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O direito sucessório do filho concebido por inseminação artificial post mortem

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Agenda 21/07/2015 às 14:12

Análise sobre o direito de sucessão de uma criança concebida pelo método de inseminação artificial post mortem frente a outros herdeiros do de cujus

Resumo: A cada ano a medicina vem evoluindo seus métodos de atuação com a finalidade de melhorar o bem-estar do ser humano, sendo que uma dessas evoluções diz respeito ao método de reprodução assistida, com o objetivo de ajudar casais que sofram com problemas de infertilidade a realizar seus sonhos de terem um filho. Porém, esse método acabou por trazer uma consequência inesperada referente ao direito sucessório do filho nascido por meio dessa técnica quando ela for realizada após a morte do marido. Isso porque os outros herdeiros, através do princípio da saisine, já adquirem a propriedade dos bens do falecido antes mesmo dessa criança nascer. Dessa forma, haveria um choque entre os direitos sucessório dessa criança nascida por meio da inseminação artificial post mortem e os outros herdeiros do de cujus, vivos à época de abertura da abertura da sucessão. A questão se agrava pelo fato de que não existe, no Brasil, uma lei que regulamente especificamente esse tema. O atual Código Civil até chega a fazer algumas considerações, dando o status de filho legítimo à criança nascida nessas condições. Apesar disso, o Código acaba por se contradizer, pois ao mesmo tempo em que reconhece esse status, mais a frente ele retira a possibilidade dessa criança em ter acesso à parte legítima da herança, concedendo-lhe apenas a metade dos bens que pode ser disposta em testamento. Ou seja, a abordagem feita por essa legislação não é bem formulada. O principal objetivo deste trabalho é buscar uma solução para o caso, através de pesquisa bibliográfica, analisando o pensamento de doutrinadores e a legislação comparada com a de outras nações, as quais já possuem leis a esse respeito; sugerindo mudanças na lei para melhor atender a problemática.

Palavras-chave: Inseminação. Póstuma. Sucessão. Herdeiro. Saisine


1. INTRODUÇÃO AO TEMA

A medicina, a cada ano, vem evoluindo seus métodos de atuação através da mais alta tecnologia com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos seres humanos. Sendo que uma das atuações mais conhecidas desse ramo da ciência visa resolver um problema que há séculos aflige a humanidade: o da infertilidade.

Essa questão foi resolvida através do método de inseminação artificial, o qual ajudou um número incalculável de casais a realizarem o sonho de serem pais. Além disso, mulheres cujos parceiros faleceram, puderam, mesmo assim, gerar crianças utilizando o material genético dos mesmos; dando à luz a crianças nascidas após a morte de seu pai.

Porém, essa tecnologia acabou por trazer uma consequência um tanto quanto inesperada no que diz respeito a inseminação artificial post mortem: a princípio, crianças nascidas por meio do método da fertilização in vitro feita após a morte de seu progenitor teriam o direito à sucessão dos bens de seus falecidos pais garantido pelo artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal. Com isso, haveria um choque entre o direito das pessoas que já receberam a sua parte da herança e o direito do recém-nascido em receber o seu quinhão.

Esse problema se agrava pelo fato de que, no Brasil, não existe nenhuma lei que verse sobre o assunto, ao contrário de alguns países que já possuem legislações que buscam resolver a questão.

Este trabalho tem como objetivo analisar como o poder judiciário lida com a sucessão de crianças concebidas após a morte de seu progenitor, discutindo seu direito à herança em conflito com os de outros herdeiros.


2. DIREITO DE FAMÍLIA

2.1. Conceito de família

O estudo da sucessão do filho concebido por inseminação artificial post mortem será iniciado com uma breve análise sobre o Direito de Família. O objetivo desse estudo é saber se uma criança concebida após a morte do seu genitor pode ser considerada como filho legítimo de seu pai e, dessa forma, ter direito à sucessão.

Não existe um conceito definido a respeito do que seja família. Tanto o Direito, como a Antropologia e a Sociologia fornecem definições diferentes a respeito do tema e, mesmo assim, se analisarmos o conceito apenas dentro do aspecto jurídico, encontraremos diferentes formas de definição para os ramos, por exemplo, do Direito Civil, Penal e Tributário.

Venosa (2007) considera a família no que ele denomina de “conceito amplo” baseando-se nas relações de parentesco, ou seja, para o autor, família é “[...] o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar.” (VENOSA, 2007, p. 2).

