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Jean-Claude Carrièrre e o impeachment midiático de Dilma Rousseff

Agenda 14/02/2015 às 11:14

O impeachment em curso é sinistramente teatral. Nossa presidenta está sendo impedida de governar mediante uma campanha suja público/privada que a mantém na defensiva.

Em seu livro A Linguagem Secreta do Cinema (Saraiva de bolso, 2014), Jean-Claude Carrièrre afirma que para o cineasta O principal é esconder, atrás de cenas vitais, interessantes, a informação que se fornece (p. 105).

Desde a orgia dramática do Mensalão, as cenas interessantes produzidas e divulgadas pelo STF, pelo MPF e pela imprensa sugerem que a informação fornecida ao respeitável público, devidamente escondida atrás das imagens, é que o regime constitucional instaurado em 1988 está suspenso. Os réus, não todos e sim apenas alguns (os petistas ou aqueles que estão ligados ao PT), tem que provar sua inocência. A delação, que deveria ser um prêmio à confissão voluntária para gerar efeitos jurídicos em benefício do réu, é obtida mediante coação (entregue seu parceiro ou fique apodrecendo na prisão).

As garantias conferidas aos réus pela CF/88 foram suprimidas a requerimento do MPF e concedidas pelo STF. O espetáculo de destruição da soberania popular é meticulosamente encenado diariamente nos corredores do Judiciário e vazado para a imprensa, que segue escrevendo o roteiro macabro. Por não ter votado no candidato certo – ideia que pressupõe que alguém pode definir o candidato que deve ser eleito e que o povo não poderia escolher outro – um poder inconstitucional organiza das coxias a destruição do poder constituído.

A política foi substituída pelo teatro e a ficção se transformou no elemento cênico principal da própria realidade nacional com ajuda da imprensa. Tudo aquilo que ocorreu na forma da Constituição (a eleição e posse dos mandatários do povo) passou a ter menos importância do que a vontade potente daqueles que pretendiam colocar outra pessoa no Palácio da Alvorada e não conseguiram convencer o povo a fazer o que eles mandavam.

O povo brasileiro não é e não deve ser livre – nos dizem os arquitetos do novo poder que está subvertendo o poder constituído através das cenas vitais que representam diariamente. Isto explica como e porque a consumação de um desejado gran finale  muito desejado por aqueles que deveriam preservar a legalidade vai sendo construído e encenado metodicamente mediante a suspensão ou revogação da normalidade processual penal.

Nós vamos exigir o Impeachment de Dilma Rousseff! - disse-me uma médica tucana visivelmente alterada no primeiro dia útil após a eleição da candidata petista. O que está sendo encenado pelo MPF e representado por alguns Ministros do STF para os brasileiros verem diariamente nos telejornais não é o Impeachment da Presidenta na forma do art. 52, I, da CF/88, com acusação específica, garantia do direito de defesa e processo regular perante o Senado.

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Impeachment em curso é sinistramente teatral. Nossa presidenta está sendo impedida de governar mediante uma campanha suja público/privada que a mantém na defensiva. Dilma é acusada por causa da corrupção de outras pessoas, é culpada pela falta de água em São Paulo e é, sem dúvida alguma, responsável por ter ganhado uma eleição que deveria ter perdido. A vontade do povo, manifestada nas urnas, tem pouco ou nenhum valor para aqueles que removem os obstáculos constitucionais para poder ferir mortalmente a própria CF/88.

O golpe de 1964 foi abrupto e violento. A violência que se pratica agora é difusa, sorrateira, escondida, disfarçada, controlada nas ilhas de edição dos telejornais por profissionais astutos que usam seu poder de construir realidades como se a normalidade, a legalidade e a soberania popular fossem uma ficção. Mas sem a colaboração das autoridades (MPF e ministros do STF) os articuladores do Impeachment midiático de Dilma Rousseff nada poderiam fazer.

A parceria público/privada que rasga diariamente a CF/88 para representar uma pantomima da política é um inimigo pior do que os militares. Estes, pelo menos, saíram às ruas com seus tanques de guerra e metralhadoras mortais e puderam ser imediatamente identificados como inimigos do povo brasileiro. Os novos inimigos da soberania popular, que empossaram a Presidenta no cargo para impedi-la de exercer seu poder, não podem ser vistos. Eles não querem ser vistos, por isto se escondem quando se mostram no filme que vai substituindo a realidade.  

Os militares controlaram as ruas para poder rasgar a CF/1946. Nas ruas eles tiveram que ser combatidos, inclusive com o uso da força. Os novos golpistas controlam totalmente a imprensa e usam o MPF e o STF para preservar a CF/88 sem que a mesma tenha validade e eficácia.Você foi empossada para não governar - dizem eles à Dilma Rousseff (que parece ter entendido a mensagem, tanto que nomeou ministros para garantir a volta do neoliberalismo e impedir a reforma agrária).

Para destruir o miraculoso poder que os neo-golpistas exercem, não adianta ocupar as ruas. Estratégias políticas e militares tradicionais são incapazes de neutralizar armas de destruição cênicas e fílmicas. Por isto, para derrotar os inimigos da soberania popular e da CF/88 os petistas terão que estudar mais Jean-Claude Carrièrre e menos Marx, Lênin, Mao Zedong e Che Guevara.

Tudo aquilo que puder ser encenado para permitir a regulação da mídia deverá ser transformado em realidade. Caso contrário o país ficará mais 4 anos paralisado em razão do reality show que vem sendo apresentado e reciclado desde o Mensalão. E agora com vocês, cenas do próximo capítulo do Petrolão. 

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. Jean-Claude Carrièrre e o impeachment midiático de Dilma Rousseff. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4245, 14 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35861. Acesso em: 23 nov. 2024.

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