3. O MÉTODO DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
3.1. Conceito de inseminação artificial
A inseminação artificial, também conhecida como concepção artificial, fertilização artificial, semeadura artificial, fecundação ou fertilização in vitro, é uma técnica de reprodução assistida e “[...] consiste na colocação de forma artificial do sêmen do parceiro ou doador no interior do útero da mulher, com o objetivo de auxiliar os casais que não conseguem engravidar de forma natural [...]” (SILVA, 2012, não paginado), ou seja, casais que possuem problemas de infertilidade.
Infertilidade é a incapacidade de um casal de gerar um filho ou de uma mulher de levar sua gravidez até o final, isto é, até o parto. Essa incapacidade pode ser permanente ou temporária e possui vários fatores diferentes, como endometriose e a síndrome dos ovários policísticos, no caso das mulheres; e má formação, pouca mobilidade ou mesmo ausência de produção de espermatozoides no caso dos homens. A idade também é um fator que causa infertilidade.
O objetivo deste capítulo será o estudo a respeito do método da inseminação artificial, seu histórico, o procedimento para sua realização e, principalmente, a análise de como a legislação pátria, mais precisamente o Código Civil (BRASIL, 2002), cuida desse tema.
3.2. Histórico
Segundo Lima Júnior (2013), os gregos já haviam iniciado o estudo sobre embriologia desde o século V a.C., sendo que Aristóteles, no século IV a.C., foi o primeiro responsável pela elaboração de um tratado sobre o assunto.
Com a invenção do microscópio no século XVI, o avanço científico passou a ser mais expressivo e, em meados do século XVII, passou-se a se admitir a esterilidade de ambos os sexos, o que fez com que os cientistas buscassem novos métodos e técnicas como forma de combate à infertilidade.
Porém, a primeira experiência científica envolvendo inseminação artificial somente foi realizada em 1777 pelo monge italiano Lazzaro Spallanzani, que pretendia demonstrar a possibilidade de fecundação sem a necessidade da relação sexual. Utilizando o sêmen de um cachorro, o religioso o implantou em uma cadela no cio, que, sessenta e dois dias depois, deu à luz a três filhotes (LIMA JÚNIOR, 2013).
As investigações sobre a inseminação artificial humana só começaram em meados de 1790, sendo que apenas no final do século XIX os pesquisadores concluíram que a fecundação se dava pela união de um espermatozoide com um óvulo.
No ano de 1884, na Filadélfia, William Pancoast foi o primeiro a obter sucesso em inseminar uma mulher com o material genético doado por um terceiro e, a partir dos anos seguintes, com o desenvolvimento de novas técnicas de manipulação e preservação do sêmen, as inseminações tornaram-se cada vez mais frequentes.
A partir do século XX, o método de inseminação artificial passou por um grande desenvolvimento por conta de várias descobertas, como a possibilidade de descoberta do período fértil da mulher, em 1932, e a criopreservação dos espermatozoides, em 1945 (LIMA JÚNIOR, 2013).
Na década de setenta, na Inglaterra, ocorreu o nascimento do primeiro bebê concebido pela fertilização in vitro através da utilização de material genético de seus pais. No Brasil, a primeira criança concebida nessas condições nasceu em 1992.
3.3. O procedimento de inseminação
O processo de inseminação artificial é realizado em três etapas, a saber: estimulação dos ovários através de medicamentos para que estes possam ovular; seleção de espermatozoides e o processo de inseminação propriamente dito (CONCEPTION..., [200?]).
3.3.1. Primeira etapa
A inseminação artificial se inicia com a estimulação dos ovários para que estes possam ovular. Isso é feito através da ministração de medicamentos, como a Gonadotrofina sintética e o Clomifeno, que devem ser utilizados sob orientação médica por causa de seus efeitos colaterais; por exemplo, a retenção de líquidos e o câncer de ovário.
A ovulação ocorre, normalmente, sete dias após a interrupção do uso do medicamento. É importante frisar que, como a mulher foi induzida à ovulação, é muito provável que não apenas um dos ovários tenha liberado um óvulo, o que aumenta o risco de gravidez gemelar (CONCEPTION..., [200?]).
