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Agências reguladoras

Surgimento e Atribuições

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Agenda 23/12/2014 às 14:55

A EVOLUÇÃO DO ESTADO. O SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS. ATRIBUIÇÕES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A EVOLUÇÃO DO ESTADO. 2. O SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS. 3. ATRIBUIÇÕES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

INTRODUÇÃO

Com a modernização do Estado administrativo e dos conceitos relacionados aos seus deveres, em especial os que tocam à prestação de serviço público adequado e de qualidade,  surgiu o princípio da descentralização como hoje o conhecemos.

A descentralização do poder estatal visa facilitar a execução dos objetivos do Estado, para que este desempenhe suas funções com eficiência técnica, jurídica e financeira, proporcionando aos consumidores dos serviços públicos maior satisfação.

Contemporaneamente, a descentralização não se dá apenas com a criação de autarquias tradicionais ou entidades paraestatais, mas sim com a transferência, pelo Estado, do dever de execução de uma atividade a terceiros estranhos à estrutura da Administração Pública.

Com este modelo de descentralização, aliado à flexibilização dos monopólios estatais e à redução de barreiras à entrada de capital estrangeiro no país, surgiram grandes grupos econômicos com interesse em explorar atividades que outrora eram de exclusiva função do Estado, como os serviços de telecomunicações e energia.

A transferência ao setor privado de ativos estatais e mesmo de serviços públicos, não significa desregulação. Ao contrário, aumenta a necessidade regulatória, pois, deixando o Estado de ser ele próprio provedor do bem ou serviço de relevância social, tem ele que passar a exercer algum tipo de fiscalização sobre essa atividade, sob pena de estar descuidando de controlar a produção de uma utilidade dotada de essencialidade e relevância. Com este intuito, foram assim criadas Agências Reguladoras, cuja função é ditar as normas de condução entre os agentes envolvidos, ou seja, o Poder Público, o prestador dos serviços e os usuários.

Este modelo de administração de serviços públicos teve por inspiração o paradigma em vigor em alguns países europeus e nos Estados Unidos[1]  e se aplica também às atividades econômicas monopolizadas pelo Estado em face de seu relevante interesse coletivo, como é o caso das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural.

No presente trabalho, passaremos em revista o posicionamento do Estado face a cada uma das fases socio-econômicas atravessadas desde as Revoluções Gloriosa e Francesa, quando se desenvolveu um modelo econômico liberal-individualista, com um Estado mínimo, passando pelo intervencionismo paternalista do Estado de Bem-Estar Social até o equilíbrio hodierno da fase neoliberal, em que o Estado atua como fiscalizador e regulador da iniciativa privada.

Estudaremos a função reguladora do Estado, relevante para entender-se o cenário em que proliferam os chamados entes reguladores. Abordaremos, então, as características fundamentais do modelo brasileiro de agência reguladora, sua independência, caráter especializado e, principalmente, a possibilidade de edição de atos de natureza normativa para a regulação da atividade econômica,

Buscar-se-á, precipuamente, analisar a questão referente aos limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras à luz do Direito Constitucional vigente, especificamente em face do princípio da legalidade, insculpido no art. 5o, II, da Constituição Brasileira, com a exposição de teorias que procuram justificar a atribuição de poderes normativos às agências, bem como quais seriam os limites desta faculdade perante o princípio da legalidade.

1.A EVOLUÇÃO DO ESTADO

Desde a “fundação” do Estado contemporâneo, cujos marcos históricos inaugurais são as Revoluções Gloriosa e Francesa, a participação do Poder Público nas relações econômicas cambiou do abstencionismo, característico do modelo estatal liberal, ao intervencionismo, sendo este realizado em graus distintos ao longo dos séculos passado e corrente.

