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A responsabilidade civil e os deveres do Administrador de fundo de investimentos

Agenda 29/03/2015 às 17:50

Compilação sistemática dos deveres e atribuições impostas ao Administrador de fundo de investimento pela regulamentação aplicável, bem como abordagem do tema da responsabilidade civil que decorre do descumprimento de tais obrigações.

Resumo: O presente artigo aborda o tema da responsabilidade civil e os deveres do Administrador de fundo de investimentos no Brasil. Em síntese, compila os deveres e atribuições impostas ao Administrador pela regulamentação aplicável, e trata da responsabilidade civil a qual o Administrador está sujeito pelo descumprimento de tais obrigações legais. Por fim, abrange a questão da classificação da responsabilidade civil do Administrador em “subjetiva” ou “objetiva”, e, por conseguinte, aborda o tema da aplicabilidade do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor às relações entre cotista e Administrador de fundo de investimentos.

Palavras chave: Administrador de Fundo de Investimentos; Deveres; Atribuições, Responsabilidade Civil; Código Civil; Código de Defesa do Consumidor.

Title: Liability and Duties of the Investment Fund Administrator.

Summary: This article addresses the issue of the liability and the duties of the investment fund administrator in Brazil. In short, compiles the duties and responsibilities imposed on the Administrator by applicable regulations, and deals with the liability which the Administrator is subject for noncompliance with such legal obligations. Finally, it covers the issue of Administrator’s liability classification in " subjective " or "objective" , and therefore addresses the issue of applicability of the Brazilian Civil Code or the Brazilian Consumer Protection Code to the legal conflicts between shareholder and the investment fund Administrator.

Keywords: Investment Funds Administrator; Duties; Assignments; Brazilian Civil Code; Brazilian Consumer Protection Code.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Limites do Regulamento - Política de investimentos e limites de concentração 3. Contratação de terceiros 4. Arquivamento de documentos 5. Normas de conduta 6. Dever de Informar 7. Da visão doutrinaria sobre a responsabilidade do Administrador do fundo de investimentos 8. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

Preliminarmente, notamos que compete ao Administrador constituir o fundo de investimentos e, no mesmo ato, aprovar os termos de seu regulamento – o qual deve refletir os requisitos expressos no artigo 41 da Instrução da Comissão de Valores Mobiliários nº 409 de 2004 (“ICVM 409”). 

A partir deste momento, para o regular funcionamento e a manutenção do fundo, deve seu Administrador observar uma série de deveres e responsabilidades que lhes são impostos por lei, pela regulamentação da CVM, e pelo próprio regulamento do fundo.

Dentre tais deveres e responsabilidades, indicamos abaixo os pontos que entendemos mais relevantes, os quais serão abordados individualmente neste trabalho, quais sejam:

  1. Dever de atuar nos limites estabelecidos pelo regulamento e prospecto do fundo, observando-se, quando aplicável, a política de investimentos do fundo, os limites de concentração por emissor e modalidade de ativo;
  2. Observar as normas referentes à contratação de terceiros, expressas no § 1º do artigo 56 da ICVM 409;
  3. Apresentar adequadamente todas as informações indicadas nos artigos 68 a 84 ICVM 409;
  4. Observar as normas de conduta e obrigações impostas no artigo 65 da referida Instrução; e
  5. Cumprir com as deliberações das assembleias gerais de cotistas; bem como, de modo geral, não agir em desconformidade com a lei, com regulamento do fundo ou com atos normativos expedidos pela CVM, seja por ação ou omissão, sob pena de responder pelos prejuízos causados (§ 3º, art. 57, ICVM 409).

Além disso, abordaremos o tema da responsabilidade civil do Administrador de fundo de investimentos com base nos argumentos expostos pela doutrina moderna sobre o tema - em especial no que tange à sua conceituação como responsabilidade “objetiva” ou “subjetiva”, e a consequente questão da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a estas relações.

2. LIMITES DO REGULAMENTO - POLÍTICA DE INVESTIMENTOS E LIMITES DE CONCENTRAÇÃO

A rigor os cotistas cientes de todos os riscos inerentes à aplicação em fundos de investimentos, assumem os efeitos destes para si somente quando os eventuais prejuízos decorrentes de depreciação de ativos forem originados de fatos que não puderem ser evitados pelo Administrador e gestor.

