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As pessoas jurídicas no Novo Código Civil

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Agenda 01/03/2003 às 00:00

O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Caracteriza, o Código nacional, o empresário e o registro da sociedade, por esse constituída, segundo seu objeto. Diz a lei:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

Quer dizer, o que define o empresário é a atividade por ele exercida. E atividade organizada significa a constituída sob a forma de empresa individual (empresário) ou por qualquer dos tipos societários admitidos em lei (sociedade). Não será empresário, nem sociedade empresária, o exercício de atividade de natureza civil, qualquer que seja o volume de colaboradores, salvo se a profissão constituir elemento de empresa, como o exercício da profissão de banqueiro, ou compra e venda de créditos (factoring), por exemplo.

"Organização, derivado de organizar (constituir em organismo), é, em sentido técnico, empregado para designar o conjunto de regras adotadas para a composição e funcionamento de certas instituições, sejam de interesse público ou de interesse privado. Desta forma, a evidência de uma organização já imprime o sentido de constituição ou instituição de alguma coisa, cujo funcionamento está subordinado às normas e regras, que lhe deram estrutura", como asseverava DE PLÁCIDO E SILVA. E mais, que, "a rigor técnico, organização exprime propriamente o conjunto de regras e de princípios que vão servir de base à criação ou formação de uma instituição, respeitadas as regras e princípios legais, para que se lhe dê personalidade jurídica e se tracem as normas de funcionamento e de existência legal." [16]Atividade econômica organizada, assim, significa a constituição de uma sociedade para o exercício dessa atividade, subordinada às normas e regras que lhe deram estrutura, ou seja, o Direito Civil ou o Comercial.

Diz, ainda, o nosso Código em comento:

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.

Vê-se, pois, claramente, que o que define a natureza da sociedade é o seu objeto, a atividade a ser desenvolvida.

Dispõe, mais, nosso ordenamento civil, que

Art. 1.000 A sociedade simples que instituir sucursal, filial ou agência na circunscrição de outro Registro Civil das Pessoas Jurídicas, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária.

Por isso, também, fica claro que pouco importa o tamanho da sociedade ou o exercício direto, pelos sócios, das suas atividades.

Ora, como é notório, a hermenêutica exige a integração e interpretação das leis, de modo a que façam algum sentido, vedando-se as interpretações que não fazem sentido algum. E não faz nenhum sentido, por exemplo, entender inúteis à interpretação da natureza jurídica das sociedades, as exceções previstas no parágrafo único do artigo 982, que dizem que, qualquer que seja o objeto da sociedade por ações, essa será empresária, e que, qualquer que seja o objeto da sociedade cooperativa, essa será simples. "Verba cum effectu, sunt accipienda: ‘Não se presumem, na lei, palavras inúteis’. Literalmente: ‘Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia’" [17] Essas exceções confirmam a regra de que é o objeto da sociedade que define sua estrutura, empresária (comercial) ou simples (civil), por força da lei. E essa exceção já vem desde o ordenamento comercial anterior, ao dispor a Lei das S.A., exatamente no mesmo sentido (art. 2°, §1°) .

Também não teria nenhum sentido, a lei nova permitir que as sociedades simples contem com colaboradores, em número indefinido, e possa abrir filiais, sucursais ou agências, se pensarmos que não será empresário somente quem, por si e diretamente, exerça a atividade social, porque, ao que sabemos, aos homens ainda não é dado o dom da ubiqüidade. Se fosse necessário o exercício da atividade, diretamente e per si, não seria possível a abertura de filiais e nem necessária a colaboração de auxiliares sem número definido. A lei, se al quisesse, teria restringido.

Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus. Se o legislador utilizou termos e institutos jurídicos para definir as hipóteses, não é dado ao intérprete entender que há limitação de pessoal ou do tamanho do local de trabalho, em que serão exercidas as atividades objetivadas pelas sociedades.

Assim, e considerando que às sociedades simples, independentemente da forma de sua organização jurídica (simples, limitada, etc.), é facultado o concurso de auxiliares ou colaboradores, inclusive com instituição de sucursal, filial ou agência, parece claro que a adoção dos vocábulos estrutura, organizada e elemento de empresa, somente podem ser entendidos, respectivamente, como estrutura jurídica (sujeição a determinado ramo do Direito, como visto), organizada, como forma de sua constituição, gerenciamento, responsabilidade, etc (simples, limitada, etc.), e, elemento de empresa, como elemento caracterizador da atividade empresarial desenvolvida (comercial, bancária, financeira, intelectual ou não comercial), que é ditado pelo objeto social. Quais são os elementos, ou requisitos, para a constituição de uma sociedade? Dentre eles encontra-se o fundamental, caracterizador, que é o objeto social.

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Assim, por exemplo, o particular, economista, que deseje constituir um pequeno banco de investimentos, apenas com uma sede (ou uma sede e um ou dois escritórios de negócios em outras capitais, como sói ocorrer), com cerca de vinte a trinta funcionários, exerce atividade de banqueiro e o exercício dessa atividade, declarada como objeto social, em seu contrato constitutivo, o impede de constituí-la como sociedade simples, porque o exercício dessa atividade é elemento de empresa. No mesmo sentido, se esse mesmo economista resolver constituir uma pequena indústria de plásticos, mecanizada, com o auxilio de seus dois filhos e mais dois empregados, não poderá organizá-la sob a forma de sociedade simples, porque o exercício de atividade industrial, que agrega um valor à matéria prima, é elemento de empresa, face ao seu objeto social ser a indústria de matéria plástica. Igualmente, se um escritor renomado resolver abrir uma livraria, com o auxilio apenas de sua filha, onde irá comerciar livros, pouco importa o tamanho da estrutura ou da organização material de seu negócio, porque sua atividade é elemento de empresa, que é o objeto social das sociedades que compram e vendem livros. Nesses casos, o registro é mercantil, no Registro de Empresas.

