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Juros bancários: a legalidade das taxas de juros praticadas pelos bancos perante norma constitucional limitadora

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

CAPÍTULO 5: TESES DEFENSIVAS DOS BANCOS

5.1 – Ausência de Lei Complementar

Dispõem o art. 192 e § 3º da Constituição Federal de 1988:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

§ 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

Aqueles que defendem as instituições financeiras resumem seus argumentos afirmando que, enquanto permanecerem em vacatio legis as determinações contidas no caput do artigo, ou seja, enquanto lei complementar não regulamentar o sistema financeiro nacional, não há de se falar em limite de 12% ao ano das taxas de juros reais.

Jane Courtes LUTZKY, ao discursar a tese de inaplicabilidade do disposto no § 3º do artigo 192 por falta de lei complementar, cita Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos como adeptos. Estes, em "Comentários à Constituição do Brasil", Ed. Saraiva, 1990, explicam que incisos, parágrafos ou alíneas estão sujeitos à disposição preambular do artigo. O fato de a fixação dos limites de juros reais estar em parágrafo não o torna independente da regra fundamental do caput. Para se desvencilhar, seria necessário que houvesse ressalva expressa. A previsão de penalidade depende também de regulamentação, pois enquanto não se definir o que sejam juros reais, não se pode precisar quando o limite foi ultrapassado e conseqüentemente, cometeu-se o crime de usura.

Reafirmando as preposições acima expostas está a Circular nº 1.365 do Banco Central do Brasil que enfatiza:

"IX – que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, na forma da lei, aprovou o Parecer nº SR/70, do Consultor-Geral da República, o qual (sic) conclui que a eficácia dos preceitos contidos na Constituição, em seu artigo 192, está condicionada à edição de Lei Complementar e que, enquanto não promulgada esta, permanece em vigor o sistema de leis e regulamentos, em especial os decorrentes da Lei nº 4.595 de 31.12.1964, aplicável ao Sistema Financeiro Nacional."

Os juízes e tribunais que advogam essa tese são concisos, não deixando claro se concordam ou simplesmente admitem que é inútil divergir da Suprema Corte. Vejamos os seguintes julgados:

"(...) De se ter em conta que o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais decide que ‘os juros reais previstos no art. 192 § 3º, da Constituição da República, dependem de regulamentação porque a norma constitucional não é auto-aplicável’, conforme conta na Apelação Cível nº325.764-1, da 7ª Câmara Cível, relator o eminente Juiz Nilson Reis." (grifo do Ilmo. Sr. Dr. Juiz de Direito Eduardo Botti, da comarca de Santos Dumont/MG, em processo nº 607.00.005780-4, de 04 de mar.2002.)

(...) Taxação constitucional dos Juros. Descabe aplicação de norma constitucional desvestida de efetividade, o que lhe subtrai a eficácia. Recurso parcialmente conhecido à unanimidade e provido por maioria. (Ap. Cív. nº 191150200, TARS, 1ª Câmara Cível, 26.11.1991)

Juros. Não-Aplicabilidade da Regra do art. 192, § 3º, da CF/88. O citado dispositivo não tem vigência enquanto não editada a lei complementar a que alude o "caput". Manifestação, em tese do colendo STF, na ADIn nº 4. Precedentes do STJ. (Julgados 91/357)

Somente um ponto é visivelmente incontestável: há inércia do Legislativo para editar a lei complementar que daria imediata e plena operância ao postulado limitador. Acreditamos ser "difícil" reunir metade do deputados federais ou senadores para que o processo legislativo se efetive. Pois, se para uma lei ordinária, basta que metade dos 513 deputados esteja em plenário (apenas 257) e a sua aprovação só requer a maioria simples (metade mais um) dos presentes, uma lei complementar para passar na Câmara, é necessário que votem a favor metade mais um do total de 513, ou 81 de senadores para o trâmite no Senado.

5.2 – Aplicabilidade Restritiva do CDC nos Contratos Bancários

Luciano Braga CÔRTES defende brilhantemente esta tese, restringindo-se à interpretação autêntica no próprio bojo da Lei nº 8.078/90, quando esta estabelece os sujeitos da relação de consumo, definindo consumidor em seu artigo 2º como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto como destinatário final.

O cliente bancário que recorre à instituição para adquirir um empréstimo não é o destinatário final que o código consumerista visa proteger, pois sua intenção não é atender a uma necessidade própria, e sim desenvolver uma outra atividade negocial.

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Ricardo Tadeu Dias ANDRADE, advogado em Belo Horizonte, pugna pela inaplicabilidade do CDC em contrato de financiamento imobiliário alegando que o dinheiro circula e não se consume. Trata-se de um veículo que se destina à aquisição de bens e serviços. As pessoas do consumidor e do mutuário de banco são, por isto, diferentes.

A argüição de desequilíbrio entre os contratantes é descartada por falta de qualidade objetiva de destinatário final fático do bem ou do serviço. A vulnerabilidade ou desvantagem exagerada que o CDC pretende eliminar em seu artigo 51, inciso IV está estritamente ligada ao conceito de consumidor, por ser a Lei 8.078/90 uma lei específica, especial.