Em outras palavras, grosso modo, o Administrador exime-se de responsabilidade pela depreciação de ativos quando atuar de forma diligente - enviando seus melhores esforços, conhecimentos e experiências, agindo nos limites do regulamento do fundo, e em observância aos preceitos legais aplicáveis.

A este respeito, destacamos a opinião de Sheila Perricone:

“Não há que se falar em culpa no caso de depreciação dos ativos da Carteira de um fundo de investimento que resultar, eventualmente, em patrimônio liquido negativo, fato este decorrente das oscilações destes ativos no mercado financeiro e de capitais. Trata-se do risco de mercado que os investidores em fundos de investimentos se declaram cientes ao ingressar em tais fundos, inclusive que poderão ser chamados a aportar recursos adicionais em ocorrendo patrimônio liquido negativo”  (Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Ano 4, nº II. P. 96)

Além disso, da análise combinada dos artigos 13 e 88 da ICVM 409 depreende-se que o Administrador e o gestor devem responder pelos prejuízos advindos da não observância da política de investimento ou dos limites de concentração por emissor e por modalidade de ativo financeiro, de composição e concentração de carteira, e de concentração em fatos de risco previstos no regulamento e na mencionada instrução. 

No entanto, é importante frisar que os Administradores e gestores estarão isentos de tal responsabilidade, caso o descumprimento dos limites de concentração e diversificação de carteira decorram de desenquadramento passivo, em virtude de fatos exógenos e alheios à sua vontade, que resultem em alteração imprevisível no patrimônio liquido do fundo ou, mesmo, nas condições gerais do mercado de capitais, e que não implique em alteração do tratamento tributário relativo ao fundo ou a seus cotistas e não perdure por mais de 15 dias consecutivos.

3. CONTRATAÇÃO DE TERCEIROS  

É importante destacar que administração do fundo poderá ser efetivada por terceiros contratados pelo Administrador, sendo certo que cabe a este responsabilidade pela fiscalização dos serviços realizados pelos contratados, bem como garantir que o capital despendido para as contratações não seja superior ao montante total da taxa de administração fixada no regulamento, sob pena de ser responsabilizado pelo pagamento, às suas expensas, do montante excedente. Além disso, recai sobre o Administrador a obrigação de manter a lista dos prestadores de serviços, e demais dados cadastrais, atualizada junto à CVM.

Especificamente, é facultado ao Administrador contratar com terceiros, exclusivamente, a prestação dos serviços de (A) consultoria de investimentos; (B) atividades de tesouraria, de controle e processamento dos ativos financeiros; (C) distribuição de cotas; (D) escrituração da emissão e resgate de cotas; (E) custódia de ativos financeiros; (F) classificação de risco, feita por agência especializada constituída no País; (G) e gestão da carteira de ativos do fundo, podendo ser desempenhada tanto por pessoa física quanto jurídica, desde que previamente credenciada como administradora de carteira de valores mobiliários pela CVM.

Por outro lado, torna-se obrigatória a contratação dos serviços previstos nos itens (B), (C), (D) e (E) do parágrafo anterior, sempre que o Administrador não estiver autorizado ou credenciado para sua prestação. Além disso, é obrigatória contratação de auditor independente, devidamente registrado na CVM, para realização dos serviços de auditoria referentes às demonstrações contábeis anuais do fundo (art. 84, ICVM 409/04).

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É importante frisar que constitui infração grave o exercício pelo Administrador, de atividade não autorizada, ou a contratação de terceiros não habilitados à prestação de serviços.

O contrato, que deve conter clausula de solidariedade, deve ser celebrado por escrito, em nome do fundo, atuando o Administrador como interveniente anuente.

Além disso, sempre que a contratação for relativa aos serviços previstos nos itens (B), (D) e (G) supracitados, é obrigatória, nos termos do § 2º do art. 57 da ICVM 409 com redação dada pela ICVM 456/07, a inclusão de cláusula que estipule responsabilidade solidaria, entre o administrador e os terceiros contratados, por prejuízos que possam causar aos cotistas devido à realização de condutas contrárias à lei, ao regulamento do fundo, e aos atos normativos expedidos pela CVM.

