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Controle da Administração Pública: breves reflexões

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Agenda 02/05/2022 às 13:46

A classificação do controle da Administração Pública não é isenta de dificuldades, dada a inegável complexidade de que se reveste a matéria. É possível, no entanto, aprofundar o estudo do tema a partir das diretrizes apresentadas no presente ensaio.

1 INTRODUÇÃO

A atividade estatal, ponto de partida deste modestíssimo ensaio, desdobra-se em três funções: a administrativa (de administrar), a legislativa (de legislar) e a jurisdicional (de julgar). Cada uma dessas funções prepondera em um Poder. Diz-se, assim, que a função administrativa é típica do Poder Executivo, a função legislativa é típica do Poder Legislativo e a função jurisdicional é típica do Poder Judiciário. A função administrativa, conquanto típica do Poder Executivo, também existe nos demais Poderes, sendo exercida, por exemplo, sempre que se realizam concursos para admissão de pessoal ou licitações para contratação de bens ou serviços nos órgãos dos Poderes Legislativo ou Judiciário.

Traçadas essas primeiras linhas, já se pode buscar um conceito para Administração Pública. Administração Pública (em sentido subjetivo) são as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que exercem a função administrativa. Já a administração pública (em sentido objetivo) se confunde com a função administrativa propriamente dita.

O controle da Administração Pública diz, pois, respeito ao desempenho da função administrativa, nos moldes do acima exposto. Trata-se do poder de fiscalização e de revisão (correção) da atividade administrativa. Para José dos Santos Carvalho Filho, controle da Administração Pública é “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder”[1]. Ainda segundo o notável administrativista, a fiscalização “consiste no poder de verificação que se faz sobre a atividade dos órgãos e dos agentes administrativos, bem como em relação à finalidade pública que deve servir de objeto para a Administração”[2], e a revisão “é o poder de corrigir as condutas administrativas, seja porque tenham vulnerado normas legais, seja porque haja necessidade de alterar alguma linha das políticas administrativas para que melhor seja atendido o interesse coletivo”[3].


2 PARÂMETROS

Dois são os parâmetros de controle: a lei e o Direito, e o interesse público.

O princípio da legalidade, em sua acepção moderna, exige a observância não apenas da lei, mas também do Direito[4]. Não por outra razão alguns doutrinadores passaram a chamá-lo de princípio da juridicidade. O legislador ordinário federal, atento a essa nova dimensão do princípio da legalidade, consagrou, relativamente aos processos administrativos em curso na Administração Pública Federal, o critério de atuação conforme a lei e o Direito (Lei nº 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, inciso I).

À Administração Pública, às vezes, é dado escolher, entre duas ou mais opções possíveis, todas de acordo com a lei e o Direito, aquela que lhe parece mais oportuna e conveniente. Está-se a falar dos aspectos discricionários da atividade administrativa, traduzidos no binômio oportunidade – conveniência (mérito). Nesses casos, a Administração Pública analisa as soluções que se lhe apresentam para, orientada pelo interesse público, definir o caminho a seguir. Eis o segundo parâmetro de controle: o interesse público. Nas palavras de Odete Medauar, o controle da Administração Pública visa, inclusive, “a verificar a conveniência e a oportunidade de medidas e decisões no atendimento do interesse público (controle de mérito)”[5]. Bem vistas as coisas, o princípio da finalidade já exige o atendimento do interesse público. Nada obstante, como se trata de princípio não previsto expressamente na Constituição Federal, é preferível manter o interesse público como fundamento autônomo para o exercício do controle da Administração Pública.

Na lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, o controle da Administração Pública “abrange a fiscalização e a correção dos atos ilegais e, em certa medida, dos inconvenientes ou inoportunos”[6]. A ideia é, precisamente, garantir o respeito à lei e ao Direito e resguardar o interesse público.


3 CLASSIFICAÇÃO

3.1 Controle administrativo, controle legislativo e controle judicial.

Controle legislativo é o feito pelo Poder Legislativo, controle judicial é o realizado pelo Poder Judiciário e controle administrativo é o levado a efeito pela própria Administração Pública.

