O direito sucessório do filho concebido por inseminação artificial post mortem

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4. O DIREITO DAS SUCESSÕES

4.1. Introdução

Diniz (2010, p. 3) conceitua o Direito das Sucessões como sendo “[...] o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou testamento.”

A palavra “suceder” significa substituir, ou seja, ocorre quando alguém toma o lugar de outra pessoa em uma relação jurídica. Isso não ocorre apenas no caso de falecimento, quando os herdeiros e legatários tomam o lugar do falecido na propriedade dos bens (sucessão causa mortis); mas também pode derivar de um ato entre vivos, o que ocorre em um contrato de compra e venda, por exemplo, no qual o comprador assume a propriedade do bem em lugar do vendedor mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro (sucessão inter vivos) (GONÇALVES, 2009).

Porém, em se tratando apenas do ramo do Direito das Sucessões, esse vocábulo é utilizado somente para se referir a “[...] transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte” (Venosa, 2007, p. 1). Este é o sentido que será adotado neste trabalho.

No capítulo anterior, foi visto que para que seja reconhecida a filiação, tanto no caso da reprodução assistida homóloga como na heteróloga, é necessário o expresso consentimento do marido. Se isso não for feito, a criança não será reconhecida como filha e, dessa forma, não poderá suceder seu pai.

Porém, no caso da inseminação homóloga, a criança possui um laço genético com seu pai, mesmo o procedimento sendo realizado contra a vontade deste. Além disso, a Constituição Federal de 1988 garante, em seu artigo 5º, inciso XXX, o direito à herança (BRASIL, 1988).

Neste capítulo, além de se procurar resolver essa problemática, será analisada a situação hereditária dessa criança, nascida após a morte de seu pai, perante os outros herdeiros e legatários, que já possuem a posse da coisa devido ao princípio da saisine, que será estudado mais adiante, em um tópico específico.

4.2. A abertura da sucessão

A sucessão é aberta a partir da morte do titular dos bens, ou seja, quando a pessoa natural deixa de existir, como disciplina o artigo 6º do Código Civil de 2002: “Art. 6o. A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.” (BRASIL, 2002, não paginado).

Dessa forma, não se pode falar de herança de pessoa viva, já que, se o titular dos bens da herança estiver vivo, não haverá sucessão. No antigo direito romano, existia essa possibilidade pelo instituto da morte civil (ficta mors), porém isso ocorre mais no direito moderno.

Segundo Gonçalves (2009), a essa morte a que o legislador se refere é a morte natural ou real, a qual não importa a causa (velhice, assassinato, entre outros). Isto é, ocorre a morte real quando se tem certeza do falecimento da pessoa.

Além da morte natural, a lei prevê a morte presumida em seu artigo 7º (BRASIL, 2002), que, segundo Ramos (2010), ocorre em casos nos quais não foi possível encontrar o cadáver ou testemunhas que presenciaram a sua morte, mas esta é considerada extremamente provável, pois a pessoa estava correndo um grande risco de vida. Nesse caso, como não há certeza da morte, o juiz pode decretar a morte presumida se houver um conjunto de circunstâncias que o induzem a chegar nessa conclusão.

A morte presumida pode ser declarada com ou sem a decretação de ausência. Gonçalves (2009, p. 15) define o ausente da seguinte maneira: “Ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio sem dar notícia de seu paradeiro e sem deixar um representante ou procurador para administrar-lhe os bens.”

Para que a morte presumida seja decretada pelo juiz sem a declaração de ausência, ela precisa atender aos requisitos do artigo 7º do Código Civil, que assim expõe:

Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento (BRASIL, 2002, não paginado).

Na hipótese do inciso I, isso acontece, por exemplo, no caso de acidentes aéreos ocorridos em meio ao oceano, nos quais não é possível encontrar os corpos dos passageiros. Nessas situações, a morte presumida deles pode ser declarada sem a necessidade de se decretar a ausência.