3.3.2. Segunda etapa
A segunda etapa do processo de inseminação artificial consiste na escolha dos espermatozoides para a fecundação. O marido ou parceiro fará a coleta aproximadamente de uma a uma hora e meia antes do processo de inseminação, pois este é o tempo necessário para que os espermatozoides sejam cuidadosamente escolhidos.
A coleta se dá, na maior parte das vezes, em uma sala específica do consultório. Porém, ela também pode ser feita na própria casa do marido ou parceiro, sendo que, nesse caso, é extremamente importante que o material esteja no consultório no máximo uma hora após a coleta.
O sêmen pode ser recolhido de inúmeras formas, sendo que, na grande maioria das vezes ele é coletado por meio da masturbação em um recipiente estéril fornecido pelo consultório. Se existir ejaculação retrógrada, ele é recolhido pelo médico através da urina. Se o paciente for paraplégico ou tetraplégico, a coleta é realizada por meio da eletroestimulação (CONCEPTION..., [200?]).
O preparo pode ser feito de inúmeras maneiras, mas o principal objetivo é separar o maior número de espermatozoides bons daqueles que possuem pouca mobilidade ou que estão mortos. Nessa etapa também se retiram do sêmen outras células e substâncias tóxicas que possam estar presentes.
Após o preparo, o sêmen pode ser utilizado na fase de inseminação, ou pode ser congelado para futura utilização. Isto será importante para o estudo do tema deste trabalho e será analisado com mais detalhes na seção 4.2.
3.3.3. Terceira etapa
A terceira etapa do procedimento é a fase da inseminação propriamente dita, que é realizada durante o período ovulatório da mulher para que, dessa maneira, possa ocorrer a fecundação.
Normalmente, a inseminação é realizada apenas uma vez no mês. Porém, em alguns casos, para aumentar a probabilidade de gravidez, realiza-se duas inseminações no mesmo mês, o que é chamado de inseminação dupla.
Os espermatozoides podem ser lançados em qualquer ponto do útero. Porém, as chances de gravidez aumentam se eles forem lançados mais ao fundo da cavidade uterina devido à proximidade com as trompas.
A inseminação é feita através de um cateter (um tubo longo e fino de plástico), e a paciente fica em repouso por cerca de trinta minutos, sendo liberada logo a seguir. Entre doze a quinze dias após o procedimento é realizado o teste de gravidez (CONCEPTION..., [200?]).
3.4. Tipos de inseminação segundo o código civil de 2002
Após várias críticas com relação ao seu projeto original, foi inserido, no artigo 1.597 do Código Civil de 2002, os incisos III, IV e V, que tratam a respeito da reprodução assistida, fazendo referência às técnicas homóloga e heteróloga de inseminação artificial, como exposto a seguir:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (BRASIL, 2002, não paginado).
Venosa (2007, p. 216), em seu livro, critica esse dispositivo. O autor escreve que:
Advirta-se, de plano, que o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema. Com esses dispositivos na lei passamos a ter, na realidade, mais dúvidas do que soluções, porque a problemática ficou absolutamente capenga, sem a ordenação devida, não só quanto às possibilidades de o casal optar pela fertilização assistida, como pelas consequências dessa filiação no direito hereditário. É urgente que tenhamos toda essa matéria regulada por diploma legal específico. Relegar temas tão importantes aos tribunais acarreta desnecessária instabilidade social.
De fato, a problemática abordada neste trabalho existe justamente por causa da falta de uma norma que regulamente, de forma clara, a situação do filho concebido por meio de reprodução in vitro após a morte de seu genitor com relação ao seu direito de sucessão. Quando o ordenamento jurídico não faz, gera uma profunda insegurança jurídica para com os outros herdeiros, que ficam com o direito adquirido sobre o seu quinhão ameaçado.
Agora, será analisado mais detalhadamente a inseminação artificial homóloga e a heteróloga.
3.4.1. Inseminação artificial homóloga
A inseminação artificial homóloga está expressa nos incisos III e IV do artigo supracitado (BRASIL, 2002). Monteiro (2007, p. 307) a conceitua da seguinte forma: “A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido. Neste caso, o óvulo e o sêmen pertencem à mulher e ao homem, respectivamente, pressupondo – se, in casu, o consentimento de ambos.”
Em outras palavras, a inseminação artificial homóloga é aquela em que se usa material genético do próprio casal. Ou seja, o óvulo deve ser da própria esposa e o sêmen deve ser do próprio marido, obrigatoriamente.