O controle administrativo inclui a autotutela e a tutela[7].

As Súmulas 346 e 473, do Supremo Tribunal Federal, consagram a autotutela:

Súmula 346:

A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.

Súmula 473:

A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

O art. 53 da Lei nº 9.784/99 também o faz, no concernente aos processos administrativos em tramitação na Administração Pública Federal:

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

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A autotutela ganha ares de controle hierárquico quando a autoridade administrativa examina, de acordo com critérios de legalidade e/ou de mérito, ato de subordinado. De igual modo, a autotutela faz-se presente quando a autoridade administrativa se debruça sobre ato por ela própria praticado (autocontrole[8]).

Descentralização nada mais é que a distribuição de competências entre pessoas jurídicas. A descentralização opera-se sempre por lei, que cria ou autoriza a criação de pessoa jurídica, atribuindo-lhe a titularidade e a execução de serviço público e submetendo-a a tutela pelo Poder Público. É o fenômeno da descentralização que dá origem às entidades da Administração Indireta[9]. Há, entre a pessoa jurídica instituída (autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista) e a pessoa jurídica instituidora (União, Estado, Distrito Federal ou Município), uma relação de vinculação. Nesse contexto, dá-se o nome de tutela ao controle exercido pela União, Estado, Distrito Federal ou Município, por meio de órgãos da Administração Direta, sobre as entidades da Administração Indireta a ela vinculadas.

Exemplos de controle administrativo, na modalidade de autotutela, são a anulação de ato administrativo pela própria Administração Pública e a revogação de ato administrativo. Na modalidade de tutela: o controle exercido pela União, por meio do Ministério da Fazenda, sobre o Banco do Brasil.

Quanto ao controle legislativo, impende resgatar o debate acerca da posição institucional do Tribunal de Contas. Discute-se se ele faz parte do Poder Legislativo ou ocupa lugar sui generis na organização dos entes federados, não integrando nenhum Poder. Para fins didáticos, é melhor considerar o controle pelo Tribunal de Contas espécie de controle legislativo, visto que o legislador constituinte originário optou por cuidar desse órgão no capítulo relativo ao Poder Legislativo.

Exemplo de controle legislativo é a apreciação, pelo Tribunal de Contas, da legalidade de ato de aposentadoria, nos termos do art. 71, inciso III, da Constituição Federal.

Por fim, ressalte-se que o controle judicial se realiza, em regra, por intermédio de ações judiciais, como o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção e a ação popular.

Exemplo de controle judicial é a anulação de ato administrativo pelo Poder Judiciário.

3.2 Controle por subordinação e controle por vinculação.

O controle por subordinação corresponde ao controle hierárquico; o controle por vinculação, à tutela.

A propósito, José dos Santos Carvalho Filho ensina que “controle por subordinação é o exercido por meio dos vários patamares da hierarquia administrativa dentro da mesma Administração”[10], ao passo que “no controle por vinculação o poder de fiscalização e de revisão é atribuído a uma pessoa e se exerce sobre os atos praticados por pessoa diversa”[11].

3.3 Controle interno e controle externo.

Alguns autores conceituam controle interno como o que se desenvolve dentro de um Poder. Sem embargo, tal conceito não se mostra exato. A apreciação, pelo Tribunal de Contas, da legalidade do ato de aposentadoria de servidor do próprio Tribunal, nos termos do art. 71, inciso III, da Constituição Federal, é exemplo de controle externo e não interno. O mesmo se diga da anulação, pelo Poder Judiciário, de ato praticado por servidor do próprio Poder.

Na verdade, não há diferença entre controle interno e controle administrativo. Controle administrativo ou interno é o levado a efeito pela própria Administração Pública, seja ela do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. A redação do art. 70 da Constituição Federal, segundo o qual a “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”, não infirma a conclusão ora alcançada. Extrai-se da disposição supra que controle interno é o que se desenvolve dentro de uma Administração Pública, ou seja, dentro da Administração Pública de um Poder.

Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma ser “interno o controle que cada um dos Poderes exerce sobre seus próprios atos e agentes”[12] e “externo o controle exercido por um dos Poderes sobre o outro; como também o controle da Administração Direta sobre a Indireta”[13]. Na mesma linha, José dos Santos Carvalho Filho assevera que “controle ministerial é o exercido pelos Ministérios sobre os órgãos de sua estrutura administrativa e também sobre as pessoas da Administração Indireta federal”[14], acrescentando que “naquele caso o controle é interno e por subordinação e neste é externo e por vinculação”[15].

Ousa-se discordar dos eminentes juristas. A tutela também se apresenta como controle interno, porque, apesar de envolver órgão da Administração Direta e entidade da Administração Indireta, se desenvolve no interior da Administração Pública como um todo.

No particular, a razão está com Odete Medauar:

Quando o agente controlador integra a própria Administração, está-se diante de um controle interno, exercido pela própria Administração sobre seus órgãos e suas entidades da Administração indireta. Se o controle é efetuado por órgão, ente ou instituição exterior à estrutura da Administração, qualifica-se como controle externo, situando-se nesta espécie o controle realizado por instituições políticas, por instituições técnicas ou por instituições precipuamente jurídicas.[16]

O controle realizado pela Administração sobre seus próprios órgãos e suas entidades indiretas recebe vários nomes: controle administrativo, controle intraorgânico, controle intra-administrativo.[17]

Essa também a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello.

Em alguns casos, o controle administrativo ou interno, na modalidade de autotutela, dá-se entre órgãos da mesma pessoa jurídica, sem que entre eles haja uma relação de subordinação. Isso só é possível, como regra, na presença de lei (controle não hierárquico de embasamento legal).

Exemplo de controle não hierárquico de embasamento legal é “o controle que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF do Ministério da Fazenda, quando provocado, exerce sobre as decisões proferidas pelas Delegacias de Julgamento da Secretaria da Receita Federal do Brasil”[18].

Por derradeiro, importa salientar que o controle administrativo ou interno, na modalidade de autotutela, também se faz pelo órgão de controle interno. Muito embora não exista, na hipótese, subordinação em relação ao controlador, esse “tipo de controle prescinde de lei expressa, porque a Constituição, no art. 74, dispõe que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem manter, integradamente, sistema de controle interno”[19] (controle não hierárquico de embasamento constitucional).

Exemplo de controle não hierárquico de embasamento constitucional é o controle exercido pela Secretaria Federal de Controle Interno[20], órgão da Controladoria-Geral da União.

Acrescente-se que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público também exercem controle não hierárquico de embasamento constitucional, tendo em vista os arts. 103-B e 130-A da Constituição Federal.

Por sua vez, o controle externo abarca o controle legislativo e o controle judicial.

3.4 Controle de legalidade e controle de mérito.

O ponto de partida do controle de legalidade é a verificação da conformação da atividade administrativa com as regras e princípios que compõem o ordenamento jurídico. Por seu turno, o controle de mérito recai sobre os aspectos discricionários (oportunidade e conveniência) da atividade administrativa.

O controle de legalidade pode ser feito pelos Poderes Legislativo ou Judiciário ou pela própria Administração Pública. O controle de mérito, apenas pela própria Administração Pública.

Muito se discute, hoje, sobre a possibilidade de o Poder Judiciário realizar controle de mérito. Não pode o julgador, no entanto, se substituir ao administrador. O que ocorre é que a releitura do princípio da legalidade, que passou a reclamar adequação não apenas à lei, mas também ao Direito, trouxe como consequência a ampliação do controle de legalidade. A legalidade “cresceu”, e o mérito “encolheu”, na mesma medida. Aspectos antes tidos como discricionários se deslocaram para o campo da legalidade. Cite-se, a propósito, a Súmula Vinculante 13, alicerçada na ideia de que a proibição do nepotismo na Administração Pública independe de lei, decorrendo diretamente dos princípios estabelecidos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

Exemplos de controle de legalidade e controle de mérito são, respectivamente, a anulação de ato administrativo e a revogação de ato administrativo.

3.5 Controle prévio, controle concomitante e controle posterior.

Controle prévio (ou a priori), controle concomitante e controle posterior (ou a posteriori) são, respectivamente, os que se dão antes, ao longo e depois da prática de ato, material ou jurídico, da Administração.

