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O direito sucessório do filho concebido por inseminação artificial post mortem

Agenda 21/07/2015 às 14:12

Análise sobre o direito de sucessão de uma criança concebida pelo método de inseminação artificial post mortem frente a outros herdeiros do de cujus

RESUMO

A cada ano a medicina vem evoluindo seus métodos de atuação com a finalidade de melhorar o bem-estar do ser humano, sendo que uma dessas evoluções diz respeito ao método de reprodução assistida, com o objetivo de ajudar casais que sofram com problemas de infertilidade a realizar seus sonhos de terem um filho. Porém, esse método acabou por trazer uma consequência inesperada referente ao direito sucessório do filho nascido por meio dessa técnica quando ela for realizada após a morte do marido. Isso porque os outros herdeiros, através do princípio da saisine, já adquirem a propriedade dos bens do falecido antes mesmo dessa criança nascer. Dessa forma, haveria um choque entre os direitos sucessório dessa criança nascida por meio da inseminação artificial post mortem e os outros herdeiros do de cujus, vivos à época de abertura da abertura da sucessão. A questão se agrava pelo fato de que não existe, no Brasil, uma lei que regulamente especificamente esse tema. O atual Código Civil até chega a fazer algumas considerações, dando o status de filho legítimo à criança nascida nessas condições. Apesar disso, o Código acaba por se contradizer, pois ao mesmo tempo em que reconhece esse status, mais a frente ele retira a possibilidade dessa criança em ter acesso à parte legítima da herança, concedendo-lhe apenas a metade dos bens que pode ser disposta em testamento. Ou seja, a abordagem feita por essa legislação não é bem formulada. O principal objetivo deste trabalho é buscar uma solução para o caso, através de pesquisa bibliográfica, analisando o pensamento de doutrinadores e a legislação comparada com a de outras nações, as quais já possuem leis a esse respeito; sugerindo mudanças na lei para melhor atender a problemática.

Palavras-chave: Inseminação. Póstuma. Sucessão. Herdeiro. Saisine

 

1.      INTRODUÇÃO AO TEMA

 

            A medicina, a cada ano, vem evoluindo seus métodos de atuação através da mais alta tecnologia com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos seres humanos. Sendo que uma das atuações mais conhecidas desse ramo da ciência visa resolver um problema que há séculos aflige a humanidade: o da infertilidade.

            Essa questão foi resolvida através do método de inseminação artificial, o qual ajudou um número incalculável de casais a realizarem o sonho de serem pais. Além disso, mulheres cujos parceiros faleceram, puderam, mesmo assim, gerar crianças utilizando o material genético dos mesmos; dando à luz a crianças nascidas após a morte de seu pai.

            Porém, essa tecnologia acabou por trazer uma consequência um tanto quanto inesperada no que diz respeito a inseminação artificial post mortem: a princípio, crianças nascidas por meio do método da fertilização in vitro feita após a morte de seu progenitor teriam o direito à sucessão dos bens de seus falecidos pais garantido pelo artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal. Com isso, haveria um choque entre o direito das pessoas que já receberam a sua parte da herança e o direito do recém-nascido em receber o seu quinhão.

            Esse problema se agrava pelo fato de que, no Brasil, não existe nenhuma lei que verse sobre o assunto, ao contrário de alguns países que já possuem legislações que buscam resolver a questão.

            Este trabalho tem como objetivo analisar como o poder judiciário lida com a sucessão de crianças concebidas após a morte de seu progenitor, discutindo seu direito à herança em conflito com os de outros herdeiros.

2.      DIREITO DE FAMÍLIA

2.1Conceito de família 

            O estudo da sucessão do filho concebido por inseminação artificial post mortem será iniciado com uma breve análise sobre o Direito de Família. O objetivo desse estudo é saber se uma criança concebida após a morte do seu genitor pode ser considerada como filho legítimo de seu pai e, dessa forma, ter direito à sucessão.

            Não existe um conceito definido a respeito do que seja família. Tanto o Direito, como a Antropologia e a Sociologia fornecem definições diferentes a respeito do tema e, mesmo assim, se analisarmos o conceito apenas dentro do aspecto jurídico, encontraremos diferentes formas de definição para os ramos, por exemplo, do Direito Civil, Penal e Tributário.

            Venosa (2007) considera a família no que ele denomina de “conceito amplo” baseando-se nas relações de parentesco, ou seja, para o autor, família é “[...] o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar.” (VENOSA, 2007, p. 2).

            Figueiredo e Giancoli (2012, p. 228)definem o conceito de família como“[...] o núcleo fundamental da sociedade, pois representa o primeiro agente socializador do ser humano.”

            Já Diniz (2012)vai mais além e divide o conceito em três acepções fundamentais: a amplíssima, a lata e a restrita.No sentido amplíssimo, segundo a autora, o termo engloba todas as pessoas que estiverem ligadas pelo vínculo de consanguinidade ou afinidade.

            Esse conceito pode inclusive incluir estranhos, como no caso do artigo 241 da Lei nº 8.112/90, que considera como família do servidor público, além de seu cônjuge e seus descendentes, qualquer pessoa que dependa dele, como mostrado a seguir: “Art. 241. Consideram-se da família do servidor, além do cônjuge e filhos, quaisquer pessoas que vivam às suas expensas e constem do seu assentamento individual.”(BRASIL, 1990, não paginado).

            Na concepção lata, o conceito de família abrange, além de cônjuges ou companheiros e filhos, os parentes em linha reta ou colateral e os afins, estes definidos nos artigos 1.591 e 1.592 do Código Civil (BRASIL, 2002). Como exemplo de legislação que utiliza essa definição, temos o parágrafo único do artigo 25 da Lei nº 8.069/90, sendo que, na ocasião, o dispositivo utiliza a denominação de “família extensa”, como observado:

Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único.  Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (BRASIL, 1990, não paginado).

            O último sentido estabelecido por Diniz(2012), e que será adotado neste trabalho, considera família como o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, em outras palavras, os cônjuges ou companheiros e a prole.

            Apesar do grande número de conceitos diferentes, pode ser considerado um consenso que a mais importante característica da família, principalmente nos tempos atuais, e considerada a pedra fundamental das relações familiares é o afeto. Isto é, a família não surge por uma imposição do ordenamento jurídico, mas pela convivência de pessoas que possuem uma reciprocidade de sentimentos. Porém, a partir de uma análise das relações familiares pela história, percebemos que nem sempre a relação familiar foi baseada no afeto, como será visto a seguir.

2.2A evolução das relações familiares

            Venosa, citando Engels (ENGELS, 1997 apud VENOSA, 2007), afirma que, nos primórdios das civilizações, as famílias não se assentavam em relações individuais, ou seja, as relações sexuais ocorriam entre todos os membros de uma tribo. Dessa forma, o pai das crianças nunca era conhecido, apenas a mãe, o que nos permite afirmar que a família teve um início matriarcal, pois era ela a única que alimentava e cuidava de seus filhos.

            Com o passar do tempo, os homens passaram a buscar relações sexuais com mulheres de outras tribos, pois houve o aumento da ocorrência de guerras, nas quais muitos membros da comunidade eram mortos. Para Venosa (2007), a partir desse momento, o homem começa a marchar rumo às relações individuais, monogâmicas, embora muitas outras civilizações ainda mantivessem a poligamia.

            Com a monogamia, a família começou a sair do poder matriarcal e o pai passou a exercer o poder familiar. Na Babilônia, por exemplo, onde a família era monogâmica, o direito autorizava o marido a procurar uma segunda esposa caso a primeira fosse estéril ou possuísse alguma doença grave.

            Em Roma e na Grécia, o poder do patriarca era praticamente absoluto. A mulher era vista apenas como uma mera reprodutora e não tinha nenhum direito sobre os bens da família, mesmo na ausência de seu marido.

            Nesse momento histórico, a união familiar, apesar de poder existir entre os entes afetividade, se baseava principalmente no culto aos seus antepassados, o qual era dirigido pelo pai. A mulher, ao se casar, deixava de cultuar os antepassados de sua família, e passava a oferecer oferendas aos deuses de seu marido (VENOSA, 2007).

            Dessa forma, a família era vista como um grupo de pessoas que cultuavam os mesmos deuses e antepassados. Por conta disso, era importantíssimo o nascimento de um menino para continuar o culto familiar, sob pena de a família desaparecer. Esse filho precisava ser legítimo, pois os bastardos também não possuíam nenhum direito dentro da família e, dessa forma, não poderiam ministrar a adoração aos antepassados.

            Na Idade Média, perante as classes nobres, a família perdeu totalmente a sua conotação afetiva, pois os casamentos eram feitos visando, principalmente, acordos econômicos e não a simpatia entre os noivos.

            Com isso, eram muito comuns os casamentos entre primos ou entre um tio com a sua sobrinha. Também era incentivado o casamento da viúva, sem filhos, com o parente mais próximo de seu marido, sendo que o filho concebido por essa união era considerado filho do falecido. Tudo era feito com o objetivo de preservar o patrimônio da família (VENOSA, 2007).

            Na Idade Moderna, a família era um fator econômico de produção, pois nos lares existiam pequenas oficinas artesanais, as quais garantiam o sustento de seus membros.

            Isso mudou com o advento da Revolução Industrial, onde o modelo de família foi mais uma vez alterado. Na ocasião, a família perdeu sua característica de unidade de produção e, dessa forma, sua função se transfere para o âmbito da afetividade, ou seja, a família passou a ser a instituição onde “[...]se desenvolvem os valores morais, afetivos, espirituais e de assistência recíproca entre seus membros.” (BOSSERT-ZANNONI, 1996, p. 5 apud VENOSA, 2007, p. 3).

            No mundo contemporâneo, principalmente no ocidente, a família segueo:

[...] modelo romano-germânica (judaico-cristão), onde vigia o sistema patriarcal, religioso, ou seja, pelo sistema do pátrio-poder, em que o pai não tinha limites, comandava a família e era quem sustentava a mulher e sua prole.(CORRÊA, 2013, não paginado).

