando aptas a usufruir do tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 daquela Lei Complementar. [...]

Sobre esse tratamento diferenciado, Mamede (2007, p. 57) tem a seguinte ideia o fato de criar benefícios que iguale desníveis presente na sociedade, serve como forme de viabilizar um maior condicionamento de políticas distributivas, sendo plenamente compatível com os regramentos impostos na lei. Assim sendo, o incentivo de privilégios dispensados a tais empresas, por si só, já servem de estimulo para uma competitividade maior entre os concorrentes, na medida em que cria situações de igualdade e condiciona um maior respeito aos ditames em norma estabelecidos.

5.4.Peculiaridades no andamento licitatório concedido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

Com relação as licitações, a Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), reserva um capítulo rotulado como “Do Acesso aos Mercados”, o qual estabelece todo o tratamento aplicável aos casos de aquisições públicas, abarcando do art. 42 ao 49 do respectivo estatuto legal.

 Nohara (2007, p. 78) apresenta como ideia que inúmeros são os fatores que condicionam o desaparecimento das microempresas e empresas de pequeno porte em decorrência direta da impossibilidade de competição com as empresas de porte elevado. Assim sendo, são edificadas garantias especiais concedidas às MEs e EPPs para um procedimento licitatório isonômico, na medida em que possibilita a criação de situações igualitárias entre os participantes para uma correta consecução da atividade pública.

Preleciona Nohara (2007, p. 79), que apesar do capítulo em comento, restringir-se a analisar o acesso aos mercados, é visível que esse “mercado” seria rotulado como Poder Público, na medida em que muitas empresas utilizam como meio propulsor de seu crescimento as contratações administrativas com os entes federativos, de maneira a viabilizar o seu progresso.

Nesse passo, Justen Filho (2007, p. 92) comenta os benefícios elencados nos artigos 42 a 45 aplicáveis, em qualquer procedimento licitatório, às microempresas e as empresas de pequeno porte, apontando que são dois: a regularização fiscal e o lance suplementar no caso de empate ficto. Evidencia-se ainda que tais benefícios são de ordem geral e indistinta para as entidades administrativas que estiverem promovendo certames licitatórios, derivada, essa obrigatoriedade, justamente do que fora insculpido no texto constitucional de 88.

Justen Filho (2007, p. 54) alude que os referidos benefícios são aplicáveis as modalidades licitatórias: concorrência, tomada de preços, convite e pregão, não abraçando ao leilão e o concurso, pela inexistência de vínculo de pertinência entre o caráter de ME ou EPP e o objeto do certame.

Especificamente com relação ao art. 43 do respectivo estatuto, Nohara (2007, p. 81) aponta que a referida norma legal deve ser interpretada em conjunto com o art. 42 da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), uma vez que esse explicita que a comprovação de ME ou EPP só é exigida para efeito de assinatura de contrato, induzindo ao entendimento que seria desnecessário a apresentação da documentação que comprova essa situação jurídica, fato esse ausente depois da análise do próprio art. 43 aqui abalizado que não exime as microempresas e as empresas de pequeno porte que às microempresas e empresas de pequeno porte de apresentarem a documentação fiscal quando da ocasião da participação no certame licitatório.

Ainda com relação ao artigo supramencionado, indispensável será mencionar o que se encontra insculpido em seu §2º, a menção da convocação dos licitantes remanescentes, assim aponta Pereira Junior (2007, p. 96) que por inexistência no regramento geral, ou seja, na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, acerca do seu tratamento remanescente, incidirá o art. 64, §2º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993) no respectivo caso tendo como modalidades licitatórias a concorrência, tomada de preços e convite existindo a igualdade de condições, inclusive com relação aos preços.

Transcorrida essa ideia, passa-se para a análise dos arts. 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), que é assim delineada por Justen Filho (2007, p. 92):

O art. 44 cria uma solução de ‘empate ficto’. O dispositivo estabelece, no caput, que as pequenas empresas gozarão de preferência de contratação em caso de empate. Em outras palavras, o “empate” configurar-se-á quando houver mais de uma proposta com idêntico valor. Mas também serão consideradas como empate as situações em que a diferença entre as propostas se enquadre num determinado limite porcentual. Produz-se desse modo, uma ficção de empate, na medida em que, sob o prisma aritmético, não existe igualdade de valores.

De forma a exemplificar o que fora explicitado anteriormente, usaremos dois exemplos:

Exemplo 01: Hipótese do Pregão

Empresa X

Empresa Y

Empate “ficto”

Empresa Grande

ME ou EPP

-

Valor da Oferta:R$100,00

Valor da Oferta: R$105,00

Intervalo de até 5%

Exemplo 02: Qualquer outra modalidade de licitação

Empresa X

Empresa Y

Empate “ficto”

Empresa Grande

ME ou EPP

-

Valor da Oferta: R$100,00

Valor da Oferta: R$110,00

Intervalo de até 10%

Depreende-se, dos exemplos ora expostos, que a Empresa Y (micro e pequena empresa) encontra-se empatada com a Empresa X, em decorrência direta do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 44 do respectivo Estatuto, assim percebe-se claramente a incidência da figura do empate ficto como estruturado em linhas anteriores. Observa-se ainda, que não existe empate ficto quando a melhor proposta já tenha sido selecionada uma ME/EPP, como bem aduz Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães (2014, pp. 52-53), ou seja, quando já tiver ocorrido um procedimento licitatório e a escolha já tenha sido uma microempresa ou empresa de pequeno porte, não se fala, nesse caso, em empate aparente ou suposto.

O art. 46 da Lei Complementar em comento, assim aborda:

Art. 46.   A microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Município não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação poderão emitir cédula de crédito microempresarial. 

Tal qual como abordado nesse artigo, Nohara (2007, p. 84) de modo a esclarecer a presente norma legal estrutura a seguinte ideia que como o capital de giro das microempresas e empresas de pequeno porte é reduzido, muitas não conseguem arcar com os riscos de produção porventura existente quando do atraso do seu pagamento pelo ente federativo, inviabilizando o consequente desenrolar do contrato administrativo. Assim, diante do que fora previsto, às micro e pequenas empresas poderiam conceder liquidez ao empenho, por conta do atraso para quitação. Porém, tal concessão ainda depende de regulamentação, como disposto no § único do artigo 46, de forma a subsumir-se à regra geral insculpida na Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993).

Após apresentado o ponto acima, deve-se a analisar os arts. 47 e 48, assim dispostos:

Art. 47. Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.

Parágrafo único. No que diz respeito às compras públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal.

Utilizando como parâmetro os artigos supramencionados, há de destacar os objetivos dispostos por Justen Filho (2007, p. 108) especificamente quanto ao artigo 47, da seguinte forma: “a promoção do desenvolvimento nacional econômico e social no âmbito municipal e regional; a ampliação das políticas públicas e o incentivo a inovação tecnológica”.

Assim, como já foram esclarecidos tais apontamentos em capítulo anterior, apenas será necessário ratificar que tais objetivos tem como escopo o progresso econômico conjugado com o desenvolvimento nacional sustentável, de forma a viabilizar uma maior efetivação das políticas públicas existentes.

Nessa linha de pensamento, para a correta aplicabilidade disposta no art. 47, indissociável será seguir os regramentos elencados no art. 48, como se observa:

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:

I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

II - poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte;

III - deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte

[...]

Assim, vislumbra-se a necessidade de qualquer ente administrativo respeitar os preceitos insculpidos anteriormente, de modo a ensejar um andamento licitatório eficaz. Com relação ao disciplinado no artigo 49 da lei complementar ora em estudo, a lei estabeleceu limites ao incentivo nele abordado, na medida em que o legislador apontou critérios que devem ser observados, quando o administrador implementar tais regramentos privilegiados às microempresas e empresas de pequeno porte.

De maneira concisa, Ferreira (2012, p. 65) tem como encaixe o próprio princípio da ordem econômica regulado na Constituição Federativa do Brasil de 1988 quando do tratamento favorecido dispensado às MEs e EPPs, sabendo que esse benefício se enquadra apenas como um dos tantos outros que abarcam determinadas empresas.

Daí, o trabalho em si tem como estrutura o respeito aos ditames simplificados e privilegiados de modo a efetivar o princípio constitucional da isonomia, tanto no aspecto material quanto no formal, garantindo a possibilidade de participação das microempresas e empresas de pequeno porte nos certames públicos.

