A observação da aplicação do Princípio do Venire Contra Factum Proprium nos atos judiciais tem sido cada vez mais comum no Processo Civil Brasileiro. A presunção de legalidade dos atos judiciais tem impedido a correta aplicação do escopo do processo, devido a sutiliza da aparente legalidade de alguns atos judiciais eivados de ilegalidade em face da conduta contraditória de juízes, que se cobrem pelo manto da aparente legalidade, apesar da sua contradição implícita, que é vedada pelo ordenamento jurídico e que torna as decisões absolutamente ilegais por ferir a boa-fé processual.
O juiz, muito mais que as partes, deve primar pela conduta ilibada e pela boa-fé na condução dos atos processuais, pois ele é o presidente, o condutor do processo, portanto, é a parte responsável pela efetiva realização da justiça. Assim, não basta ser o juiz honesto, ele tem que agir honestamente. E o juiz que na condução do processo age de forma contraditória está ferindo não só o devido processo legal, como, também, o direito da parte de ver na aplicação da lei, ao caso concreto, a realização da verdadeira justiça!
O art.14, inciso II, do CPC, diz que, é dever das partes, e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, proceder com lealdade e boa-fé. Se é dever das partes, é mais ainda do magistrado, que como parte especial e condutora do processo, tem a responsabilidade crucial de efetivar no processo a verdadeira justiça. Assim, não se pode admitir jamais conduta desleal ou de má-fé do magistrado sob pena de inviabilizar a própria justiça.
Infelizmente, em nossa militância forense, temos visto cada dia mais a contradição nos atos judiciais que inviabilizam o devido processo legal, embora algumas sequer são percebidas pelas partes. Isso talvez esteja acontecendo devido à confiança que os cidadãos depositam na pessoa do juiz, acreditando que eles não erram. Nada mais absurdo. Se não errassem não precisaria de recurso. A justiça é cara, mas a injustiça é mais cara ainda! Portanto, um bom advogado ainda é a principal arma contra as arbitrariedades judiciais.
Vejamos um exemplo de ato judicial contraditório e, portanto, ilegal, ocorrido em processo de execução que quase inviabilizou a aplicação da Lei 8009/90 que rege o Instituto do Bem de Família. Aconteceu em um processo de execução, em que o exeqüente indicou o único bem imóvel do executado à penhora (bem de família por presunção legal), e apesar da prova pré-constituída de que se tratava de bem de família, o magistrado determinou a penhora da casa, em violação frontal a Lei 8009/90, norma de ordem pública, que veda qualquer constrição ao bem de família. Houve neste caso clara violação do Venire Contra Factum Proprium na decisão judicial. Isto por que, o magistrado com o seu comportamento anterior omissivo (ignorando as provas apresentadas pelo exeqüente e confirmadas pelo executado de que se tratava de bem de família), agiu em contradição às provas dos autos, determinando a penhora, prejudicando, assim, o executado que tinha as provas em seu favor, ou seja, frustrou a expectativa do devedor de que teria a aplicação correta da lei 8009/90 que veda a penhora em bem de família.
Configurada, portanto, flagrante contradição na conduta judicial, na medida em que o juiz, com seu comportamento omissivo, ignorou as provas dos autos, para, posteriormente, determinar a penhora do bem de família, favorecendo o credor, que tinha feito prova em favor do executado, prejudicando, assim, sobremaneira o direito do devedor de não ter sua casa penhorada. Assim, com sua conduta contraditória, o magistrado feriu a expectativa do devedor de ter a aplicação correta da lei 8009/90, que veda a penhora em bem de família. Portanto, clara violação do Venire Contra Factum Proprium.
Não fosse a oportunidade de se questionar a validade da decisão através do recurso cabível, Agravo de Instrumento com pedido de Efeito Suspensivo, a parte jamais teria a oportunidade de corrigir a decisão judicial contraditória e ilegal e teria tido sua casa, seu lar, sua residência, enfim, seu bem de família ilegalmente penhorado.
Enfim, a observação do Princípio da Venire Contra Factum Proprium no Processo Civil é medida que se impõe de forma primordial, a fim de se eliminar contradições nos atos judiciais, que decidem a vida das pessoas, de forma quase sempre irreversível.
Sylvana Machado Ribeiro é advogada, Graduada em Processo Civil pelo Instituto de Direito Processual Civil Brasileiro. Pós-Graduada em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal.