10 DO JULGAMENTO DAS CONTAS DO PREFEITO COMO ORDENADOR DE DESPESAS – RECENTES DECISÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Embora patente entendimento sobre a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo Municipal poder figurar como responsável em processo de julgamento de contas perante a Corte de Contas, o Tribunal Superior Eleitoral tem se posicionado em sentido contrário em reiteradas decisões.
Segundo a redação do art. 11, §5º da Lei n. 9.504/1997, é atribuição do Tribunal de Contas disponibilizar à Justiça Eleitoral relação dos que tiverem sãs contas relativas ao exercício de cargos ou função públicas, rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente.
Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições.
(...)
§ 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.
A atribuição da Corte de Contas é informar a lista das pessoas físicas que serão, a critério da Justiça Eleitoral, consideradas inelegíveis. São inelegíveis, segundo art. 1º, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar n. 64/1990, “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargo ou função pública rejeitadas por órgão competente.”
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
(...)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Disponibilizada a lista, e tendo nela figurado nome de Prefeito em face de contas julgadas irregulares, o Tribunal Superior Eleitoral tem reiterado suas decisões no sentido de que o Prefeito Municipal não se sujeita ao Julgamento pelo Tribunal de Contas, sob o argumento de que as contas do Prefeito estão sujeitas apenas ao julgamento da Câmara, mesmo que tenha agido na qualidade de gestor de contas públicas.
Agravos regimentais. Recursos Ordinários. Registro de candidatura. Deputado federal, Inelegibilidade. LC n. 64/90, art. 1º, inc. I, “g”. Alteração LC n.. 135/2010. Rejeição de contas públicas. TCM. Prefeito. Órgão competente. Câmara Municipal. Desprovimento.
1.A despeito da ressalva final constante da nova redação do art. 1º, inc. I, “g” LC n. 64/90, a competência para o julgamento das contas de Prefeito, sejam relativas ao exercício financeiro, à função de ordenador de despesas ou a de gestor, é da Câmara Municipal, nos termos do art. 31 da Constituição Federal. Precedente.
2.Cabe ao Tribunal de Contas apenas a emissão de parecer prévio, salvo quando se tratar de contas atinentes a convênios, pois, nesta hipótese, compete à Corte de Contas decidir e não somente opinar.
3.Agravos desprovidos. (Agravo Regimental no Recurso Ordinário nº 682-47.2010.6.27.0000/TO)
Do acórdão acima, que representa o entendimento esposado pelo Tribunal Superior Eleitoral, percebe-se que esta Colenda Corte, sem analisar de forma detalhada questão tão relevante, parece desconsiderar o disposto na lei e na Constituição.
Ora, conforme já demonstrado no decorrer deste estudo, o argumento levantado pelo Tribunal Eleitoral não deve prevalecer. Primeiro, porque as contas que se submetem apenas ao julgamento da Câmara são as contas anuais apresentadas pelo Prefeito e não as contas do Prefeito, como se refere o Tribunal Superior. As contas apresentas pelo Prefeito referem-se às contas anuais globais do ente, as quais, por disposição do legislador constituinte, devem ser consolidadas e apresentadas ao Legislativo pelo Chefe do Poder Executivo. De natureza diversa, são as contas do próprio Prefeito, as quais representam os casos em que o então Chefe do Executivo tenha figurado como ordenador de despesas. A corroborar tal asserção, a própria Lei Complementar n. 64/1990 afirma que são inelegíveis aqueles que tiverem as suas contas rejeitadas por irregularidade insanável ou decisão irrecorrível.
Segundo, porque conforme assevera a referida Lei Complementar, com redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010, o art. 71, inciso II da Constituição (que afirma que compete ao Tribunal de contas o julgamento das contas dos administradores e responsáveis por bens, dinheiro ou valores públicos) deve ser aplicado a todos os ordenadores de despesa. Com essa nova redação, parece que o legislador quis deixar claro que todo administrador que figurar como responsável deve submeter suas contas ao julgamento da Corte de Contas. Resta claro que se o Prefeito agir nessa qualidade não poderá se eximir de ter suas contas julgadas pela Corte competente.
Terceiro, porque a Constituição Federal dispôs de forma expressa (no caput do art. 75), que as normas relativas à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, previstas nos arts. 70 e seguintes da Carta Política aplicam-se aos Tribunais e conselhos de Contas Municipais. Desse modo, fica evidente que, não obstante regramento peculiar no art. 31 da Constituição sobre o julgamento das contas do Município apenas pelo Parlamento (as quais se referem às contas do ente Municipal como um todo e não às contas do gestor considerado individualmente), as contas do administrador gestor de recursos deverão ser submetidas ao julgamento pelo Tribunal de Contas, aos moldes do disposto no mencionado art. 71, II.