Já no caso do inciso II, essa situação ocorre nos casos de soldados feitos prisioneiros em guerra declarada. É importante ressaltar que o prazo de dois anos para a declaração da morte conta a partir do término da guerra, e não de sua prisão.

Vale lembrar que, no caso do inciso I, a decretação da morte somente pode se dar após o término da busca por sobreviventes, ao contrário do inciso II, que possui um prazo determinado.

Em se tratando de morte presumida com declaração de ausência, o Código Civil trata desse assunto do artigo 22 ao artigo 39, sendo o seu procedimento dividido em três fases: a curadoria dos bens do ausente, a sucessão provisória e a sucessão definitiva (BRASIL, 2002).

Nessa primeira fase, segundo o artigo 22 do Código Civil, o juiz, em caso de desaparecimento, poderá decretar a ausência a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público. Na ocasião, será nomeado um curador, que de preferência será o cônjuge, para administrar os bens do ausente (BRASIL, 2002).

Passado um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou três se ele tiver deixado procurador ou representante, será aberta a sucessão provisória, na qual os bens serão distribuídos aos herdeiros em caráter provisório pelo prazo dez anos. Vale lembrar que, de acordo com o artigo 28 do Código Civil, a sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito depois de 180 dias de publicada pela imprensa (BRASIL, 2002).

Após esse prazo de dez anos, os interessados poderão requerer a abertura da sucessão definitiva, na qual será declarada a morte presumida do ausente e seus bens serão transferidos para a posse em caráter permanente aos herdeiros. É importante destacar que, de acordo com o artigo 39, se o ausente regressar em até dez anos contados da decretação da morte presumida, ele terá direito ao remanescente dos bens (BRASIL, 2002).

Também é importante destacar que o artigo 38 permite que seja declarada diretamente a morte presumida do ausente se este estiver com no mínimo 80 anos de idade quando for feito o pedido de decretação da ausência ou se o desaparecimento tiver ocorrido a, no mínimo, cinco anos (BRASIL, 2002).

Em todos os casos, um dos principais efeitos que a morte da pessoa produzirá, e cuja análise será importante neste trabalho, será a saisine, o qual será conceituado logo a seguir.

4.3. O princípio da saisine

O princípio da saisine está previsto no artigo 1784 do Código Civil, no qual se lê o seguinte: “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.” (BRASIL, 2002, não paginado).

Em outras palavras, a saisine - do latim saicire (apoderar-se) - significa que, a partir de aberta a sucessão, os bens são transmitidos automaticamente aos herdeiros, sem a necessidade de nenhum ato ou mesmo do conhecimento da abertura desta.

Silva (2012, não paginado) explica que esse princípio tem sua origem no direito francês da Idade Média, mais precisamente no século XIII: “[...]Nesta época, o senhor feudal institui a praxe de se cobrar pagamento dos herdeiros de seu servo morto para que fossem estes autorizados a se imitir na posse dos bens havidos pela sucessão.”

Por conta disso, foi criada a expressão “Le serf mort saisit Le vif, son hoir Le plus proche”, ou seja, o servo morto é substituído pelo vivo, seu herdeiro mais próximo; estabelecendo o imediatismo na transmissão de bens aos herdeiros e livrando o servo desta imposição senhoril.

Krynen (1984, p. 190apud SILVA, 2012, não paginado), a respeito do surgimento dessa expressão, escreve o seguinte:

[...] a expressão Le mort saisit Le vif apareceu a primeira vez em 1.259, em julgamento de imigrantes. Um ano depois, tal expressão foi ressentida nos tribunais franceses, tornando – se verdadeira regra geral no direito da França. Em 1.384, em notas de audiência do Parlamento, evidenciou – se a agregação do instituto referido no direito consuetudinário daquele país, expresso no princípio geral de que o herdeiro vivo substitui o de cujus.

Miranda (1996 apud GONÇALVES, 2009) afirma que a transmissão automática dos direitos que compõe o patrimônio da herança aos sucessores foi introduzida no direito luso-brasileiro por meio do Alvará de 9 de novembro de 1754 e, mais tarde, através do Assento de 6 de fevereiro de 1786.

A respeito da adoção desse conceito no Código Civil de 1916 e, posteriormente, no Código de 2002, Gonçalves (2009, p.21) escreve o seguinte:

O Código Civil de 1916 acolheu o aludido princípio no art. 1572, reproduzido no art. 1784. do diploma de 2002, sem, no entanto, qualquer referência do “domínio e posse”. Optou o novel legislador, como já dito, por se referir à transmissão da herança, subentendendo a noção abrangente de propriedade.

Portanto, no caso do filho nascido por inseminação artificial post mortem, quando essa criança nasce todos os outros herdeiros, através do princípio da saisine, já adquiriram, não só a posse, como também a propriedade dos bens da herança. Isso que é a principal problemática deste trabalho.

4.4. Espécies de sucessão

Diniz (2010), classifica as espécies de sucessão em dois tipos: quanto à fonte e quanto aos efeitos. Aquela ainda divide-se em sucessão legítima e sucessão testamentária, e esta em sucessão a título universal e sucessão a título singular.

4.4.1. Sucessão testamentária

A sucessão testamentária é aquela “[...] oriunda de testamento válido ou de disposição de última vontade.”. O Código Civil de 2002, no artigo 1862, o classifica em três tipos, a saber:

Art. 1.862. São testamentos ordinários:

I - o público;

II - o cerrado;

III - o particular (BRASIL, 2002, não paginado).

O testamento público, de acordo com Ramos (2006) é aquele feito por tabelião de registro de notas, o qual, segundo a lei 8935/94, tem competência exclusiva para confeccioná-lo. A denominação “público”, “[...] não significa que seja aberto ao público, mas à oficialidade de sua elaboração.” (RAMOS, 2006, não paginado). Isso garante ao testamento maior credibilidade, devido ao seu rigor formal.

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O testamento cerrado ou secreto é aquele feito pelo próprio testador ou por pessoa a seu mando, sendo que, neste caso, requer-se sua assinatura. Pode ser escrito a próprio punho ou por meio de digitação com todas as folhas numeradas e assinadas pelo testador.

Após sua confecção, deverá ser entregue ao tabelião que, na presença de suas testemunhas, lavrará o termo de aprovação com a finalidade de atestar que o documento é autêntico.

É importante destacar que “Se o testamento não foi lavrado pelo testador, mas por alguém a seu rogo, essa pessoa não pode ser incluída como beneficiária, mesmo que por meio de interposta pessoa (ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro do mesmo).” (RAMOS, 2006, não paginado).

O testamento particular ou privado se trata de um meio mais simples de testamento. Pode ser feito manuscrito ou digitado, neste caso com todas as folhas assinadas pelo testador, sem rasuras ou espaços em branco. Para ser válido é necessária sua leitura diante de, pelo menos, três testemunhas idôneas e capazes, os quais também assinarão o documento.

Por conta de sua simplicidade, ele apenas terá eficácia se, com a morte do testador, ocorrer sua publicação, com a citação de todos os herdeiros necessários, além do chamamento das testemunhas que deverão reconhecer suas assinaturas e a assinatura do testador.

Em todos os tipos de testamento listados acima, se o testador tiver herdeiros necessários, ele somente poderá dispor de metade da herança, como explícito no artigo 1789 do Código Civil (BRASIL, 2002).

São considerados herdeiros necessários, pelo artigo 1845 do Código Civil, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. A estes pertence a metade dos bens a herança que não poderá ser listada no testamento. Essa metade é denominada pela lei civil de legítima (BRASIL, 2002).

A legítima será calculada sobre o valor dos bens existentes na ocasião da morte do de cujus, descontados as despesas com o funeral e as dívidas, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.

O testador não poderá estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima, salvo motivo justificado. Além disso, não é permitido ao testador converter os bens da legítima em outros de espécie diferente.

