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Concursos públicos:

da noção constitucional de prioridade de convocação

Agenda 04/09/2015 às 13:48

A contratação precária para execução das atividades que deveriam ser prestadas pelos concursados gera a preterição da ordem de classificação do concurso público vigente e uma pretensão legítima aos aprovados.

SUMÁRIO: 1 Quanto à obrigatoriedade de convocação dos aprovados em concurso público; 2 A contratação precária em detrimento de aprovados em concurso público ofende o princípio da prioridade de convocação; Conclusão

RESUMO: O presente artigo versa sobre a obrigatoriedade da Administração Pública na convocação dos aprovados em concurso público, abordando hipóteses de contratação precária em detrimento do concursado, situações que afrontam ao princípio constitucional da prioridade de convocação, bem como a possibilidade de se desconsiderar a ordem de classificação dos aprovados por determinação judicial.  

PALAVRAS-CHAVES: Concurso Público. Ordem classificatória. Contratação precária. Preterição.  Prioridade de convocação.


1 Quanto à obrigatoriedade de convocação dos aprovados em concurso público

A Constituição Federal impõe uma série de deveres à Administração Pública no que se refere à contratação de pessoal. A principal disposição está prevista no art. 37, inciso II, eis que o provimento de cargos e empregos públicos não prescinde de aprovação em concurso público. Não obstante essa previsão, existem autorizações constitucionais para a contratação sem concurso público, como os cargos em comissão criados por lei, e na hipótese de contratação para atender necessidade temporária e de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, inciso IX.

Diante da obrigatoriedade do concurso público, quando um órgão ou entidade publica oficialmente edital para o recrutamento de pessoal visando o preenchimento de cargo ou emprego público vago, ou mesmo pela possibilidade de futura existência de vagas passíveis de provimento, hipótese em que o concurso é promovido para o chamado cadastro de reserva, cuja finalidade é contratações futuras, há de se considerar várias situações no que se refere à convocação dos candidatos aprovados.

A primeira situação a ser considerada é aquela em que o edital do concurso público informa a existência de um número x de vagas a serem preenchidas. Nessa hipótese, a jurisprudência é pacífica no sentido de que a Administração se vincula à informação levada a público de que existe um número x de vagas para provimento, de modo que, em respeito a diversos princípios administrativos como os da legalidade e da moralidade, estará obrigada a convocar os candidatos, podendo fazê-lo até o último dia do prazo de validade do concurso público. No entanto, no caso de eventual não convocação o órgão deve motivar adequadamente, caso contrário poderá ser obrigado a convocar compulsoriamente por determinação judicial. [1]

Já quando não há vagas ofertadas inicialmente, ou seja, quando o concurso é para a formação de um cadastro de reserva, não significa que o órgão não estará obrigado a convocar, pelo contrário, o só fato de promover o certame já indica uma previsibilidade por parte da Administração Pública de que necessitará preencher cargo a ser  criado ou se já existente, que restará vago no período de vigência do concurso público. Assim, não haverá convocação imediata, mas a Administração já é ciente de que vai surgir vaga, e consequentemente necessitará contratar.

Nesta hipótese, cujo edital apenas informa que é para cadastro de reserva, mas não informa precisamente a quantidade de vagas que irão surgir futuramente, pelo menos um candidato deverá ser contratado, a Administração deve convocar do primeiro colocado em diante, até que pelo menos um seja contratado, pois não se pode cogitar que a Administração Pública tenha realizado um concurso público para cadastro de reserva, sem antes ter a certeza de que surgirão vagas para a contratação de pessoal.

A realização de um concurso público além de mover a máquina administrativa nesse sentido, induz o particular a participar de suas etapas pela possibilidade de ser contratado, caso seja aprovado. Os candidatos, para enfrentarem as diversas etapas, antes se dedicam afinco para a obtenção de conhecimento e, muitas vezes, se não sempre, se privam do convívio social e familiar, com vistas à aprovação. Além dessas circunstâncias, investem recursos financeiros próprios, para a inscrição no certame, compra de livros, transporte, cursos preparatórios, etc. Assim, a realização de concurso público sem qualquer contratação configura o abuso de direito e a falta de moralidade administrativa, além de significar enriquecimento ilícito, quando se constata a quantia arrecadada na cobrança das taxas de participação dos candidatos.