Por outro lado, se um grupo de médicos resolve associar-se ao Doutor Ivo Pitangui, e constituir uma clínica, com apoio de diversos enfermeiros, secretárias, faxineiros, nutricionistas e demais auxiliares necessários ao exercício de sua atividade profissional cientifica, essa sociedade poderá ser simples e esse exercício não irá configurar elemento de empresa, porque o objeto social de prestação de serviços médicos não é atividade típica comercial ou afim, como disse REALE [18]. De igual modo, um contador poderá constituir uma sociedade para prestação de serviços de auditoria, com diversos colaboradores, sem que essa atividade designe elemento de empresa. Nesses casos, o registro é civil, e é feito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Quer dizer, o que define o regramento da estrutura e organização das sociedades não é a profissão do sócio ou o "tamanho" da sociedade, mas, sim, a atividade que irá exercer naquela sociedade e, a atividade, que é elemento de empresa, é definida no objeto, descrito no contrato social.

No estudo dos atos jurídicos, VICENTE RÁO ensinava o que são "elementos", na ciência do Direito, esclarecendo que, pelo antigo sistema de classificação dos componentes dos atos jurídicos parte da noção filosófica de elementos, ou seja, das partes que, em seu todo, formam ou constituem as coisas materiais, aplicando esta noção, analogicamente, às coisas imateriais. E os elementos distingue em essenciais (genéricos e específicos), naturais e acidentais.

Essenciais dos atos jurídicos são, pois, os elementos que os compõem, qualificam e distinguem dos demais atos, elementos, isto é, sem os quais aqueles atos não se forma, nem se aperfeiçoam. Deles, uns são genéricos porque a todos os atos jurídicos dizem respeito; específicos são outros, por atinentes a cada tipo de ato particularmente considerado. Elementos essenciais genéricos dos atos jurídicos são a vontade do agente capaz (elemento volitivo compreendendo a autodeterminação do agente, a declaração voluntariamente produzida e a vontade do conteúdo do ato), o objeto possível, lícito, determinado ou determinável, a forma e, segundo certa corrente doutrinária, a causa. [19]

Sabendo o que são elementos dos atos jurídicos, ou seja, uma parte do todo que o compõe; e que, dentre esses, o objeto é elemento essencial, ORLANDO GOMES, estudando a empresa e seus elementos, dizia que

A noção de empresa interessa ao Direito Comercial, ao Direito do Trabalho e ao Direito Tributário, mas é no Direito Civil que a definição da sua natureza jurídica se elabora.

Na empresa combinam-se elementos humanos, materiais e intelectuais. Os elementos humanos são os empregados, os operários e os dirigentes. Os elementos materiais, os meios utilizados na atividade econômica e, também, na organização do trabalho (contratos, regulamento coletivo, código disciplinar). Os elementos intelectuais definem-se nas suas diversas finalidades lucrativas.

Preferem outros autores definir o empresário, isto é, quem combina e organiza os fatores da produção para exercer em proveito próprio, e assumir o risco, uma atividade econômica. Constitui-se juridicamente como sociedade que exerce profissionalmente a referida atividade, que produz para o mercado.

São elementos componentes da empresa, considerada patrimônio especial: a) bens corpóreos (móveis, imóveis, dinheiro, mercadorias); b) bens incorpóreos (nome comercial, siglas, insígnias, patentes de invenção, marcas de fábrica); c) créditos e débitos; d) o fundo de comércio, representado, dentre outros fatores, pela clientela, o ponto, a fama, os segredos do negócio, a propaganda, o sistema de organização.

No Direito italiano distingue-se a empresa da azienda. O termo empresa usa-se para designar a atividade econômica do empresário, enquanto azienda é o complexo de elementos objetivos organizados, que são indispensáveis como instrumento de empresa, mas não constituem parte desta; os meios que o empresário organiza para o exercício da empresa. [20]

Da lição de ORLANDO GOMES extrai-se que, também para ele, dentre os elementos da empresa, a atividade profissional exercida é que interessa para a definição de sua natureza jurídica; os meios de sua organização não constituem elemento da empresa. E isso, aliás, está evidente na própria dicção do parágrafo único do artigo 966 do nosso Código Civil, eis que, "não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa". O quer isso dizer? Que o único elemento, ponderado e admitido pelo legislador, para caracterizar empresária uma sociedade, é a natureza do exercício da profissão a ser desenvolvida, ou seja, a atividade dela, o seu objeto social.

Finalmente, pondo uma pá de cal sobre se subsistem, ou não, as atividades comerciais ou mercantis, e a mera alteração de sua nomenclatura, dispôs o novo Código Civil pátrio:

Art. 2037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis.

E por que isso? Porque o Direito Comercial é muito maior do que o Código de Direito Privado unificado, não se extinguindo nem as atividades mercantis, nem as sociedades comerciais e, muito menos, os comerciantes, por lei ou decreto. O Direito Comercial é uma ciência e o estudo científico não fica adstrito às disposições legais.

Sobre o autor
Paulo Roberto de Carvalho Rêgo

oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Cidade de São Paulo, vice-presidente do Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos da Cidade de São Paulo, diretor da Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (ANOREG-SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Paulo Roberto Carvalho. As pessoas jurídicas no Novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3813. Acesso em: 23 dez. 2024.

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