Segundo a interpretação finalista, só é destinatário final aquele que encerra a cadeia de produção, excluídos os adquirentes que visam utilizar o bem no exercício de sua profissão, para proveito econômico. O consumidor seria o não-profissional, restrito àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família.

Já a corrente doutrinária maximalista considera o CDC como um código geral de consumo, devendo o conceito de consumidor ser interpretado o mais extensivamente possível. CÔRTES [1997] discorda da posição dos maximalistas uma vez que a finalidade da Lei é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável.

Tanto a hierarquia do CDC dentro do contexto legislativo, quanto o seu objeto-finalidade embasam a tese da inaplicabilidade do direito consumerista nos contratos bancários. Vejamos os seguintes julgados:

O leasing pode representar economicamente uma operação de financiamento na aquisição do equipamento industrial ou comercial de uma empresa, mas juridicamente a operação é veiculada os moldes de uma locação, com opção unilateral de compra. Essa especial peculiaridade caracteriza o leasing como contrato de arrendamento mercantil, e não como contrato de empréstimo. Desse modo, não se está diante de relação de consumo derivada de um serviço colocado à venda e regulado pelo CDC, sendo legítima a cláusula resolutória em caso de falta de pagamento. (AgI 15.597-4-2, São Paulo, 9ª CDP do TJSP, RT 737/224)

CONTRATO – CLÁUSULAS CONTRATUAIS – PEDIDO JUDICIAL PARA A MODIFICAÇÃO DE SEU CONTEÚDO – INADMISSIBILIDADE – JUSTIFICAÇÃO DA INTERVENÇÃO JUDICIAL EM LEI PERMITIDA PARA A DECRETAÇÃO DA NULIDADE OU DA RESOLUÇÃO DA AVENÇA. O princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa impossibilidade de revisão pelo Juiz, ou de libertação por ato seu. As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes. Se ocorrem motivos que justificam a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para a decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo. (...) (Apelação Cível n.º 591.696-7 – 2.ª Câmara – Relator: Juiz Alberto Tedesco – "In" RT 714/163.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Inaplicabilidade da Lei nº 8.078/90 aos mútuos bancários. Inexistência de relação de consumo a ser protegida. Recurso provido. (1º TACivil - 6ª Câmara; Ag. Instrumento. nº 877.727-1-SP; Rel.: Juiz Evaldo Veríssimo, j. 10/8/99; v.u)

O jurista Ives Gandra da Silva MARTINS, ao esclarecer as razões pelas quais a Consif argüiu a inconstitucionalidade da expressão "inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária" do art. 3º, § 2º do CDC, defendeu a tese de que nenhum investidor estrangeiro ou brasileiro manterá recursos nos bancos brasileiros se continuar a multiplicação de decisões dos magistrados pátrios limitando as taxas de juros. Faltará, então, recursos para financiamentos, para desenvolvimento das empresas, para qualquer operação. Defende a imunidade das instituições financeiras à intervenção judicial, sujeitando-as apenas à autoridade do Conselho Monetário Nacional.

Concordamos com o advogado ETCHEVERRY [2002] que considera que a Consif, ao ajuizar a ADIn nº 2.591, não está procurando justiça e sim, um cúmplice. Pois, diante de evidente lesão patrimonial que tem sido constatada em contratos bancários por parte do cliente, justiça é a aplicabilidade do Codecon, que protege contra a publicidade enganosa e abusiva, garante qualidade dos serviços prestados e transparência do sentido e alcance das cláusulas contratuais.

5.1 – Competência do CMN e do Banco Central do Brasil

Após julgamento da ADIn nº 4, a Lei 4.595/64 (lei ordinária) ganhou status de lei complementar e passou a regulamentar o art. 192 da Constituição de 1988. Desta forma, o Conselho Monetário Nacional (CMN) é competente para "disciplinar o crédito em todas as suas modalidades" e "limitar, sempre que necessário, as taxas de juros", conforme disposição do artigo 4º, incisos VI e IX da Lei 4.595/64.

A competência dada ao CMN para limitar as taxas de juros sempre que necessário deve ser interpretada considerando a importância que tem a disciplina do mercado financeiro para a vida econômica do País. Significa dizer, que toda vez que for conveniente ou aconselhável para a economia do País, pode (e deve) esse órgão governamental aumentar ou tornar indeterminadas as taxa de juros praticadas pelas instituições financeiras. A faculdade de "limitar" dada pelo legislador permite simplesmente diferenciar o Brasil da prática de outros países, onde os juros bancários são regulados pelos usos, pela taxa habitual, isto é, pelo próprio mercado. Nesse texto de lei, limitar significa fixar o percentual, se achar conveniente.

O CMN e seu agente executor, o Bando Central do Brasil (BACEN), são detentores dos poderes normativo e disciplinar, respectivamente, e exercidos sobre as instituições integrantes do sistema financeiro nacional. As Resoluções baixadas pelo BACEN são aceitas como normas providas de força cogente e de cumprimento obrigatório por partes das instituições financeiras no que concerne ao funcionamento, procedimentos e operações.