Nos termos do §5º do art. 57 da ICVM 409, respondem ambos, ainda, perante a CVM por suas próprias condutas contrárias à lei, ao regulamento, e disposições regulamentares aplicáveis, na esfera de suas respectivas competências.

Acerca da responsabilidade solidária, mencionamos a seguir o posicionamento da CVM:

 "O que a norma do §2º do art. 57 fez foi criar um requisito para o exercício da faculdade de contratação de um gestor, pelo administrador, faculdade regularmente concedida pela Instrução. Tal requisito consiste na contratação com clausula de solidariedade civil em favor dos cotistas , entre administrador e gestor. Ou seja: o administrador que é civilmente responsável, pode transferir a outrem parte de suas funções, mas deve conservar sua responsabilidade integral. Isto nada tem que ver com responsabilidade administrativa, e muito menos com responsabilidade administrativa solidaria, que não existe, nem pode existir. A responsabilidade administrativa, como a penal, deve ser sempre pessoal, decorrente de atos ou omissões próprios. Essa separação entre responsabilidade civil e administrativa é clara na instrução 409: enquanto o § 2º do art. 57 determina a necessidade de contratação com clausula de responsabilidade civil solidaria, e o § 3º explicita o fato de que apesar de contratar o gestor, o administrador continuará respondendo civilmente por seus atos próprios, o § 5º trata da responsabilidade administrativa, nos seguintes termos :‟§5º Sem prejuízo do disposto no §2º , o administrador e cada prestador de serviço contratado respondem perante a CVM, na esfera de suas respectivas competências, por seus próprios atos e omissões contrários à lei, ao regulamento e às disposições aplicáveis´. Entenda-se: fazendo expressa ressalva ao fato de que a subjetividade inerente à responsabilidade administrativa não afasta a solidariedade civil decorrente do contrato requerido pelo § 2º, a norma do § 5º deixa absolutamente cristalino que cada prestador de serviços ao fundo responde por seus próprios atos e omissões‟ (Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2005/9245, Rel. Dr. Marcelo Fernandez Trindade, 16.01.2007)

 

4. ARQUIVAMENTO DE DOCUMENTOS

O Administrador do fundo de investimentos deve garantir que sejam mantidos e atualizados pelo prazo de cinco anos, ou em caso de instauração de procedimento administrativo pela CVM, até a data de seu término, os seguintes documentos:

(A) o registro de cotistas; (B) o livro de atas das assembleias gerais; (C) o livro ou lista de presença de cotistas; (D) os pareceres do auditor independente; (E) os registros contábeis referentes às operações e ao patrimônio do fundo; e (F) a documentação relativa às operações do fundo.

5. NORMAS DE CONDUTA

Com relação às normas de condutas, o Administrador e o gestor devem atuar com toda diligencia e cuidado que um homem ativo e probo dispensaria na administração de seus próprios negócios, atuando com lealdade em relação aos interesses dos cotistas e do fundo, respondendo por quaisquer infrações ou irregularidades que venham a ser cometidas sob sua administração ou gestão. Devem fazer exercer todos os direitos decorrentes do fundo, ressalvado o que dispuser o regulamento sobre a política de direito de voto; além de praticar todos os atos necessários a defesa dos direitos do cotista, adotando, inclusive, as medidas judiciais cabíveis.

Devem, também, repassar ao fundo os benefícios que lhes forem concedidos devido sua condição, aceitando-se, porém, nos termos do parágrafo único do artigo supracitado que administrador e o gestor de fundo de cotas sejam remunerados pelo administrador do fundo investido.

Além disso, Administrador e gestor devem observar o disposto no artigo 14 da Instrução CVM nº 306/99 que, em resumo, estabelece o dever de informar, dever de declarar potenciais conflitos de interesses devido ao exercício de outras atividades no mercado, e de alertar os riscos à que a carteira está submetida.

