Em 19 de junho de 2015 o Procurador-Geral da República ajuizou a ADI nº 5334 com o propósito de declarar a inconstitucionalidade formal e material do art. 3º, §1º, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), bem como emprestar interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 3º, caput, da mesma lei, com o intuito de desvincular os Advogados Públicos da OAB.
Para defender a sua tese, o PGR lança como argumentos principais os seguintes pontos:
“1) a atuação do advogado privado, profissional liberal, não se confunde com a do advogado público. Essencialmente, são distintos os interesses patrocinados e os requisitos exigidos para o exercício de cada uma dessas funções;
2) advogado privado é o profissional do Direito que representa e defende os interesses de pessoas, físicas ou jurídicas, de direito privado, perante os órgãos do Poder Judiciário. Está vinculado à Ordem dos Advogados do Brasil e a ela se submete. Exerce múnus público, mas sua atividade é exercida em caráter privado. Distingue-se do advogado público, agente do Estado, sendo o caráter público de sua atividade inerente ao cargo que ocupa. O advogado público é servidor público, investido de cargo de provimento efetivo e remunerado pelo Estado.
3) a advocacia pública é desenvolvida por órgãos com competências específicas, estabelecidas em razão dos interesses envolvidos e gera funções de controle indispensáveis ao Estado Democrático de Direito.
4) o art. 134 da Constituição é claro quanto ao propósito de estabelecer a Defensoria Pública como instituição singular. O tratamento a ela dispensado livra-a de ingerência no que diz respeito ao exercício das funções que lhe são típicas.
5) Inclusão de advogados públicos no Estatuto da Ordem foi inovação da Lei 8.906/1994. Até então, os estatutos da advocacia (Decreto 20.784/1931 e Lei 4.215/1963) voltavam-se exclusivamente para a advocacia entendida como profissão liberal, autônoma. Não se cogitava de que advocacia pública – exercida por órgãos com competências e estatutos específicos –, fosse submetida ao estatuto de entidade sui generis, desvinculada da administração pública.
6) cabe à OAB, por delegação do Estado, a representação, a defesa, a seleção (mediante exame de suficiência) e a disciplina de todos os advogados privados do Brasil. Sua competência, contudo, não deve ser estendida aos advogados públicos, os quais são selecionados diretamente pelo Estado (mediante concurso de provas e títulos) e subordinados e disciplinados por estatutos próprios dos órgãos aos quais vinculados.
7) as disposições da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB) não se aplicam à Defensoria Pública e aos advogados públicos strictu sensu. A capacidade postulatória desses advogados públicos decorre de seus estatutos e das leis complementares de regência (LCs 80/1994 e 73/93), que os impedem de exercer a advocacia privada.
8) Advogado público só deve se vincular/submeter à OAB quando e se for atuar como advogado privado.
9) Advogados públicos (integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional) exercem atividade de advocacia, mas se sujeitam a regime próprio (estatuto específico), não necessitando de inscrição na OAB nem a ela se submetem.”
Conforme se verá adiante, o e. PGR parte de premissas equivocadas e chega a conclusões desacertadas. Aliás, muitas das suas teses são autorefenciais, partem de si próprias – o que revela um posicionamento interno do órgão autor da ADI e não necessariamente de uma interpretação da Constituição Federal. Inclusive, as bases dos argumentos do Parquet vão até mesmo de encontro com a jurisprudência tradicional do STF.
Pois bem, eis o teor dos dispositivos – para os quais o PGR pretende ver declarada a inconstitucionalidade e a interpretação conforme a CF:
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.
Os dispositivos constitucionais, tidos como paradigmas, para a declaração da inconstitucionalidade são os arts. 131, 132 e 134 da CF. Porém, para melhor entendimento da matéria, acresçamos também o art. 133 da CF. Observe-se:
Seção II
DA ADVOCACIA PÚBLICA
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
SEÇÃO III
DA ADVOCACIA
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
SEÇÃO IV
DA DEFENSORIA PÚBLICA
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.
§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.
§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.
Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma do art. 39, § 4º.
Antes de analisarmos a essência do conteúdo dos dispositivos constitucionais, observemos a topografia dos mesmos. No Capítulo IV referente às Funções Essenciais à Justiça (inserido dentro do Título IV – Da Organização dos Poderes), temos quatro Seções com as seguintes denominações: Do Ministério Público, Da Advocacia Pública, Da Advocacia e Da Defensoria Pública.
