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O combate à sonegação fiscal e o direito ao sigilo bancário.

A constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001 e da Lei nº 10.174/2001 sob o enfoque da Teoria dos Direitos Fundamentais

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

3 Os Princípios Constitucionais da Razoabilidade e Proporcionalidade

Os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade se encontram fortemente enraizados no ordenamento jurídico contemporâneo, fazendo parte de inúmeros sistemas normativos. Em diversos países, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade se apresentam expressamente previstos na Constituição, sendo que em outros tantos são princípios implícitos, que brotam da própria ordem constitucional vigente.

3.1 O Princípio Constitucional da Razoabilidade

A matriz jurídico-filosófica do princípio da razoabilidade é a cláusula do "due process of law", desenvolvida pelo direito anglo-saxônico. A garantia do devido processo legal, que num primeiro momento restringiu-se a aspectos processuais ("procedural due process"), evoluiu lenta e progressivamente para a garantia ao devido processo legal substantivo("substantive due process"). O devido processo substantivo se constitui no degrau evolutivo do devido processo adjetivo.

A formulação dos princípios que regem, modernamente, a teoria constitucional britânica, teve seu marco inicial na evolução da sua estrutura feudal, em meados do século XI. As tensões sobre o arbítrio real culminaram no governo de João Sem Terra, que, incapaz de resistir às pressões dos senhores feudais, verdadeira revolução política e social que se vinha avolumando desde a "Pequena Carta", viu-se forçado à outorgar, em 1215, a "Magna Carta", estatuto fundamental do Direito inglês que estabeleceu os princípios básicos da estruturação política e jurídica da Inglaterra. Cumpre esclarecer, todavia, que a Magna Carta inglesa não "visava proteger os direitos individuais do cidadão", muito embora, tenha sido um de seus reflexos. Foi concebida sim, essencialmente, "como um complexo limitador apenas da ação real e jamais do Parlamento" [19].

A cláusula do devido processo legal exigia simplesmente um processo judicial compatível à natureza do caso, um processo ordenado, onde restasse assegurado aos litigantes ou acusados a previsão de atos processuais formalizados. De fato, num primeiro momento evolutivo, ressai o nítido caráter processual da norma. Somente por volta do século XVII é que o direito inglês passa a reconhecer na cláusula do devido processo legal a garantia ao contraditório, com a prévia citação à demanda, e a oportunidade à defesa [20].

A garantia do devido processo legal, no direito estadunidense, teve sua separação do direito inglês, com as inúmeras declarações de direitos das colônias estadunidenses durante as lutas de independência. "De fato, é nesse ensejo que o princípio se desliga de sua matriz inglesa e passa a integrar o sistema jurídico americano, numa trajetória que o transmudaria no mais fecundo de quantos instrumentos se criaram para a defesa de direitos individuais" [21].

Vencida a primeira fase, onde o princípio do devido processo legal buscava assegurar a regularidade processual, uma garantia à observância de certas formalidades procedimentais, a evolução jurisprudencial da Suprema Corte estadunidense conferiu nova roupagem à cláusula do devido processo legal, passando de instituto processual à garantia substantiva de direitos individuais. O devido processo legal substantivo, juntamente com outros princípios constitucionais, como a igualdade, tornou-se importante instrumento à defesa dos direitos individuais, ferramenta limitadora do exercício arbitrário do Poder Legislativo e da discricionariedade administrativa. O controle da razoabilidade e racionalidade das leis e dos atos administrativos discricionários permitiu ao Poder Judiciário examinar os atos legislativos e administrativos sob o prisma da justiça, não só formal, mas, sobretudo, material.

Parece forçoso admitir que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade encontram fundamento de aplicação, em última análise, no direito natural, em decorrência de suas origens marcadamente influenciada pelas concepções jusnaturalistas do direito estadunidense e europeu, numa clara interação às idéias do liberalismo clássico. O princípio da razoabilidade, evolução material dos princípios da igualdade e da justiça processual, não se mostra como expressão de uma norma abstrata e superior, mas, pelo contrario, decorre da enunciação de valores históricos e relativos. Daí o caráter jusnaturalista defendido, que prescinde até da normatividade do princípio [22].

A doutrina do devido processo legal substantivo, no direito estadunidense, começou a se delinear no final do século XIX, como reação ao intervencionismo estatal na ordem econômica. Pode-se dizer que, num primeiro momento, o princípio da razoabilidade teve cunho eminentemente liberal, um meio de diminuir a interferência do Poder Público nos negócios privados [23]. Posteriormente, no Governo do Presidente Franklin Roosevelt, em meados de 1930, a aplicação do princípio sofreu sensível declínio, com o aumento do intervencionismo estatal na economia e abdicação da Corte Constitucional americana, pressionada pelo Governo, do exame de mérito das normas de cunho econômico. Finalmente, num terceiro momento, ascendeu o princípio da razoabilidade como garantia constitucional aos direitos individuais, instrumento de controle dos atos arbitrários e injustos praticados pelos Poderes Legislativo e Executivo [24].

