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Avanços e declínios no projeto do novo código de processo civil: relativização das regras de impenhorabilidade

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Agenda 09/01/2015 às 15:28

3. DA RELATIVIZAÇÃO DAS REGRAS DE IMPENHORABILIDADE DE BENS CONSTANTES NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Examinar-se aqui, as inovações sobre o instituto da impenhorabilidade e das possibilidades de relativização de suas regras, constantes no projeto do Novo Código de Processo Civil. Para tanto, faz-se mister traçar um comparativo entre as regras apresentadas  no atual Código de Processo Civil, com o Projeto de Lei nº 8.046/2010 sendo possível verificar que as regras de impenhorabilidade serão um pouco modificadas com a reforma.

Encontram-se dispostas as regras de impenhorabilidade absoluta no art.790 do Projeto de Lei nº 8.046/2010, o qual propõe alteração do inciso X do atual art.649 minimizando a impenhorabilidade do valor depositado em conta poupança ao considerar impenhorável a quantia de 30 salários mínimos e não mais 40 salários mínimos. (PRATES, 2013, p. 46)

O parágrafo segundo do art.790 do Projeto, em nada altera o disposto no atual § 2º do art. 649, isto é, mantém a possibilidade de penhora sobre remunerações de natureza salarial para o pagamento de prestação alimentícia. Há apenas um acréscimo consubstanciado na possibilidade de penhora desses valores quando superiores a 50 salários mínimos mensais. (PRATES, 2013, p. 46)

O dispositivo em comento do Projeto realiza ainda no parágrafo 3º uma ampliação do rol dos bens impenhoráveis do inciso V. Incluindo: “Os equipamentos, implementos e máquinas agrícolas, desde que pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto nos financiamento e estejam vinculados em garantia à operação ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária”. (PRATES, 2013, p. 46)

No que toca ainda as regras de impenhorabilidade relativa, o Projeto de Lei nº 8.046/2010 em seu art. 791 suprime a parte final do atual art. 650, o qual afirmava: “Salvo se o se destinados à satisfação de prestação alimentícia”. (PRATES, 2013, p. 47)

Da apreciação das propostas para o Novo Código de Processo Civil pode-se inferir que serão singelas as alterações previstas para as regras de impenhorabilidade benéficas ao exequente na satisfação de seu crédito no que se refere à possibilidade de penhora de valores acima de 30 salários mínimos depositados em conta poupança, e na possibilidade de o credor de alimentos penhorar quaisquer valores depositados também em conta poupança. (PRATES, 2013, p. 47)

De todo modo, as alterações apresentadas no Projeto de Lei nº 8.046/2010, ainda que busquem afastar controvérsias existentes a respeito do processo de execução sua efetividade só poderá ser testada em campo prático, ao longo da aplicação dia a dia pelos operadores do direito. Sabe-se que todos aqueles que atuam frente ao Processo Civil, de modo particular, os juízes, devem ter sempre em mente resultados práticos e efetivos, desapegados do formalismo exacerbado, prontos as quaisquer mudanças que visem apresentar novos rumos a realização de uma justiça célere, adequada e concreta, pautada nos princípios constitucionais basilares de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. (REDONDO, 2011, p.82)

Apesar do apego a forma dos atos processuais, alguns avanços podem ser notados, especialmente no que toca a execução por quantia certa em que a penhora de dinheiro passar a ter preferência sobre qualquer outra espécie, consubstanciado na facilitação da realização da mesma. Contudo, poderia ter se aperfeiçoado ainda mais no que toca a relativização de alguns bens considerados impenhoráveis, em atendimento a satisfação do exeqüente, em especial, nos casos de imóveis e salários de alto valor. (LIGERO, 2011, p. 225)


4.  DA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: DECISÕES DOS TRIBUNAIS ACERCA DA IMPENHORABILIDADE

As jurisprudências atuais de diferentes tribunais com relação a algumas das regras de impenhorabilidade demonstram que as mesmas são aplicadas de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, tendo vista à efetividade do processo executivo e preservação das garantias do credor e do devedor. Por vezes, os tribunais têm acolhidos as argüições de impenhorabilidade do executado, fazendo com que se afaste a penhora de tais bens e, conseqüentemente, frustrando o exeqüente do recebimento de seu crédito.

