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Casos Práticos de uma Delegacia de Polícia: roubo X erro sobre o objeto

Agenda 20/05/2015 às 10:39

O erro sobre o objeto fica claro na medida em que foi essa circunstância, alheia a vontade dos agentes, que fez com que eles não consumassem o crime.

Caso Prático

Tício, motorista de caminhão, estava exercendo sua profissão fazendo o transporte de uma carga de materiais de limpeza para um supermercado da cidade de São Paulo.

Em determinado momento, seu caminhão foi fechado por um automóvel de pequeno porte, obrigando-o a parar. Ato contínuo, três indivíduos o abordaram e, mediante grave ameaça exercida por meio do emprego de arma de fogo, determinaram que ele lhes entregasse a chave que dava acesso ao baú de seu caminhão.

Ocorre que, ao ter acesso à carga transportada por Tício, os criminosos perceberam que se tratava de produtos de limpeza, quando, na verdade, eles pensavam se tratar de uma carga de produtos eletrônicos. Diante disso, os criminosos liberaram a vítima sem subtrair qualquer objeto ou valor.

Tício, após ser liberado, acionou a Polícia Militar que imediatamente realizou patrulhamento pelo local dos fatos e conseguir localizar quatro suspeitos, muito embora nenhuma arma tenha sido encontrada. Na sequência, todos foram conduzidos à Delegacia de Polícia, onde a vítima reconheceu três deles como sendo as mesmas pessoas que o abordaram. O quarto indivíduo não foi reconhecido, pois apenas tinha a função de dirigir o veículo utilizado na ação criminosa, não mantendo qualquer tipo de contato com Tício. 

Enquadramento Típico

O caso em questão pode ser facilmente confundido com a hipótese descrita na primeira parte do artigo 15, do Código Penal, que trata do instituto da “desistência voluntária”, também chamado pela doutrina de “tentativa abandonada ou qualificada”, uma vez que os agentes, após darem início à execução do crime, interromperam os atos executórios que estavam à sua disposição para a consumação do delito.

Destaque-se que em tais casos o agente deve responder apenas pelos atos já praticados. Justamente por isso, a desistência voluntária é qualificada como uma verdadeira “ponte de ouro” do Direito Penal, tendo aptidão para fazer com que o criminoso retorne à seara da licitude.

Entretanto, não podemos olvidar que o instituto em questão exige que o agente tenha desistido de levar adiante sua conduta de maneira voluntária, o que, ao que nos parece, não ocorreu no caso, haja vista que os criminosos só não levaram a carga transportada por circunstâncias alheias as suas vontades, vale dizer, em virtude da incompatibilidade com o objeto visado e imaginado por eles.

Nesse sentido, entendemos que estamos diante de uma situação em que se caracteriza o chamado “erro de tipo acidental pelo objeto” ou error in objeto, onde o agente se equivoca em relação ao objeto material (coisa) visado, atingindo outro que não o desejado.

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Ora, ao darem início à execução do crime, os agentes pensavam que a vítima transportava uma carga de produtos eletrônicos, sendo que eles só desistiram de seguir na ação criminosa após constatarem que se tratava de uma carga de produtos de limpeza. Foi essa circunstância – frisamos! - que independia da vontade dos agentes, que fez com que a execução do crime fosse interrompida, permanecendo na esfera da tentativa. O erro sobre o objeto, portanto, não exclui o dolo e nem a culpa, considerando-se na sua punição o objeto pretendido.

Se, todavia, nós optarmos pelo instituto da desistência voluntária, uma provável associação criminosa voltada para a prática de roubos de carga responderia apenas pelo crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146, do Código Penal e que constitui infração de menor potencial ofensivo. E nem há que se falar no delito de associação criminosa, pois em um juízo de cognição sumaríssima, típico da prisão em flagrante, é muito difícil constatar a estabilidade do vínculo associativo necessário à caracterização do crime.

Frente ao exposto, concluímos que os suspeitos deveriam ser presos em flagrante pelo crime de roubo majorado tentado, tipificado no artigo 157, §2°, incisos I e II, c/c os artigos 14, inciso II e 29, todos do Código Penal.

Essa é a nossa visão sobre esse caso. E a sua?

Sobre o autor
Francisco Sannini Neto

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado com especialização em Direito Público. Professor Concursado da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. Professor da Pós-Graduação em Segurança Pública do Curso Supremo. Professor do Damásio Educacional. Professor do QConcursos. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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