4.4.2. Sucessão legítima ou “in intestato’’

A sucessão legítima ou in intestato ocorre nos casos em que o de cujus não fizer testamento ou nos casos de nulidade, anulação ou caducidade do testamento. Ela está disciplinada no artigo 1788 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).

Nesse caso, os bens serão distribuídos aos herdeiros seguindo à ordem de vocação hereditária, estabelecida no artigo 1829 do Código Civil, onde se lê o que se segue:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais (BRASIL, 2002, não paginado).

A sucessão legítima é a regra no direito das sucessões, devido à “[...] marcante influência do elemento familiar na formação desse ramo do direito entre nós.” (Diniz 2010, p. 15). Esse tipo de sucessão também pode subsistir com a sucessão testamentária, no caso de o testador não abranger a totalidade de seus bens.

4.5. Sucessão a título universal

No caso da classificação da sucessão quantos aos seus efeitos, ela será a título universal quando houver transferência total ou de parte indeterminada da herança, tanto de seu ativo como de seu passivo.

Neste caso, haverá a instituição de um herdeiro, que se sub-rogará na posição do de cujus, como titular da totalidade ou de porção disponível dos bens, por exemplo todos os veículos de propriedade do falecido, ou todos os imóveis existentes em determinada região. O herdeiro assumirá o controle dos ativos e passará a ser responsabilizado pelos passivos.

4.6. Sucessão a título singular

A sucessão a título singular ocorre quando o testador transferir a um beneficiário certos objetos determinados e individualizados, por exemplo, uma joia, um veículo ou um imóvel em particular.

Ao contrário da sucessão a título universal, neste caso haverá a instituição de um legatário, o qual não se responsabilizará pelas possíveis dívidas da herança, pois sucede in rem aliquam singularem.

A respeito de todas essas espécies de sucessão, é importante destacar que a sucessão legítima sempre será a título universal, ou seja, sempre será transferido aos herdeiros a totalidade ou uma fração ideal dos bens do de cujus; ao passo de que a sucessão testamentária poderá ser universal, se o testador transferir ao herdeiro a totalidade ou parte ideal do patrimônio, ou singular, se o testador deixar algo individualizado a um legatário.

4.7. Capacidade para suceder

Segundo Venosa (2007, p. 45), a capacidade para suceder “[...] é a aptidão para se tornar herdeiro ou legatário numa determinada herança.”. Este tópico será de extrema importância para se responder à pergunta feita no início deste capítulo.

Venosa (2007) enumera três requisitos para que uma pessoa possa ser considerada herdeira: em primeiro lugar, ela deve existir, ou seja, estar viva ou já concebida no momento da morte; ela também deve possuir aptidão específica para aquela herança, além de não ser considerada indigna. Cada requisito será analisado em um tópico específico.

4.7.1. Indignidade

A indignidade pode atingir tanto herdeiros como legatários e é disciplinada no capítulo V sob o título “Dos excluídos da sucessão”, que vai do artigo 1814 ao 1828 do Código Civil. Esse primeiro artigo expressa o seguinte:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade (BRASIL, 2002, não paginado).

Em outras palavras, “[...] a lei tira a aptidão passiva do herdeiro se este houver praticado atos, contra o autor da herança, presumidos incompatíveis com os sentimentos de afeição real ou presumida.” (Venosa 2007, p. 42). Segundo parágrafo único do artigo1815, o prazo para se requerer a exclusão de herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos contados da abertura da sucessão (BRASIL, 2002).

Um detalhe importante é que uma das características da indignidade do herdeiro é a sua pessoalidade, ou seja, seus descendentes o irão suceder mesmo após a sua exclusão, como se estivesse morto antes da abertura da sucessão.

4.7.2. Legitimação

A aptidão para receber determinado ato jurídico denomina-se legitimação, ou seja, a pessoa deve estar legitimada a receber determinada herança. Um exemplo disso é a ordem de sucessão hereditária, explicitada no artigo 1829 do Código Civil, já transcrito acima (BRASIL, 2002).