            Como prova do pensamento da época, o próprio Código Civil de 1916 não trazia a possibilidade de a mulher prover o sustento da família, como mostra o artigo 233, que assim expõe:

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.

Compete-lhe:

I. A representação legal da família.

II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial;

III. direito de fixar e mudar o domicílio da família;

IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal;

V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.(BRASIL, 1916, não paginado).

            Em outras palavras, o papel da mulher se resumia a cuidar do lar, do marido e de seus filhos.

            Apesar disso, no decorrer do século XX a sociedade passou por inúmeras mudanças de pensamento que transformaram a concepção de família. O crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho, tornando-as menos dependentes de seus maridos; o desgaste das religiões tradicionais, que fez com que se aumentasse o número de divórcios e, mais recentemente, o reconhecimento jurídico das uniões estáveis, que fez com que a família se estruturasse independentemente de núpcias(VENOSA, 2007).

            Um caso marcante dessa mudança na forma de pensar da sociedadeocorreu na França na década de 1970 quando foi extinto a expressão “chefe de família”, pois, desde o fim da Segunda Guerra, houve o aumento de famílias comandadas somente pelas mães. No Brasil, as modificaçõesno conceito de família só se acentuaram após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

2.3 O conceito de família para a Constituição de 1988

            A nova Carta Magna, segundoScalquette(2010, p. 40),trouxe três mudanças fundamentais:

[...]igualaram-se os direitos entre o homem e a mulher, instituiu-se a igualdade entre os filhos, sejam estes havidos ou não na constância do matrimônio, e ainda consagrou o pluralismo familiar, qual seja, reconhecendo como entidades familiares a união estável e a família monoparental.

            No decorrer desta seção, analisaremos com mais detalhes cada mudança explicitada pela autora, aplicando os referidos conceitos, de forma análoga, ao tema deste trabalho com a finalidade de se atender ao objetivo proposto neste capítulo.

2.3.1A igualdade entre o homem e a mulher na constituição de 1988

            Com relação à igualdade de direitos entre o homem e a mulher, isso está previsto no artigo 5º, inciso I da Constituição Federalque expõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.(BRASIL, 1988, não paginado).

            Esse pensamento expresso no texto constitucional vai de encontro ao que está escrito na Lei nº 4.121/62, o Estatuto da Mulher Casada(BRASIL, 1962), visto que extinguiu a incapacidade relativa conferida à mulher casada.A grande consequência dessa igualdade se mostrou na questão do divórcio. Com o passar dos anos a possibilidade de se dissolver a sociedade conjugal se tornou cada vez mais simples.

            Segundo Diniz(2012, p. 360), “O divórcioé a dissolução de um casamento válido, ou seja, extinção do vínculo matrimonial [...], que se opera mediante sentença judicial ou escritura pública, habilitando pessoas a convolar novas núpcias.”

            Um exemplo da facilidade verificada para se realizar o divórcio se evidenciou com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010(BRASIL, 2010)que alterou a redação do artigo 226, § 6º, da Constituição, onde se verifica que, para a lavratura de escritura pública de divórcio direto, não se precisa mais demonstrar a existência de lapso temporal e nem a presença de testemunhas. Apenas alguns requisitos devem ser preenchidos, por exemplo, a intenção clara de romper o vínculo matrimonial e, principalmente, a inexistência de filhos menores ou incapazes.

            Porém, para este trabalho, o mais interessante é fazermos uma análise a respeito do divórcio da mulher grávida para fins de reconhecimento de paternidade.Para isso analisaremos o inciso II do artigo 1.597 do Código Civil de 2002, onde está escrito o que se segue: “Art. 1.597.Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento.”(BRASIL, 2002, não paginado).Portanto, se a criança nascer até trezentos dias após o divórcio, ela deverá ter o status de filha e, dessa forma, fará jus aos direitos sucessórios.

2.3.2 A união estável

            Com relação ao pluralismo familiar, que a Constituição vai contra o entendimento secular de que a instituição familiar somente seria provida com o matrimônio.

            Um exemplo desse entendimento é a união estável. Monteiro e Silva (2010, p. 46)a definem como “[...]a ausência de casamento para aqueles vivam como marido e mulher.”. Ela também está prevista no artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal onde está escrito:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento(BRASIL, 1988, não paginado).

            Além desse dispositivo constitucional, também foi promulgada uma lei para regular a união estável, a lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996,que logo em seu artigo 1º estabelece seus requisitos: “Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.”(BRASIL 1996, não paginado).Ou seja, para ser união estável é preciso que a convivência do casal seja duradoura, pública e contínua.

            Uma convivência duradoura significa que a relação precisa durar por um tempo considerável. Ao contrário do casamento, no qual a cerimônia pode ser realizada em um dia e o divórcio no dia seguinte, a união estável deve permanecer por um lapso temporal maior. Esse prazo deve ser estabelecido pelo juiz caso a caso, já que a lei não indica o valor em seu texto.

            Já com relação à publicidade da relação, isso significa que o relacionamento do casal deve ser notório, ou seja, eles devem passar a impressão de que realmente são um casal para as pessoas em volta. A relação secreta gera o desconhecimento do fato e, consequentemente, a sua dificuldade de sua comprovação em juízo. Relações clandestinas, como o concubinato, não constituem união estável, apesar dos filhos dessas relações também possuírem direitos sucessórios.

            A união também deve ser contínua, isto é, a convivência não pode ser eventual. Apesar de ser comum todos os casais terem suas brigas e reconciliações, esses desentendimentos não desconfiguram o requisito da continuidade. O mais importante é que a relação não pode ser vista como casual.

            É importante salientar que o requisito mais importante para se caracterizar a união estável, e o que o diferencia de um simples namoro, é o objetivo de constituição de uma família. Além disso, a simples existência de relação sexual entre o casal não é suficiente para caracterizar a união estável.

            Um casal também pode viver em união estável mesmo morando em casas separadas, porém, aquela só vai se configurar se isto tiver um motivo justo, como motivos profissionais por exemplo (MONTEIRO; SILVA, 2010).

            Também é importante destacar que a união estável possui um requisito negativo que é a inexistência de impedimentos matrimoniais, os quais estão previstos no artigo 1.521 do Código Civil (BRASIL, 2002, não paginado), onde se lê:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes,seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

            Dessa forma, uma relação duradoura, pública e contínua entre irmãos, por exemplo, não pode ser considerada como união estável.

            Se preenchido todos os requisitos, a união estável gera uma família e, com isso, surgem os direitos a alimentos, regime de bens e, o principal objeto de estudo deste trabalho, o direito à sucessão.

2.3.3A família monoparental

            A denominada família monoparental é aquela formada por apenas um dos pais e seus descendentes. Ela está definida no artigo 226, parágrafo 4º da Constituição Federal (BRASIL, 1988, não paginado)redigido da seguinte forma: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...] § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”

Essas famílias podem ser aquelas constituídas por pais viúvos, pais solteiros que criam seus próprios filhos ou filhos adotados e, por fim, pais separados ou divorciados(WITZEL, 2013).

            Com relação à família monoparental constituída por pais viúvos, esta será a mais abordada neste trabalho, além de ser a mais antiga, pois sempre quando um dos cônjuges falecia, consequentemente formava-se uma família desse tipo.

            Com o avanço da tecnologia, uma nova causa de formação de famílias monoparentais surgiu: aquela formada da utilização, pela mulher, do material genético previamente recolhido de seu falecido parceiro; o qual é usado para fecundar seu óvulo através do processo de inseminação artificial.

            SegundoWitzel(2013), a principal causa das mulheres recorrerem a esse procedimento, apesar de ser permitida a adoção de crianças por mulheres solteiras, seria o sonho de poder gerar o próprio filho.

            Existem muitas discussões a respeito das consequências psicológicas, morais e éticas que poderiam resultar no crescimento de uma criança nascida nessas condições. Porém, há um consenso de que ela deveria ser considerada como filha do falecido, apesar de divergirem quanto aos seus direitos sucessórios.

2.4 O princípio da igualdade entre os filhos

            O princípio da igualdade entre os filhosestá estabelecido no artigo 227, §6º da Constituição Federal,onde está escrito:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação(BRASIL, 1988, não paginado).

            Como se pode perceber através de uma simples leitura do dispositivo acima, o atual Direito Brasileiro veda quaisquer diferenças de tratamento com relação a filhos havidos ou não dentro da relação matrimonial, ou seja, todos possuem os mesmos direitos e deveres.Porém, nem sempre isso ocorreu dessa maneira.

            Diniz(2012), em seu livro, classifica osfilhos gerados em dois tipos: os naturais e os espúrios; sendo que os filhos naturais seriam aqueles descendentes de pais os quis não possuíam nenhum impedimento matrimonial quando os conceberam.Já os espúrios são aqueles descendentes de pais os quais, na época que os conceberam, possuíam impedimento matrimonial. A autora os subdivide em adulterinos e incestuosos.

            Os filhos adulterinos são aqueles que nascem de casal impedido de casar em virtude de casamento anterior, ou seja, são aqueles frutos de um adultério. Esse adultério pode ser duplo, isto é, adulterinidade bilateral se a criança descender de homem casado e mulher casada, ou adulterinidade unilateral, sendo adulterino a patre, se o homem for casado e a mulher solteira; ou adulterino a matre, se proveniente de homem solteiro e mulher casada.

            Os filhos espúrios incestuosos são aqueles nascidos de homem e mulher que, por causa de uma relação de parentesco natural, civil ou afim, não poderiam casar à época da concepção da criança(DINIZ, 2012).

            Antes da Constituição de 1988, apenas eram considerados filhos legítimos os naturais, sendo que os outros não possuíam nem ao menos o direito de serem reconhecidos como filhos, como mostra o artigo 358 do Código Civil de 1916, que afirma que “Art. 358.Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos.”(BRASIL, 1916, não paginado).

            Apesar disso, esse entendimento foi mudando com o passar dos anos até a promulgação da Constituição Federal, e, mesmo depois desta, ainda foi sancionada a Lei nº 8.560/92(BRASIL, 1992), que regulava a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.Dessa forma, tanto os filhos havidos dentro ou fora de uma relação matrimonial possuem direitos iguais, inclusive o direito à sucessão.

