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O subfaturamento nas aquisições de matérias-primas:

aspectos jurídicos e repercussões no custo industrial e no fluxo financeiro

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

CAPÍTULO III: POSSIBILIDADE JURÍDICO-CONTÁBIL DO ARBITRAMENTO DA BASE DE CÁLCULO NO SUBFATURAMENTO

            3.1 BASE DE CÁLCULO E FATO GERADOR

            A legislação fiscal, a doutrina jurídica e contábil, e a jurisprudência têm sido fértil na produção de definições do que sejam fato gerador e base de cálculo.

            Carvalho (1996, p.161) proferindo palavras acerca do que seja "fato gerador" diz:

            Várias locuções têm sido sugeridas pelos especialistas do Direito Tributário, para bem designar o antecedente ou suposto das normas que prescrevem as prestações de índole fiscal. Fala-se em situação-base, pressuposto de fato do tributo, suporte fático, fato imponível, hipótese de incidência, fato gerador etc.

            Prosseguindo, Carvalho (1996, p.165) ainda escreve:

            O objeto sobre o qual converge o nosso interesse é a fenomenologia da incidência da norma tributária em sentido estreito ou regra-matriz de incidência tributária. Nesse caso, diremos que houve a subsunção, quando o conceito do fato (fato jurídico tributário) guardar absoluta identidade com o conceito desenhado normativamente na hipótese (hipótese tributária). Ao ganhar concretude o fato, instala-se automática e infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker, o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la.

            O mesmo Carvalho (1996, p.230-233) discorrendo acerca da base de cálculo diz:

            Temos para nós que a base de cálculo é a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.

            ... A versatilidade categorial desse instrumento jurídico se apresenta em três funções distintas: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.

            (...)

            A grandeza haverá de ser mensuradora adequada da materialidade do evento, constituindo-se, obrigatoriamente, de uma característica peculiar ao fato jurídico. Eis a base de cálculo, na sua função comparativa, confirmando, infirmando ou afirmando o verdadeiro critério material da hipótese tributária. [Grifo nosso].

            Esclarecedoras são as palavras do insigne mestre Carvalho (1996, p.231-235), quando descreve o que seja "medir as proporções reais do fato" da base de cálculo:

            É aí que escolhe, dentre os múltiplos atributos valorativos que o fato exibe, aquele que servirá de suporte mensurador do êxito descrito, e sobre o qual atuará outro fator, nominado de alíquota. Para atender a esse objetivo, qualquer predicado factual pode ser útil, desde que, naturalmente, seja idôneo para anunciar a grandeza efetiva do evento. Está claro que os fatos não são, enquanto tais, mensuráveis na sua integralidade, no seu todo. Quando se fala em anunciar a grandeza efetiva do acontecimento, significa a captação de aspectos inerentes à conduta ou ao objeto da conduta que se aloja no miolo da conjuntura do mundo físico. E o legislador o faz apanhando as manifestações exteriores que pode observar e que, a seu juízo, servem de índices avaliativos : o valor da operação, o valor venal, o valor de pauta, o valor de mercado, o valor presumido, o valor arbitrado, o peso, a largura, a altura, a profundidade, a testada, a área, o volume, o perímetro, o número de cilindradas do motor, o número de cavalos-vapor, a capacidade de vôo, o calado, enfim, todo e qualquer padrão dimensível ínsito ao núcleo da incidência.

            (...)

            A base de cálculo nunca vem determinada no plano normativo. Lá teremos só uma referência abstrata – o valor da operação, o valor venal do imóvel etc. É com a norma individual do ato administrativo do lançamento que o agente público, aplicando a lei ao caso concreto, individualiza o valor, chegando a uma quantia líquida e certa – a base de cálculo fáctica. [Grifo nosso].