De acordo com artigo 65-B da ICVM nº 409 adicionado pela ICVM nº 522/12, ressalvando-se os fundos fechados, o Administrador deverá diligenciar, por meio de políticas, práticas e controles internos, para que liquidez da carteira do fundo seja compatível com os prazos para pagamento dos pedidos de regaste estabelecidos no regulamento e com o cumprimento das obrigações do fundo, devendo, ainda, submeter à carteira do fundo a testes de estresse periódicos, considerando, no mínimo, as movimentações do passivo, liquidez dos ativos, obrigações e a cotização do fundo.

O Administrador, nos fundos que invistam em cotas de outros fundos, deve avaliar a liquidez do fundo investido atentando para o volume investido, as regras de pagamento de resgate, e os sistemas de gestão de liquidez utilizados pelo administrador e gestor do fundo investido. 

6. DEVER DE INFORMAR  

A instrução CVM nº 409 em seu Capítulo VII (artigos 68 a 84) estipula uma série de condutas e padrões mínimos de divulgação de informações, bem como a periodicidade em que as informações devem ser divulgadas ou mantidas à disposição para eventuais consultas. 

O referido capítulo é divido em 4 seções, de acordo com o tipo de informações a serem prestadas, quais sejam: informações periódicas (seção I); informações eventuais (seção II); informações de vendas e distribuição (seção III); e demonstrações contábeis e dos relatórios de auditoria (seção IV).

Em síntese, as informações periódicas dizem respeito à obrigação do Administrador em divulgar regularmente informações sobre o fundo para os cotistas e para a CVM, como por exemplo a divulgação diária do valor da cota e do patrimônio líquido do fundo aberto, a obrigação de remeter mensalmente aos cotistas extrato de conta, entre outras expressas nos artigos 68 a 71 da ICVM 409.

As informações eventuais referem-se à obrigação de divulgar imediatamente a todos os cotistas qualquer ato ou fato relevante, que possa interferir no valor das cotas, bem como na decisão dos investidores em adquiri-las ou aliená-las; nas informações de vendas e distribuição, instrui-se como prestar corretamente informações sobre a rentabilidade do fundo, mudança na classificação ou na política de investimentos do fundo, entre outras. 

Vale ressaltar que todos os requisitos, modos e periodicidade de prestação das informações estabelecidos no capítulo VII da Instrução CVM nº 409, devem ser obrigatoriamente cumpridos, e constitui infração grave a não publicação de informações acerca de fato relevante.

Além disso, o art. 38 da ICVM 409 com redação dada pela ICVM Nº 522/12, estipula, além de outros requisitos, que as informações divulgadas devem ser verdadeiras, escritas de forma concisa e clara, devendo ser uteis para a avaliação do investimento, não podendo garantir resultados futuros nem induzir o investidor a erro.

7. DA VISÃO DOUTRINARIA SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DO FUNDO DE INVESTIMENTOS 

 

Conforme anteriormente exposto, sempre que o Administrador agir, seja por ação ou omissão, de forma contrataria a lei, ao regulamento e aos atos normativos expedidos pela CVM, deve responder pelos prejuízos causados. 

No entanto, a doutrina diverge, ainda hoje, sobre se responsabilidade aplicada aos Administradores de fundos de investimentos teria natureza “subjetiva” ou “objetiva”, e, por conseguinte, sobre a aplicabilidade do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor para dirimir eventuais conflitos.

Com efeito, os que defendem a aplicação da responsabilidade objetiva aos Administradores de fundos de investimentos defendem, principalmente, que lhes deve ser aplicada a teoria do risco, responsabilizando-os pelos danos gerados, independentemente de culpa, uma vez que se dispuseram a administrar uma atividade potencialmente geradora de riscos para terceiros. 

Para ilustrar, veja-se o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (g.n.)

Ademais, notamos que não há uma definição na legislação do que seria uma atividade que implique risco para os direitos de outrem, abrindo, assim, margem para a interpretação doutrinária acerca do instituto, sendo certo que esta parte da doutrina defende a responsabilidade objetiva dos Administradores de fundo.

Em contrapartida, a corrente doutrinária que defende a responsabilidade subjetiva dos Administradores de fundos de investimento refuta tal argumento alegando que qualquer atividade inclui algum grau de risco, e que no caso de fundos de investimentos o cotista está ciente de todos os riscos inerentes ao investimento, podendo, inclusive, escolher a aplicação que melhor se compatibilize com os riscos que esteja disposto a tomar.

