O direito de família, desde a sua criação, tem a finalidade de proteger as famílias, e todas as suas formas, sem distinção, regularizando os elos de afetividade, dada a importância do instituto familiar para a socialização do ser humano.
Desde a sua criação até os dias de hoje, esse ramo do direito sofreu diversas alterações, devido às mudanças de interpretação dos laços afetivos e devido às diversas transformações sociais. Segundo Maria Berenice Dias (2011), houve uma repersonalização das relações familiares com o intuito de atender os interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor.
O conceito atual de família passa pela sua visão pluralista, a qual abriga os diversos modelos familiares e prima pelos relacionamentos que tenham como base um elo de afetividade, independentemente de como tenham se formado.
Nesse contexto, ganha destaque a valorização jurídica do afeto. A nova conjuntura social familiar põe em destaque o valor jurídico do afeto e da função social de seus membros, de modo que, independentemente das diferentes formas de família, é importante que se protejam os vínculos afetivos que os filhos devem ter no seio familiar.
O critério de filiação socioafetiva, que é aquele que resulta da posse do estado de filho, ganhou destaque, em relação aos critérios biológico e legal, devido à valorização jurídica do afeto. Conforme leciona Maria Berenice Dias,
a necessidade de manter a estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva. (DIAS, 2011, p. 372).
Assim, os laços socioafetivos ganham espaço ao lado dos laços de parentesco
consanguíneo, de modo que uma família com filiação decorrente do critério biológico, na qual não haja vinculo afetivo, cumpre menos sua função social do que aquela construída a base da filiação meramente socioafetiva, pois, conforme assevera Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008), enquanto houver afetividade, haverá família. Isso porque, “resta claro que a família não pode mais ser vista, atualmente, como um fim em sim mesmo, sendo, ao contrário, um instrumento, um locus privilegiado para o desenvolvimento pleno da personalidade de seus membros”. (GAMA, 2008, p. 145).
Sobre a função social da família, o referido autor explica:
impõe-se, atualmente, um novo tratamento jurídico da família, tratamento este que atenda aos anseios constitucionais sobre a comunidade familiar, a qual deve ser protegida na medida em que atenda a sua função social, ou seja, na medida em que seja capaz de proporcionar um lugar privilegiado para a boa vivencia e dignificação de seus membros. (GAMA, 2008, p. 146).
Nesse cenário, por muitas vezes surge um conflito entre a filiação biológica e a socioafetiva, no que tange à dignidade e ao melhor interesse da criança e do adolescente. Desse conflito resulta a instituto da Multiparentalidade, que se configura na possibilidade de um filho possuir dois pais e/ou duas mães.
Segundo Christiano Cassetari (2014), o embasamento para a existência da Multiparentalidade está na ideia de que deve haver o estabelecimento de igualdade entre as filiações biológica e afetiva. Assim, a pluralidade parental surgiria como forma de proporcionar à criança e ao adolescente o direito à paternidade biológica e socioafetiva e, consequentemente, o direito aos efeitos jurídicos das duas paternidades.
Nota-se que o instituto da Multiparentalidade se mostra como protetor do melhor interesse da criança e do adolescente, na medida em que assegura-lhes, além da convivência com os pais biológicos e socioafetivos, todas as benesses decorrentes do duplo registro de filiação, tais como os efeitos sucessórios, previdenciários, ou ainda os relativos aos direitos alimentícios.
Nesse sentido, conclui-se que o ideal não é que haja uma tentativa de hierarquizar as filiações biológica e socioafetiva e tentar sobrepor uma a outra, mas sim coloca-las lado a lado, de modo que ambas proporcionem à criança o melhor ambiente familiar, de modo a cumprir com a sua função social.
REFERÊNCIAS
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2014.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2008.