5.5 O Princípio da Isonomia frente à Lei Complementar nº 123/06

Como já preceituado, inúmeras vezes, o procedimento licitatório é arquitetado como:

O procedimento administrativo consubstanciado num conjunto de atos praticados de forma ordenada e sucessiva pelo Poder Público, visando à seleção da melhor oferta, em razão de determinado negócio jurídico que pretende celebrar por meio de um contrato (SANTANA; GUIMARÃES, 2014, p. 29)

Nessa linha de raciocínio e em decorrência direta do que se encontra insculpido no art. 3º da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), Santana e Guimarães (2014, p. 29) preceituam que o procedimento licitatório abarca duas finalidades, quais sejam: garantir a isonomia na atuação administrativa e obter a proposta mais vantajosa para o Poder Público.

Observa-se ainda, que uma das finalidades precípuas da licitação é a correta observância do princípio constitucional da isonomia. O tratamento diferenciado concedido às MEs e EPPs tem embasamento constitucional como já delineado em tópico pretérito, especificamente nos arts. 170, inciso IX, e art. 179 da Constituição da Repúblicas Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), constituindo-se como princípio estruturador da ordem econômica.

De maneira direta, Santos (2007, p. 35) assim leciona que as discriminações são legítimas, desde que tenham como suporte o aparato constitucional, no caso em espécie tal embasamento é estruturado pelo art. 170, IX combinado com art. 179, ambos da CRFB/88 (BRASIL, 1988), edificado como princípio o próprio tratamento diferenciado concedido às MEs e EPPs, de modo a haver um sistema jurídico harmônico conjuntamente com o conjunto de regras impostas para a correta solução do caso em concreto.

Em continuidade ainda elenca Justen Filho (2007, p. 32) acrescentando que tal tratamento limita-se até a posterior neutralização das diferenças existentes entre às MEs e EPPs e as empresas de grande porte, restringindo-se ao estritamente necessário para a eliminação de possíveis diferenças capazes de afrontar o princípio da isonomia.

Ao fim, o Plenário do Tribunal de Contas da União, quando da prolação do Acórdão nº 1.231/2008 (BRASIL, 2008), manifestou-se sobre a Constitucionalidade do tratamento diferenciado concedido na Lei nº 123/06, pelo Ministro Guilherme Palmeira, da seguinte forma:

[...] Nada obstante a existência do preceito constitucional da realização de licitação para as contratações públicas com o objetivo de melhor atendimento ao interesse público, assegurado o tratamento isonômico entre os participantes, não há que se olvidar que é também princípio constitucional o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte (CF/88, arts. 170, IX e 179), com o justo intuito de alçar à condição de iguais sujeitos desiguais. Creio que esses princípios não se antagonizam, ao contrário. Formam um todo harmônico em busca, justamente, da almejada isonomia, da igualdade. Penso, ainda, não ter sido outro o espírito com que o legislador ordinário promulgou a LC 123/2006, estabelecendo as normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e o Executivo baixou o Decreto 6204/2007, regulamentando o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado a ser aplicado aos entes em questão nas contratações públicas no âmbito da Administração Federal. Além do mais, como bem assentou o representante do parquet, o atendimento ao interesse público visado pelo instituto da licitação, lato sensu, compreende não só a melhor proposta financeira, mas também fomentar a ampliação da oferta de bens e serviços, inibindo a formação de estruturas anômalas de mercado. Dessa forma, não vejo como prosperar a tese de inconstitucionalidade aventada [...] (ACÓRDÃO Nº 1.231/2008, Min. Rel. Guilherme Palmeira).

A tudo o que já foi dito, pode-se inferir que os benefícios existentes no ordenamento jurídico pátrio em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte servem como forma de concretização dos efeitos reais que abarcam o princípio constitucional da isonomia, de modo a condicionar um procedimento licitatório condigno.

Sobre o autor
Savio Verdiano

Graduando em Direito, estagiário do Tribunal Regional Eleitoral - TRE/SE, dedicado a publicar trabalhos que sirvam como meio estruturador para um maior conhecimento jurídico.

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