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Há certames que além de não indicar vagas para provimento, ainda limitam o número de aprovados no cadastro de reserva. Também nessa hipótese deve haver convocação e no mínimo um aprovado deve ser contratado. Contudo, nesse sistema, os candidatos que não se classificaram dentro do número limite informado no edital, são excluídos do certame, e conseqüentemente nunca poderão ser convocados, mesmo que algum candidato aprovado dentro do número x não tome posse por desistência, ou mesmo tome posse e seja exonerado. A limitação de vagas para cadastro de reserva é um critério que exclui candidatos do rol de aprovados. Assim, os candidatos que foram aprovados para além desse número x de cadastro de reserva não poderão ser aproveitados. Já decidiu o STJ que em concurso público não existe cadastro de reserva do cadastro de reserva.[2]

Esclarecidas as situações quanto à obrigatoriedade de convocação, trataremos das situações-objeto do presente trabalho, ou seja, as hipóteses em que há a convocação, no entanto, ocorre a quebra da ordem de classificação dos aprovados, resultando no indevido provimento de cargos ou empregos.


2 A contratação precária em detrimento de aprovados em concurso público ofende o princípio da prioridade de convocação

Existem várias situações que caracterizam a preterição da ordem de classificação dos candidatos aprovados em concurso público, entre elas (a) a convocação de candidatos em desacordo com a ordem de classificação dos aprovados, (b) a convocação de candidatos aprovados em novo concurso, enquanto ainda existente candidato aprovado em concurso anterior e (b) a contratação precária enquanto vigente concurso público com candidatos aprovados.

Pois bem, cumpre inicialmente afirmar que as três hipóteses supramencionadas ferem diretamente o princípio constitucional da prioridade de convocação, insculpido no art. 37, inciso IV, da Constituição Federal, nascendo para o candidato prejudicado uma pretensão legitima a ser buscada via ação judicial, qual seja, direito à convocação imediata.

Tal princípio impõe à Administração Pública que durante o prazo de validade do concurso público, aquele aprovado será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego.

Significa dizer que em havendo dois concursos públicos concomitantemente vigentes, com previsão de mesmo cargo ou emprego previsto em ambos editais, aqueles candidatos do concurso que teve seu resultado homologado primeiro, terão prioridade em assumir as vagas existentes, ou as que surgirem.

Porém, tal regra é aplicada também aos candidatos aprovados em mesmo concurso público, não podendo ser convocado candidato pior classificado em detrimento dos classificados em melhor posição.

A situação complica quando ocorre a contratação precária para ocupação de cargo ou emprego, para o qual existe concurso público vigente, com candidatos aprovados, ainda que em cadastro de reserva, situação que fere o princípio do concurso público e especialmente o princípio da prioridade de convocação.

A contratação precária é assim considerada porque não há o preenchimento do cargo ou emprego público definitivamente, mas apenas temporariamente e as pessoas contratadas, em regra, não possuem vínculo direito com a Administração Pública.

Ocorre que, muitos órgãos e entidades utilizam a autorização constitucional prevista no art. 37, inciso IX, para burlar o princípio do concurso público. Contratam pessoal precariamente por meio de terceirização ou contratos temporários para a prestação de atividades que deveriam ser prestadas por pessoal contratado através de concurso público.

Na prática ocorre a contratação precária de várias maneiras, mas existem duas hipóteses mais praticadas na Administração Pública, que são as contratações indiretas, realizadas por meio de licitações (Lei 8.666/93), quando são recrutadas empresas privadas de mão-de-obra, para que seus empregados prestem serviços aos órgãos contratantes e as contratações diretas de pessoal temporário, por meio de processo seletivo simplificado, com fundamento na Lei nº 8.745/1993.

Muitas das vezes as contratações são realizadas desordenadamente, sem qualquer controle administrativo ou judicial. Embora aparentemente constitucionais e legais, na verdade faltam-lhes os requisitos autorizadores, como por exemplo, a contratação reiterada de trabalhadores temporários para exercerem atividades permanentes, ou seja, aquelas atividades que embora não sejam preponderantes (atividade principal), são essenciais aos objetivos do órgão ou da entidade, e, por conseguinte, sempre serão desenvolvidas, mas são prestadas por pessoal contratado precariamente, quando deveriam ser prestadas por pessoal contratado por concurso público.

Celso Antônio Bandeira de Mello[3] explica como é possível a contratação excepcional sem concurso público:

A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimentos de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar.(Os grifos existem no original).

Assim, os órgãos e entidades da Administração Pública, só podem contratar precariamente quando preenchidos os requisitos constitucionais, previstos no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, caso contrário estarão promovendo terceirização irregular, e poderão ser alvo de reprimendas por parte dos órgãos de controle, como os tribunais de contas e o Ministério Público.