De início, observa-se que o conceito de Advocacia é “gênero” do qual temos algumas espécies. Segundo a própria petição inicial do PGR, até mesmo o Ministério Público se inseriria no conceito de Advocacia, juntamente com a Advocacia Pública stricto sensu e a Defensoria Pública.
Porém, a partir daqui o autor da presente ação de controle concentrado de constitucionalidade começa a se distanciar da mais correta interpretação constitucional.
Segundo o PGR, a Advocacia Pública deveria ser completamente apartada da Advocacia Privada. Assim, apenas para esta deveria existir a OAB. Trata-se, de equívoco que extrapola o verdadeiro sentido histórico da advocacia. Não pretendemos nos alongar neste ponto, então, passemos a tratar da necessária seleção daqueles que virão a ter capacidade postulatória para digna representação dos entes públicos.
A respeito do tema, obviamente ressalvadas as exceções previstas constitucionalmente (da qual é exemplo a impetração do Habeas Corpus), temos o RE 603.583 julgado pelo regime da Repercussão Geral – o qual chegou à conclusão da constitucionalidade do Exame da Ordem:
TRABALHO – OFÍCIO OU PROFISSÃO – EXERCÍCIO. Consoante disposto no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. BACHARÉIS EM DIREITO – QUALIFICAÇÃO. Alcança-se a qualificação de bacharel em Direito mediante conclusão do curso respectivo e colação de grau. ADVOGADO – EXERCÍCIO PROFISSIONAL – EXAME DE ORDEM. O Exame de Ordem, inicialmente previsto no artigo 48, inciso III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 84 da Lei nº 8.906/94, no que a atuação profissional repercute no campo de interesse de terceiros, mostra-se consentâneo com a Constituição Federal, que remete às qualificações previstas em lei. Considerações.
(RE 603583, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-102 DIVULG 24-05-2012 PUBLIC 25-05-2012 RTJ VOL-00222-01 PP-00550)
Disso extraímos que a qualificação de “advogado” apenas pode ser atingida por aqueles que lograram êxito no Exame promovido pela OAB.
Nessa linha, como pode, então, os intérpretes da Constituição quererem fazer distinção desta profissão quando apenas se acrescenta o adjetivo “público”? De fato, a Carta Magna não faz qualquer diferenciação nesse sentido.
Antes de ser “advogado público”, o ocupante deste cargo é um “advogado”. Assim, por meio de concursos de provas e títulos, a Administração Pública pretende, certamente, selecionar os melhores advogados para a promoção da defesa dos seus interesses.
Desse modo, o Advogado Público adquire esta qualificação quando ingressa do serviço público para fazer justamente aquilo que fazia enquanto advogado, porém, para um cliente certo e determinado: o ente público.
Observemos magistral ensinamento do Professor Gustavo Binenbojm:
“O Texto Maior confere um tratamento unitário à advocacia, sem distinção entre advocacias pública e privada, elevando-as igualmente à condição de função essencial à Justiça. O mesmo regime de unidade foi acolhido tanto no Estatuto da Advocacia (Lei federal nº 8.906/1994), quanto no Código de Processo Civil (Lei federal nº 5.869/1973), que disciplinam a advocacia genericamente, sem diferenciar os vínculos público e privado. Daí ser possível afirmar que o ordenamento jurídico vigente no Brasil reconhece aos advogados em geral (tanto os advogados públicos quanto os advogados privados) idêntico repertório de prerrogativas e deveres.”.
(BINENBOJM, Gustavo. Estudos de direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 543.)
Por sinal, o modo de outorga do mandato ex lege serve para proporcionar a desnecessidade de se assinar procuração para todos os casos em que o advogado público for atuar – decorrência lógica do modo como o advogado público ingressa na carreira de representante da Administração Pública. Disso não se extrai que a sua atuação seja completamente desconexa da do advogado privado. Pelo contrário, a base de atuação de ambos é a mesma, conforme visto acima.