            Identificado o fato gerador ou hipótese de incidência, há que se questionar os diversos meios de se alcançar a plenitude da base de cálculo dos tributos, sendo diversos os métodos fiscais e contábeis que se prestam a arbitrá-la. Assim, dependendo do caso, poderão ser procedidos levantamentos os mais diversos possíveis, desde o singelo levantamento quantitativo até os mais aprofundados levantamentos contábeis. Tal fato deve-se à impossibilidade jurídica e contábil de se rastrear individualmente as diversas operações com produtos, bens, mercadorias e serviços para desvendar os caminhos percorridos até a consumação da fraude tributária. Entretanto, as repercussões desta poderão ser sentidas nos diversos livros exigíveis pelas legislações fiscal e comercial. Tais livros nada mais são do que meios legalmente adotados de controle das operações mercantis realizadas. Através deles identificam-se possíveis irregularidades cometidas quando da prática da mercância.

            Assim, não é permitido o cometimento do equívoco de confundir o fato gerador do tributo com o método utilizado para identificação da base de cálculo arbitrada. Neste aspecto, qualquer método poderá ser utilizado, desde que aceito contábil e juridicamente.

            Segundo Carvalho uma das muitas funções da base de cálculo é confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da hipótese tributária. Assim, o método utilizado para medir as reais proporções do fato jurídico-tributário tem que ser tal que possa de alguma forma "lembrar" a existência do fato gerador, fazendo confirmar, infirmar ou afirmar a ocorrência concreta da hipótese de incidência legalmente prevista.

            3.2 A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA E O ARBITRAMENTO DA BASE DE CÁLCULO

            As diversas Legislações Tributárias tratam da questão da desconsideração dos valores declarados em documentos fiscais quando estes não mereçam fé, ou quando notadamente os valores declarados sejam inferiores ao valor da operação.

            Em recente alteração introduzida no Código Tributário Nacional, através da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, foi acrescentado o parágrafo único ao art. 116 do citado diploma legal, disciplinando a possibilidade de desconsideração dos atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou que acobertem a verdadeira natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributaria :

            Art. 116 - ...

            Parágrafo Único – A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

            Já o art. 148, do diploma legal, acima citado, dispõe acerca do arbitramento do valor ou preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos:

            Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

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            Com pequenas alterações, a Lei Complementar nº 87 / 96, em seu art. 18, repetiu o disposto no art. 148, do CTN:

            Art. 18. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou preço de mercadorias, bens, serviços ou direitos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

            O antigo Convênio 66 / 88, que fixou normas provisórias do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, em seu art. 13 do Anexo Único era mais específico:

            Art. 13 - Quando o preço declarado pelo contribuinte for inferior ao de mercado, a base de cálculo do imposto poderá ser determinada em ato normativo da autoridade administrativa, conforme critérios fixados em lei.

            § 1° - Havendo discordância em relação ao valor fixado, caberá ao contribuinte comprovar a exatidão do valor por ele declarado, que prevalecerá como base de cálculo.

            § 2° - Nas operações interestaduais, a aplicação do disposto neste artigo dependerá da celebração de acordo entre os Estados envolvidos na operação, para estabelecer os critérios de fixação dos valores.

            O Decreto nº 2.637 / 98, que regulamenta a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados, em seu art. 125 dispõe:

            Art. 125 - Ressalvada a avaliação contraditória, decorrente de perícia, o Fisco poderá arbitrar o valor tributável ou qualquer dos seus elementos, quando forem omissos ou não merecerem fé os documentos expedidos pelas partes ou, tratando-se de operação a título gratuito, quando inexistir ou for de difícil apuração o valor previsto no art. 120 (Lei n.º 4.502, de 1964, art. 17, e Lei n.º 5.172, de 1966, art. 148).

            § 1º - Salvo se for apurado o valor real da operação, nos casos em que este deva ser considerado, o arbitramento tomará por base, sempre que possível, o preço médio do produto no mercado do domicílio do contribuinte, ou, na sua falta, nos principais mercados nacionais, no trimestre civil mais próximo ao da ocorrência do fato gerador.