Entre o final do século XVIII e o início do século XX, principalmente a partir da Revolução Francesa, desenvolveu-se o modelo econômico liberal-individualista, no qual, protegidos da atuação limitadora-interventiva do Estado, os grupos capitalistas manipuladores da produção e do comércio se expandiam, estabelecendo monopólios de mercado e preços espoliativos. Tinha-se um Estado minimamente atuante, em não intervindo na economia, ao contrário porém, deixando livre a atuação da iniciativa privada no mercado econômico.[2]

Por tal razão, o direito fundamental, sustentáculo desse modelo econômico, era o direito à liberdade, o qual se figurava como um direito praticamente absoluto, oponível a qualquer intervenção estatal considerada indevida.

Em perfeita síntese, Norberto Bobbio esclarece que “como teoria econômica, o liberalismo é partidário da economia de mercado; como teoria política é simpatizante do Estado que governe o menos possível, ou como se diz hoje, do Estado mínimo”[3].

Com o passar dos anos, o individualismo exacerbado e as condições em que a classe dominante burguesa exercia o seu domínio sobre a classe trabalhadora levaram à crise do sistema político-econômico liberal, com a conseqüente necessidade da intervenção do Estado no âmbito das relações de Direito Privado.[4]

Surge então o chamado Estado de Bem-Estar Social, o qual se caracteriza pela intervenção estatal nas relações privadas e no exercício de direitos individuais, assim como por uma atividade paternalista do Estado em relação às classes menos favorecidas, a qual se evidencia pelo desenvolvimento das prestações de previdência e seguridade sociais.[5]

Todavia, em face do crescimento desmensurado do Estado, que passou a atuar em todos os setores da vida social, e de sua ação interventiva, colocou-se em risco a própria liberdade individual, afetando o princípio da separação dos poderes, e conduzindo à ineficiência na prestação dos serviços.[6]

Assim temos que no curso da segunda metade do século XX, o Estado de Bem-Estar Social entrou em crise. O assistencialismo social e a ineficiência desse modelo foram indicados como responsáveis pelo crescimento da dívida pública e do déficit orçamentário[7], dando início à sua contestação e à pregação pelo retorno de um Estado Liberal não-intervencionista.

Contudo, ressalte-se que o declínio do Estado Social, e o surgimento de defensores de um modelo estatal neoliberal, não implicaram no desaparecimento total do primeiro. Antes, este passa por modificações importantes, com a diminuição do seu tamanho e a restrição ao seu intervencionismo. Deixa-se influenciar pelas idéias do liberalismo social, que não se confundem com as do neoliberalismo.

Nota-se, portanto, que a intervenção estatal nas relações privadas e, mais especificamente nas relações econômicas, variou da pregação por um Estado mínimo até a prevalência do Estado de Bem-Estar Social, intervencionista e paternalista, sendo oportuno observar que, hodiernamente, nenhuma dessas estruturas extremadas prevalece, havendo um Estado, em tese, presente e participativo nas relações sócio-econômicas, mas não centralizador das iniciativas econômicas e limitador dos direitos e interesses privados.[8]

Assim, é importante ter em mente que no curso do século XX, com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, independentemente da variação de grau do intervencionismo estatal no âmbito deste último, o Estado assumiu a realização de diversas atividades que antes se encontravam na esfera de atribuições dos indivíduos, tendência esta que pode ser verificada, de forma acentuada, a partir de três acontecimentos específicos, quais sejam, as duas Guerras Mundiais e a Grande Depressão que as medeou.

Por outro lado, a alteração no que tange à participação do Estado na vida social trouxe consigo uma modificação na função estatal preponderante em cada época histórica.

Com efeito, tendo em vista que o Estado Liberal tinha por finalidade a estabillização e manutenção da classe burguesa no poder, a função estatal prevalecente no período foi a legislativa, transformando-se o Parlamento no senhor das regras imponíveis à sociedade, principalmente nas situações em que se fazia possível a intervenção estatal na esfera privada.

O declínio do Estado Liberal e o conseqüente crescimento das atribuições estatais modificou este quadro, trazendo à tona a supremacia do Poder Executivo e sua galopante concentração de funções.