Figueiredo e Giancoli (2012, p. 228)definem o conceito de família como“[...] o núcleo fundamental da sociedade, pois representa o primeiro agente socializador do ser humano.”

Já Diniz (2012)vai mais além e divide o conceito em três acepções fundamentais: a amplíssima, a lata e a restrita.No sentido amplíssimo, segundo a autora, o termo engloba todas as pessoas que estiverem ligadas pelo vínculo de consanguinidade ou afinidade.

Esse conceito pode inclusive incluir estranhos, como no caso do artigo 241 da Lei nº 8.112/90, que considera como família do servidor público, além de seu cônjuge e seus descendentes, qualquer pessoa que dependa dele, como mostrado a seguir: “Art. 241. Consideram-se da família do servidor, além do cônjuge e filhos, quaisquer pessoas que vivam às suas expensas e constem do seu assentamento individual.”(BRASIL, 1990, não paginado).

Na concepção lata, o conceito de família abrange, além de cônjuges ou companheiros e filhos, os parentes em linha reta ou colateral e os afins, estes definidos nos artigos 1.591 e 1.592 do Código Civil (BRASIL, 2002). Como exemplo de legislação que utiliza essa definição, temos o parágrafo único do artigo 25 da Lei nº 8.069/90, sendo que, na ocasião, o dispositivo utiliza a denominação de “família extensa”, como observado:

Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (BRASIL, 1990, não paginado).

O último sentido estabelecido por Diniz(2012), e que será adotado neste trabalho, considera família como o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, em outras palavras, os cônjuges ou companheiros e a prole.

Apesar do grande número de conceitos diferentes, pode ser considerado um consenso que a mais importante característica da família, principalmente nos tempos atuais, e considerada a pedra fundamental das relações familiares é o afeto. Isto é, a família não surge por uma imposição do ordenamento jurídico, mas pela convivência de pessoas que possuem uma reciprocidade de sentimentos. Porém, a partir de uma análise das relações familiares pela história, percebemos que nem sempre a relação familiar foi baseada no afeto, como será visto a seguir.

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2.2. A evolução das relações familiares

Venosa, citando Engels (ENGELS, 1997 apud VENOSA, 2007), afirma que, nos primórdios das civilizações, as famílias não se assentavam em relações individuais, ou seja, as relações sexuais ocorriam entre todos os membros de uma tribo. Dessa forma, o pai das crianças nunca era conhecido, apenas a mãe, o que nos permite afirmar que a família teve um início matriarcal, pois era ela a única que alimentava e cuidava de seus filhos.

Com o passar do tempo, os homens passaram a buscar relações sexuais com mulheres de outras tribos, pois houve o aumento da ocorrência de guerras, nas quais muitos membros da comunidade eram mortos. Para Venosa (2007), a partir desse momento, o homem começa a marchar rumo às relações individuais, monogâmicas, embora muitas outras civilizações ainda mantivessem a poligamia.

Com a monogamia, a família começou a sair do poder matriarcal e o pai passou a exercer o poder familiar. Na Babilônia, por exemplo, onde a família era monogâmica, o direito autorizava o marido a procurar uma segunda esposa caso a primeira fosse estéril ou possuísse alguma doença grave.

Em Roma e na Grécia, o poder do patriarca era praticamente absoluto. A mulher era vista apenas como uma mera reprodutora e não tinha nenhum direito sobre os bens da família, mesmo na ausência de seu marido.

Nesse momento histórico, a união familiar, apesar de poder existir entre os entes afetividade, se baseava principalmente no culto aos seus antepassados, o qual era dirigido pelo pai. A mulher, ao se casar, deixava de cultuar os antepassados de sua família, e passava a oferecer oferendas aos deuses de seu marido (VENOSA, 2007).

Dessa forma, a família era vista como um grupo de pessoas que cultuavam os mesmos deuses e antepassados. Por conta disso, era importantíssimo o nascimento de um menino para continuar o culto familiar, sob pena de a família desaparecer. Esse filho precisava ser legítimo, pois os bastardos também não possuíam nenhum direito dentro da família e, dessa forma, não poderiam ministrar a adoração aos antepassados.

Na Idade Média, perante as classes nobres, a família perdeu totalmente a sua conotação afetiva, pois os casamentos eram feitos visando, principalmente, acordos econômicos e não a simpatia entre os noivos.

Com isso, eram muito comuns os casamentos entre primos ou entre um tio com a sua sobrinha. Também era incentivado o casamento da viúva, sem filhos, com o parente mais próximo de seu marido, sendo que o filho concebido por essa união era considerado filho do falecido. Tudo era feito com o objetivo de preservar o patrimônio da família (VENOSA, 2007).