Tomando como base o estudo feito no capítulo anterior, pode-se afirmar que, para que a fertilização in vitro seja considerada homóloga, não há a necessidade de que o homem e a mulher sejam casados, podendo também ocorrer em casos de união estável, por exemplo. O mais importante, como comenta o autor, é que haja o consentimento de ambos sobre a extração e manipulação de seu material genético.
A atribuição de paternidade, segundo Coco (2012), é algo simples, visto que será pai o doador do sêmen por ter dado seu consentimento à época da colheita e por conta da sua identificação genética com o embrião.
O mais interessante para o estudo neste trabalho, porém, é a parte final do inciso III (BRASIL, 2002), que declara pai o doador do sêmen mesmo após este chegar ao fim de sua vida.
Para que ocorra a fecundação post mortem, é necessário, primeiramente a criopreservação dos espermatozoides. Sobre o tema, o Conselho Federal de Medicina, na resolução nº 1957/2010 estabelece que: “Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.” (CONSELHO..., 2011, não paginado).
Ou seja, para que haja a reprodução assistida post mortem é necessário que o marido ou companheiro tenha autorizado a criopreservação do sêmen. Portanto, deve haver duas autorizações do doador, uma pra que se extraia e se manipule seu material genético, e outra para congelá-lo visando alguma futura utilização.
Além disso, o Enunciado 106 do Conselho da Justiça Federal, aprovado durante a I jornada de Direito Civil, objetivando preencher algumas lacunas existentes no inciso III do artigo 1.597, expõe que essa autorização deve ser escrita e que a mulher, para que esteja autorizada a realizar o procedimento, deve estar na condição de viúva, como mostrado a seguir:
[...] para que seja presumida a paternidade do marido falecido, é obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize eu material genético após a morte(BRASIL, 2002, p. 70).
O fato de o enunciado exigir o estado de viuvez da mulher tem fundamento no fato de que, se ela contrair novas núpcias, isso pode afastar a presunção de paternidade do marido falecido, como enunciado no artigo 1.598 do Código Civil:
Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597. (BRASIL, 2002, não paginado).
Ainda com relação à inseminação artificial homóloga, a doutrina se divide em dois posicionamentos a respeito da possibilidade de sua realização do ponto de vista jurídico, como assevera Aguiar (2009, p.117):
Apesar de restar na legislação a atribuição da paternidade do inseminado ao de cujus, saber se a vontade de procriar deve ser protegida para além da morte, é tema que divide os doutrinadores em duas correntes básicas. De um lado, os que defendem essa proteção, ao argumento de ser convergente do direito da criança à existência. De outro, os que sustentam a impossibilidade dessa técnica, como forma de assegurar o direito do filho a uma estrutura familiar formada por ambos os pais.
Entre os autores que defendem a impossibilidade de realização da fertilização post mortem, o principal argumento é de que os cônjuges ou companheiros são uma única parte no contrato em que se autoriza o recolhimento e criopreservação de seu material genético; isto é, para que haja a inseminação artificial, é preciso que a vontade do homem e a da mulher sejam “[...] convergentes para a realização de um único fim.” (COCO, 2012, não paginado). Além disso, também esses doutrinadores também salientam os possíveis prejuízos psicológicos que a orfandade resultante dessa técnica poderia causar.
Exemplos de autores que defendem esse ponto de vista citados por Coco (2012) são João Vaz Rodrigues, João Álvaro Dias e Eduardo de Oliveira Leite. Há também o Enunciado nº 127 do Conselho Federal Justiça (BRASIL, 2002)que propõe a supressão do termo “mesmo que falecido o marido”, alegando que o nascimento de uma criança sem pai afrontaria o princípio da paternidade responsável e o da dignidade da pessoa humana.
Porém, esse posicionamento não parece ser o mais correto, visto que, como foi visto no capítulo anterior, a existência da família monoparental é prevista na Constituição Federal no artigo 226, §4º (BRASIL, 1988). Há também o Princípio do Planejamento Familiar, expresso no artigo 226, §7º (BRASIL, 1988), o qual, segundo Gama(2003) é decorrente do direito à liberdade previsto no artigo 5º da Carta Magna e, dessa forma, não pode ser desfeito pela lei em decorrência do falecimento do pai, por causa de sua manifestação de vontade enquanto ainda estava vivo.