Seguindo adiante, imperioso ressaltar que a exigência de inscrição na OAB para o exercício da Advocacia Pública não é novidade no nosso sistema jurídico, não sendo uma “inovação” da Lei nº 8.906/94. Vejamos os seguintes precedentes que trazem luz à questão:
INSCRIÇÃO EM CONCURSO PARA PROCURADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO. VALIDADE DA EXIGÊNCIA, PARA A INSCRIÇÃO, DE SER O CANDIDATO BACHAREL EM DIREITO, COM INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS ADVOGADOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(RE 71630, Relator(a): Min. OSWALDO TRIGUEIRO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/04/1971, DJ 21-05-1971 PP-02303 EMENT VOL-00836-02 PP-00619)
CONCURSO. PROCURADOR AUTARQUICO. INSCRIÇÃO NA OAB (EXIGÊNCIA). EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO INCOMPATIVEL COM A ADVOCACIA. - A ACESSIBILIDADE AOS CARGOS PUBLICOS, GARANTIDA PELO ART-97 DA CONSTITUIÇÃO, ESTA CONDICIONADA A SATISFAÇÃO DOS REQUISITOS QUE O LEGISLADOR TENHA POR PERTINENTES AO DESEMPENHO FUNCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
(RE 93227, Relator(a): Min. RAFAEL MAYER, Primeira Turma, julgado em 16/12/1980, DJ 20-02-1981 PP-01060 EMENT VOL-01200-03 PP-00817)
Deste último processo, extraia-se a seguinte passagem do voto do Relator, e. Ministro Rafael Mayer:
“Nada mais consentâneo, portanto, com a norma constitucional, a exigência que se faz no art. 3º da Lei nº 5.968, de 1973, de que somente possam inscrever-se no concurso para o serviço jurídico, no caso Procurador Autárquico/Assistente Jurídico do Serviço Público Federal, quem possua a condição de bacharel em direito, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Pois é requisito do cargo que se quer prover. Essa inscrição não é superfetação, relativamente ao grau universitário representado pelo bacharelado, posto que significa, em si e por si, uma qualificação profissional indeclinável pra o exercício das funções em concurso, tal como se vê dos arts. 67 e 71 do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 4.215/63).”
Desse modo, quanto a este ponto, percebe-se que a exigência de inscrição na OAB para o exercício da Advocacia Pública não é “novidade” da Lei nº 8.906/94. O nosso sistema jurídico a vem exigindo desde longa data.
Mais recentemente, o STJ, aplicando o Estatuto da OAB, entendeu no mesmo sentido do que já vinha decidindo o STF, ou seja, pela necessidade de inscrição na OAB para o exercício de atividade consentânea com a Advocacia Pública:
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDORA DA JUSTIÇA FEDERAL. REQUISIÇÃO PARA ASSUMIR O CARGO DE CHEFE DA PROCURADORIA FISCAL DO ESTADO DO AMAPÁ. INSCRIÇÃO DA OAB. INCOMPATIBILIDADE.
1. O preenchimento de cargos públicos comissionados passa pelo plano da discricionariedade administrativa quanto à escolha e nomeação de uma pessoa para seu exercício. Todavia, essa liberdade administrativa encontra limites estabelecidos na lei. Assim, a indicação para o exercício da advocacia pública pressupõe a habilitação na Ordem dos Advogados do Brasil, ou seja, pressupõe tenha o indicado capacidade postulatória.
2. A nomeação para cargo público atinente ao exercício da advocacia pública não obriga a Ordem dos Advogados do Brasil a inscrever uma pessoa como advogada, porquanto, para tanto, está ela jungida à observação de requisitos constantes do Estatuto da Advocacia, e, obviamente, a existência de vínculo do candidato com órgão público do Poder Judiciário constitui impedimento. Inteligência do art. 117, XVIII, da Lei n. 8.112/90 e do art. 28, IV e § 1º, da Lei n. 8.906/94.
3. Os impedimentos constantes do art. 28, IV e § 1º, da Lei n. 8.906/94 são objetivos, não cabendo ao intérprete conjecturar o afastamento dela para propiciar a inscrição como advogado de servidor público vinculado a órgão do Poder Judiciário, mesmo que afastado temporariamente.
4. Recurso especial provido.
(REsp 544.508/AP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2005, DJ 19/09/2005, p. 256)
Ademais, o fato do Advogado Público se tornar um servidor público não lhe retira a qualidade de advogado, aquele permanece nesta condição, pois esta é a sua profissão, o seu ofício.
Mutatis mutandi, um médico, um engenheiro ou um agrônomo não perdem a condição de profissionais das respectivas áreas. Por qual razão um advogado que ingressa no serviço público haveria de perdê-la? Não há motivo plausível para se defender esta tese. Aliás, o fato da OAB ser considerada pelos administrativistas como uma Autarquia sui generis não lhe retira a atribuição de selecionar os advogados e disciplinar sua atuação, bem como corrigir eventuais excessos.
É certo que a Administração Pública não perde o poder disciplinar dos seus servidores advogados públicos. Este é exercido autonomamente frente à disciplina ética da OAB.