Neste sentido, Eduardo Montenegro Dotta:

“atual estrutura regulatória dos fundos de investimento (c.f. Instrução CVM nº 409/04), dispõe uma série de obrigações a serem cumpridas pelos administradores de fundos de investimento, destacando-se aquelas que se voltam à defesa dos interesses do público investidor, com grande ênfase ao dever de transparência, que remete aos administradores a obrigação de revelar - pela descrição da política de investimentos - aos investidores todo o conhecimento necessário para que a decisão de adesão ou de retirada de determinado fundo possa se adequar ao perfil de exposição procurado pelo poupador. Cumprindo o dever de transparência, o administrador do fundo revela ao mercado quais as aplicações nos mercados financeiros, de capitais e de futuros que comporão a carteira criada, de forma a permitir a conhecimento da classificação do fundo em questão, transparecendo aos investidores o grau do risco a ser experimentado, caso estes optem pela integralização de cotas daquele fundo. Não chega, contudo, a regulamentação a dispor a responsabilidade objetiva destes. Inversamente, impõe normas de conduta cuja desobediência poderá implicar em responsabilização, do que se abstrai - dada a presença indispensável do elemento culpa - evidente incidência da responsabilidade subjetiva.” (g.n) (DOTTA 2005. p. 115)

A este respeito, e na mesma linha, Sheila Perricone também afasta a incidência da teoria do risco:

 “Trata-se do risco de mercado que os investidores em fundos de investimentos se declaram cientes ao ingressar em tais fundos, inclusive que poderão ser chamados a aportar recursos adicionais em ocorrendo patrimônio liquido negativo” (Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. p. 96. Ano 4, nº II)”

E conclui que a responsabilidade dos Administradores de fundos deve ser subjetiva:

“A analise sistemática das leis e normas que tratam a regulação e funcionamento dos fundos investimento, nos leva a concluir ser subjetiva a responsabilidade de seus administradores, quer em face dos parâmetros de indicação do elemento culpa constante nas formas expedidas pelos órgãos reguladores, quer em face da ausência, em lei e naquelas normas, de expressa designação da responsabilidade objetiva. Assim, somente depois de provada a culpa do administrador, a existência do dano e o nexo de causalidade, é que surgirá o dever de reparar os prejuízos causados aos fundos que administra;” (Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Ano 4, nº II. p. 100) (g.n.)

Por outro lado, Eduardo Montenegro Dotta, defensor da aplicação da responsabilidade subjetiva, atenta para os malefícios que podem ser causados para todo sistema financeiro nacional caso haja responsabilidade objetiva para os administradores de fundos de investimentos, o que geraria, grosso modo, uma espécie desastrosa de quebra na função social do contrato.

Nas palavras do autor:

“(...) a responsabilização objetiva, poderá implicar na necessidade de prestar indenização em qualquer situação em que o cotista sinta-se prejudicado, em certos casos dito desembolso poderá suplantar a capacidade financeira do administrador. Finalmente, sob o prisma jurídico-econômico a responsabilização objetiva dos administradores de fundos, além de implicar na inviabilização de sua indústria, produzirá efeitos funestos para os próprios poupadores, que terão reduzidas as possibilidades de empregar rentabilidade às suas economias, prejudicando a mobilidade da poupança nacional, o desenvolvimento econômico, e, também para a própria higidez do sistema financeiro nacional, dado que qualquer evento prejudicial, poderá implicar em desencaixes de capital, não raras vezes elevados, sem que a instituição possa precaver-se de modo a evitar tal ocorrência, visto que não controla o fator aleatório que impregna a formação dos preços de mercado.” (DOTTA 2005. p. 117)

Por conseguinte, a doutrina diverge, também, em relação à possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre administrador de fundo e cotista.

Como se sabe, a relação de consumo se perfaz quando há, de um lado, o consumidor, na qualidade de destinatário final de bens ou serviços, e de outro lado o fornecedor nos termos do artigo 3º da Lei nº 8.078/90:

 “Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

       § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

       § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” 

Deste modo, os favoráveis à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos fundos de investimento entendem o investidor como sendo o destinatário final de um serviço prestado pelo Administrador do fundo, que figuraria como fornecedor.