É o que se pode extrai da decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no recurso de Agravo de Instrumento nº 0022687-54.2012.8.26.0000, julgado em 08 de agosto de 2012. Neste recuso o exeqüente postulou pela penhora de 30% dos vencimentos da executada para satisfação do débito referente a notas promissórias, que havia sido indeferido pelo magistrado de primeiro grau. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça, o qual negou provimento ao recurso, fundamentando-se no art.649 IV, do CPC. (PRATES, 2013, p. 47)

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[...] Em reforço, cabe lembrar que o Projeto de Lei da Câmara nº 51/2006, que se converteu na Lei nº 11.382, de 6.12.2006, previa, no § 3º do art. 649 do CPC, a possibilidade de penhora de 40% do salário cujo valor fosse superior a vinte salários mínimos. Todavia, esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, razão pela qual a impenhorabilidade das rendas previstas no inciso IV, do artigo 649 do CPC continua sendo absoluta.(Agravo de instrumento nº 0022687-54.2012.8.26.0000. Vigésima Terceira Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de SP, Relator: Sérgio Shimura, Julgado em 08/08/2012)

Inovador e bastante curioso se mostra o julgado nº 954933-3 do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, de 27 de março de 2013, o qual diante da análise do caso concreto foi permitida a penhora de 30% do salário do executado:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE DETERMINA A PENHORA DE 30% DO SALÁRIO DO EXECUTADO – IRRESIGNAÇÃO DO EXECUTADO – ALEGAÇÃO DE QUE O SALÁRIO É IMPENHORÁVEL E QUE A DECISÃO AGRAVADA AFRONTA OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA MENOR ONEROSIDADE DA EXECUÇÃO – NÃO ACOLHIMENTO SITUAÇÃO CONCRETA EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO DO ART. 649, IV DO CPC EFETIVIDADE DO PROCESSO RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO DEVEDOR - PERCENTUAL DE 30% DO SALÁRIO LÍQUIDO RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE ANALOGIA AO ART. 6º, §5º DA LEI Nº 10.820/03 – RECURSO DESPROVIDO.

Neste caso, diante da decisão do magistrado pela possibilidade de penhora de 30% do salário do executado tornando possível o seu empregador a descontar a mesma porcentagem dos vencimentos até a quitação do débito. Assim sendo, o executado interpôs o agravo de instrumento na tentativa de obstar a penhora constituída sobre o salário, consubstanciando fundamentação na afronta ao princípio da dignidade humana e da menor onerosidade.

Entretanto, no presente caso, o recurso não foi provido, sobre o argumento que diante de todas as provas existentes nos autos, manter a penhora sobre o salário do executado, além de ser adequado seria necessário para garantir a efetividade do processo embora haja impenhorabilidade prevista no art. 649, IV, do CPC seja absoluta, há casos excepcionais possibilitando a relativização de tal regra: (PRATES, 2013, p. 50)

Com efeito, a intenção do legislador, ao estabelecer a impenhorabilidade absoluta do salário do devedor, foi garantir a sua subsistência, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana. Todavia, não se pode admitir que o devedor se furte ao cumprimento de suas obrigações, quando se demonstra que a constrição parcial de seus rendimentos não implicará em prejuízos a sua subsistência e a de sua família, pois, do contrário, haveria manifesta violação ao princípio da efetividade da execução e do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor. (Agravo de instrumento nº 954933-3. Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do PR, Relator: José Hipólito Xavier da Silva, Julgado em 27/03/2012)

Por fim, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça o limite de até 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança é impenhorável, tendo em vista que o que se busca aqui é conferir uma segurança alimentícia ao devedor e sua família, sendo esta quantia considerada necessária para assegurar ao executado e sua família um padrão mínimo de vida digna posicionamento corroborado no  REsp nº 1.191.195/RS, julgado em 12 de março de 2013. (PRATES, 2013, p. 54)

No que trata da impenhorabilidade de salários, afirma o STJ que as circunstâncias do caso em concreto devem ser levadas em consideração haja a uma interpretação teleológica em obstando uma interpretação exclusivamente literal do art. 649, IV, do CPC. Entendimento consubstanciado no REsp nº 1.326.394/SP, julgado em 12 de março de 2013, a penhora de 20% dos honorários pleiteados pelo exequente não comprometiam a subsistência dos executados. (PRATES, 2013, p. 55)


CONCLUSÃO

  Com base em tudo até aqui exposto, torna-se possível afirmar que se encontra expresso em lei, limitações a responsabilidade patrimonial do devedor, nas chamadas regras de impenhorabilidade constantes nos artigos 649 e 650 do Código de Processo Civil (CPC). As quais representam restrições à penhora de determinados bens do devedor, consubstanciados na indispensabilidade desses bens à manutenção da vida digna do executado, conferida pelo legislador.