Para ilustrar, cite-se a ADI 2652, que insere tanto os advogados públicos como os privados como pertencentes a uma mesma profissão, independentemente daqueles deverem obediência, também, a outros regimes jurídicos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDAÇÁO DADA PELA LEI 10358/2001. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Impugnação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, na parte em que ressalva "os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB" da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. Violação ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profissão. Interpretação adequada, para afastar o injustificado discrímen. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para, sem redução de texto, dar interpretação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil conforme a Constituição Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos.
(ADI 2652, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2003, DJ 14-11-2003 PP-00012 EMENT VOL-02132-13 PP-02491)
Indo além dos deveres dos advogados públicos, estes também são dotados de muitas prerrogativas inexistentes nos Estatutos dos servidores públicos ou, até mesmo, nas Leis Orgânicas da Advocacia Pública de cada ente.
O Estatuto da OAB, amparado pela CF, é o foro adequado para enumeração de tais prerrogativas – razão pela qual as leis federais, estaduais e municipais não costumam repeti-las.
Tanto isso é verdade que o art. 133 da CF (alocado na Seção referente à Advocacia, enquanto gênero) dispõe que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”. Esta lei, a qual a Constituição faz referência, por óbvio, é o Estatuto da OAB – o qual serve, e deve servir, aos advogados públicos e privados, pois compõem um único corpo de profissionais.
Seria razoável considerar que os advogados públicos não teriam os direitos compreendidos nos arts. 6º e 7º da Lei nº 8.906/94? Vejamos o que estes dispositivos afirmam categoricamente:
Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.
Art. 7º São direitos do advogado:
I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;
V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB,e, na sua falta, em prisão domiciliar; (Vide ADIN 1.127-8)
VI - ingressar livremente:
a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados;
b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares;
c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;
d) em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais;
VII - permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença;
VIII - dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada;
IX - sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido; (Vide ADIN 1.127-8) (Vide ADIN 1.105-7)
X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;
XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento;
XII - falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo;
XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;
XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;
XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;
XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias;
XVII - ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela;
XVIII - usar os símbolos privativos da profissão de advogado;
XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;
XX - retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo.
§ 1º Não se aplica o disposto nos incisos XV e XVI:
1) aos processos sob regime de segredo de justiça;
2) quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em despacho motivado, proferido de ofício, mediante representação ou a requerimento da parte interessada;
3) até o encerramento do processo, ao advogado que houver deixado de devolver os respectivos autos no prazo legal, e só o fizer depois de intimado.
§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. (Vide ADIN 1.127-8)
§ 3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo.
§ 4º O Poder Judiciário e o Poder Executivo devem instalar, em todos os juizados, fóruns, tribunais, delegacias de polícia e presídios, salas especiais permanentes para os advogados, com uso e controle assegurados à OAB. (Vide ADIN 1.127-8)
§ 5º No caso de ofensa a inscrito na OAB, no exercício da profissão ou de cargo ou função de órgão da OAB, o conselho competente deve promover o desagravo público do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorrer o infrator.
§ 6o Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. (Incluído pela Lei nº 11.767, de 2008)
§ 7o A ressalva constante do § 6o deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade. (Incluído pela Lei nº 11.767, de 2008)
§ 8o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.767, de 2008)
§ 9o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.767, de 2008)
Será que somente os advogados privados teriam tais direitos acima referidos? É isso que o e. PGR quer: retirar dos advogados públicos estas imprescindíveis prerrogativas para o bom exercício da defesa da Administração Pública? Não seria uma enorme contradição? Como pode o Advogado Público exercer o seu mister sem tais prerrogativas?
A desvinculação dos advogados públicos da OAB traria muito mais malefícios do que “benefícios” para a Administração Pública. Inimaginavelmente, não pode este ser, portanto, o intuito do PGR.
A autonomia e a independência técnica que caracterizam todos os advogados não lhes podem ser suprimidas, daí a imprescindibilidade de manter um determinado grau de prerrogativas para o seu livre exercício. E tais direitos encontram-se estampados justamente no Estatuto da OAB.
Nesse mesmo sentido são diversas Súmulas da Comissão Nacional da Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB:
Súmula 2 – A independência técnica é prerrogativa inata à advocacia, seja ela pública ou privada. A tentativa de subordinação ou ingerência do Estado na liberdade funcional e independência no livre exercício da função do advogado público constitui violação aos preceitos Constitucionais e garantias insertas no Estatuto da OAB.
Súmula 5 - Os Advogados Públicos são invioláveis no exercício da função. As remoções de ofício devem ser amparadas em requisitos objetivos e prévios, bem como garantir o devido processo legal, a ampla defesa e a motivação do ato.
Súmula 6 - Os Advogados Públicos são invioláveis no exercício da função, não sendo passíveis de responsabilização por suas opiniões técnicas, ressalvada a hipótese de dolo ou fraude.
Súmula 10 - Os Advogados Públicos têm os direitos e prerrogativas insertos no Estatuto da OAB.
Aliás, importante destacar que os regimes jurídicos individualizados de cada esfera da Administração Pública são, basicamente, concernentes a sua organização e funcionamento; pouco, ou nada, tratando a respeito do efetivo exercício da atividade de representação, consultoria e assessoramento jurídico. Dessa forma, é no Estatuto da OAB que encontramos a nossa unidade.
Face a todos estes argumentos, o Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal divulgaram nota pública com o seguinte teor:
NOTA PÚBLICA CNPGEDF – ADIN 5.334
Os PROCURADORES-GERAIS DOS ESTADOS e do DISTRITO FEDERAL subscritos, tendo tomado conhecimento do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 5.334, junto ao Supremo Tribunal Federal, pela qual o Procurador-Geral da República questiona a constitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei Federal nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o qual determina que “exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional”, vêm a público manifestar o seguinte:
1 - Os advogados públicos estaduais e do Distrito Federal foram surpreendidos pelo ajuizamento da ADIn, que questiona a constitucionalidade de dispositivo de lei vigente devidamente aprovado pelo Congresso Nacional há mais de 20 (vinte) anos;
2 - A matéria trazida na ação corrompe a identidade profissional dos Procuradores de Estado e do Distrito Federal, que têm como centro de sua atuação profissional o exercício da advocacia pública regida não apenas pelo regime próprio estadual, mas, igualmente, pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio do qual se revestem da inviolabilidade e independência próprias para a realização da importante função social que o ordenamento constitucional lhes confere: promover a orientação jurídica e a defesa do ente federado, em juízo ou fora dele;
3 - A advocacia pública estadual brasileira tem na condição de advogado, com prerrogativas, direitos e deveres próprios, garantidos pelo Estatuto da Ordem, elemento central de sua identidade funcional, sendo essa característica fundamental para a promoção da disputa jurídica legítima na melhor aplicação do direito e da justiça;
4 - Todas as funções essenciais à Justiça previstas na Constituição Federal (Ministério Público, Advocacia Pública e Privada e Defensoria Pública) tiveram salvaguardadas prerrogativas próprias e fundamentais para o exercício das respectivas missões constitucionais.
5 - A Constituição Federal de 1988, em seus arts. 132 e 133, decidiu outorgar à Advocacia Pública a mesma nomenclatura dada à Advocacia Privada, condicionando, inclusive, que o ingresso nas carreiras de Procurador dos Estados e do Distrito Federal dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases.
6 - Nesse contexto constitucional, para a Advocacia essas prerrogativas sempre foram reguladas no Estatuto da Advocacia, ao qual todos os advogados, públicos ou privados, são submetidos, constituindo-se em instrumentos fundamentais para o exercício legítimo da defesa dos seus constituintes, contratuais ou institucionais, objetivando a construção da solução jurídica mais adequada, seja no campo administrativo ou judicial;
7 - Diante do exposto, objetivando destacar a total improcedência da ADIn nº 5.334 e deixar clara a sua posição, os PROCURADORES GERAIS DOS ESTADOS e do DISTRITO FEDERAL abaixo assinados registram sua oposição aos argumentos trazidos e ao pedido formulado na referida ação direta, reiterando o seu compromisso com uma advocacia una e com uma Ordem dos Advogados do Brasil que seja a Casa de todos os advogados, sejam públicos ou privados.
Esta nota não foi a única tratando do tema. Diversas outras foram divulgadas pela OAB, pela ANAPE (Associação Nacional dos Procuradores de Estado e do Distrito Federal), bem como por diversas outras Associações de Advogados Públicos Brasil afora.
Nesse sentido, ante todo o exposto, entende-se que a ADI 5334 deve ser julgada totalmente improcedente, reconhecendo-se que a Advocacia Pública está inserida dentro do gênero “Advocacia”, estendendo-se-lhe todos os deveres, direitos e garantias inerentes à atividade que exerce e que possuem foro no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94).