Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Uber e taxistas: e a década de ações para a segurança viária?

Agenda 13/08/2015 às 17:28

Se o Estado brasileiro permitir que os taxistas “urbes”, sem o curso de especialização, transportem passageiros, o próprio Estado estará traindo seu compromisso com a década de ações para a segurança viária.

De um lado, os taxistas que usam o Uber. De outro, os taxistas que transitam sob permissão, ou credenciamento, do Estado. Ambos os motoristas devem ser habilitados, conforme Resolução do CONTRAN nº 168.

Trânsito Seguro é um dever do Estado. Este dever se consubstancia na Década de Ações para a Segurança Viária (proclamada pelas Nações Unidas, para o período de 2011 a 2020). Porquanto, Trânsito Seguro é [passou a ser] um Direito Humano e Fundamental de Segunda Dimensão. Outrossim, não cabe mais a liberdade de circulação sem deveres conjuntos, do Estado e dos usuários de vias públicas. Tendo o Estado o dever [acepção positiva] de criar mecanismos à segurança viária, isto é, proteger os usuários das vias terrestres, através de políticas públicas, educacional, fiscalizadora e repreensiva, aos atos contumazes que coloquem em perigo à segurança de todos os usuários de vias terrestres.

O que emerge das discussões sobre a legalidade, ou ilegalidade do Urbe é, somente, quanto à praticidade do mecanismo aos usuários, aos taxistas “urbes” – designarei assim, como diferenciador aos taxistas, que são licenciados pelas prefeituras –, a modernidade do dispositivo, a cortesia no atendimento aos clientes. Por sua vez, os “não urbes” reclamam da concorrência desleal, já que, nas palavras deles, pagam IPVA. Também argumentam que são obrigados a fazerem o curso especializado para condutores de veículos.

Conforme a Resolução nº 168, de 14 de dezembro de 2004 (com as alterações das Resoluções nº 169/05; nº 222/07; nº 285/08; nº 347/10, nº 360/10, nº 409/2012, 413/2012 e 420/2012), os cursos especializados são para:

a) transporte coletivo de passageiros;

b) transporte de escolares;

c) transporte de produtos perigosos;

d) emergência;

e) transporte de carga indivisível e outras, objeto de regulamentação específica pelo CONTRAN. (Anexo I, da Resolução 168, com redação dada pela Resolução nº 285/08).

O conteúdo do curso abrange (Disciplina por Carga Horária):

· Legislação de Trânsito – 10 horas;

· Direção Defensiva; Mecânica Básica – 15 horas

· Noções de Primeiros Socorros; Respeito ao Meio Ambiente; Prevenção de Incêndio – 10 horas;

· Convívio Social e Relacionamento Interpessoal – 15 horas.

Infelizmente, os taxistas “urbes” não fazem tal curso, e dizer que o curso é desnecessário, é dizer que todo o processo de habilitação também é desnecessário para se dirigir. Os elementos da direção defensiva abrangem: conhecimento; atenção; previsão; decisão; e habilidade. Não há falar em direção defensiva sem os cinco elementos, juntamente. Somente habilidade de trânsito, como muitos assim pensam, não traz segurança no trânsito terrestre. Por exemplo, sem o conhecimento da regra da direita o condutor não saberá agir corretamente. Para ele, o bastará chegar primeiro ao cruzamento não sinalizado, ou, então, e contumaz, ser possuir automotor de dimensões grandes. E a regra da direita é válido para todos os condutores sejam servidores ou não. No caso do servidor, condutor de veículo à serviço de instituição pública, a preferência de passagem, quanto à regra da direita, muda, conforme o uso, ou não, dos sinais convencionais de situação de emergência. Estes sinais são o luminoso e o sonoro, e concomitantemente [art. 29, VII, do CTB]]. Sem os devidos sinais acionados, não tem preferência de passagem, e a regra da direita prevalece [art. 29, III, do CTB].

E quanto aos sinais? Muitos condutores de automotores confundem as marcas de canalização. A de cor amarela transmite a mensagem de que a via é de mão dupla, a de cor branca, mão única. E também direcionam o fluxo. Linhas paralelas entre si e perpendiculares ao eixo da via: a velocidade deve ser reduzida. Logo, não basta apenas ter habilidade [coordenação motora] para se dirigir automotor, mas conhecimentos sobre sinalização de trânsito [ Capítulo VII, do CTB], regras e normas de circulação [Capítulo III, do CTB]. E as aulas servem, no curso especializado, alertar os condutores de transporte coletivo de passageiros, sobre fatores comportamentais perigosos à segurança da via. Além disso, as condições adversas [intempéries].

Se o Estado brasileiro permitir que os taxistas “urbes”, sem o curso de especialização, transportem passageiros, o próprio Estado estará traindo seu compromisso com a Década de Ações para a Segurança Viária. Além disso, uma traição ao clamor social que urgiu diante de um Código mais severo aos novos condutores. E o CTB fez o seu papel, pois trouxe a possibilidade de suspensão do direito de dirigir [art. 261], a cassação da habilitação [art. 263], o curso de reciclagem [art. 268]. Grande inovação a legislação de trânsito foi o cômputo de pontuação [art. 259] em cada infração de trânsito.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Se a aplicação pecuniária da penalidade [multa] não causava mais receios aos condutores de bom poder econômico. O limite de 20 (vinte) pontos na habilitação de trânsito seja à Permissão para Dirigir [PPD] ou à Carteira Nacional de Habilitação [CNH] freou os atos transgressores as normas e as regras de circulação. Contudo, infelizmente, condutores negociam os pontos com condutores que não possuem pontuações negativas [art. 259] em suas habilitações, o que destoa da filosofia do CTB: impedir os atos perigosos.

Se a aplicabilidade dos crimes de trânsito, capitulado XIX, fosse o mínimo necessário para impedir que os infratores cometessem os crimes, o Brasil não seria um dos mais violentos em matéria de trânsito terrestre. A educação [filosófica aos direitos humanos] é a sapata que ira sustentar o pilar da civilidade no convívio social do segmento trânsito terrestre. Aliás, ineficientemente tem agido os órgãos que compõem o Sistema Nacional de trânsito (SNT) quanto ao fomento à educação [campanhas etc.], quando se mensura o esforço dos próprios órgãos de trânsito de criarem mecanismos repressivos aos infratores [fiscalização eletrônica de velocidade].

Pois bem, a educação, comprovadamente em países que aplicam boa parte dos recursos públicos as instituições de ensino, não pode ser a segunda opção aos órgãos do SNT, mas o norte. E o curso de especialização alberga a filosofia da Década, a de construir uma sociedade humanizada no segmento social trânsito. E neste segmento, como não poderia de ser, as transformações serão percebidas em outros segmentos dos relacionamentos humanos. O Estado não-intervencionista, caso se permita, se descuida do compromisso firmado com a Década de Redução, que visa a Segurança no Trânsito, permitirá a ampla liberdade [acepção negativa do Estado]; o individualismo incorporado pelo sistema capitalista suplantará todo os sistema jurídico brasileiro no esforço de conter, reprimir e educar os usuários de vias terrestres ao trânsito humanizado. Reduzir os índices de vítimas fatais no trânsito é o que a sociedade brasileira quis, quando exigiu um novo Código de Trânsito. Será que está geração esqueceu, ou faz descaso, com as famílias que perderam entes queridos no trânsito caótico brasileiro?

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!