Ainda a respeito desse assunto, Coco (2012, não paginado) escreve, citando a possibilidade da adoção post mortem, que “[...] se há a possibilidade de adoção póstuma no ordenamento jurídico, quando o adotante vier a falecer no curso do processo de adoção, não há razão de ser para que se proíba a inseminação artificial homóloga post mortem.”
Dessa forma, parece não haver motivos para que não se permita a prática da inseminação artificial homóloga post mortem, pois, como se necessita de expresso consentimento do marido para a sua realização, uma possível proibição seria uma afronta ao princípio da liberdade expresso no artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Também não existem pesquisas científicas comprovando uma possível lesão psicológica na criança em virtude desta ter crescido sem a presença paterna, visto que isso também pode ocorrer em casos sem relação com a fertilização in vitro.
3.4.2. Inseminação artificial heteróloga
A inseminação artificial heteróloga, por sua vez, foi conceituada por Venosa (2007, p. 220) da seguinte forma:
A inseminação heteróloga é aquela cujo sêmen é de um doador que não o marido. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido, incompatibilidade do fator rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido etc. com frequência, recorre-se aos chamados bancos de esperma, nos quais, em tese, os doadores não são e não devem ser conhecidos.
Em outras palavras, a inseminação artificial heteróloga é aquela feita utilizando-se o material genético da mulher e de um terceiro doador. O sêmen do marido não é utilizado nesse caso.
A resolução 1957/2010 do Conselho Federal de Medicina estabelece critérios para a doação de material genético. Entre elas, destaca-se que a doação não poderá ter caráter comercial ou lucrativo, além de que a clínica deverá manter um registro para evitar que o sêmen de um doador venha a ser usado em “[...] mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.” (CONSELHO..., 2011, não paginado)
A resolução também é bastante rigorosa com relação à obrigatoriedade do sigilo da identidade dos doadores e receptores de gametas, conforme expresso a seguir:
[...] 2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3. Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
(CONSELHO..., 2011, não paginado).
Para fins de estudo neste trabalho, a discussão mais importante se refere à filiação, visto que a criança terá um pai biológico diferente daquele que irá registrá-la e criá-la. Em outras palavras, se existe a possibilidade de o marido poder ou não impugnar a paternidade, excluindo a criança do rol de herdeiros.
Com relação a isso, Aldrovandi e de França (2002, não paginado) escrevem que: “[...] a inclusão do inciso V do art. 1.597. do Novo Código Civil foi extremamente importante, porque reforça o entendimento de que ao dar o consentimento, o marido assume a paternidade, não podendo, após, impugnar a filiação.”
Venosa (2007, p. 220) vai ao encontro do ponto de vista das autoras acima ao escrever o seguinte: “Se a inseminação deu-se com seu consentimento, há que se entender que não poderá impugnar a paternidade e que a assumiu. Nesse sentido se coloca o inciso V, do art. 1597, do atual Código. A lei brasileira passa a resolver expressamente essa questão.”
Dessa forma, pode-se concluir que, seguindo as orientações do inciso V do artigo 1.597 do Código Civil (BRASIL, 2002), se o marido der prévia autorização para a realização da inseminação artificial heteróloga, a criança será considerada sua filha e deverá ter seu direito à sucessão. Assim como no caso da fertilização in vitro homóloga, essa autorização deverá ser feita por escrito, seguindo normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina.
No caso da autorização não for dada, a doutrina é unânime em afirmar que o marido poderá impugnar a paternidade, como Venosa (2007, p. 220), que escreve que “[...] se a inseminação heteróloga deu sem o consentimento do marido, este pode impugnar a paternidade.”
Moreira Filho (2002) vai mais além e afirma que a mulher, ao se submeter à fertilização heteróloga sem o consentimento do marido, ela comete um ato atentatório contra o casamento, ou seja, o cônjuge poderá impugnar a paternidade da criança mesmo se já tiver feito o registro, pois foi induzido ao erro ao registrá-la.