Na Idade Moderna, a família era um fator econômico de produção, pois nos lares existiam pequenas oficinas artesanais, as quais garantiam o sustento de seus membros.

Isso mudou com o advento da Revolução Industrial, onde o modelo de família foi mais uma vez alterado. Na ocasião, a família perdeu sua característica de unidade de produção e, dessa forma, sua função se transfere para o âmbito da afetividade, ou seja, a família passou a ser a instituição onde “[...]se desenvolvem os valores morais, afetivos, espirituais e de assistência recíproca entre seus membros.” (BOSSERT-ZANNONI, 1996, p. 5. apud VENOSA, 2007, p. 3).

No mundo contemporâneo, principalmente no ocidente, a família segue o:

[...] modelo romano-germânica (judaico-cristão), onde vigia o sistema patriarcal, religioso, ou seja, pelo sistema do pátrio-poder, em que o pai não tinha limites, comandava a família e era quem sustentava a mulher e sua prole.(CORRÊA, 2013, não paginado).

Como prova do pensamento da época, o próprio Código Civil de 1916 não trazia a possibilidade de a mulher prover o sustento da família, como mostra o artigo 233, que assim expõe:

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.

Compete-lhe:

I. A representação legal da família.

II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial;

III. direito de fixar e mudar o domicílio da família;

IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal;

V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.(BRASIL, 1916, não paginado).

Em outras palavras, o papel da mulher se resumia a cuidar do lar, do marido e de seus filhos.

Apesar disso, no decorrer do século XX a sociedade passou por inúmeras mudanças de pensamento que transformaram a concepção de família. O crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho, tornando-as menos dependentes de seus maridos; o desgaste das religiões tradicionais, que fez com que se aumentasse o número de divórcios e, mais recentemente, o reconhecimento jurídico das uniões estáveis, que fez com que a família se estruturasse independentemente de núpcias(VENOSA, 2007).

Um caso marcante dessa mudança na forma de pensar da sociedadeocorreu na França na década de 1970 quando foi extinto a expressão “chefe de família”, pois, desde o fim da Segunda Guerra, houve o aumento de famílias comandadas somente pelas mães. No Brasil, as modificaçõesno conceito de família só se acentuaram após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

2.3. O conceito de família para a Constituição de 1988

A nova Carta Magna, segundo Scalquette(2010, p. 40),trouxe três mudanças fundamentais:

[...]igualaram-se os direitos entre o homem e a mulher, instituiu-se a igualdade entre os filhos, sejam estes havidos ou não na constância do matrimônio, e ainda consagrou o pluralismo familiar, qual seja, reconhecendo como entidades familiares a união estável e a família monoparental.

No decorrer desta seção, analisaremos com mais detalhes cada mudança explicitada pela autora, aplicando os referidos conceitos, de forma análoga, ao tema deste trabalho com a finalidade de se atender ao objetivo proposto neste capítulo.

2.3.1. A igualdade entre o homem e a mulher na constituição de 1988

Com relação à igualdade de direitos entre o homem e a mulher, isso está previsto no artigo 5º, inciso I da Constituição Federal que expõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.(BRASIL, 1988, não paginado).

Esse pensamento expresso no texto constitucional vai de encontro ao que está escrito na Lei nº 4.121/62, o Estatuto da Mulher Casada(BRASIL, 1962), visto que extinguiu a incapacidade relativa conferida à mulher casada. A grande consequência dessa igualdade se mostrou na questão do divórcio. Com o passar dos anos a possibilidade de se dissolver a sociedade conjugal se tornou cada vez mais simples.

Segundo Diniz(2012, p. 360), “O divórcio é a dissolução de um casamento válido, ou seja, extinção do vínculo matrimonial [...], que se opera mediante sentença judicial ou escritura pública, habilitando pessoas a convolar novas núpcias.”

Um exemplo da facilidade verificada para se realizar o divórcio se evidenciou com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010(BRASIL, 2010)que alterou a redação do artigo 226, § 6º, da Constituição, onde se verifica que, para a lavratura de escritura pública de divórcio direto, não se precisa mais demonstrar a existência de lapso temporal e nem a presença de testemunhas. Apenas alguns requisitos devem ser preenchidos, por exemplo, a intenção clara de romper o vínculo matrimonial e, principalmente, a inexistência de filhos menores ou incapazes.