No mais das vezes, o controle prévio refere-se a ato que depende de autorização ou aprovação para ser praticado ou de aprovação ou homologação para produzir todos os seus efeitos, o controle concomitante recai sobre ato material (de simples execução) da Administração e o controle posterior incide sobre ato administrativo.

Exemplo de controle prévio é a homologação do resultado final de concurso para admissão de pessoal[21].

Exemplo de controle concomitante é a fiscalização da execução de obra pública.

Exemplo de controle posterior é a anulação de ato administrativo.

3.6 Controle de ofício e controle provocado.

Controle de ofício é o espontâneo, realizado por iniciativa própria. Já o controle provocado se dá mediante provocação, como o deflagrado por recurso administrativo ou ação judicial.


4 CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS

Alguns doutrinadores mencionam o controle popular e o controle pelo Ministério Público, mas tanto o povo quanto o Ministério Público se limitam a deflagrar o controle, que somente se perfaz com a atuação do Poder Legislativo ou Judiciário ou da própria Administração Pública. Controle da Administração Pública, repise-se, é o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa. E ao controle popular e ao controle pelo Ministério Público falta o elemento “revisão”.


5 EXEMPLOS

Anulação de ato administrativo pela própria Administração Pública – controle administrativo (autotutela), interno, de legalidade e posterior.

Revogação de ato administrativo – controle administrativo (autotutela), interno, de mérito e posterior.

Exame, pela autoridade administrativa, de ato por ela própria praticado – controle administrativo (autotutela/autocontrole), interno e posterior.

Exame, pela autoridade administrativa, de ato de subordinado – controle administrativo (autotutela/controle hierárquico), por subordinação, interno e posterior.

Controle exercido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão do Ministério da Fazenda – controle administrativo (autotutela/controle não hierárquico de embasamento legal) e interno.

Controle exercido pela Secretaria Federal de Controle Interno, órgão da Controladoria-Geral da União – controle administrativo (autotutela/controle não hierárquico de embasamento constitucional) e interno.

Controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça – controle administrativo (autotutela/controle não hierárquico de embasamento constitucional) e interno.

Controle exercido pelo Conselho Nacional do Ministério Público – controle administrativo (autotutela/controle não hierárquico de embasamento constitucional) e interno.

Controle exercido pela União, por meio do Ministério da Fazenda, sobre o Banco do Brasil – controle administrativo (tutela), por vinculação e interno.

Controle exercido pela União, por intermédio do Ministério das Comunicações, sobre a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – controle administrativo (tutela), por vinculação e interno.

Apreciação, pelo Tribunal de Contas, da legalidade de ato de aposentadoria, nos termos do art. 71, inciso III, da Constituição Federal – controle legislativo, externo, de legalidade, posterior e de ofício.

Anulação de ato administrativo pelo Poder Judiciário – controle judicial, externo, de legalidade, posterior e provocado.

Homologação do resultado final de concurso para admissão de pessoal – controle administrativo (autotutela/controle hierárquico), por subordinação, interno, prévio e de ofício.

Homologação do resultado final de licitação para aquisição de bens ou serviços – controle administrativo (autotutela/controle hierárquico), por subordinação, interno, prévio e de ofício.

Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas em obra pública – controle legislativo, externo e concomitante.

Sobre o autor
Michel Martins de Morais

Consultor Jurídico Substituto do TCDF, órgão em que é titular do cargo efetivo de Auditor de Controle Externo. Advogado. Instrutor. Doutorando em Direito pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Mestre em Finanças pela London Business School (LBS). Especialista em Direito Administrativo Aplicado pela Fortium. Bacharel em Direito pela UnB. Engenheiro Eletricista pela UFPE. Autor de "Reforma da previdência: o RPPS da União à luz da EC nº 103/19" e "The effects of investment regulations on pension fund performance in Brazil", ambos publicados pela Editora Dialética.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Michel Martins. Controle da Administração Pública: breves reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6879, 2 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38845. Acesso em: 22 nov. 2024.

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