Trataremos a seguir de duas Resoluções recém editadas pelo BACEN que demonstram claramente a supremacia das instituições integrantes do sistema financeiro nacional perante outros entes que trabalham com igual zelo e dedicação para bem administrarem seus custos e lucrarem dentro do atual capitalismo globalizado.

5.3.1 – Normatização do BACEN

O Banco Central editou, por determinação do Conselho Monetário Nacional, a Resolução nº 2.878 que "dispõe sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral".

Referida Resolução, popularmente conhecida como Código de Defesa do Cliente Bancário, foi elaborada mediante sugestões advindas de diversos segmentos da sociedade civil, inclusive os Procons. Considerando que os Procons são órgãos de defesa do consumidor, deve-se admitir que a Resolução foi baseada não em sugestões e sim em reclamações. É cediço que os bancos só perdem para o setor de telefonia em termos de reclamações.

Mesmo que se apresente com preceitos mais rígidos do que aqueles constantes no Código de Defesa do Consumidor, só encontramos em seu teor penalidades genéricas (art.19). Trata-se da normatização de pontos que a jurisprudência já consagrou como entendimento majoritário.

Em 22 de abril deste ano, foi implantado o Sistema de Pagamentos Bancário (SPB), uma nova operação de transferir dinheiro de pessoas para empresas, entre empresas ou entre pessoas. Se antes, ao adquirir um carro, por exemplo, a concessionária tinha acesso ao capital do comprador no dia seguinte, considerando o pagamento feito em cheque ou Documento de Ordem de Crédito (DOC), agora esta transferência ocorrerá em tempo real ou, no máximo, no mesmo dia, sendo utilizada uma Transferência Eletrônica Disponível (TED). O comprador transferirá o dinheiro da compra do carro para a concessionária na hora. Até então, a concessionária, sendo um cliente de ótima reciprocidade em determinado banco já gozava de um privilégio correspondente, utilizando, no mesmo dia do depósito, o capital do comprador antes da confirmação de saldo em seu banco – sem que devidamente compensado. Essa prática bancária conhecida como "saque sobre depósito bloqueado", permitia que a concessionária utilizasse o dinheiro que entraria na conta no dia seguinte para pagar uma conta que vencia hoje. Esse empréstimo tácito, geralmente a custo zero, é o alvo do novo SPB. Se antes, os bancos que têm empresas como clientes, costumavam emprestar um dinheiro que não possuíam, terminando o dia com saldo bancário negativo, hoje, estas transferências só acontecerão se houver saldo disponível ou depósitos de garantia. Os bancos terão de trabalhar com os pagamentos e recebimentos bem sincronizados, terão que captar para, só depois, emprestar. Segundo Luiz Fernando Figueiredo, diretor de política monetária do BC "essa é a melhor garantia de solidez para todo o sistema financeiro".Essa reestruturação tem o intuito de transferir para o setor privado o risco de insolvência do sistema financeiro atualmente suportado pelo setor público, por intermédio do Banco Central.

O SPB trará conseqüências imediatas. Uma vez que as instituições financeiras não poderão, em nenhum momento, operar com saldo devedor durante o movimento diário, as empresas estarão obrigadas a ter limites de conta garantida, mesmo que não usem o crédito. Significa que o banco não cobrará juro sobre o valor sacado até o limite da conta garantida caso a empresa pague uma conta por meio eletrônico antes de entrar com o recurso através de depósito, no mesmo dia. Ou seja, se antes o cliente fazia suas movimentações bancárias durante todo o dia, se preocupando somente em não fechar, ao final do expediente bancário, com saldo negativo, agora, a cada movimentação, ou o cliente garante que possui saldo no exato momento do pagamento, ou utiliza "momentaneamente" o limite da sua conta garantida, isentando-se dos juros com posterior depósito da quantia utilizada.

A inserção dessa novidade no presente trabalho visa demonstrar que a venda casada estará "legalizada", já que será inaceitável uma empresa trabalhar com um banco sem um "cheque especial".

Em contrapartida, o SPB ajudará a melhorar a imagem do País internacionalmente e a reduzir o Risco Brasil. Em linhas gerais, o risco-país é uma sobretaxa que os investidores estrangeiros cobram do governo e do setor privado para compensar a possibilidade de não receber empréstimos concedidos. Esse adicional de juros é estabelecido acima do rendimento dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, considerados de risco zero. Ou seja, dependendo de quão arriscado, de quão vulnerável avaliam a economia brasileira, maior ou menor será essa sobretaxa.

Sobre a autora
Cláudia Goldner Picinin

economiária, bacharel em Direito pela UNIPAC, Barbacena (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICININ, Cláudia Goldner. Juros bancários: a legalidade das taxas de juros praticadas pelos bancos perante norma constitucional limitadora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3562. Acesso em: 18 nov. 2024.

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