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Certamente, até em razão da vagueza e da indeterminação do termo jurídico, não é tarefa fácil estabelecer um conceito com pretensões de universalidade ao princípio da razoabilidade. Seu conteúdo é bastante mutável e, consideravelmente, influenciado pelos padrões culturais da sociedade, variando nos aspectos temporais e espaciais [25]. Entretanto, ainda que reconhecido o alto grau de abstração do princípio, deve-se perseguir à instituição de elementos objetivos na caracterização da razoabilidade dos atos da Administração Pública.

Deve-se, por certo, fixar determinadas circunstâncias concretas, fins que para serem atingidos demandam o emprego de determinados meios. O princípio da razoabilidade é uma orientação, uma diretiva interpretativa, que permite a aferição acerca da legalidade substancial dos atos administrativos e legislativos, não o mero controle formalístico, mas, pelo contrário, o sentido finalístico da norma, a conformidade do ato praticado ao mandamento legal no sentido teleológico, bem como a coerência da norma com o ordenamento jurídico.

3.2 O Princípio Constitucional da Proporcionalidade

Na tentativa de fixar garantias às liberdades individuais, em face dos interesses da Administração Pública, controlando assim os desmandos do Governo caracterizados pelo conhecido "excesso de poder", germinou o princípio da proporcionalidade, que notadamente no Direito Administrativo alemão teve enorme repercussão. O princípio da proporcionalidade desenvolvido na Europa, sobretudo na Alemanha, está intimamente ligado ao princípio da razoabilidade do direito estadunidense, sendo que, para desnudar algumas peculiaridades, será tratado em separado, tão só sugerindo se tratarem de princípios diferentes.

Tanto a proporcionalidade como a razoabilidade têm por escopo oferecer critérios à limitação da atuação do Poder Público, suporte jurídico ao controle jurisdicional da atividade legislativa e executiva. No direito brasileiro, pode-se defender a impossibilidade de uma exata separação entre os dois princípios. Cabe, primeiramente, um breve apanhado acerca da origem e evolução do princípio no direito europeu.

O surgimento do princípio da proporcionalidade decorreu da passagem do Estado Absolutista para o Estado liberal-individualista, quando se percebeu a necessidade de controle do poder ilimitado do monarca. O advento do "Estado Liberal de Direito" [26] exigiu a atenuação do "poder de polícia real", que no Estado Absolutista era ilimitado e legitimado pela lei, passando a ser por ela limitado e controlado [27]. O princípio da proporcionalidade despontou como um freio aos desmandos do monarca, demarcando os meios empregáveis e os fins que poderia perseguir [28].

O germe do princípio em comento, conforme o entendimento de Suzana de Toledo Barros, "foi a idéia de dar garantia à liberdade individual em face dos interesses da administração. E essa consciência de que existiam direitos oponíveis ao próprio Estado e que este, por sua vez, deveria propiciar fossem tais direitos respeitados decorreu das teorias jusnaturalistas formuladas na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII" [29].

O Direito Administrativo consagrou o princípio da proporcionalidade como uma evolução do princípio da legalidade, sendo que, inicialmente, a idéia de proporção ligava-se somente às penas. Num segundo momento, passou-se a exigir que os atos administrativos fossem adequados ao cumprimento das finalidades da lei, e que os meios usados não ferissem em demasia os direitos dos cidadãos [30].

O direito francês desenvolveu o controle da proporcionalidade dos atos da Administração Pública, como decorrência da evolução da teoria do desvio de poder. Trata-se de um meio de controle judicial da atividade administrativa, consistente na invalidação dos atos do Poder Público que destoam da finalidade inscrita na lei, que é sempre a satisfação do interesse público, ou que, embora praticados para um fim de interesse público, não cumprem o fim específico prescrito na norma.

Em determinados países o princípio da proporcionalidade se encontra expressamente positivado pelo ordenamento jurídico, sendo que em outros, decorre do próprio Estado de Direito. A Constituição alemã de 1949, em seu artigo 19, prevê expressamente o princípio da proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, estatuindo que quaisquer restrições hão de ser necessárias e mantenedoras de seu conteúdo essencial, passíveis de tutela jurisdicional em caso de violações [31].

O entendimento da Corte Constitucional alemã acerca do conteúdo do princípio da proibição do excesso pode ser notado em decisões como a do controle da constitucionalidade de uma lei sobre armazenagem de petróleo, dada em 16 de março de 1971 [32]. Pode-se dizer que a Corte Constitucional alemã é quem melhor vem aplicando o princípio da proibição do excesso no direito europeu, quando do controle das leis restritivas de direitos. Os parâmetros da proporcionalidade vêm sendo usados para invalidar leis que são evidentemente arbitrárias, contudo, de difícil comprovação quando do seu confronto com a Constituição. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, segundo critérios de proporcionalidade, desenvolvido pelo Poder Judiciário alemão, repercutiu em grande parte da Europa e, mais recentemente, em países da América Latina como o Brasil [33].