Hoje vivemos um período em que são muitas as atribuições estatais, acumulando o Estado-Administração as funções de prestação de serviços, planejamento, regulação e fomento das atividades econômicas, podendo ainda, em determinadas situações, e sob certas condições, emitir normas de conduta, regendo a vida em sociedade.

Todavia, as oscilações por que passou a história trataram de abalar profundamente a certeza de que o Estado seria capaz de resolver todos os problemas econômicos.

Especialmente a partir da década de 60, teóricos como Friedrich von Hayek[9] começaram a questionar e a avaliar os custos da intervenção direta estatal e concluíram que estes foram mais drásticos do que os que teriam sido suportados acaso se tivessem deixado que o próprio mercado cuidasse do seu revigoramento. De acordo com o supracitado teórico, isto ocorreu em razão do crescimento excessivo das despesas estatais para a manutenção dos órgãos interventores e do esgotamento da capacidade estatal de investir em tecnologias novas.

Observamos assim, que a referida concentração de funções no Poder Executivo trouxe consigo a ineficiência da intervenção estatal na economia e o déficit orçamentário, os quais demandaram uma alteração estrutural do Estado. No dizer de Alexandre Santos de Aragão, “a partir principalmente do Segundo Pós-Guerra, o Estado, diante de uma sociedade complexa e dinâmica, verificou a impotência dos seus instrumentos tradicionais de atuação, o que impõe a adoção de mecanismos mais ágeis e tecnicamente especializados”.[10]

Essa revitalização do espírito liberal sistematizada em uma doutrina de princípios econômicos foi logo batizada de “escola neoliberal”. Esta apregoa, basicamente, a substituição do Estado interventor pelo Estado regulador, ou seja, a retração da atividade econômica estatal em prol do desenvolvimento das forças econômicas privadas, agora não mais livres, mas reguladas.

O Estado Brasileiro não passou incólume diante das oscilações estruturais da economia global e, em cada período, acompanhou ora uma tendência de maximização, ora de restrição da sua atuação no e sobre o domínio econômico[11].

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A um longo período de intervenção direta, iniciado com a Era Vargas, e cujo auge se deu sob os auspícios do regime militar instituído em 1964, se sucedeu, na trilha neoliberal, um período de redução do seu papel, com a conseqüente alteração do âmbito de intervenção estatal no domínio econômico, compreendendo o ajuste fiscal, o abandono da estratégia protecionista de substituição das importações e o programa de privatizações das empresas estatais – iniciado com o Programa Nacional de Desestatização, PND, instituído pela Lei nº 8.031, de 12.04.1990 [12] – consolidando a idéia de que a produção torna-se mais eficiente transferindo-se para o setor privado atividades que o Estado exercia de forma dispendiosa e indevida.

Pretende-se que o Estado reduza o seu papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor ou promotor destes. Nas palavras de Luís Roberto Barroso, a privatização trouxe “drástica transformação no papel do Estado: em lugar de protagonista na execução dos serviços, suas funções passam a ser as de planejamento, regulamentação e fiscalização das empresas concessionárias”.[13]

Como destaca Marcos Juruena Villela Souto, “o que se propõe, em obediência ao princípio da subsidiariedade, é que o Estado se concentre na execução daquilo que é essencial, transferindo funções que podem ser desenvolvidas pelos particulares, seja em regime de livre iniciativa, seja em regime de direito público, ambas sob regulação estatal”.[14]

Destaque-se que o artigo 174 da Constituição da República já previa o Estado como responsável pela regulação do mercado.

Até a execução dos Programas de Desestatização, o Banco Central tinha a incumbência de exercer a regulação do mercado, juntamente com os “estoques reguladores” [15] do Estado para intervenção como instrumento de política agrícola e os tributos. Neste último caso, temos como exemplo o imposto de importação, utilizado para desestimular ou estimular condutas na política industrial e na política de comércio exterior, ora incentivando a produção nacional a ganhar os mercados interno e externo, ora para estabelecer condições de competitividade e melhoria das condições de qualidade e preço em função da oferta de gêneros estrangeiros.