Dessa forma, por exemplo, se o de cujus deixou descendentes, os ascendentes automaticamente perdem a legitimidade em receber a herança de acordo com esse dispositivo.

Outro caso de ausência de legitimação está expresso no artigo 1830 da mesma lei, que exclui a legitimidade para suceder o cônjuge sobrevivente se, no momento da abertura da sucessão, o casal estava separado judicialmente ou separado de fato há mais de dois anos. Também há o artigo 1839, que exclui a legitimidade dos herdeiros colaterais além do quarto grau, já que o dispositivo limita a sucessão legítima até aí (BRASIL, 2002).

O Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916)trazia os filhos incestuosos e adulterinos como ilegítimos para a sucessão. Porém, com a entrada em vigor do Código de 2002, isso foi modificado, conforme já estudado no capítulo de direito de família.

4.7.3. Existência da pessoa

Este requisito atinge diretamente a pretensão do filho concebido por inseminação artificial post mortem. Ele está regulamentado pelo artigo 1798 do Código Civil, onde está escrito: “Art. 1798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” (BRASIL, 2002, não paginado).

Isso afeta diretamente a pretensão do filho concebido por inseminação artificial post mortem homóloga. De acordo com o Código Civil, ele somente terá direito à herança se o óvulo já fecundado houver sido colocado no útero da mulher, isto é, se a segunda fase do procedimento de inseminação artificial houver sido completada, conforme visto no capítulo anterior (BRASIL, 2002).

Ou seja, se os óvulos fecundados forem encaminhados para a criopreservação e a mulher resolver utilizá-los para gerar um bebê, segundo esse dispositivo, essa criança não poderá ter o status de herdeira necessária.

Apesar da lei não permitir que a criança nascida pelo método de fertilização in vitro após a morte de seu genitor seja considerada herdeira necessária, o Código Civil abre uma possibilidade, com relação à sucessão testamentária, ao estabelecer o seguinte no inciso I do artigo 1799, onde se lê:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão [...] (BRASIL, 2002, não paginado).

Porém, para que haja essa possibilidade, a mesma lei impõe um prazo de dois anos para que a criança seja concebida. Durante esse período, os bens da herança serão confiados a um curador nomeado pelo juiz após a partilha, como explicitado no artigo 1800, caput e parágrafo 4º:

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

[...]

§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos (BRASIL, 2002, não paginado).

Dessa forma, respondendo à pergunta feita no início do capítulo, mesmo a criança tendo laço genético com seu falecido pai, ela não terá direito à herança se a inseminação artificial homóloga for realizada sem o consentimento do genitor. O direito sucessório somente existirá se o homem atestar essa possibilidade em seu testamento.

4.8. Conclusão acerca do posicionamento do Código Civil

De acordo com o que foi visto neste capítulo, podemos chegar à conclusão de que o Código Civil brasileiro procura proteger os demais herdeiros necessários, os quais adquirem a propriedade dos bens automaticamente pelo princípio da saisine, do direito sucessório que, teoricamente, o filho concebido por inseminação artificial post mortem teria, ao estabelecer que este só possuirá o direito de entrar na partilha de bens se for expressamente citado no testamento; isto é, essa criança só poderá ser herdeira testamentária ou legatária.

Embora a lei seja clara quanto à sucessão do filho concebido por fertilização in vitro após a morte de seu genitor perante outros herdeiros necessários, parte da doutrina contesta se essa realmente é a melhor solução para o caso.

No último capítulo, será feita uma análise acerca dessas correntes doutrinárias, concluindo, posteriormente, se essa solução encontrada pelo Código Civil é o melhor caminho para se resolver a problemática do direito sucessório do filho concebido por inseminação artificial após a morte de seu genitor.

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Sobre o autor
Guilherme Vieira Portela

Aluno de graduação do 10º período do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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