2.5Conclusões preliminares

 

            A partir do que foi enunciado acima, podemos concluir que, segundo a Constituição Federal de 1988(BRASIL, 1988), serão considerados filhos legítimos e, dessa forma, terão direito à sucessão, as crianças nascidas nos trezentos dias seguintes à dissolução do casamento, aquelas nascidas fruto de uma união estável e aquelas nascidas mesmo após a morte de seu genitor.

            Também podemos afirmar que, perante a lei, não deverá haver distinção entre aqueles filhos concebidos na constância do casamento e aqueles gerados de relações extraconjugais. Todos terão os mesmos direitos, inclusive o direito à sucessão.

            Dessa forma, utilizamos da analogia para aplicarmos as conclusões acima definidas ao tema deste trabalho, é possível concluir que: se um casal havia se divorciado e o ex-cônjuge tiver falecido deixando seu material genético congelado. Se este for utilizado por sua ex-mulher através do método da inseminação artificial post mortem para gerar uma criança, esse filho, em tese, terá o status de filho legítimo e, consequentemente, o direito à herança, se nascer nos trezentos dias subsequentes ao divórcio de seus pais.

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            Um casal que viver em união estável e optar em conceber um filho por inseminação artificial, se o homem morrer e sua ex-companheira utilizar esse material para conceber um filho, essa criança também, em teoria, será filha legítima do falecido e também terá direito à sucessão.

            A concubina que utilizar o material genético de seu amante falecido para gerar uma criança, esse filho também deverá, em regra, ser considerado como legítimo e também teria direito à herança do falecido.

            Em resumo, a criança nascida por inseminação artificial post mortem pode sim, a princípio, ser considerada filha legítima de seu falecido pai. Porém, será que a presunção dessa filiação é válida para toda e qualquer tipo de fertilização in vitro existente? Esse questionamento será respondido ao se estudar com mais detalhes o método de inseminação artificial, o que será feito no capítulo a seguir.

3.       O MÉTODO DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL

3.1 Conceito de inseminação artificial

            A inseminação artificial, também conhecida como concepção artificial, fertilização artificial, semeadura artificial, fecundação ou fertilização in vitro, é uma técnica de reprodução assistida e “[...] consiste na colocação de forma artificial do sêmen do parceiro ou doador no interior do útero da mulher, com o objetivo de auxiliar os casais que não conseguem engravidar de forma natural [...]” (SILVA, 2012, não paginado), ou seja, casais que possuem problemas de infertilidade.

            Infertilidade é a incapacidade de um casal de gerar um filho ou de uma mulher de levar sua gravidez até o final, isto é, até o parto. Essa incapacidade pode ser permanente ou temporária e possui vários fatores diferentes, como endometriose e a síndrome dos ovários policísticos, no caso das mulheres; e má formação, pouca mobilidade ou mesmo ausência de produção de espermatozoides no caso dos homens. A idade também é um fator que causa infertilidade.

            O objetivo deste capítulo será o estudo a respeito do método da inseminação artificial, seu histórico, o procedimento para sua realização e, principalmente, a análise de como a legislação pátria, mais precisamente o Código Civil (BRASIL, 2002), cuida desse tema.

3.2Histórico

            Segundo Lima Júnior (2013), os gregos já haviam iniciado o estudo sobre embriologia desde o século V a.C., sendo que Aristóteles, no século IV a.C., foi o primeiro responsável pela elaboração de um tratado sobre o assunto.

            Com a invenção do microscópio no século XVI, o avanço científico passou a ser mais expressivo e, em meados do século XVII, passou-se a se admitir a esterilidade de ambos os sexos, o que fez com que os cientistas buscassem novos métodos e técnicas como forma de combate à infertilidade.

            Porém, a primeira experiência científica envolvendo inseminação artificial somente foi realizada em 1777 pelo monge italiano Lazzaro Spallanzani, que pretendia demonstrar a possibilidade de fecundação sem a necessidade da relação sexual.  Utilizando o sêmen de um cachorro, o religioso o implantou em uma cadela no cio, que, sessenta e dois dias depois, deu à luz a três filhotes (LIMA JÚNIOR, 2013).

            As investigações sobre a inseminação artificial humana só começaram em meados de 1790, sendo que apenas no final do século XIX os pesquisadores concluíram que a fecundação se dava pela união de um espermatozoide com um óvulo.

            No ano de 1884, na Filadélfia, William Pancoast foi o primeiro a obter sucesso em inseminar uma mulher com o material genético doado por um terceiro e, a partir dos anos seguintes, com o desenvolvimento de novas técnicas de manipulação e preservação do sêmen, as inseminações tornaram-se cada vez mais frequentes.

            A partir do século XX, o método de inseminação artificial passou por um grande desenvolvimento por conta de várias descobertas, como a possibilidade de descoberta do período fértil da mulher, em 1932, e a criopreservação dos espermatozoides, em 1945 (LIMA JÚNIOR, 2013).

            Na década de setenta, na Inglaterra, ocorreu o nascimento do primeiro bebê concebido pela fertilização in vitro através da utilização de material genético de seus pais. No Brasil, a primeira criança concebida nessas condições nasceu em 1992.

{C}3.3  O procedimento de inseminação

            O processo de inseminação artificial é realizado em três etapas, a saber: estimulação dos ovários através de medicamentos para que estes possam ovular; seleção de espermatozoides e o processo de inseminação propriamente dito (CONCEPTION..., [200?]).

3.3.1 Primeira etapa

            A inseminação artificial se inicia com a estimulação dos ovários para que estes possam ovular. Isso é feito através da ministração de medicamentos, como a Gonadotrofina sintética e o Clomifeno, que devem ser utilizados sob orientação médica por causa de seus efeitos colaterais; por exemplo, a retenção de líquidos e o câncer de ovário.

            A ovulação ocorre, normalmente, sete dias após a interrupção do uso do medicamento. É importante frisar que, como a mulher foi induzida à ovulação, é muito provável que não apenas um dos ovários tenha liberado um óvulo, o que aumenta o risco de gravidez gemelar (CONCEPTION..., [200?]).

3.3.2 Segunda etapa

            A segunda etapa do processo de inseminação artificial consiste na escolha dos espermatozoides para a fecundação. O marido ou parceiro fará a coleta aproximadamente de uma a uma hora e meia antes do processo de inseminação, pois este é o tempo necessário para que os espermatozoides sejam cuidadosamente escolhidos.

            A coleta se dá, na maior parte das vezes, em uma sala específica do consultório. Porém, ela também pode ser feita na própria casa do marido ou parceiro, sendo que, nesse caso, é extremamente importante que o material esteja no consultório no máximo uma hora após a coleta.

            O sêmen pode ser recolhido de inúmeras formas, sendo que, na grande maioria das vezes ele é coletado por meio da masturbação em um recipiente estéril fornecido pelo consultório. Se existir ejaculação retrógrada, ele é recolhido pelo médico através da urina. Se o paciente for paraplégico ou tetraplégico, a coleta é realizada por meio da eletroestimulação (CONCEPTION..., [200?]).

            O preparo pode ser feito de inúmeras maneiras, mas o principal objetivo é separar o maior número de espermatozoides bons daqueles que possuem pouca mobilidade ou que estão mortos. Nessa etapa também se retiram do sêmen outras células e substâncias tóxicas que possam estar presentes.

            Após o preparo, o sêmen pode ser utilizado na fase de inseminação, ou pode ser congelado para futura utilização. Isto será importante para o estudo do tema deste trabalho e será analisado com mais detalhes na seção 4.2.

3.3.3 terceira etapa

            A terceira etapa do procedimento é a fase da inseminação propriamente dita, que é realizada durante o período ovulatório da mulher para que, dessa maneira, possa ocorrer a fecundação.

            Normalmente, a inseminação é realizada apenas uma vez no mês. Porém, em alguns casos, para aumentar a probabilidade de gravidez, realiza-se duas inseminações no mesmo mês, o que é chamado de inseminação dupla.

            Os espermatozoides podem ser lançados em qualquer ponto do útero. Porém, as chances de gravidez aumentam se eles forem lançados mais ao fundo da cavidade uterina devido à proximidade com as trompas.

            A inseminação é feita através de um cateter (um tubo longo e fino de plástico), e a paciente fica em repouso por cerca de trinta minutos, sendo liberada logo a seguir. Entre doze a quinze dias após o procedimento é realizado o teste de gravidez (CONCEPTION..., [200?]).

3.4Tipos de inseminação segundo o código civil de 2002

            Após várias críticas com relação ao seu projeto original, foi inserido, no artigo 1.597 do Código Civil de 2002, os incisos III, IV e V, que tratam a respeito da reprodução assistida, fazendo referência às técnicas homóloga e heteróloga de inseminação artificial, como exposto a seguir:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

[...]

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (BRASIL, 2002, não paginado).

            Venosa (2007, p. 216), em seu livro, critica esse dispositivo. O autor escreve que:

Advirta-se, de plano, que o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema. Com esses dispositivos na lei passamos a ter, na realidade, mais dúvidas do que soluções, porque a problemática ficou absolutamente capenga, sem a ordenação devida, não só quanto às possibilidades de o casal optar pela fertilização assistida, como pelas consequências dessa filiação no direito hereditário. É urgente que tenhamos toda essa matéria regulada por diploma legal específico. Relegar temas tão importantes aos tribunais acarreta desnecessária instabilidade social.

            De fato, a problemática abordada neste trabalho existe justamente por causa da falta de uma norma que regulamente, de forma clara, a situação do filho concebido por meio de reprodução in vitro após a morte de seu genitor com relação ao seu direito de sucessão. Quando o ordenamento jurídico não faz, gera uma profunda insegurança jurídica para com os outros herdeiros, que ficam com o direito adquirido sobre o seu quinhão ameaçado.

            Agora, será analisado mais detalhadamente a inseminação artificial homóloga e a heteróloga.