A Comissão de Valores Mobiliários – CVM também exerce uma função de regulação, fiscalização e supervisão dos mercados de títulos e contratos de investimentos coletivos.[16]

2. SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

O afastamento do Estado das atividades de execução e prestação direta de serviços haveria de exigir a instituição de órgãos reguladores, como, aliás, passou a constar do art. 21, XI, da CR, com a redação da E.C. nº 8/95, e do art. 177, § 2º, III, com a redação da E.C. nº 9/95.

Dessa forma, surge o instituto da regulação, que, embora um pouco controvertido, conceitua-se basicamente como sendo a intervenção estatal junto a setores privados, conjunta ou isoladamente, para impor normas de conduta que visem atingir o bem estar comum da sociedade.  Para Alexandre Santos de Aragão, a regulação estatal seria o "conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis".[17]

A função reguladora é essencial para a eficiência do processo de desestatização, pois a dualidade – intervenção estatal versus livre concorrência – implica, essencialmente, a definição de regras capazes de assegurar o aprimoramento no desempenho dos serviços públicos, tornando-os mais eficientes, regulares e com preços módicos.

Os princípios da regulação exigem preocupação com segmentos considerados monopólios naturais, cuidando de conceber, especificar e supervisionar o funcionamento de mecanismos de mercado adequados, tornando possível o desenvolvimento de concorrência eficiente, para que possam assim ser reduzidos os preços e melhorada a qualidade do serviço prestado.[18] Desta forma, os órgãos reguladores devem ser instituídos com independência e autonomia, para que, imparcialmente, possam regular o mercado e os serviços públicos, defendendo também, os interesses do consumidor, garantindo a livre escolha, o abastecimento (garantia da oferta dos serviços) e preços acessíveis.

Os instrumentos regulatórios precisam ser concebidos de forma abrangente, permeando por entre os campos de prevenção antitrust, de defesa do consumidor, de proteção do meio ambiente, de definição de políticas tarifárias, de fixação de planos de investimentos para os concessionários e de fiscalização efetiva da qualidade do serviço, entre outros aspectos.

Portanto, deve sempre ser preservado o objetivo de harmonizar os interesses das três partes envolvidas – concedente, concessionário (preservação da viabilidade da sua atividade) e usuário (obtenção do melhor preço e da melhor qualidade do serviço) - como forma de assegurar a perpetuação do atendimento aos interesses da sociedade.

É nesse contexto que se desenvolve, no Direito brasileiro, paralelamente ao processo de privatização e desestatização, o debate quanto às agências reguladoras.

Com inspiração nos modelos europeu e norte-americano, o Estado brasileiro vem criando por lei esses entes especializados, em forma de autarquias especiais, independentes hierárquica e financeiramente, para a consecução do controle, em toda a sua extensão, da prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização, ficando elas responsáveis pelo planejamento, regulação e fiscalização dessas atividades econômicas.

Pode afirmar-se que essas agências devem ser fortes e atentas à área sob seu controle, para que não surja o risco de que pessoas privadas pratiquem abuso de poder econômico, visando à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência, provocando aumento arbitrário de seus lucros[19]. Cabe, dessa maneira, às agências reguladoras a relevante função de controle dos serviços e atividades exercidos sob o regime da concessão.

Até o presente momento, foram criadas pela União a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, instituída pela Lei 9.472, de 16.07.1997; a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei 9.427, de 26.12.1996); a Agência Nacional do Petróleo – ANP (Lei 9.478, de 06.08.1997); a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (ambas instituídas pela Lei 10.233, de 05.06.2001); a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei 9.782, de 26.01.1999); a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei 9.961, de 28.01.2000); a Agência Nacional de Águas – ANA (Lei 9.984, de 17.07.2000); que, em cada ordenamento setorial, organizam a forma de inserção e atuação dos agentes regulados. Há, ainda, a intenção de criar-se uma agência nacional de mineração. Vale observar que, com a Lei 10.411 de 26.02.2002, foi conferido um maior grau de autonomia à Comissão de Valores Mobiliários, que para muitos já era uma agência reguladora.