A respeito do tema, notamos que a jurisprudência dos tribunais estaduais, nos casos em que há “perda do capital investido em fundos de investimentos, em virtude de “imperícia” das instituições financeiras responsáveis pela administração da carteira, e, ainda, de propaganda enganosa quanto aos riscos do investimento, consolidaram o entendimento de que o CDC é aplicável aos investidores dos mercados financeiros e de capitais, em especial aos cotistas de fundos de investimentos.” (Mercado de Capitais - Regime Jurídico 2008 p. 107)

Insta mencionar, neste condão, que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 297, que vigora com a seguinte redação: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Não obstante, a corrente doutrinária contrária à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos cotistas de fundos de investimentos, alega que o investidor não é destinatário final, e, portanto, não há relação de consumo.

Isto porque, segundo eles, o investimento é apenas um meio de multiplicação da quantidade de recursos adquiridos, sendo certo, portanto, que o investidor não se torna o destinatário final daquele produto - e sim, apenas, um intermediário. Em outras palavras: o investidor não consome os bens que adquire pelo fundo de investimento, mas os reaplica a fim de obter rendimentos.

Para corroborar, lapidar a explanação de Nelson Eizirik, com relação à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em relação aos fundos de investimentos:

 “Os quotistas de fundos de investimento financeiros não são consumidores, mas investidores do mercado de valores mobiliários. Com efeito, nos termos do artigo 1º da Lei 6.385/1976, com a redação que lhe foi dada pela recente Lei, as quotas de fundos de investimento são consideradas valores mobiliários. Nos termos da Lei 6.385/1976, a Comissão de Valores Mobiliários detém amplos poderes de regulamentação e fiscalização de todas as entidades que emitem ou colocam valores mobiliários no mercado, dente as quais se enquadram os fundos de investimento. (...) Assim, quem adquire quotas de um fundo de investimento financeiro é considerado um investidor – e não consumidor – do mercado de valores mobiliários, o qual é submetido à regulamentação e fiscalização da CVM, agência reguladora que dispõe de amplos poderes para proteger os investidores. O investidor do mercado de valores mobiliários não pode ser confundido com o consumidor de serviços bancários, financeiros, creditícios e securitários a que se refere o CDC em seu art. 3º, § 2º.” (Temas de Direito Societário. 2008. P. 547)

8. CONCLUSÃO

Pelo exposto, depreende-se que a atividade de Administração de fundos de investimento requer estrita observância à legislação aplicável e às Instruções pertinentes exaradas pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como ao regulamento e ao prospecto do fundo.

Em apertada síntese, vimos que é dever do Administrador atuar nos limites estabelecidos pelo regulamento e prospecto do fundo; observar as normas aplicáveis à contratação de terceiros; apresentar adequadamente as informações e observar as normas de conduta estabelecidas pela regulamentação pertinente da CVM; bem como cumprir com as deliberações das assembleias gerais de cotistas.

Com efeito, de modo geral, caso o Administrador atue em desconformidade com a lei, com regulamento do fundo ou com atos normativos expedidos pela CVM, seja por ação ou omissão, deverá responder pelos eventuais prejuízos causados aos cotistas.

Neste sentido, e na ceara da responsabilidade civil do Administrador de fundo, salientamos que a doutrina não é uníssona quanto à natureza desta responsabilidade, sendo certo que os argumentos da corrente que a conceitua como “subjetiva” são tão consistentes quanto os argumentos dos que consideram essa responsabilidade como “objetiva”.

Deste debate emerge a questão da aplicabilidade do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor às relações entre o cotista e o Administrador do fundo de investimentos – daí sua relevância prática e atual.

O debate também é oportuno aos Advogados, na medida em que o conhecimento dos argumentos de ambas as correntes doutrinárias certamente refletirá na maior efetividade da defesa dos interesses de seu cliente, seja ele o cotista ou o Administrador do fundo.

BIBLIOGRAFIA

Sobre o autor
Lucas Ometto Ferraz de Arruda

Advogado em São Paulo. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - GVlaw.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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