3.4.1 Inseminação artificial homóloga

            A inseminação artificial homóloga está expressa nos incisos III e IV do artigo supracitado (BRASIL, 2002). Monteiro (2007, p. 307) a conceitua da seguinte forma: “A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido. Neste caso, o óvulo e o sêmen pertencem à mulher e ao homem, respectivamente, pressupondo – se, in casu, o consentimento de ambos.”

            Em outras palavras, a inseminação artificial homóloga é aquela em que se usa material genético do próprio casal. Ou seja, o óvulo deve ser da própria esposa e o sêmen deve ser do próprio marido, obrigatoriamente.

            Tomando como base o estudo feito no capítulo anterior, pode-se afirmar que, para que a fertilização in vitro seja considerada homóloga, não há a necessidade de que o homem e a mulher sejam casados, podendo também ocorrer em casos de união estável, por exemplo. O mais importante, como comenta o autor, é que haja o consentimento de ambos sobre a extração e manipulação de seu material genético.

            A atribuição de paternidade, segundo Coco (2012), é algo simples, visto que será pai o doador do sêmen por ter dado seu consentimento à época da colheita e por conta da sua identificação genética com o embrião.

            O mais interessante para o estudo neste trabalho, porém, é a parte final do inciso III (BRASIL, 2002), que declara pai o doador do sêmen mesmo após este chegar ao fim de sua vida.

            Para que ocorra a fecundação post mortem, é necessário, primeiramente a criopreservação dos espermatozoides. Sobre o tema, o Conselho Federal de Medicina, na resolução nº 1957/2010 estabelece que: “Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.” (CONSELHO..., 2011, não paginado).

            Ou seja, para que haja a reprodução assistida post mortem é necessário que o marido ou companheiro tenha autorizado a criopreservação do sêmen. Portanto, deve haver duas autorizações do doador, uma pra que se extraia e se manipule seu material genético, e outra para congelá-lo visando alguma futura utilização.

            Além disso, o Enunciado 106 do Conselho da Justiça Federal, aprovado durante a I jornada de Direito Civil, objetivando preencher algumas lacunas existentes no inciso III do artigo 1.597, expõe que essa autorização deve ser escrita e que a mulher, para que esteja autorizada a realizar o procedimento, deve estar na condição de viúva, como mostrado a seguir:

[...] para que seja presumida a paternidade do marido falecido, é obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize eu material genético após a morte(BRASIL, 2002, p. 70).

            O fato de o enunciado exigir o estado de viuvez da mulher tem fundamento no fato de que, se ela contrair novas núpcias, isso pode afastar a presunção de paternidade do marido falecido, como enunciado no artigo 1.598 do Código Civil:

Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597 (BRASIL, 2002, não paginado).

            Ainda com relação à inseminação artificial homóloga, a doutrina se divide em dois posicionamentos a respeito da possibilidade de sua realização do ponto de vista jurídico, como assevera Aguiar (2009, p.117):

Apesar de restar na legislação a atribuição da paternidade do inseminado ao de cujus, saber se a vontade de procriar deve ser protegida para além da morte, é tema que divide os doutrinadores em duas correntes básicas. De um lado, os que defendem essa proteção, ao argumento de ser convergente do direito da criança à existência. De outro, os que sustentam a impossibilidade dessa técnica, como forma de assegurar o direito do filho a uma estrutura familiar formada por ambos os pais.

            Entre os autores que defendem a impossibilidade de realização da fertilização post mortem, o principal argumento é de que os cônjuges ou companheiros são uma única parte no contrato em que se autoriza o recolhimento e criopreservação de seu material genético; isto é, para que haja a inseminação artificial, é preciso que a vontade do homem e a da mulher sejam “[...] convergentes para a realização de um único fim.” (COCO, 2012, não paginado). Além disso, também esses doutrinadores também salientam os possíveis prejuízos psicológicos que a orfandade resultante dessa técnica poderia causar.

            Exemplos de autores que defendem esse ponto de vista citados por Coco (2012) são João Vaz Rodrigues, João Álvaro Dias e Eduardo de Oliveira Leite. Há também o Enunciado nº 127 do Conselho Federal Justiça (BRASIL, 2002)que propõe a supressão do termo “mesmo que falecido o marido”, alegando que o nascimento de uma criança sem pai afrontaria o princípio da paternidade responsável e o da dignidade da pessoa humana.

            Porém, esse posicionamento não parece ser o mais correto, visto que, como foi visto no capítulo anterior, a existência da família monoparental é prevista na Constituição Federal no artigo 226, §4º (BRASIL, 1988). Há também o Princípio do Planejamento Familiar, expresso no artigo 226, §7º (BRASIL, 1988), o qual, segundo Gama(2003) é decorrente do direito à liberdade previsto no artigo 5º da Carta Magna e, dessa forma, não pode ser desfeito pela lei em decorrência do falecimento do pai, por causa de sua manifestação de vontade enquanto ainda estava vivo.

            Ainda a respeito desse assunto, Coco (2012, não paginado) escreve, citando a possibilidade da adoção post mortem, que “[...] se há a possibilidade de adoção póstuma no ordenamento jurídico, quando o adotante vier a falecer no curso do processo de adoção, não há razão de ser para que se proíba a inseminação artificial homóloga post mortem.”

            Dessa forma, parece não haver motivos para que não se permita a prática da inseminação artificial homóloga post mortem, pois, como se necessita de expresso consentimento do marido para a sua realização, uma possível proibição seria uma afronta ao princípio da liberdade expresso no artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988).             Também não existem pesquisas científicas comprovando uma possível lesão psicológica na criança em virtude desta ter crescido sem a presença paterna, visto que isso também pode ocorrer em casos sem relação com a fertilização in vitro.

3.4.2 Inseminação artificial heteróloga

            A inseminação artificial heteróloga, por sua vez, foi conceituada por Venosa (2007, p. 220) da seguinte forma:

A inseminação heteróloga é aquela cujo sêmen é de um doador que não o marido. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido, incompatibilidade do fator rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido etc. com frequência, recorre-se aos chamados bancos de esperma, nos quais, em tese, os doadores não são e não devem ser conhecidos.

            Em outras palavras, a inseminação artificial heteróloga é aquela feita utilizando-se o material genético da mulher e de um terceiro doador. O sêmen do marido não é utilizado nesse caso. 

            A resolução 1957/2010 do Conselho Federal de Medicina estabelece critérios para a doação de material genético. Entre elas, destaca-se que a doação não poderá ter caráter comercial ou lucrativo, além de que a clínica deverá manter um registro para evitar que o sêmen de um doador venha a ser usado em “[...] mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.” (CONSELHO..., 2011, não paginado)

            A resolução também é bastante rigorosa com relação à obrigatoriedade do sigilo da identidade dos doadores e receptores de gametas, conforme expresso a seguir:

[...] 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador

 (CONSELHO..., 2011, não paginado).

            Para fins de estudo neste trabalho, a discussão mais importante se refere à filiação, visto que a criança terá um pai biológico diferente daquele que irá registrá-la e criá-la. Em outras palavras, se existe a possibilidade de o marido poder ou não impugnar a paternidade, excluindo a criança do rol de herdeiros.

            Com relação a isso, Aldrovandi e de França (2002, não paginado) escrevem que: “[...] a inclusão do inciso V do art. 1.597 do Novo Código Civil foi extremamente importante, porque reforça o entendimento de que ao dar o consentimento, o marido assume a paternidade, não podendo, após, impugnar a filiação.”

            Venosa (2007, p. 220) vai ao encontro do ponto de vista das autoras acima ao escrever o seguinte: “Se a inseminação deu-se com seu consentimento, há que se entender que não poderá impugnar a paternidade e que a assumiu. Nesse sentido se coloca o inciso V, do art. 1597, do atual Código. A lei brasileira passa a resolver expressamente essa questão.”

            Dessa forma, pode-se concluir que, seguindo as orientações do inciso V do artigo 1.597 do Código Civil (BRASIL, 2002), se o marido der prévia autorização para a realização da inseminação artificial heteróloga, a criança será considerada sua filha e deverá ter seu direito à sucessão. Assim como no caso da fertilização in vitro homóloga, essa autorização deverá ser feita por escrito, seguindo normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina.

            No caso da autorização não for dada, a doutrina é unânime em afirmar que o marido poderá impugnar a paternidade, como Venosa (2007, p. 220), que escreve que “[...] se a inseminação heteróloga deu sem o consentimento do marido, este pode impugnar a paternidade.”

            Moreira Filho (2002) vai mais além e afirma que a mulher, ao se submeter à fertilização heteróloga sem o consentimento do marido, ela comete um ato atentatório contra o casamento, ou seja, o cônjuge poderá impugnar a paternidade da criança mesmo se já tiver feito o registro, pois foi induzido ao erro ao registrá-la.

            Aldrovandi e de França (2002, não paginado), também fazem uma ressalva com relação aos casais que vivam em união estável. As autoras escrevem o seguinte:

Ainda em relação ao art. 1.597 do Novo Código Civil, é importante ressaltar que a presunção não se aplica aos filhos havidos na União Estável, visto que o referido artigo trata especificamente do casamento. Entretanto, sobre essa questão, entendemos que o consentimento também irá gerar o reconhecimento incontestável da paternidade por parte do companheiro, pois ao consentir, o companheiro reconhece a paternidade da criança, tendo plena consciência que não será seu pai biológico. Situação semelhante a que ocorre na chamada "adoção à brasileira". Ademais, tendo em vista a proteção dos interesses do menor, seria inadmissível que o companheiro pudesse rever seu consentimento, e consequentemente contestar a paternidade da criança.

            Ou seja, as regras acima descritas também devem ser plicadas aos casais que vivam em união estável. Isto é, se o companheiro der anuência para que a sua mulher realize a fertilização in vitro heteróloga, a ele deverá ser imputada a paternidade da criança. Caso contrário, ele poderá impugnar a paternidade, mesmo se tiver feito o registro do recém-nascido como seu filho.