Foram criadas agências reguladoras também no âmbito estadual. Em alguns estados foi feita a opção pela criação de um único órgão regulador, abrangendo uma pluralidade de áreas de atuação. É o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro, que criou a Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP-RJ, pela Lei estadual 2.686, de 13.12.1997, e do Ceará, que instituiu a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE, pela Lei estadual 12.786, de 30.12.1997. De igual forma, os Estados do Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe criaram uma única agência para regulação dos serviços públicos estaduais em geral.

Já em outros Estados, como São Paulo e Bahia, optou-se por instituir agências especializadas, no âmbito de cada um dos setores concedidos, a exemplo do modelo federal.

Tais agências reguladoras, embora disciplinem setores distintos da atividade econômica e do serviço público, possuem alguns apanágios comuns, que se podem dizer conceituais no modelo delineado pelo legislador brasileiro. Todas elas, de fato, caracterizam-se pela independência, pela especialização técnica, e pela atribuição regulamentadora que a lei de instituição lhes confere no âmbito do seu ordenamento setorial.

3.ATRIBUIÇÕES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Como a atividade econômica é instrumento para a obtenção do desenvolvimento pelo qual deve haver a criação de emprego, o respeito a dignidade e o bem-estar de todos, o Estado está legitimado para atuar em face da livre iniciativa, quando o interesse coletivo público assim exigir, ou seja, as agências reguladoras executam ações que podem implicar na restrição da liberdade empresarial em prol do interesse coletivo.

Para que se tenha uma visão mais completa do quadro em que se inserem esses entes dotados de atribuições que lhes permitem influir de maneira tão significativa no segmento econômico-social do país, cumpre-nos doravante expor os principais pontos esclarecedores do funcionamento de uma agência reguladora.

Mesmo que sem esgotar o tema em todas as suas nuances, passaremos em revista sua natureza jurídica, seus procedimentos de criação e extinção e suas características mais marcantes.

As agências reguladoras são pessoas jurídicas de direito público, classificadas como autarquias. Tal natureza é essencial para que desempenhem efetivamente seu papel, que consiste em intervir no domínio econômico e fiscalizar a prestação de serviços de grande relevância social, ou seja, deveres específicos do Estado.

Por ter natureza autárquica, as agências reguladoras devem ser constituídas através de lei, e por representar opção discricionária de descentralização de certa função, a mencionada lei é de iniciativa exclusiva do Poder Executivo.

Da mesma forma deve-se proceder em caso de extinção das agências reguladoras, ou seja, por iniciativa do Executivo, o legislativo deve votar a extinção ou não da agência em questão.[20]

A ação da regulação varia de acordo com o modelo do Estado que a desenvolve, intervencionista ou regulador, porém a instituição da agência deve sempre ter em mente o mercado a ser regulado, os princípios da autonomia e da especialidade, a transição dos monopólios, e principalmente o interesse público.

As agências reguladoras que são dotadas de autonomia política, financeira, normativa e de gestão, adotaram o modelo de formar conselhos compostos por profissionais altamente especializados em suas áreas, com independência em relação ao Estado, e com poderes de mediação, arbitragem e de traçar diretrizes e normas, com o objetivo de adaptar os contratos de longo prazo realizados a eventuais acontecimentos imprevisíveis no ato de sua lavratura.[21]

Apesar de a importância conferida à independência ou à autonomia das agências reguladoras ser matéria controvertida, visto que se estaria retirando do poder político decisões acerca de setores de grande interesse social, é matéria relevada por grande parte dos autores que se dedicaram ao estudo destes organismos. Essas características inerentes às agências, somadas à sua especialidade, são vistas como mecanismos necessários a uma atuação eficiente e célere, traduzido em si a capacidade de buscar prioritariamente o atendimento dos direitos e interesses do usuário e a eficiência da indústria, em detrimento de outros objetivos conflitantes, tais como a maximização do lucro, em sistemas monopolistas, a concentração de empresas em setores mais rentáveis do mercado, ou a maximização das receitas fiscais.