            § 2º - Na impossibilidade de apuração dos preços, o arbitramento será feito segundo o disposto no art. 124.

            O regulamento do ICMS / MG, aprovado pelo Decreto nº 38.104 / 96, expressamente dispõe:

            Art. 52 - Quando o preço declarado pelo contribuinte, para operação ou prestação, for inferior ao de mercado, a base de cálculo do imposto poderá ser determinada em ato da autoridade administrativa, que levará em consideração:

            I - o preço corrente da prestação, da mercadoria ou seu similar, no Estado ou em região determinada;

            II - o preço FOB à vista;

            III - o preço de custo da mercadoria acrescido das despesas indispensáveis relacionadas com a operação;

            IV - o valor fixado pelo órgão competente;

            V - os preços divulgados ou fornecidos por organismos especializados.

            Art. 53 - O valor da operação ou da prestação será arbitrado pelo fisco quando:

            (...)

            II - for declarado em documento fiscal valor notoriamente inferior ao preço corrente da mercadoria ou da prestação do serviço;

            Art. 54 - Para o efeito de arbitramento de que trata o artigo anterior, o fisco adotará os seguintes parâmetros:

            I - o valor de pauta;

            II - o preço corrente da mercadoria ou seu similar, ou da prestação, na praça do contribuinte fiscalizado ou no local da autuação;

            III - o preço FOB à vista da mercadoria, calculado para qualquer operação;

            IV - o preço de custo da mercadoria acrescido das despesas indispensáveis à manutenção do estabelecimento, nos termos do § 3º, quando se tratar de arbitramento do montante da operação em determinado período, no qual seja conhecida a quantidade de mercadoria transacionada;

            V - o valor fixado por órgão competente ou o preço divulgado ou fornecido por organismos especializados, quando for o caso;

            VI - o valor da mercadoria adquirida, acrescido do lucro bruto apurado na escrita contábil ou fiscal, na hipótese de não escrituração da nota fiscal relativa à aquisição;

            VII - o valor estabelecido por avaliador designado pelo fisco;

            VIII - o valor dos recursos de caixa fornecidos à empresa por administradores, sócios, titular da empresa individual, acionista controlador da companhia, ou por terceiros, se a efetividade da entrega e a origem dos recursos não forem demonstradas;

            IX - o valor médio das operações ou das prestações realizadas no período de apuração ou, na falta deste, no período imediatamente anterior, na hipótese dos incisos I, IV e V do artigo anterior;

            (...)

            XI - o valor que mais se aproximar dos parâmetros estabelecidos nos incisos anteriores, na impossibilidade de aplicação de qualquer deles.

            § 1° - A Superintendência da Receita Estadual (SRE), nas hipóteses do artigo anterior, poderá estabelecer parâmetros específicos, com valores máximo e mínimo, para o arbitramento do valor de prestação ou de operação com determinadas mercadorias, podendo tais parâmetros variar de acordo com a região em que devam ser aplicados e ter seu valor atualizado, sempre que necessário.

            § 2o - O valor arbitrado pelo fisco poderá ser contestado pelo contribuinte, mediante exibição de documentos que comprovem suas alegações.

            Por seu turno, a Lei nº 11.408 / 96 que alterou a Lei nº 10.259 / 89, que instituiu o ICMS no Estado de Pernambuco, dispõe que:

            Art. 6º A base de cálculo do imposto é :

            (...)

            § 5º Quando o preço declarado pelo contribuinte for inferior ao do mercado, a base de cálculo poderá ser determinada pela autoridade administrativa, mediante ato normativo, ressalvados os descontos incondicionais.

            § 6º Para fim do disposto no parágrafo anterior, o preço de mercado será, segundo a ordem:

            I - produto tabelado ou com preço máximo de venda, fixado pela autoridade competente, ou pelo fabricante, o respectivo preço;

            II - o valor constante em publicação ou correspondência oficial de órgão ou entidade privada;

            III - o valor mínimo entre os coletados nas regiões fiscais do Estado.