Porém, para este trabalho, o mais interessante é fazermos uma análise a respeito do divórcio da mulher grávida para fins de reconhecimento de paternidade. Para isso analisaremos o inciso II do artigo 1.597 do Código Civil de 2002, onde está escrito o que se segue: “Art. 1.597.Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento.”(BRASIL, 2002, não paginado).Portanto, se a criança nascer até trezentos dias após o divórcio, ela deverá ter o status de filha e, dessa forma, fará jus aos direitos sucessórios.

2.3.2. A união estável

Com relação ao pluralismo familiar, que a Constituição vai contra o entendimento secular de que a instituição familiar somente seria provida com o matrimônio.

Um exemplo desse entendimento é a união estável. Monteiro e Silva (2010, p. 46)a definem como “[...]a ausência de casamento para aqueles vivam como marido e mulher.”. Ela também está prevista no artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal onde está escrito:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento(BRASIL, 1988, não paginado).

Além desse dispositivo constitucional, também foi promulgada uma lei para regular a união estável, a lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996,que logo em seu artigo 1º estabelece seus requisitos: “Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.”(BRASIL 1996, não paginado).Ou seja, para ser união estável é preciso que a convivência do casal seja duradoura, pública e contínua.

Uma convivência duradoura significa que a relação precisa durar por um tempo considerável. Ao contrário do casamento, no qual a cerimônia pode ser realizada em um dia e o divórcio no dia seguinte, a união estável deve permanecer por um lapso temporal maior. Esse prazo deve ser estabelecido pelo juiz caso a caso, já que a lei não indica o valor em seu texto.

Já com relação à publicidade da relação, isso significa que o relacionamento do casal deve ser notório, ou seja, eles devem passar a impressão de que realmente são um casal para as pessoas em volta. A relação secreta gera o desconhecimento do fato e, consequentemente, a sua dificuldade de sua comprovação em juízo. Relações clandestinas, como o concubinato, não constituem união estável, apesar dos filhos dessas relações também possuírem direitos sucessórios.

A união também deve ser contínua, isto é, a convivência não pode ser eventual. Apesar de ser comum todos os casais terem suas brigas e reconciliações, esses desentendimentos não desconfiguram o requisito da continuidade. O mais importante é que a relação não pode ser vista como casual.

É importante salientar que o requisito mais importante para se caracterizar a união estável, e o que o diferencia de um simples namoro, é o objetivo de constituição de uma família. Além disso, a simples existência de relação sexual entre o casal não é suficiente para caracterizar a união estável.

Um casal também pode viver em união estável mesmo morando em casas separadas, porém, aquela só vai se configurar se isto tiver um motivo justo, como motivos profissionais por exemplo (MONTEIRO; SILVA, 2010).

Também é importante destacar que a união estável possui um requisito negativo que é a inexistência de impedimentos matrimoniais, os quais estão previstos no artigo 1.521 do Código Civil (BRASIL, 2002, não paginado), onde se lê:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Dessa forma, uma relação duradoura, pública e contínua entre irmãos, por exemplo, não pode ser considerada como união estável.

Se preenchido todos os requisitos, a união estável gera uma família e, com isso, surgem os direitos a alimentos, regime de bens e, o principal objeto de estudo deste trabalho, o direito à sucessão.

2.3.3. A família monoparental

A denominada família monoparental é aquela formada por apenas um dos pais e seus descendentes. Ela está definida no artigo 226, parágrafo 4º da Constituição Federal (BRASIL, 1988, não paginado)redigido da seguinte forma: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...] § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”

Essas famílias podem ser aquelas constituídas por pais viúvos, pais solteiros que criam seus próprios filhos ou filhos adotados e, por fim, pais separados ou divorciados(WITZEL, 2013).

Com relação à família monoparental constituída por pais viúvos, esta será a mais abordada neste trabalho, além de ser a mais antiga, pois sempre quando um dos cônjuges falecia, consequentemente formava-se uma família desse tipo.

Com o avanço da tecnologia, uma nova causa de formação de famílias monoparentais surgiu: aquela formada da utilização, pela mulher, do material genético previamente recolhido de seu falecido parceiro; o qual é usado para fecundar seu óvulo através do processo de inseminação artificial.

Segundo Witzel (2013), a principal causa das mulheres recorrerem a esse procedimento, apesar de ser permitida a adoção de crianças por mulheres solteiras, seria o sonho de poder gerar o próprio filho.