            "o jurista espanhol Gaspar Ariño, por exemplo, enfatiza que ‘as duas notas fundamentais que as caracterizam – suas duas grandes vantagens – são a especialização e a independência’. Um pouco mais adiante em seu texto, continua: ‘a independência de juízo e a de decisão resultam particularmente necessárias nestas matérias por razões fundamentais: primeiro porque para o político o mais fácil é adiar o problema; segundo porque nos encontramos diante de situações que afetam diretamente os direitos e liberdades dos cidadãos, onde as decisões devem ser tomadas com a imparcialidade e independência de um juiz".

Nessa linha, alguns autores, como Floriano Azevedo Marques Neto não admitem, sequer, a figura do contrato de gestão, concebida no Direito francês, e que constitui o mecanismo pelo qual "o estado outorga alguma autonomia a um ente público, fixando, de outro lado: i) metas que devam ser atingidas; ii) sanções – apenatórias ou premiais – aos dirigentes em caso de descumprimento ou atingimento de tais metas".[22]

De modo geral, para justificar-se a necessidade de independência ou autonomia das agências reguladoras, busca-se, tácita ou expressamente, desqualificar o "político" – movido quase sempre pelo interesse meramente eleitoral – e supervalorizar o "técnico" – este sim, merecedor da confiança da sociedade.

Como explanado acima, a autonomia e independência concedidas às agências reguladoras são fundamentais para que as mesmas possam exercer adequadamente suas funções, vez que o maior bem jurídico sob tutela é o interesse comum, não podendo estar sujeitas às constantes intempéries políticas.

Por independência se deve entender que a agência tem autonomia decisória e é administrada sem que haja nenhuma espécie de sujeição hierárquica ou política de seus dirigentes ou suas decisões ao Chefe do Poder Executivo. De fato, este, em razão de tal característica, sofre limitações aos seus poderes tanto na nomeação – que tem a natureza de ato administrativo composto, pois o dirigente apontado pelo Presidente da República deve ser aprovado pelo Senado antes da posse –, bem como na exoneração, que não poderá ser ad nutum (imotivada) após os 4 primeiros meses do mandato [23]. Disso decorre, pois, a estabilidade dos mandatos dos dirigentes.

Tais tópicos relativos à independência suscitaram dúvidas quanto a sua constitucionalidade que foram dirimidas pelo Supremo Tribunal Federal, por maioria, no julgamento da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade n.º 1949-0 A primeira consistia no procedimento de nomeação vinculado à sabatina, e a segunda tinha como fundamento a premissa de que, se o dirigente não se submete a concurso público, então não teria mandato estável. Alguns comentários sobre essa decisão são oportunos.

Em seu voto, o Ministro Nelson Jobim, assentou que, de acordo com o art. 52, III, f, da Carta, outros titulares de cargos que a lei designasse poderiam ser submetidos à prévia chancela senatorial [24]. Também a questão da limitação da exoneração foi ressuscitada, afastando-se a aplicação da Súmula n.º 25 do Supremo, que dispõe não impedir a nomeação a termo a livre demissão, pelo Presidente da República, de ocupante de cargo de dirigente de autarquia.

Tal súmula, na verdade, não assumia contornos absolutos já ao tempo da decisão citada, pois a Súmula n.º 47 excepcionava a regra determinando que reitor de universidade não é livremente demissível pelo Presidente da República durante o período de sua investidura. Particularmente no tange a essa questão, referido magistrado recuperou voto vencido histórico do legendário Ministro Vitor Nunes Leal no qual este, magistralmente, assentou que: 1) a competência administrativa de prover cargos públicos admite configurações de investiduras outras, desde que expressamente definidas na lei criadora; e 2) no sistema presidencial, pode ser mesmo imprescindível para a implementação de determinada política legislativa que o mandato se livre da sua precariedade, e salutar, pois, rechaçar injunções da política partidária.[25]