3.2.1 Os Subprincípios Constitutivos do Princípio da Proporcionalidade

A doutrina constitucional alemã, numa visão estrutural e funcional, constatou a existência de três elementos parciais que compõem o princípio da proporcionalidade, sendo de enorme relevância, enquanto níveis de averiguação de vícios substanciais da lei ou do ato administrativo, servindo de parâmetro impositivo de limites à ação do legislador ou do administrador.

O princípio da proporcionalidade é constituído pelos subprincípios da conformidade ou adequação dos meios, da exigibilidade ou da necessidade e pela ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito. O Poder Público, na prática de seus atos, deve adotar medidas apropriadas ao alcance da finalidade prevista no mandamento que pretende cumprir. A medida adotada deve ser pertinente à consecução dos fins da lei. Em outras palavras, o interesse público deve ser buscado segundo meios idôneos, proporcionais, adequados, devendo haver conformidade entre os meios empregados e o fim inscrito na norma.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, a necessidade de adequação "pressupõe a investigação e a prova de que o ato administrativo é apto para e conforme os fins justificativos de sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Este controlo, há muito debatido relativamente ao poder discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece maiores dificuldades quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade de conformação do legislador" [34].

O princípio da necessidade dispõe que, no exame acerca da proporcionalidade de determinada atuação discricionária do Poder Público, compete ao juiz averiguar se a medida tomada pela Administração, dentre as aptas à consecução do fim pretendido, é a que produz menor desvantagem aos administrados. Dentre as medidas disponíveis deve ser escolhida a menos onerosa, que em menor dimensão restrinja e limite os direitos fundamentais dos cidadãos.

Por vezes, tanto as medidas adotadas pela Administração Pública como as leis produzidas pelo Poder Legislativo, podem, ainda que adequadas e necessárias, trazer uma carga excessiva de restrições e limitações aos direitos dos cidadãos. A medida adotada pelo Poder Público, ainda que no intuito de conferir efetividade a um direito dos cidadãos, acaba por ferir um outro direito também garantido pelo ordenamento posto, situação que acarreta demasiado prejuízo à coletividade. Neste caso, "deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma. (…) Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim" [35].

Nos termos do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a atuação levada a cabo deve se afinar com a idéia de "justa medida". Os meios utilizados devem guardar razoável proporção com o fim almejado, demonstrando um sustentável equilíbrio entre os valores restringidos e os efetivados pela medida limitadora.

A máxima da proporcionalidade em sentido estrito entende os princípios como mandados de otimização com relação às possibilidades jurídicas, enquanto que nas máximas da adequação e da necessidade recorre-se às possibilidades fáticas. Segundo Robert Alexy, o fundamento ao princípio da ponderação reside nos princípios de direito fundamental, sem que se exclua, contudo, outras fundamentações como os princípios do Estado de Direito, a prática jurisprudencial e o conceito de justiça [36].

O Judiciário, quando da análise de uma norma restritiva de direitos dos cidadãos, sob o prisma da proporcionalidade em sentido estrito, deve exercer um juízo de ponderação entre o direito efetivado pela norma e o por ela restringido, a fim de ponderar acerca da justiça da legislação instituída. Deve o juiz valorar, segundo as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto, se a norma possibilita um resultado satisfatório, e se o direito limitado deve sucumbir frente ao efetivado, em uma "relação de precedência condicionada". Como se pode aferir, a valoração das circunstâncias demanda considerável juízo subjetivo.

Pelo princípio da ponderação dos resultados, deve-se examinar o grau de satisfação e efetivação do mandamento de otimização que a norma procurou atender. Quanto mais alto for o grau de afetação e afronta ao princípio limitado pelo meio utilizado, maior deverá ser a satisfação do princípio que se procurou efetivar.

Sobre o autor
José Sérgio da Silva Cristóvam

Professor Adjunto de Direito Administrativo (Graduação, Mestrado e Doutorado) da UFSC. Subcoordenador do PPGD/UFSC. Doutor em Direito Administrativo pela UFSC (2014), com estágio de Doutoramento Sanduíche junto à Universidade de Lisboa – Portugal (2012). Mestre em Direito Constitucional pela UFSC (2005). Membro fundador e Presidente do Instituto Catarinense de Direito Público (ICDP). Membro fundador e Diretor Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). ex-Conselheiro Federal da OAB/SC. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB Nacional. Membro da Rede de Pesquisa em Direito Administrativo Social (REDAS). Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Público do CCJ/UFSC (GEDIP/CCJ/UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRISTÓVAM, José Sérgio Silva. O combate à sonegação fiscal e o direito ao sigilo bancário.: A constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001 e da Lei nº 10.174/2001 sob o enfoque da Teoria dos Direitos Fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3664. Acesso em: 25 dez. 2024.

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