            § 7º Relativamente ao disposto no parágrafo anterior, observar-se-á:

            I - quando o valor da operação for superior ao fixado em pauta, prevalecerá aquele como valor da base de cálculo;

            II - quando o valor da operação for inferior ao fixado em pauta, havendo discordância do contribuinte em relação ao valor da pauta, a ele caberá comprovar a exatidão do valor que tenha indicado para a operação;

            III - efetivada a comprovação prevista no inciso anterior, o valor real da operação prevalecerá como base de cálculo do imposto, devendo-se proceder às correções que se fizerem necessárias;

            IV - nas operações interestaduais, a aplicação do disposto neste parágrafo e nos §§ 5º e 6º dependerá da celebração de acordo entre os Estados envolvidos fixando os valores e estabelecendo os critérios.

            Art. 10. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de mercadorias, bens, serviços ou direitos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

            Parágrafo único. Considera-se atendida a avaliação contraditória o direito de o contribuinte impugnar o lançamento durante o curso do processo administrativo - tributário.

            A Lei nº 5.900 / 96, que instituiu o ICMS no Estado de Alagoas, também trata da matéria, nos seguintes termos:

            Art. 14 - Quando o preço declarado pelo contribuinte for inferior ao de mercado, o Secretário da Fazenda do Estado de Alagoas pode determinar, em ato normativo, que a base de cálculo do imposto seja o preço corrente da mercadoria ou, na sua falta, o preço de produção ou de aquisição mais recente, acrescido de percentual de margem de comercialização.

            § 1º Para fins do disposto neste artigo, o preço de mercado será, segundo a ordem:

            I - produto tabelado ou com preço máximo de venda, fixado pela autoridade competente, ou pelo fabricante, o respectivo preço;

            II - o valor mínimo entre os coletados nas regiões fiscais do Estado;

            III - o valor constante em publicação ou correspondência oficial de órgão ou entidade privada.

            (...)

            § 3º - Havendo discordância em relação ao valor fixado, cabe ao contribuinte comprovar a exatidão do valor por ele declarado, que prevalecerá como base de cálculo.

            § 4º - Na operação interestadual, a aplicação do disposto neste artigo depende de celebração de acordo com o Estado envolvido na operação, para estabelecer os critérios e a fixação da base de cálculo.

            Art. 15 Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de mercadorias, bens, serviços ou direitos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, conforme dispuser o regulamento, obedecidos os seguintes critérios:

            I - produto tabelado ou com preço máximo de venda, fixado pela autoridade competente, ou pelo fabricante, o respectivo preço;

            II - apuração de preços médios no mercado atacadista ou varejista coletados nas regiões fiscais do Estado;

            III - fixação de percentuais de lucro, em razão da mercadoria ou da atividade exercida pelo contribuinte;

            IV - apuração do valor corrente das prestações de serviços coletados nas regiões fiscais do Estado.

            Parágrafo único - Fica assegurado ao sujeito passivo a avaliação contraditória a ser apresentada na impugnação do lançamento e julgada nas instâncias do processo administrativo fiscal respectivo.

            3.2.1 O Arbitramento da Base de Cálculo e o ônus da Prova no Subfaturamento

            Qualquer lide tem como característica a existência de partes em posições diametralmente opostas, podendo as alegações de cada uma corresponder ou não à verdade dos fatos. Neste particular, os elementos de prova servem como meio de convicção, cabendo às partes a promoção de alegações da ocorrência ou não dos fatos, sempre acompanhadas de componentes materiais probatórios.

            No Direito Tributário encontram-se sérias dificuldades no delineamento da obrigação da constituição de provas. Ora a administração fazendária se comporta como se coubessem apenas aos contribuintes constituir provas materiais dos atos e fatos com repercussões tributárias, ora estes alegam que tal prerrogativa compete unicamente àqueles. De forma geral, impende a quem alega o ônus da prova. A ambos, administração fazendária e contribuintes, cabe não só alegar, mas principalmente produzir provas que criem condições de convicção favoráveis à sua pretensão.

            A lei tributária não faz distinção, não havendo preterição de qualquer uma das partes, devendo triunfar sempre a verdade material dos fatos. Cabe, sim, à administração fazendária o ônus da prova no ilícito tributário, mesmo que a base de cálculo do montante devido seja determinado por arbitramento, sob pena de se instalar o arbítrio em matéria tributária. Entretanto, não conferiu a lei, ao contribuinte, o poder de se eximir de sua responsabilidade através da recusa da entrega dos elementos materiais à apreciação objetiva e subjetiva estabelecida na legislação tributária. Neste particular, autorizado está o lançamento do Crédito Tributário através de arbitramento, sempre fundamentado em elementos fáticos não estranhos ao movimento empresarial do contribuinte.

            Aos contribuintes cabe proceder aos devidos lançamentos nos livros fiscais e contábeis dos fatos relativos à sua movimentação empresarial, sempre alicerçados em documentos idôneos e hábeis, que deverão, quando requisitados, ser entregues à fiscalização, servindo, à administração fazendária, de elemento de prova das irregularidades tributárias cometidas.

            Contudo, havendo contencioso tributário, não poderá ser negado ao contribuinte o direito pleno de defesa, podendo o mesmo se utilizar de todos os meios de prova admitidos em lei para demonstrar as inverdades apuradas através do procedimento administrativo tributário, que, por sinal, obedece a esquemas rígidos, através da aplicação de procedimentos aceitos contábil e juridicamente, apresentando uma boa dose de veracidade pela preponderância de fatores de ordem técnica, tornando pouco provável a adulteração de valores e quantidades. Oferece, assim, maior possibilidade de apreciação objetiva e segura quanto às conclusões extraídas de seus resultados; de tal sorte que as provas produzidas sejam realizadas em toda sua extensão e amplitude, assegurando amplas prerrogativas e garantias de defesa ao contribuinte, para que o mesmo não seja gravado além do expressamente previsto na lei tributária.

            Dos Princípios dos Registros Contábeis extrai-se a preocupação com os registros escriturais que deverão ter "preservados os elementos de comprovação necessários à verificação, não só quanto à precisão como à perfeita compreensão das demonstrações contábeis". Neste mesmo sentido, as Legislações Comercial e Processual Civil determinam que a regular escrita comercial deverá ser fundamentada em documentos hábeis, sob pena de servir de prova contra o próprio comerciante irregular. No entanto, a prova não promanará do documento ou do lançamento, individualmente considerados, senão do concurso de ambos.

            Portanto, não é admissível reduzir a fiscalização à mera verificadora de documentos. Não que documentos tenham sua veracidade questionada arbitrariamente. No entanto, não há como se descansar na busca da verdade material, posto que percorre-se um longo caminho, até resultar na obtenção de indícios acusatórios de fraudes cometidas na seara tributária. Para tanto, serão sempre atendidas as exigências técnicas jurídicas - contábeis que a matéria requer. Assim, empresas e entidades poderão ser consultadas, custos apurados, valores comparados, laudos e peritos questionados, documentos e livros analisados

            Normalmente, diante de uma ação fiscalizatória, o contribuinte demostra-se despreocupado em apresentar elementos de fato ou jurídicos que desqualifiquem os procedimentos fiscais e contábeis efetuados. Inexiste qualquer impedimento legal ou material que o iniba de se defender, demonstrando a veracidade de suas operações e lançamentos escriturais. Além de ser uma obrigação, é um direito seu em ver reconhecida a licitude de sua movimentação empresarial. Mas, abstendo-se de demonstrar a verdade, ocorre o acatamento das infrações detectadas. Neste caso, sua inação a si próprio irá prejudicar.