Ainda no tocante à independência, deve-se aduzir que esta é meramente relativa em face do Poder Judiciário. Embora as agências reguladoras gozem de autonomia política, estrutural e financeira, permanecem sujeitas ao crivo do Poder Judiciário, pois em respeito ao princípio da jurisdição una, todo ente público ou privado que se sentir lesionado em seu direito, ou tê-lo ameaçado, poderá socorrer-se ao judiciário, para que suas alegações e direitos sejam juridicamente apreciados. Por ora, vale consignar que as decisões e sanções tomadas no âmbito da aplicação das normas emanadas dos órgãos deliberativos da diretoria das agências serão sempre revisáveis quanto ao aspecto da legalidade

No que concerne à caraterística comum especialização técnica, vale lembrar, que, à luz da economia industrial e pós industrial, a vida em sociedade deixou de apoiar-se em valores estritamente políticos para apoiar-se em standards operacionais [26]. Sobre esse tema anota Alexandre Santos de Aragão que: "Ainda nos casos em que aqueles (valores estritamente políticos), em princípio, devam prevalecer, não podem, via de regra, ser realizados sem o necessário arcabouço técnico"[27].

Por este motivo, requer-se, no âmbito da regulação desenvolvida pelas agências, além da especialização específica no ramo do direito, cada vez mais uma abertura cognitiva transdisciplinar dos operadores jurídicos, sendo comuns, nos dias hodiernos, os juristas-biólogos, juristas-sanitaristas, juristas-economistas, etc., muitos dos quais com mais de uma formação acadêmica-profissional [28].

De fato, a própria legislação, diante da complexidade da vida moderna, acaba por converter-se, paulatinamente, em assunto para peritos, de modo que a interpretação adequada só se torna possível para os iniciados nas ciências mais próximas da atividade a ser regulada.

Por ora vale lembrar que a regulação exercida pelas agências possui papel fundamental no cumprimento das políticas determinadas pelo Estado, sua função é gerencial (técnica) e de controle sobre os entes regulados.

Em última análise, a função primordial das Agências Reguladoras é compatibilizar a qualidade do serviço prestado com a tarifa a ser paga. Tais elementos devem ser equivalentes e atender os anseios da sociedade, equacionando o serviço desejável com o preço que se dispõe a pagar. Tal preço deve ser justo para ser baixo ao consumidor, e garantir adequada taxa de retorno ao capital investido.

Embora muitas agências reguladoras exerçam o papel de poder concedente, estabelecendo as condições de transferência do serviço estatal para a iniciativa privada, sua função básica é exercida posteriormente, regulando, fiscalizando, mediando, e arbitrando os conflitos dentro de suas respectivas áreas de atuação.

Contentando-se em traçar valores gerais que devem presidir à elaboração das normas regulamentares e às decisões administrativas, o legislador deixa às próprias agências, com seus técnicos, a tarefa de organizar os seus ordenamentos setoriais. Para que a regulação seja eficaz, trata, assim, de atribuir-lhes poderes normativos.

CONCLUSÃO

O Programa de Reforma do Estado decorre da incapacidade de o setor público prosseguir como principal agente financiador do desenvolvimento econômico, sendo imperiosa a necessidade de atração de capitais privados para os setores de interesse público.

Ocorre que esses investimentos só ocorrerão se os empresários tiverem lucratividade e segurança, pois trata-se de regime de livre iniciativa, em que essas são condições importantíssimas para o investimento.

A flexibilização dos monopólios e a abertura ao capital estrangeiro são, sem dúvida, instrumentos de competitividade e de possibilidade de lucro ao setor privado.

A segurança, por sua vez, só será alcançada com estabilidade das regras e autonomia dos agentes encarregados de sua aplicação, que não podem ficar aos sabores da predileção política e pressionados por critérios demagógicos de decisão, mas, sim, por fatores técnicos e financeiros que equilibrem os interesses entre fornecedores, consumidores e poder público.

Daí a relevância da criação de agências reguladoras dotadas de especialização, independência, autonomia e poder normativo, nos moldes colhidos no direito comparado.

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