Como visto a restrição à penhorabilidade de bens comporta duas classificações, quais sejam: a impenhorabilidade absoluta e a impenhorabilidade relativa. No que toca a absoluta, aquelas que não podem servir de garantia em nenhuma hipótese, prevista no rol do artigo 649, do atual CPC. Já a relativa, estabelecidos no art. 650 do mesmo Código, aquela prevista em lei, diante da inexistência de outros bens penhoráveis do executado como garantia da execução.

Ademais, da análise da proposta do Novo Código de Processo Civil, no que atinge mais especificamente as regras de impenhorabilidade, é coerente concluir que foram poucas as alterações que propõem atenuar essa insatisfação dos credores, contudo, ainda que de forma restrita, ampliou as possibilidades de recebimento apenas no que se refere possibilidade de penhora sobre valores acima de 30% salários mínimos depositados em conta poupança e na possibilidade de o credor de alimentos penhorar quaisquer valores da conta poupança.

De todo modo, as alterações apresentadas no Projeto de Lei nº 8.046/2010, no que toca não só impenhorabilidade, mas ao Processo de Execução como um todo, ainda que singelas, tem como escopo afastar controvérsias existentes a respeito da efetividade da execução, a qual só poderá ser melhor experimentada em campos práticos, ao longo da aplicação pelos operadores do direito. O que se sabe é que a relativização das regras de impenhorabilidade se deu como forma de garantir a efetividade do processo e, principalmente, oferecer a melhor solução para ambas às partes, rompendo desta maneira com a clássica tendência unilateral de valorizar unicamente os direitos do devedor.

É evidente a aplicação das regras de impenhorabilidade como forma de garantir a dignidade humana, na pessoa do devedor, ocorre que por outro lado o credor que tem seu direito reconhecido não pode deixar de logra êxito na busca por patrimônio penhorável do devedor, ficando impendido de realizar sua pretensão em face da imposição das restrições à penhorabilidade aos bens do executado. Daí a necessidade de ponderação e relativização dessas regras prestigiando, desse modo, o princípio da efetividade da execução e da responsabilidade patrimonial do devedor. Ademais, essas regras só poderão ser melhor aplicadas considerando as peculiaridades de cada caso concreto, tendo em vista a importância dos princípios em confronto.

Por isso, vota-se pelo desapego do formalismo exacerbado, recepcionando quaisquer mudanças que visem apresentar novos rumos a realização de uma justiça célere, adequada e concreta, pautada, sobretudo, nos princípios constitucionais basilares de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Manual da execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo:

Saraiva, 2010, v. 3.

BRASIL. Código Civil, Constituição Federal e Legislação Civil. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

 Projeto de Lei nº 8.046/2010. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A144293F9DCB69DF09A3A79 5.node2? +8046/2010> Acesso em: 10 abr. 2014.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. São Paulo: Malheiros, 2007.

DIDIER Jr., Fredie et al. Curso de direito processual civilExecução. Bahia: JusPODIVM,

2010, v. 5.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2012.

LIGERO, Gilberto Notário. Desafios e avanços do processo de execução no Projeto de Código de Processo Civil. In: ROSSI, et al (coord.). O futuro do Processo Civil no Brasil: uma análise crítica ao Projeto do Novo CPC. Belo Horizonte, Fórum, 2011.

PARANÁ. Agravo de instrumento nº 954933-3. Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de

Justiça do PR, Relator: José Hipólito Xavier da Silva, Julgado em 27/03/2012. Disponível em:

<http://www.tjpr.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 10 abr, 2014.

 PRATES, Marina Jappe. Impenhorabilidade no Código de Processo Civil: a efetividade da tutela jurisdicional executiva. Disponível em:

http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/1677/MONOGRAFIA%20-%20MARINA%20JAPPE%20PRATES.pdf?sequence=1 Acesso em: Acesso em: 10 abr, 2014. 

REDONDO, Bruno Garcia. Relativização das Regras de Impenhorabilidade – Projeto de Novo Código de Processo Civil e Sugestão Normativa, In Fernando Rossi; Glauco Gumerato Ramos; Jefferson Carús Guedes; Lúcio Delfino; Luiz Eduardo Ribeiro Mourão (Coords.). O Futuro do Processo Civil no Brasil: uma análise crítica ao Projeto do Novo CPC, Belo Horizonte: Fórum, 2011.

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TESHEINER, José Maria. Precisamos de um Novo Código de Processo Civil? In: ROSSI, et al (coord.). O futuro do Processo Civil no Brasil: uma análise crítica ao Projeto do Novo CPC. Belo Horizonte, Fórum, 2011.

THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. 2.

Sobre a autora
Jéssica Silva Prata

Acadêmica do 9º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) de São Luís, Maranhão.

Informações sobre o texto

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