            Desta forma, competirá exclusivamente ao contribuinte, após a demonstração, por parte da administração fazendária, da fraude tributária, exibir as provas técnica, contábil e jurídica de que suas operações não se realizaram ao arrepio da lei. Neste caso, o ônus da prova se inverte, uma vez que os caminhos percorridos para alcançar seu desiderato só a ele é dado conhecer. As administrações fazendárias não possuem o dom da onisciência e da onipresença para desvendar os caminhos percorridos até a consumação da fraude tributária, competindo-lhes provar que os valores são impraticáveis, diante dos custos e preços comumente encontrados no mercado, que os lançamentos escriturais encontram-se eivados de erros, que documentos e livros contábeis e fiscais foram adulterados, de tal forma que ao contribuinte reste a dignidade da reação, inibindo de forma inexorável a pretensão tributária do Estado.

            Portanto, diante de evidências contrárias aos valores declarados nos documentos fiscais relativos às aquisições subfaturadas, o ônus da prova se inverte, ou seja, caberá ao contribuinte comprovar a veracidade dos preços praticados, prova esta que será unicamente material, e não formal. Entretanto, não é qualquer modalidade de prova que se ajusta a esta necessidade. Neste caso, faz-se necessário a comprovação dos preços praticados através do comparativo com os custos de fornecedores de mercadorias, bens, produtos ou serviços, e mesmo assim, estes terão que ser compatíveis com aqueles praticados pelo mercado, para itens similares.

            Assim, na busca da comprovação do subfaturamento percorre-se um longo caminho, sempre atendendo exigências técnicas, jurídicas e contábeis que a matéria requer, tudo para demonstrar que no mundo físico valores e quantidades não podem ser subtraídas sem qualquer repercussão.

            Não é sem motivo que a Lei nº 5.900 / 96, que instituiu o ICMS no Estado de Alagoas, ao dispor acerca do preço declarado, que, quando este for inferior ao preço de mercado, o ônus da exatidão caberá ao contribuinte:

            Art. 14 ...

            (...)

            § 3º - Havendo discordância em relação ao valor fixado, cabe ao contribuinte comprovar a exatidão do valor por ele declarado, que prevalecerá como base de cálculo.

            No mesmo sentido, dispõe o Regulamento do ICMS / MG, aprovado pelo Decreto nº 38.104/96:

            Art. 54 ...

            (...)

            § 2o - O valor arbitrado pelo fisco poderá ser contestado pelo contribuinte, mediante exibição de documentos que comprovem suas alegações.

            Neste sentido, as palavras de Carnaúba (2000, p.21) são colocadas de forma precisa e clara:

            Não é correto que um Estado se proponha a promover a justiça e permaneça sistematicamente deixando impunes crimes de alto poder lesivo para a sociedade, sob o argumento e o modo de coleta das provas foi acintoso à privacidade do criminoso.

            A questão não é tão singela quanto pode parecer. Há infrações que, necessariamente, estão relacionadas com os aspectos patrimoniais dos agentes envolvidos, que por sinal são resguardados em sede constitucional. Neste ponto, precisas são as palavras de Carnaúba (2000, p.22):

            A questão é preocupante quando se sabe que, em determinados casos, somente pela ingerência na esfera de privacidade alheia é possível a obtenção de provas de alguns delitos. Tome-se como exemplo o caso dos crimes que trazem prejuízos ao erário público.

            Por fim, a mesma Carnaúba (2000, p.26) conclui:

            ...a falta de punibilidade de criminosos de alto poder lesivo ao corpo social, como os que causam prejuízos às finanças públicas, sob a alegação de que as provas levantadas contra eles são ilícitas, provoca um desequilíbrio e desacredita o sistema repressivo estatal.

Sobre o autor
Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. O subfaturamento nas aquisições de matérias-primas:: aspectos jurídicos e repercussões no custo industrial e no fluxo financeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3571. Acesso em: 25 dez. 2024.

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