Aldrovandi e de França (2002, não paginado), também fazem uma ressalva com relação aos casais que vivam em união estável. As autoras escrevem o seguinte:
Ainda em relação ao art. 1.597. do Novo Código Civil, é importante ressaltar que a presunção não se aplica aos filhos havidos na União Estável, visto que o referido artigo trata especificamente do casamento. Entretanto, sobre essa questão, entendemos que o consentimento também irá gerar o reconhecimento incontestável da paternidade por parte do companheiro, pois ao consentir, o companheiro reconhece a paternidade da criança, tendo plena consciência que não será seu pai biológico. Situação semelhante a que ocorre na chamada "adoção à brasileira". Ademais, tendo em vista a proteção dos interesses do menor, seria inadmissível que o companheiro pudesse rever seu consentimento, e consequentemente contestar a paternidade da criança.
Ou seja, as regras acima descritas também devem ser plicadas aos casais que vivam em união estável. Isto é, se o companheiro der anuência para que a sua mulher realize a fertilização in vitro heteróloga, a ele deverá ser imputada a paternidade da criança. Caso contrário, ele poderá impugnar a paternidade, mesmo se tiver feito o registro do recém-nascido como seu filho.
3.5. Questionamento
A partir do foi visto nesse capítulo, podemos concluir, tendo em vista os dois tipos de inseminação artificial estabelecidos pelo Código Civil de 2002 e aplicando esses conceitos ao tema deste trabalho, o que se segue:
Em primeiro lugar, observamos que a lei brasileira não contempla o tema da reprodução assistida de maneira satisfatória. Segundo Venosa (2007) o artigo 1.597 do Código Civil não regulamenta, proíbe ou autoriza a sua prática. Ela apenas constata a sua existência e tenta, de maneira precária, estabelecer critérios para atribuição da paternidade. O autor escreve que o assunto seria melhor tratado se fosse criada uma lei específica para o tema, porém apenas um título dentro do livro de Direito de Família (artigos 1511 ao 1783 do Código Civil de 2002) que tratasse somente dessa questão já se mostraria suficiente para atender a essa necessidade.
Tratando agora da inseminação artificial homóloga, a atribuição da paternidade, nesse caso, é fácil, visto que será pai quem tiver doado o sêmen. A problemática que pode ter se mostrado mais difícil de resolver evolvia questões éticas a respeito da reprodução assistida homóloga post mortem, já que a criança nasceria sem pai. Porém, isso foi resolvido aplicando-se os princípios constitucionais da liberdade e do livre planejamento familiar, além da proteção constitucional à família monoparental e do caso análogo da adoção post mortem. Dessa forma, a prática da inseminação artificial homóloga post mortem deve sim ser permitida.
A situação mais complexa se deu com a análise da reprodução assistida heteróloga, visto que ela utiliza apenas o material genético da mulher, pois o espermatozoide é oriundo de um terceiro doador. A atribuição da paternidade, nesse caso, foi feita tomando-se como base o consentimento do marido, aplicando-se também, citando Aldrovandi e de França (2002), o caso análogo da “adoção à brasileira”.
Em suma, essas conclusões vão ao encontro do que foi escrito no capítulo anterior deste trabalho. Ou seja, a criança nascida por meio da técnica de inseminação artificial post mortem, seja ela homóloga ou heteróloga, deve sim ser considerada como filha de seu pai e, dessa forma, pelo menos em tese, ter direito à sucessão de seus bens. Sendo isso também aplicável os casais que vivam em União Estável ou concubinato.
Porém, a partir das análises feitas neste capítulo pode-se introduzir uma condição essencial para que essa presunção de filiação posa ocorrer: a expressa concordância do marido. Ou seja, o homem deve consentir, obviamente antes de sua morte, que o seu material genético seja extraído, manipulado e congelado para uma possível futura utilização, no caso da reprodução assistida homóloga; ou que sua esposa ou companheira receba o material genético de outro homem para gerar uma criança, no caso da heteróloga.
Esse consentimento deve ser expresso e feito por escrito, segundo a resolução 1597/2010 do Conselho Federal de Medicina (2011). Dele também não deverá caber a retratação, tendo em vista o resguardo dos interesses do menor, segundo Aldrovandi e de França (2002).
E se o homem não demonstrar sua concordância? Nos casos de reprodução assistida heteróloga a resposta a essa pergunta é simples: a criança não será considerada sua filha e não possuirá o direito à herança. Porém, nos casos de reprodução homóloga, como o recém-nascido possui ligação genética com o falecido, cabe um estudo mais aprofundado do Direito das Sucessões, o que será feito no próximo capítulo.