3.5 Questionamento

            A partir do foi visto nesse capítulo, podemos concluir, tendo em vista os dois tipos de inseminação artificial estabelecidos pelo Código Civil de 2002 e aplicando esses conceitos ao tema deste trabalho, o que se segue:

            Em primeiro lugar, observamos que a lei brasileira não contempla o tema da reprodução assistida de maneira satisfatória. Segundo Venosa (2007) o artigo 1.597 do Código Civil não regulamenta, proíbe ou autoriza a sua prática. Ela apenas constata a sua existência e tenta, de maneira precária, estabelecer critérios para atribuição da paternidade. O autor escreve que o assunto seria melhor tratado se fosse criada uma lei específica para o tema, porém apenas um título dentro do livro de Direito de Família (artigos 1511 ao 1783 do Código Civil de 2002) que tratasse somente dessa questão já se mostraria suficiente para atender a essa necessidade.

            Tratando agora da inseminação artificial homóloga, a atribuição da paternidade, nesse caso, é fácil, visto que será pai quem tiver doado o sêmen. A problemática que pode ter se mostrado mais difícil de resolver evolvia questões éticas a respeito da reprodução assistida homóloga post mortem, já que a criança nasceria sem pai. Porém, isso foi resolvido aplicando-se os princípios constitucionais da liberdade e do livre planejamento familiar, além da proteção constitucional à família monoparental e do caso análogo da adoção post mortem. Dessa forma, a prática da inseminação artificial homóloga post mortem deve sim ser permitida.

            A situação mais complexa se deu com a análise da reprodução assistida heteróloga, visto que ela utiliza apenas o material genético da mulher, pois o espermatozoide é oriundo de um terceiro doador. A atribuição da paternidade, nesse caso, foi feita tomando-se como base o consentimento do marido, aplicando-se também, citando Aldrovandi e de França (2002), o caso análogo da “adoção à brasileira”.

            Em suma, essas conclusões vão ao encontro do que foi escrito no capítulo anterior deste trabalho. Ou seja, a criança nascida por meio da técnica de inseminação artificial post mortem, seja ela homóloga ou heteróloga, deve sim ser considerada como filha de seu pai e, dessa forma, pelo menos em tese, ter direito à sucessão de seus bens. Sendo isso também aplicável os casais que vivam em União Estável ou concubinato.

            Porém, a partir das análises feitas neste capítulo pode-se introduzir uma condição essencial para que essa presunção de filiação posa ocorrer: a expressa concordância do marido. Ou seja, o homem deve consentir, obviamente antes de sua morte, que o seu material genético seja extraído, manipulado e congelado para uma possível futura utilização, no caso da reprodução assistida homóloga; ou que sua esposa ou companheira receba o material genético de outro homem para gerar uma criança, no caso da heteróloga.

            Esse consentimento deve ser expresso e feito por escrito, segundo a resolução 1597/2010 do Conselho Federal de Medicina (2011). Dele também não deverá caber a retratação, tendo em vista o resguardo dos interesses do menor, segundo Aldrovandi e de França (2002).

            E se o homem não demonstrar sua concordância? Nos casos de reprodução assistida heteróloga a resposta a essa pergunta é simples: a criança não será considerada sua filha e não possuirá o direito à herança. Porém, nos casos de reprodução homóloga, como o recém-nascido possui ligação genética com o falecido, cabe um estudo mais aprofundado do Direito das Sucessões, o que será feito no próximo capítulo.

4.       O DIREITO DAS SUCESSÕES

4.1Introdução

            Diniz (2010, p. 3) conceitua o Direito das Sucessões como sendo “[...] o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou testamento.”

            A palavra “suceder” significa substituir, ou seja, ocorre quando alguém toma o lugar de outra pessoa em uma relação jurídica. Isso não ocorre apenas no caso de falecimento, quando os herdeiros e legatários tomam o lugar do falecido na propriedade dos bens (sucessão causa mortis); mas também pode derivar de um ato entre vivos, o que ocorre em um contrato de compra e venda, por exemplo, no qual o comprador assume a propriedade do bem em lugar do vendedor mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro (sucessão inter vivos) (GONÇALVES, 2009).

            Porém, em se tratando apenas do ramo do Direito das Sucessões, esse vocábulo é utilizado somente para se referir a “[...] transmissão de bens, direitos e obrigações emrazão da morte” (Venosa, 2007, p. 1). Este é o sentido que será adotado neste trabalho.

            No capítulo anterior, foi visto que para que seja reconhecida a filiação, tanto no caso da reprodução assistida homóloga como na heteróloga, é necessário o expresso consentimento do marido. Se isso não for feito, a criança não será reconhecida como filha e, dessa forma, não poderá suceder seu pai.

            Porém, no caso da inseminação homóloga, a criança possui um laço genético com seu pai, mesmo o procedimento sendo realizado contra a vontade deste. Além disso, a Constituição Federal de 1988 garante, em seu artigo 5º, inciso XXX, o direito à herança (BRASIL, 1988).

            Neste capítulo, além de se procurar resolver essa problemática, será analisada a situação hereditária dessa criança, nascida após a morte de seu pai, perante os outros herdeiros e legatários, que já possuem a posse da coisa devido ao princípio da saisine, que será estudado mais adiante, em um tópico específico.

4.2A abertura da sucessão

            A sucessão é aberta a partir da morte do titular dos bens, ou seja, quando a pessoa natural deixa de existir, como disciplina o artigo 6º do Código Civil de 2002: “Art. 6o. A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.” (BRASIL, 2002, não paginado).

            Dessa forma, não se pode falar de herança de pessoa viva, já que, se o titular dos bens da herança estiver vivo, não haverá sucessão. No antigo direito romano, existia essa possibilidade pelo instituto da morte civil (ficta mors), porém isso ocorre mais no direito moderno.

            Segundo Gonçalves (2009), a essa morte a que o legislador se refere é a morte natural ou real, a qual não importa a causa (velhice, assassinato, entre outros). Isto é, ocorre a morte real quando se tem certeza do falecimento da pessoa.

            Além da morte natural, a lei prevê a morte presumida em seu artigo 7º (BRASIL, 2002), que, segundo Ramos (2010), ocorre emcasos nos quais não foipossível encontrar o cadáver ou testemunhas que presenciaram a sua morte, mas esta é considerada extremamente provável, pois a pessoa estava correndo um grande risco de vida. Nesse caso, como não há certeza da morte, o juiz pode decretar a morte presumida se houver um conjunto de circunstâncias que o induzem a chegar nessa conclusão.

            A morte presumida pode ser declarada com ou sem a decretação de ausência. Gonçalves (2009, p. 15) define o ausente da seguinte maneira:“Ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio sem dar notícia de seu paradeiro e sem deixar um representante ou procurador para administrar-lhe os bens.”

            Para que a morte presumida seja decretada pelo juiz sem a declaração de ausência, ela precisa atender aos requisitos do artigo 7º do Código Civil, que assim expõe:

Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento (BRASIL, 2002, não paginado).

            Na hipótese do inciso I, isso acontece, por exemplo, no caso de acidentes aéreos ocorridos em meio ao oceano, nos quais não é possível encontrar os corpos dos passageiros. Nessas situações, a morte presumida deles pode ser declarada sem a necessidade de se decretar a ausência.

            Já no caso do inciso II, essa situação ocorre nos casos de soldados feitos prisioneiros em guerra declarada. É importante ressaltar que o prazo de dois anos para a declaração da morte conta a partir do término da guerra, e não de sua prisão.

            Vale lembrar que, no caso do inciso I, a decretação da morte somente pode se dar após o término da busca por sobreviventes, ao contrário do inciso II, que possui um prazo determinado.

            Em se tratando de morte presumida com declaração de ausência, o Código Civil trata desse assunto do artigo 22 ao artigo 39, sendo o seu procedimento dividido em três fases: a curadoria dos bens do ausente, a sucessão provisória e a sucessão definitiva (BRASIL, 2002).

            Nessa primeira fase, segundo o artigo 22 do Código Civil, o juiz, em caso de desaparecimento, poderá decretar a ausência a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público. Na ocasião, será nomeado um curador, que de preferência será o cônjuge, para administrar os bens do ausente (BRASIL, 2002).

            Passado um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou três se ele tiver deixado procurador ou representante, será aberta a sucessão provisória, na qual os bens serão distribuídos aos herdeiros em caráter provisório pelo prazo dez anos. Vale lembrar que, de acordo com o artigo 28 do Código Civil, a sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito depois de 180 dias de publicada pela imprensa (BRASIL, 2002).

            Após esse prazo de dez anos, os interessados poderão requerer a abertura da sucessão definitiva, na qual será declarada a morte presumida do ausente e seus bens serão transferidos para a posse em caráter permanente aos herdeiros. É importante destacar que, de acordo com o artigo 39, se o ausente regressar em até dez anos contados da decretação da morte presumida, ele terá direito ao remanescente dos bens (BRASIL, 2002).

            Também é importante destacar que o artigo 38 permite que seja declarada diretamente a morte presumida do ausente se este estiver com no mínimo 80 anos de idade quando for feito o pedido de decretação da ausência ou se o desaparecimento tiver ocorrido a, no mínimo, cinco anos (BRASIL, 2002).

            Em todos os casos, um dos principais efeitos que a morte da pessoa produzirá, e cuja análise será importante neste trabalho, será a saisine, o qual será conceituado logo a seguir.

4.3O princípio da saisine

            O princípio da saisine está previsto no artigo 1784 do Código Civil, no qual se lê o seguinte: “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.” (BRASIL, 2002, não paginado).

            Em outras palavras, a saisine -do latim saicire (apoderar-se) - significa que, a partir de aberta a sucessão, os bens são transmitidos automaticamente aos herdeiros, sem a necessidade de nenhum ato ou mesmo do conhecimento da abertura desta.

            Silva (2012, não paginado) explica que esse princípio tem sua origem no direito francês da Idade Média, mais precisamente no século XIII: “[...]Nesta época, o senhor feudal institui a praxe de se cobrar pagamento dos herdeiros de seu servo morto para que fossem estes autorizados a se imitir na posse dos bens havidos pela sucessão.”