Porém, cumpre esclarecer que a observância de tais requisitos não é suficiente para motivar as contratações precárias, pois estas não podem ocorrer enquanto vigente concurso público, com candidatos aprovados para desenvolver as mesmas atividades. Mais do que afronta o princípio do concurso público, contratações nessas circunstâncias afrontam também o princípio constitucional da prioridade de convocação.

Assim, independentemente de estarem preenchidos os requisitos constitucionais e legais autorizadores, a jurisprudência é pacífica no sentido de que quando há contratação precária, seja temporária, por comissão ou terceirização, realizada enquanto vigente concurso público, com pessoal devidamente aprovado e habilitado para desenvolver as mesmas atividades que sofreram precarização, ainda que o concurso tenha sido para cadastro de reserva, há direito subjetivo à nomeação dos candidatos aprovados:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. EXISTÊNCIA DE CANDIDATOS DEVIDAMENTE APROVADOS E HABILITADOS EM CERTAME VIGENTE. PRECEDENTES. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, para o exercício das mesmas atribuições do cargo para o qual promovera o concurso público, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade, caracterizando verdadeira burla à exigência constitucional do artigo 37, II, da Constituição Federal. (omissis)[4].

Tal conduta além de significar burla ao concurso público também fere o princípio da prioridade de convocação, na medida em que desconsidera os candidatos regularmente aprovados em concurso público, enquanto prioriza a contratação precária para preenchimento do cargo ou emprego para o qual promovera o certame.

Assim, ainda que o concurso vigente tenha se dado para a formação de cadastro de reserva, quando a Administração contrata precariamente deixa claro que as vagas existem, e que há necessidade de contratação.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 724347/DF[5], interpretou o inciso IV, do art. 37 da Constituição Federal, relacionando os deveres implícitos da Administração pública, relativamente à regra constitucional da prioridade de contratação, nos seguintes termos:

Este é, hoje, o tônus normativo da noção constitucional de prioridade, que militaria em favor da contratação dos aprovados em concursos públicos, imporia uma série de deveres sucessivos à Administração, dentre os quais os de: a) convocar os aprovados dentro do número de vagas previsto em edital; b) motivar apropriadamente eventual não convocação; c) não preterir a ordem de classificação estabelecida após a correção das provas, salvo se por imposição de determinação judicial; e d) não empregar expedientes de contratação precários durante o prazo de validade de concursos para a mesma função. Ocorrendo o descumprimento de quaisquer desses deveres implícitos, os aprovados teriam uma pretensão legítima a ser exercida contra a Administração por meio de ação judicial. (Grifou-se).

Conforme se verifica, o art. 37, inciso IV, da Constituição Federal, não se aplica apenas nos caso de convocação de novos concursados, em detrimento de aprovados oriundos de concurso anterior ainda em validade. Pela interpretação da Corte Constitucional, o dispositivo em comento impõe deveres implícitos à Administração Pública, entre eles o de “não empregar expedientes de contratação precários durante o prazo de validade de concursos para a mesma função”.

Ora, se o dispositivo constitucional em exame estabelece que durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados, muito mais prioridade de contratação terá em relação a profissionais contratados de forma precária, que não se submeteram a qualquer concurso público.


Conclusão

Um dos deveres implícitos da Administração Pública é não preterir a ordem de classificação. A contratação precária para execução das atividades que deveriam ser prestadas pelos concursados gera a preterição da ordem de classificação do concurso público vigente, nascendo para os aprovados que aguardam a convocação uma pretensão legítima em desfavor do órgão público.

A única possibilidade de desconsideração da ordem de classificação dos aprovados é quando a convocação se dá por determinação judicial, pois aí não há ato espontâneo da Administração pública. [6] Nessa hipótese a ordem de classificação é colocada em segundo plano, porque quando ocorre imposição judicial é porque houve violação de direito do candidato aprovado, por ato da Administração Pública, seja pela ausência de convocação e/ou violação da prioridade de convocação.


Notas

[1] O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido, em tema de repercussão geral, no RE nº 598099.

[2] STJ, RMS 35.535/MG; RMS 44433/GO.

[3] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23ª Edição, Malheiros Editores, 2007, pág. 274.

[4] ARE 649046 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/08/2012, publicado no Dje em 13-09-2012.

[5] Nesse sentido RE nº 724347/DF, Relator Min. Marco Aurélio, Data de Publicação no DJE: 13/05/2015.

[6] AI nº 698.618/SP-AgR; RE 392.888 AgR; RE nº 594.917/ES-AgR

Sobre a autora
Diana Nogueira

Advogada. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Diana. Concursos públicos:: da noção constitucional de prioridade de convocação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4447, 4 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40774. Acesso em: 22 nov. 2024.

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