Sendo assim, respeitadas as considerações do Tribunal Superior Eleitoral, é certo que a matéria merece maior exame e compreensão por parte dessa Corte, sob pena de tornar imunes de responsabilização inúmeros administradores municipais, tornando letra morta os princípios republicanos da legalidade, moralidade, eficiência, transparência, dentre muitos outros.
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme demonstrado no estudo acima, a Constituição Federal deferiu a competência fiscalizatória contábil, financeira e orçamentária ao respectivo Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas.
Sendo assim, conferiu ao Parlamento, mediante controle externo e após parecer prévio do Tribunal de Contas, a atribuição de julgar as contas gerais anuais de toda a administração direta e indireta, as quais devem ser consolidadas e apresentadas pelo Chefe do Executivo nos prazos definidos na Constituição.
A referida prestação de contas anuais da Administração Pública, outrossim, não exime os administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos de submeterem as contas relativas à sua gestão individual ao julgamento do Tribunal de Contas.
Isso ocorre porque o julgamento realizado pelo Parlamento em relação às contas anuais tem natureza diversa do julgamento realizado pelo Tribunal de Contas em relação às contas individuais dos gestores. Enquanto o Legislativo faz uma análise política da situação orçamentária e financeira da Unidade Federativa e sua respectiva administração indireta, o Tribunal de Contas examina a legalidade do todos os atos de gestão, envolvendo arrecadação, realização de despesa e administração de bens, dinheiros e valores públicos.
Em face da realidade dos Municípios brasileiros, que normalmente são de pequeno e médio porte, a administração municipal é conduzida praticamente de forma unipessoal pelo Prefeito, que une as figuras de agente político e agente administrativo. Ou seja, o Prefeito assume tanto a função política de conduzir toda a administração municipal quanto à função de bem gerir os recursos públicos, arrecadando e ordenando despesas em nome do ente.
Diante da dupla função, entendemos que deve se submeter ao duplo julgamento: um político perante o Parlamento e outro técnico perante o Tribunal de Contas. Esse juízo é defendido tanto pela doutrina quanto por parte do Judiciário e Tribunais de Contas. De forma diversa, no entanto, tem sido a posição do Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual o Prefeito somente se sujeita ao julgamento perante a Câmara Municipal.
Após minuciosa análise do tema, consideramos imprescindível uma revisão no posicionamento sufragado pela Superior Corte Eleitoral, sob pena de admitirmos a isenção de fiscalização sobre os atos de gestão praticados no âmbito dos Municípios, que na grande maioria dos casos são administrados de forma unipessoal pelo Prefeito Municipal.
Ademais, deixar de aplicar as normas relativas à fiscalização previstas nos arts. 70 e seguintes da Constituição aos Municípios implica violar frontalmente o texto constitucional que afirma que as normas relativas à fiscalização contábil, financeira e orçamentária devem ser aplicadas aos Tribunais e Conselhos de Contas Municipais.
Desta forma, o art. 31 da Carta Magna que trata de forma peculiar sobre alguns aspectos da fiscalização municipal não tem o condão de neutralizar a aplicação do art. 71, inciso II no âmbito dos Municípios, pois se assim fosse, as contas de todos os administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos municipais acabariam por ficar à margem do controle exercido pelo Tribunal de Contas, o que, por óbvio, não foi a intenção do legislador constitucional.
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
[1] REIS. Heraldo da Costa. Prestação de Contas: contas de gestão: contas de governo: contas de entidade. Rio de Janeiro: IBAM/SPMC, 1997, pag. 37.
[2] FERNANDES, Flávio Sátiro. O Tribunal de Contas e a fiscalização municipal. Revista do TCSP, São Paulo, n. 65, jan./jun. 1991, p.28.
[3] REIS. Heraldo da Costa. Prestação de Contas: contas de gestão: contas de governo: contas de entidade. Rio de Janeiro: IBAM/SPMC, 1997, pag. 37.
[4] Mileski, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 286.
[5] ZYMLER, Benjamin. Direito administrativo e controle. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 336.
[6] Mileski, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 274.
[7] FERRAZ, Luciano. Controle da Administração Pública. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 15.