            Por conta disso, foi criada a expressão “Le serf mort saisit Le vif, son hoir Le plus proche”, ou seja, o servo morto é substituído pelo vivo, seu herdeiro mais próximo; estabelecendo o imediatismo na transmissão de bens aos herdeiros e livrando o servo desta imposição senhoril.

            Krynen (1984, p. 190apud SILVA, 2012, não paginado), a respeito do surgimento dessa expressão, escreve o seguinte:

[...] a expressão Le mort saisit Le vif apareceu a primeira vez em 1.259, em julgamento de imigrantes. Um ano depois, tal expressão foi ressentida nos tribunais franceses, tornando – se verdadeira regra geral no direito da França. Em 1.384, em notas de audiência do Parlamento, evidenciou – se a agregação do instituto referido no direito consuetudinário daquele país, expresso no princípio geral de que o herdeiro vivo substitui o de cujus.

            Miranda (1996apud GONÇALVES, 2009) afirma que a transmissão automática dos direitos que compõe o patrimônio da herança aos sucessores foi introduzida no direito luso-brasileiro por meio do Alvará de 9 de novembro de 1754 e, mais tarde, através do Assento de 6 de fevereiro de 1786.

            A respeito da adoção desse conceito no Código Civil de 1916 e, posteriormente, no Código de 2002, Gonçalves (2009, p.21) escreve o seguinte:

O Código Civil de 1916 acolheu o aludido princípio no art. 1572, reproduzido no art. 1784 do diploma de 2002, sem, no entanto, qualquer referência do “domínio e posse”. Optou o novel legislador, como já dito, por se referir à transmissão da herança, subentendendo a noção abrangente de propriedade.

            Portanto, no caso do filho nascido por inseminação artificial post mortem, quando essa criança nasce todos os outros herdeiros, através do princípio da saisine, já adquiriram, não só a posse, como também a propriedade dos bens da herança. Isso que é a principal problemática deste trabalho.

4.4Espécies de sucessão

            Diniz (2010), classifica as espécies de sucessão em dois tipos: quanto à fonte e quanto aos efeitos. Aquela ainda divide-se em sucessão legítima e sucessão testamentária, e esta em sucessão a título universal e sucessão a título singular.

4.4.1 Sucessão testamentária

            A sucessão testamentária é aquela “[...] oriunda de testamento válido ou de disposição de última vontade.”. O Código Civil de 2002, no artigo 1862, o classifica em três tipos, a saber:

Art. 1.862. São testamentos ordinários:

I - o público;

II - o cerrado;

III - o particular (BRASIL, 2002, não paginado).

            O testamento público, de acordo com Ramos (2006) é aquele feito por tabelião de registro de notas, o qual, segundo a lei 8935/94, tem competência exclusiva para confeccioná-lo. A denominação “público”, “[...] não significa que seja aberto ao público, mas à oficialidade de sua elaboração.” (RAMOS, 2006, não paginado). Isso garante ao testamento maior credibilidade, devido ao seu rigor formal.

            O testamento cerrado ou secreto é aquele feito pelo próprio testador ou por pessoa a seu mando, sendo que, neste caso, requer-se sua assinatura. Pode ser escrito a próprio punho ou por meio de digitação com todas as folhas numeradas e assinadas pelo testador.

            Após sua confecção, deverá ser entregue ao tabelião que, na presença de suas testemunhas, lavrará o termo de aprovação com a finalidade de atestar que o documento é autêntico.

            É importante destacar que “Se o testamento não foi lavrado pelo testador, mas por alguém a seu rogo, essa pessoa não pode ser incluída como beneficiária, mesmo que por meio de interposta pessoa (ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro do mesmo).” (RAMOS, 2006, não paginado).

            O testamento particular ou privado se trata de um meio mais simples de testamento. Pode ser feito manuscrito ou digitado, neste caso com todas as folhas assinadas pelo testador, sem rasuras ou espaços em branco. Para ser válido é necessária sua leitura diante de, pelo menos, três testemunhas idôneas e capazes, os quais também assinarão o documento.

            Por conta de sua simplicidade, ele apenas terá eficácia se, com a morte do testador, ocorrer sua publicação, com a citação de todos os herdeiros necessários, além do chamamento das testemunhas que deverão reconhecer suas assinaturas e a assinatura do testador.

            Em todos os tipos de testamento listados acima, se o testador tiver herdeiros necessários, ele somente poderá dispor de metade da herança, como explícito no artigo 1789 do Código Civil (BRASIL, 2002).

            São considerados herdeiros necessários, pelo artigo 1845 do Código Civil, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. A estes pertence a metade dos bens a herança que não poderá ser listada no testamento. Essa metade é denominada pela lei civil de legítima (BRASIL, 2002).

            A legítima será calculada sobre o valor dos bens existentes na ocasião da morte do de cujus, descontados as despesas com o funeral e as dívidas, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.

            O testador não poderá estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima, salvo motivo justificado. Além disso, não é permitido ao testador converter os bens da legítima em outros de espécie diferente.

4.4.2 Sucessão legítima ou “in intestato’’

 

            A sucessão legítima ou in intestato ocorre nos casos em que o de cujus não fizer testamento ou nos casos de nulidade, anulação ou caducidade do testamento. Ela está disciplinada no artigo 1788 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).

            Nesse caso, os bens serão distribuídos aos herdeiros seguindo à ordem de vocação hereditária, estabelecida no artigo 1829 do Código Civil, onde se lê o que se segue:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais (BRASIL, 2002, não paginado).

            A sucessão legítima é a regra no direito das sucessões, devido à “[...] marcante influência do elemento familiar na formação desse ramo do direito entre nós.” (Diniz 2010, p. 15). Esse tipo de sucessão também pode subsistir com a sucessão testamentária, no caso de o testador não abranger a totalidade de seus bens.

4.5 Sucessão a título universal

            No caso da classificação da sucessão quantos aos seus efeitos, ela será a título universal quando houver transferência total ou de parte indeterminada da herança, tanto de seu ativo como de seu passivo.

            Neste caso, haverá a instituição de um herdeiro, que se sub-rogará na posição do de cujus, como titular da totalidade ou de porção disponível dos bens, por exemplo todos os veículos de propriedade do falecido, ou todos os imóveis existentes em determinada região. O herdeiro assumirá o controle dos ativos e passará a ser responsabilizado pelos passivos.

4.6Sucessão a título singular

 

            A sucessão a título singular ocorre quando o testador transferir a um beneficiário certos objetos determinados e individualizados, por exemplo, uma joia, um veículo ou um imóvel em particular.

            Ao contrário da sucessão a título universal, neste caso haverá a instituição de um legatário, o qual não se responsabilizará pelas possíveis dívidas da herança, pois sucede in rem aliquam singularem.

            A respeito de todas essas espécies de sucessão, é importante destacar que a sucessão legítima sempre será a título universal, ou seja, sempre será transferido aos herdeiros a totalidade ou uma fração ideal dos bens do de cujus; ao passo de que a sucessão testamentária poderá ser universal, se o testador transferir ao herdeiro a totalidade ou parte ideal do patrimônio, ou singular, se o testador deixar algo individualizado a um legatário.

4.7capacidade para suceder

 

            Segundo Venosa (2007, p. 45), a capacidade para suceder “[...] é a aptidão para se tornar herdeiro ou legatário numa determinada herança.”. Este tópico será de extrema importância para se responder à pergunta feita no início deste capítulo.

            Venosa (2007) enumera três requisitos para que uma pessoa possa ser considerada herdeira: em primeiro lugar, ela deve existir, ou seja, estar viva ou já concebida no momento da morte; ela também deve possuir aptidão específica para aquela herança, além de não ser considerada indigna. Cada requisito será analisado em um tópico específico.

4.7.1 Indignidade

 

            A indignidade pode atingir tanto herdeiros como legatários e é disciplinada no capítulo V sob o título “Dos excluídos da sucessão”, que vai do artigo 1814 ao 1828 do Código Civil. Esse primeiro artigo expressa o seguinte:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade (BRASIL, 2002, não paginado).

            Em outras palavras, “[...] a lei tira a aptidão passiva do herdeiro se este houver praticado atos, contra o autor da herança, presumidos incompatíveis com os sentimentos de afeição real ou presumida.” (Venosa 2007, p. 42). Segundo parágrafo único do artigo1815, o prazo para se requerer a exclusão de herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos contados da abertura da sucessão (BRASIL, 2002).

            Um detalhe importante é que uma das características da indignidade do herdeiro é a sua pessoalidade, ou seja, seus descendentes o irão suceder mesmo após a sua exclusão, como se estivesse morto antes da abertura da sucessão.

4.7.2 Legitimação

            A aptidão para receber determinado ato jurídico denomina-se legitimação, ou seja, a pessoa deve estar legitimada a receber determinada herança. Um exemplo disso é a ordem de sucessão hereditária, explicitada no artigo 1829 do Código Civil, já transcrito acima (BRASIL, 2002).

            Dessa forma, por exemplo, se o de cujus deixou descendentes, os ascendentes automaticamente perdem a legitimidade em receber a herança de acordo com esse dispositivo.

            Outro caso de ausência de legitimação está expresso no artigo 1830 da mesma lei, que exclui a legitimidade para suceder o cônjuge sobrevivente se, no momento da abertura da sucessão, o casal estava separado judicialmente ou separado de fato há mais de dois anos. Também há o artigo 1839, que exclui a legitimidade dos herdeiros colaterais além do quarto grau, já que o dispositivo limita a sucessão legítima até aí (BRASIL, 2002).

            O Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916)trazia os filhos incestuosos e adulterinos como ilegítimos para a sucessão. Porém, com a entrada em vigor do Código de 2002, isso foi modificado, conforme já estudado no capítulo de direito de família.

4.7.3 Existência da pessoa

            Este requisito atinge diretamente a pretensão do filho concebido por inseminação artificial post mortem. Ele está regulamentado pelo artigo 1798 do Código Civil, onde está escrito: “Art. 1798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” (BRASIL, 2002, não paginado).

