O Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou: o governo Dilma cometeu crime de responsabilidade fiscal. Manobra, conhecida como ‘pedalada fiscal’, usou recursos de bancos públicos para inflar artificialmente resultados do governo e melhorar as contas da União. E isso contraria o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de Maio de 2000).
O termo “pedalar” costuma ser usado pelos técnicos que lidam com o orçamento público como sinônimo de adiar o pagamento de uma despesa. Foi exatamente isso o que a equipe econômica comandada pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, sob a batuta de Dilma, fez nos últimos dois anos.
Com dificuldades para arrecadar e sem conter gastos, o governo tentou melhorar as estatísticas das contas públicas adiando despesas de um mês para outro, fazendo com que três bancos públicos pagassem por ele. Assim, o resultado fiscal de um mês acabava parecendo melhor do que de fato era.
Explicando: o Tesouro tinha de repassar dinheiro à Caixa Econômica Federal (CEF), ao Banco do Brasil e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na condição de gestores de programas federais que integram políticas públicas. Todavia, para fazer caixa e maquiar o desequilíbrio fiscal, a equipe econômica resolveu atrasar esse dinheiro. Com isso, os bancos tiveram de se valer de recursos próprios para fazer frente àquelas despesas, estabelecida operação de crédito entre as apontadas instituições financeiras estatais e o ente federativo que as controla – no caso, a União, beneficiária do empréstimo (pois foi disto que se tratou).
A este passo, dê-se uma olhada nos termos do artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal: ‘É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo’.
Pode haver dúvida do cometimento da infração? Não! E para tanto não serve jogo de palavras do ministro da Justiça ou do advogado-geral da União (AGU), Luís Inácio Adams. Este, no sentido de que as tais ‘pedaladas’ são prática recorrente, desde o governo Fernando Henrique Cardoso – tentativa frustrada de transferência de responsabilidade, própria de quem não tem argumentos.
Primeiro, porque daquilo inexiste comprovação. Segundo, do que muito pior, porque se está querendo justificar descumprimento de lei com base em suposta igual infração anterior. Ou seja, é desculpa juridicamente imprestável e externada quase que numa ‘delação não premiada’.
De fato, com defensores do tipo, à vista da desajeitada linha de argumentação, dispensam-se acusadores. Mas, é do que o governo no momento dispõe. Sem justificativa consistente, incorre no desvão da defesa inconsequente, vazia de juridicidade.
E não pode haver dúvida sobre a irregularidade e a responsabilidade, junto doutros e em última instância, da presidente da República. As operações eram oficiais, com as quais comprometidos todos os agentes das ‘pedaladas’ – desde o menor até o maior. Assim, fica muito difícil, perante a opinião pública e os próprios operadores do Direito, tentar se justificar da não participação de Dilma no imbróglio, em mais uma das já sistemáticas ‘blindagens’ da presidente.
Assim, espera-se que, a seu tempo e modo, as instituições encarregadas do caso funcionem, dando cumprimento à lei e fazendo valer o ditado de que ‘contra fato não há argumento’. Afinal de contas, num país sério, ninguém deve estar acima da lei!
Portanto, por si ou subordinados, definida da infração, haverá base legal, se não ao impeachment, ao menos a processo por crime de responsabilidade – também suscetível de àquele conduzir. Vejamos.
A Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92), em seu artigo 11, inciso I, dispõe que nela incorre quem pratique ‘ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência’. Foi do que sucedeu!
Já o inciso III de seu artigo 12 refere-se àquilo que acontece com quem incida na previsão do artigo 11: ‘na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil (...)’.
De se anotar que, inda se diga que Dilma não possa, agora, ser denunciada por atos do primeiro mandato (com base no artigo 86, parágrafo 4º, da Constituição Federal), já que se trata de ‘pedaladas’ contemporâneas àquele, abstração feita à possibilidade da investigação de sua conduta à vista da Lei 1079/50, para punição de crime, se houver, quando do término do mandato presidencial, resta, desde já, a forma culposa do crime de responsabilidade contra a probidade na administração, por não tornar efetiva a responsabilidade dos subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição (vejam-se artigos 85, V, desta e 9º, item 3, da Lei 1.079/50).
E esse quadro também é capaz de levar ao impeachment da presidente, desde já. Sem que se possa valer do pretexto, que virou moda desde a era Lula da Silva, de que do fato nada sabia. É que, na forma culposa do crime, não se considera da vontade conscientemente dirigida à obtenção do resultado criminoso ou de assumir o risco de produzi-lo. Ao contrário, o tipo penal satisfaz-se com a só violação ou inobservância de regra de conduta, da qual resulte lesão a direito alheio.
Nesse contexto, sobrelevam as figuras da omissão, imperícia, negligência e imprudência. Iniludivelmente, a par da verificação de dolo, presentes no caso de que se trata. A equipe econômica, então personificada por Guido Mantega, era comandada por Dilma, que se reelegeu, sem tomar qualquer providência para impedir a ocorrência do crime de responsabilidade.
Doutra feita, não houve solução de continuidade (interrupção) entre os dois mandatos dela, não existindo justificativa ético/moral a que se isente das consequências de crime eventualmente cometido. Fosse diferente, haver-se-ia de admitir da possibilidade de que um presidente pudesse praticar crimes de responsabilidade para se reeleger, na certeza da impunidade – ou de que tão cedo não arcaria com o peso da transgressão.
O Brasil e seu povo, sobretudo em era de corrupção desbragada, não dispensa interpretação legal ajustada à efetiva responsabilização dos agentes dos chamados malfeitos, sob pena de a Justiça incorrer no ridículo e no descrédito, atuando à distância dos impositivos da hora presente, a não prescindir da pedalada do justo enquadramento de quem de direito, trate-se de quem se trate!