Existem muitas discussões a respeito das consequências psicológicas, morais e éticas que poderiam resultar no crescimento de uma criança nascida nessas condições. Porém, há um consenso de que ela deveria ser considerada como filha do falecido, apesar de divergirem quanto aos seus direitos sucessórios.

2.4. O princípio da igualdade entre os filhos

O princípio da igualdade entre os filhos está estabelecido no artigo 227, §6º da Constituição Federal, onde está escrito:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação(BRASIL, 1988, não paginado).

Como se pode perceber através de uma simples leitura do dispositivo acima, o atual Direito Brasileiro veda quaisquer diferenças de tratamento com relação a filhos havidos ou não dentro da relação matrimonial, ou seja, todos possuem os mesmos direitos e deveres. Porém, nem sempre isso ocorreu dessa maneira.

Diniz(2012), em seu livro, classifica os filhos gerados em dois tipos: os naturais e os espúrios; sendo que os filhos naturais seriam aqueles descendentes de pais os quis não possuíam nenhum impedimento matrimonial quando os conceberam. Já os espúrios são aqueles descendentes de pais os quais, na época que os conceberam, possuíam impedimento matrimonial. A autora os subdivide em adulterinos e incestuosos.

Os filhos adulterinos são aqueles que nascem de casal impedido de casar em virtude de casamento anterior, ou seja, são aqueles frutos de um adultério. Esse adultério pode ser duplo, isto é, adulterinidade bilateral se a criança descender de homem casado e mulher casada, ou adulterinidade unilateral, sendo adulterino a patre, se o homem for casado e a mulher solteira; ou adulterino a matre, se proveniente de homem solteiro e mulher casada.

Os filhos espúrios incestuosos são aqueles nascidos de homem e mulher que, por causa de uma relação de parentesco natural, civil ou afim, não poderiam casar à época da concepção da criança (DINIZ, 2012).

Antes da Constituição de 1988, apenas eram considerados filhos legítimos os naturais, sendo que os outros não possuíam nem ao menos o direito de serem reconhecidos como filhos, como mostra o artigo 358 do Código Civil de 1916, que afirma que “Art. 358.Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos.”(BRASIL, 1916, não paginado).

Apesar disso, esse entendimento foi mudando com o passar dos anos até a promulgação da Constituição Federal, e, mesmo depois desta, ainda foi sancionada a Lei nº 8.560/92(BRASIL, 1992), que regulava a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Dessa forma, tanto os filhos havidos dentro ou fora de uma relação matrimonial possuem direitos iguais, inclusive o direito à sucessão.

2.5. Conclusões preliminares

A partir do que foi enunciado acima, podemos concluir que, segundo a Constituição Federal de 1988(BRASIL, 1988), serão considerados filhos legítimos e, dessa forma, terão direito à sucessão, as crianças nascidas nos trezentos dias seguintes à dissolução do casamento, aquelas nascidas fruto de uma união estável e aquelas nascidas mesmo após a morte de seu genitor.

Também podemos afirmar que, perante a lei, não deverá haver distinção entre aqueles filhos concebidos na constância do casamento e aqueles gerados de relações extraconjugais. Todos terão os mesmos direitos, inclusive o direito à sucessão.

Dessa forma, utilizamos da analogia para aplicarmos as conclusões acima definidas ao tema deste trabalho, é possível concluir que: se um casal havia se divorciado e o ex-cônjuge tiver falecido deixando seu material genético congelado. Se este for utilizado por sua ex-mulher através do método da inseminação artificial post mortem para gerar uma criança, esse filho, em tese, terá o status de filho legítimo e, consequentemente, o direito à herança, se nascer nos trezentos dias subsequentes ao divórcio de seus pais.

Um casal que viver em união estável e optar em conceber um filho por inseminação artificial, se o homem morrer e sua ex-companheira utilizar esse material para conceber um filho, essa criança também, em teoria, será filha legítima do falecido e também terá direito à sucessão.

A concubina que utilizar o material genético de seu amante falecido para gerar uma criança, esse filho também deverá, em regra, ser considerado como legítimo e também teria direito à herança do falecido.

Em resumo, a criança nascida por inseminação artificial post mortem pode sim, a princípio, ser considerada filha legítima de seu falecido pai. Porém, será que a presunção dessa filiação é válida para toda e qualquer tipo de fertilização in vitro existente? Esse questionamento será respondido ao se estudar com mais detalhes o método de inseminação artificial, o que será feito no capítulo a seguir.

Sobre o autor
Guilherme Vieira Portela

Aluno de graduação do 10º período do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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