            Isso afeta diretamente a pretensão do filho concebido por inseminação artificial post mortem homóloga. De acordo com o Código Civil, ele somente terá direito à herança se o óvulo já fecundado houver sido colocado no útero da mulher, isto é, se a segunda fase do procedimento de inseminação artificial houver sido completada, conforme visto no capítulo anterior (BRASIL, 2002).

            Ou seja, se os óvulos fecundados forem encaminhados para a criopreservação e a mulher resolver utilizá-los para gerar um bebê, segundo esse dispositivo, essa criança não poderá ter o status de herdeira necessária.

            Apesar da lei não permitir que a criança nascida pelo método de fertilização in vitro após a morte de seu genitor seja considerada herdeira necessária, o Código Civil abre uma possibilidade, com relação à sucessão testamentária, ao estabelecer o seguinte no inciso I do artigo 1799, onde se lê:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão [...] (BRASIL, 2002, não paginado).

            Porém, para que haja essa possibilidade, a mesma lei impõe um prazo de dois anos para que a criança seja concebida. Durante esse período, os bens da herança serão confiados a um curador nomeado pelo juiz após a partilha, como explicitado no artigo 1800, caput e parágrafo 4º:

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

[...]

§ 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos (BRASIL, 2002, não paginado).

            Dessa forma, respondendo à pergunta feita no início do capítulo, mesmo a criança tendo laço genético com seu falecido pai, ela não terá direito à herança se a inseminação artificial homóloga for realizada sem o consentimento do genitor. O direito sucessório somente existirá se o homem atestar essa possibilidade em seu testamento.

4.8Conclusão acerca do posicionamento do Código Civil

 

            De acordo com o que foi visto neste capítulo, podemos chegar à conclusão de que o Código Civil brasileiro procura proteger os demais herdeiros necessários, os quais adquirem a propriedade dos bens automaticamente pelo princípio da saisine, do direito sucessório que, teoricamente, o filho concebido por inseminação artificial post mortem teria, ao estabelecer que este só possuirá o direito de entrar na partilha de bens se for expressamente citado no testamento; isto é, essa criança só poderá ser herdeira testamentária ou legatária.

            Embora a lei seja clara quanto à sucessão do filho concebido por fertilização in vitro após a morte de seu genitor perante outros herdeiros necessários, parte da doutrina contesta se essa realmente é a melhor solução para o caso.

            No último capítulo, será feita uma análise acerca dessas correntes doutrinárias, concluindo, posteriormente, se essa solução encontrada pelo Código Civil é o melhor caminho para se resolver a problemática do direito sucessório do filho concebido por inseminação artificial após a morte de seu genitor.

5.       O DIREITO SUCESSÓRIO DO FILHO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM  NO BRASIL E NO EXTERIOR

 

5.1Introdução

 

            O objetivo deste capítulo final é gerar uma conclusão sobre do posicionamento da legislação brasileira acerca do direito sucessório do filho concebido por inseminação artificial post mortem. Além de sugerir modificações na legislação atual para abranger o caso da melhor forma possível.

            Como visto nos capítulos anteriores, o Código Civil não trata de forma satisfatória o processo de inseminação artificial, procurando apenas resolver a questão da paternidade sem procurar regulamentar a problemática, sendo necessário buscar em resoluções as respostas para algumas lacunas.

            Além disso, a mesma lei garante o direito sucessório apenas se a criança nascida nessas condições for citada no testamento, excluindo-se totalmente a sua condição de herdeira legítima, apesar de o mesmo Código Civil a classificar com descendente do de cujus (BRASIL, 2002).

            Em resumo, na legislação atual, para que a criança nascida por inseminação artificial post mortem tenha direito à herança são necessários três requisitos: que a fecundação in vitroseja homóloga ou heteróloga com expresso consentimento do marido ou companheiro; que essa criança esteja prevista no testamento e que ela seja concebida no prazo máximo de dois anos contados da morte de seu pai.

     

5.2 Posicionamentos doutrinários

            Entre os doutrinadores, existem três pontos de vista diferentes. Há a corrente que concorda com a abordagem do Código Civil e duas que discordam, sendo uma que afirma que a criança não teria direito nem mesmo à sucessão testamentária e aqueles que afirmam que ela deveria ser incluída no rol de herdeiros necessários, como será visto a seguir.

5.2.1 Primeira corrente

            A primeira corrente afirma que não se aplica o direito sucessório ao filho concebido por inseminação artificial após o falecimento de seu genitor, ou seja, ele seria incapaz de suceder tanto de forma legítima quanto testamentária.

            Gama (2003, p. 1000), um dos defensores dessa corrente, explica sua posição da seguinte maneira:

No estágio atual do direito brasileiro não há como se admitir a legitimidade do acesso da viúva ou da ex-companheira (por morte do ex-companheiro) à técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, diante do princípio da igualdade de direitos entre os filhos. Contudo, se a técnica for empregada, a paternidade poderá ser estabelecida com base no fundamento biológico e no pressuposto do risco, mas não para fins sucessórios, o que pode conduzir a criança prejudicada a pleitear reparação dos danos materiais que eventualmente sofrer.

            Já com relação à inseminação artificial heteróloga, Gama (2003, p. 1000) escreve o seguinte:

Nos casos das técnicas de reprodução assistida heteróloga (unilateral), os fundamentos relacionados à paternidade-filiação e à maternidade-filiação são diferentes, porquanto apenas um dos cônjuges (ou companheiros) contribui com seu gameta, normalmente a mulher. O critério do vínculo que se estabelece entre a pessoa do casal que contribui com o seu material fecundante é o biológico, havendo origem na consanguinidade. [...]. Os pressupostos variam de acordo com a presença (ou não) do consentimento do marido (ou companheiro) no acesso da sua consorte à técnica de reprodução assistida heteróloga.

            Em suma, para o autor, como o direito brasileiro não possui regulamentação específica sobre a inseminação artificial homóloga post mortem, não deveria ser permitido à mãe fazê-la em respeito ao direito sucessório dos outros filhos, já que a criança poderia entrar com uma ação judicial pleiteando a reparação dos danos por não ter participado da partilha dos bens. Além disso, mesmo se a mãe a realizar, para evitar o conflito acima mencionado, a paternidade deveria ser considerada apenas no campo biológico, não no sucessório.

            Por outro lado, o autor afirma esse mesmo raciocínio não se aplica à inseminação artificial heteróloga, já que ela é realizada com apenas os gametas da mulher. Ou seja, a criança não deveria ser considerada filha do falecido.

            Como foi analisado no capítulo 2, onde inclusive foram relatados outros doutrinadores que também defendem essa mesma tese, a proibição da prática da inseminação artificial post mortem não possui razão de ser, já que a própria Constituição Federal autoriza a realização da adoção post mortem, além de conferir proteção à família monoparental (BRASIL, 1988).

            A questão da falta de regulamentação específica poderia ser facilmente resolvida, de acordo com Venosa (2007), com a criação de uma lei que regulamente de forma minuciosa a questão. Dessa forma, esse posicionamento parece ser incorreto.

5.2.2 Segunda corrente

            Para aqueles que defendem a segunda correte, o filho nascido de uma inseminação artificial post mortem deverá ser considerado como herdeiro necessário e, dessa forma, tem o direito de participar da sucessão legítima.

            Almeida (2003), um dos que defendem a tese, justifica sua opinião afirmando que o Código Civil tratou do tema de maneira equivocada, pois, para ele, o legislador atual apenas repetiu o que estava contido no Código Civil de 1916, quando não existia a possibilidade de inseminação artificial, no qual possibilita que alguém que esteja mortotenha um filho.

            Além disso, o doutrinador afirma que não dar à criança o seu direito à sucessão seria o equivalente a não considerar legítimo à receber a herança um filho concebido em uma relação extraconjugal. Como explicitado a seguir:

Os filhos nascidos de inseminação artificial homóloga post mortem são sucessores legítimos. Quando o legislador atual tratou do tema, apenas quis repetir o contido no Código Civil anterior, beneficiando o concepturo apenas na sucessão testamentária porque era impossível, com os conhecimentos de então, imaginar-se que um morto pudesse ter filhos. Entretanto, hoje a possibilidade existe. O legislador, ao reconhecer efeitos pessoais ao concepturo (relação de filiação), não se justifica o prurido de afastar os efeitos patrimoniais, especialmente o hereditário. Essa sistemática é reminiscência do antigo tratamento dado aos filhos, que eram diferenciados conforme a chancela que lhes era aposta no nascimento. Nem todos os ilegítimos ficavam sem direitos sucessórios. Mas aos privados desse direito também não nascia relação de filiação. Agora, quando a lei garante o vínculo, não se justifica privar o infante de legitimação para recolher a herança. Isso mais se justifica quando o testamento tem aptidão para ser herdeiro.  (ALMEIDA, 2003, p. 104).

            De fato, conceder esse direito ao filho de uma relação fora do casamento correspondeu um dos maiores avanços do Código Civil de 2002 em relação ao de 1916. Portanto, a princípio, os legisladores deveriam ter o mesmo raciocínio com relação ao filho concebido por inseminação artificial post mortem.

            Porém, os doutrinadores dessa tese esquecem de analisar as consequências de se atribuir o status de herdeiro legítimo à criança nascida nessas condições perante os outros herdeiros, os quais já adquirem a posse e a propriedade dos bens por causa do princípio da saisine. Apenas legitimar essa condição poderia representar um atentado contra o direito que essas pessoas já adquiriram.

            Dessa forma, esse pensamento somente seria válido se fossem estabelecidas certas condições para que se atribuísse a condição de herdeira legítima à criança nascida pelo método de fertilização in vitro após a morte de seu genitor, por exemplo, a inexistência de outros descendentes do de cujus.

5.2.3 Terceira corrente

            Os defensores da terceira corrente são aqueles que concordam com a posição adotada no Código Civil, ou seja, para eles o filho concebido por inseminação artificial post mortem possui direito à sucessão; porém, esse direito é válido apenas a título de herança testamentária.

            Para essa parte da doutrina, esse caráter estritamente legal dessa corrente é muito importante para dar segurança jurídica aos herdeiros, já que eles correriam o risco de perderem o seu quinhão na herança.

5.3 O direito sucessório do filho concebido por inseminação artificial post mortem na legislação estrangeira

 Após o estudo sobre os três diferentes pontos de vista existentes entre os doutrinadores no Brasil, vale fazer uma comparação com aquilo que se é discutido, acerca desse assunto, em outros países pelo mundo.

            Começando esse estudo pela França, onde não é permitida a prática da inseminação artificial homóloga post mortem. Se ela for realizada, a criança só seria considerada filha de sua mãe, ou seja, ela não teria pai e, dessa forma, não teria direito à herança do mesmo.

            Na Espanha, ao contrário do que acontece em terras brasileiras, existe regulamentação para a questão das técnicas de reprodução assistida. No caso da concepção artificial homóloga post mortem, a regra é que o material fecundado deve ser implantado no útero da mãe até a data de falecimento do marido, caso contrário a filiação não é reconhecida e a criança não terá direito à sucessão (LIMA JÚNIOR, 2013).

            No entanto, o marido pode determinar, através de escritura pública ou testamento, assim como no Brasil, que o seu material genético possa ser utilizado mesmo depois de sua morte, o que, nesse caso, garantiria os direitos sucessórios da criança.

            Na Inglaterra, assim como em terras espanholas, é permitida a realização da fecundação assistida post mortem. Porém, lá não existe nenhuma proteção aos direitos sucessórios da criança concebida por esse tipo de fecundação, a não ser que o marido o deixe garantido expressamente em testamento (LIMA JÚNIOR, 2013).

            Em Portugal existe um dispositivo jurídico que regula a reprodução humana assistida, a Lei 32/2006 que entrou em vigor em janeiro de 2007. Segundo essa norma, é vedada a utilização de material genético para inseminação post mortem, ainda que feita com prévia autorização do marido. Há, inclusive, sanções de natureza penal em caso de descumprimento:

Artigo 44.º Contra-ordenações

1 - Constitui contra-ordenação punível com coima de (euro) 10000 a (euro) 50000 no caso de pessoas singulares, sendo o máximo de (euro) 500000 no caso de pessoas colectivas;
a) A aplicação de qualquer técnica de PMA sem que, para tal, se verifiquem as condições previstas no artigo 4.º;
b) A aplicação de qualquer técnica de PMA fora dos centros autorizados;
c) A aplicação de qualquer técnica de PMA sem que, para tal, se verifiquem os requisitos previstos no artigo 6.º;
d) A aplicação de qualquer técnica de PMA sem que o consentimento de qualquer dos beneficiários conste de documento que obedeça aos requisitos previstos no artigo 14.º
2 - A negligência é punível, reduzindo-se para metade os montantes máximos previstos no número anterior (PORTUGAL, 2006, não paginado).

            Ainda sobre essa Lei portuguesa, Lima Júnior (2013, não paginado) escreve que:

[...] com o intuito de proteger os interesses da criança, não tornando incerta sua paternidade, estabelece no art. 23, que em caso de violação da norma e realização da inseminação post mortem, deverá ser atribuída a paternidade ao falecido companheiro ou cônjuge, exceto se, à data da inseminação a mulher tiver contraído novas núpcias ou se encontrar vivendo em união estável há pelo menos dois anos com homem que haja consentido o procedimento hipótese em que ele será considerado o pai.

            Já com relação à Itália, há muitas restrições com relação à aplicação de técnicas de inseminação artificial por causa da grande influência que a Igreja católica exerce naquele país.

            As leis italianas proíbem, por exemplo, a doação de sêmen e de óvulos, barrigas de aluguel e pesquisas que envolvam embriões. No caso da fecundação in vitro, as normas autorizam apenas que pessoas casadas legalmente ou que comprovem uma união estável tenham acesso a esse tipo de método para terem filhos e, mesmo assim, utilizando-se apenas de seus próprios materiais genéticos. Além disso, na Itália a lei veda o congelamento de embriões para utilização posterior, o que torna impossível a inseminação artificial post mortem.

            A situação encontrada na Itália é completamente oposta a que se pode analisar nos Estados Unidos. Este país é o único no mundo que não proíbe a venda de sêmen e óvulos humanos, que é feita livremente pela internet através de sites especializados que oferecem, segundo Lima Júnior (2013, não paginado), “[...] verdadeiros ‘cardápios’ de referências genéticas, descrevendo qualidades, etnias e até características de produção universitária e profissional.”

            Os Estados Unidos são o país mais avançado com relação à regulamentação da inseminação artificial homóloga e heteróloga, com mais de trinta estados possuindo leis próprias acerca do assunto. (LIMA JÚNIOR, 2013). 

6.      CONCLUSÃO

            Após todas as análises feitas, podemos chegar a uma conclusão final de que, em primeiro lugar, é preciso a criação de uma lei específica para regular a questão da sucessão post mortem, pois o atual Código Civil, como bem observa Almeida (2003), não estava preparado para as atuais evoluções tecnológicas.

            O resultado disso é um Código que se preocupa apenas em declarar em quais situações uma criança concebida por inseminação artificial pode ser declarada como filha legítima e, mesmo dando esse status à criança, a retira todo direito de ser declarada como herdeira legítima, o que parece ser uma contradição.

            De fato a questão não é tão simples de ser resolvida. Como foi visto, vários países adotam diferentes posturas a respeito do tema. E mesmo dentro do Brasil, existem três correntes doutrinárias distintas. Mas isso não impede um esforço de se procurar a melhor solução para o caso.

            Começando com o questionamento se a inseminação artificial post mortem pode ou não ser feita. Como foi escrito diversas vezes, ela deve ser permitida tomando-se como base o princípio constitucional do livre planejamento familiar, a proteção que a própria Carta Magna dá à família monoparental e a ausência de estudos científicos comprovando que possíveis lesões psicológicas em crianças nascidas nessas condições.

            Partindo-se da premissa que a fecundação in vitro realizada após a morte do homem pode ser realizada, cabe a análise do direito sucessório da criança nascida nessas condições.

            Não existem motivos para que o Código Civil afaste dessa criança o acesso à legítima, deixando-a apenas a parte testamentária. Porém, para que ela tenha esse direito, ela deve possuir o status de herdeira necessária. Para isso, tem que ser observados dois requisitos.

            Vale lembrar que essas condições se aplicam apenas à criança nascida pela inseminação homóloga, pois no caso da heteróloga é utilizado sêmen de um terceiro, e não seria correto afirmar que o casal teria poderes para congelar esse material genético para utilizarem quando bem entenderem.

            O primeiro requisito diz respeito à autorização expressa e por escrito do marido para que seu material genético seja extraído e manipulado. Se essa autorização não for concedida, a condição de filiação não será perdida, embora deva-se afastá-la da legítima, com a finalidade de preservar o direito adquirido pelos outros herdeiros

            O próximo requisito é a existência ou não de outros descendentes do de cujus. Se o falecido tiver outros filhos, deve-se preservar a posse por eles adquirida, através da saisine, dos bens que foram de seu pai. Nesse caso caberia à criança apenas a parte testamentária.

            Porém, caso o falecido não tiver outros descendentes, deveria ser dado a ela a parte da legítima que caberia aos ascendentes, já que um filho é mais importante do que os pais do de cujus para o direito das sucessões. Uma prova disso é a ordem estabelecida no artigo 1829 do Código Civil (BRASIL, 2002).

            Embora não seja requisito para determinar se a criança teria ou não acesso à legítima, deve ser estipulado um prazo contado a partir da morte do marido para que a mãe utilizasse esses embriões congelados, não necessariamente de dois anos como estabelece a lei, a fim de evitar um custo dispendioso por parte das clínicas de reprodução com gametas que não serão aproveitados.

            Não há motivos para se retirar o status de herdeiro necessário do filho concebido por inseminação artificial post mortem. Apenas estabelecendo certos requisitos pode-se dar esse direito a essas crianças nascidas nessas condições sem o risco de atentar contra o direito adquirido por outros possíveis herdeiros. Tudo isso poderia ser melhor regulado se no Brasil existisse uma lei específica sobre o tema como requerem alguns doutrinadores.

INHERITANCE LAW OF THE CHILD CONCEIVED BY ARTIFICIAL INSEMINATION POST MORTEM

ABSTRACT

Each year the medicine is evolving its operating methods in order to improve human well-being, and of these developments concerns the assisted reproduction method, in order to help couples who suffer from infertility problems realize their dreams of having a child. However, this method eventually bring an unexpected consequence regarding the inheritance law of the child born through this technique when it is held after the death of her husband. That's because the other heirs, through the principle of saisine already acquire the property of the deceased's estate even before that child was born. Thus, there would be a clash between the inheritance rights of this child born through artificial insemination post mortem and the other heirs of the deceased, living at the time of opening of the opening of the succession. The issue is compounded by the fact that there is in Brazil a law that specifically regulates this issue. The current Civil Code to come to make some considerations, giving the status of legitimate child to child born under these conditions. Nevertheless, the code ends up contradicting, for while recognizing that status, later on he removes the possibility of that child to have access to legitimate part of the inheritance, granting him only half of the goods that can be arranged in his will. Ie the approach taken by those rules is not well formulated. The main objective of this paper is to seek a solution to the case, through literature, analyzing the thought of scholars and legislation compared to that of other nations, which already have laws in this regard; suggesting changes in the law to better meet the problems.

Key Words: Insemination. Posthumous. Succession. Heir. Saisine.

 

REFERÊNCIAS

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ALDROVANDI, A.; FRANÇA, D. G. de. A reprodução assistida e as relações de parentesco. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3127>. Acesso em: 01 jun. 2015

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[1] Graduando do curso de Direito da Universidade federal do Maranhão

Sobre o autor
Guilherme Vieira Portela

Aluno de graduação do 10º período do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão

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