- Introdução
O perfil das empresas tem mudado ao longo dos anos. Tem-se buscado traçar um perfil de empresas inovadoras que priorizam o desenvolvimento sustentável, com melhor qualidade de produtos, ampliando a oferta de bens e serviços, reduzindo preços. Contudo, com o aumento de opções, aumenta também a competição entre as empresas, que as induz à redução de custos, objetivando o lucro. Na busca da redução de custos, as empresas algumas vezes tomam medidas que ferem os princípios éticos, atingindo consumidores, trabalhadores, meio ambiente, o Estado e a comunidade.
Como se vê, a empresa está condicionado à realidade cultural do ambiente, vai muito além de estratégias de marketing, são princípios que devem ser seguidos.
Tendo como resultado desse diálogo, a busca do equilíbrio que deve reger nas relações de trabalho e capital. Buscando traçar um paralelo onde haja crescimento das empresas e que estas entendam que há como obter grandes lucros em participação com o desenvolvimento sustentável e melhores condições de trabalho e produtos. Portanto, é necessário que haja uma preocupação ética e atitudes moralmente corretas, das quais é o alicerce para uma empresa bem sucedida.
Serão estabelecidos alguns pontos básicos da função social da empresa, levando-se em conta as relações comerciais mais antigas, tendo como base os direitos humanos e sociais. Também levaremos em consideração os princípios constitucionais e a função social da empresa dentro de todo o contexto ambiental, social e moral.
2) História das relações comerciais
Para compreender a função social da empresa deve-se fazer uma breve análise da história das relações comerciais e dos direitos adquiridos pelo homem durante a história.
A evolução das relações comerciais passou por três fases fundamentais: o feudalismo; o mercantilismo; e a industrialização, que culminou no capitalismo moderno.
O feudalismo se caracterizou principalmente pela independência dos feudos. Cada senhor feudal tinha seus servos e permitia que os mesmos plantassem e usufruíssem de outros recursos da terra como forma de subsistência. Assim, a economia feudal se baseava na agricultura. As trocas de produtos e mercadorias eram comuns na economia feudal. O feudo era a base econômica deste período, pois quem tinha a terra, possuía mais poder.
A sociedade feudal era estática, ou seja, com pouca mobilidade social e hierarquizada. A nobreza feudal era composta pelos senhores feudais, cavaleiros, condes, duques, viscondes, além do Clero da Igreja Católica. Eles eram os detentores das terras e arrecadavam impostos dos camponeses, a Igreja, no caso, cobrava o dízimo.
Nesta época, o comércio e as cidades eram pequenos, tendo uma economia fraca. Com as Cruzadas, aqueles pequenos mercados expandiram-se, transformando-se em grandes feiras que vendiam produtos do mundo todo. Tal desenvolvimento comercial impulsionou o crescimento das cidades e o surgimento da classe burguesa. O dinheiro passou a ter mais valor que a terra.
A economia das cidades tinha como base a atividade das corporações de ofício, que estabeleciam o preço justo do produto final, baseado na matéria-prima e no trabalho do artesão. Com o crescimento da população das cidades e com a mudança da situação econômica da população, os preços das mercadorias começaram a ser influenciados por esses fatores; o que antes era justo, passou a ser determinado pelo mercado. O lucro passou a ser o fator principal.
Essa mudança na economia das cidades fez surgir uma nova classe: a burguesia. Como o sistema feudal estava em colapso por não ser mais sustentável, os campos passaram a esvaziar e o burgos a aumentar.
Com essas mudanças, mais a expansão marítima, surgiu o mercantilismo. Sua principal característica era a da perda do domínio da Igreja perante a população e o aumento do poder do Estado.
O sistema econômico da época baseava-se em três preceitos básicos: aquisição de prata e ouro era o que determinava se um Estado era, ou não, rico; o país buscava sua autonomia econômica; e, para tanto, o Estado incentivava o crescimento agrícola e industrial.
A exploração de novas terras, o desenvolvimento acelerado do comércio e o enriquecimento dos mercadores e banqueiros não significaram, porém, uma prosperidade generalizada. No período compreendido entre os séculos XVI e XVII era estarrecedor o número de mendigos que vagavam pelas ruas e estradas de vários países da Europa. (GUIMARÃES, 1984, p. 213)
Com o desenvolvimento da economia voltado para todo o país, foram se extiguindo as cooperativas e corporações, dando lugar à produção em grande escala e abrindo espaço para a futura industrialização.
As máquinas passaram a ter um papel fundamental na produção, e com grande investimento, ao contrário dos trabalhadores, que recebiam salários cada dia menores, com condições extremamente precárias, e ainda tinham que se adequar ao ritmo das máquinas.
A revolução industrial foi a grande explosão das máquinas na Europa do século XVIII. Nessa fase, era cada vez mais difícil ter um trabalho independente e a qualidade de vida do proletariado despencou.
Com o surgimento da teoria da mão invisível de Adam Smith e com a sua aplicação na economia européia, ficou clara a ideia do acúmulo de capital, do monopólio e da exploração do homem pelo homem, principalmente da metrópole com a colônia.
Os economistas, pretendendo "objetividade científica" da economia dentro dos moldes das ciências físicas, passaram a formular "leis econômicas" para explicar e prever os fenômenos da sociedade. Na realidade, porém, essa pretensa neutralidade e 'isenção de valores atribuída às ciências sociais serviu para mascarar sob a forma de "leis naturais" conceitos fundamentalmente ideológicos. Muitas das "leis" foram mutiladas pela economia clássica "coincidentemente" se adequavam maravilhosamente às necessidades do sistema capitalista. A "doutrina malthusiana", por exemplo, atribuiu a miséria dos trabalhadores não aos lucros excessivos, mas a uma "lei natural". A solução não estaria, portanto, nem nas restrições governamentais nem em revoluções, mas em se reprimir a procriação através do "controle natural". Para tomar mais forte essa "objetividade", a investigação científica deu prioridade aos dados quantitativos, sendo suas proposições muitas vezes expressas em complexas formulações matemáticas. Fórmulas sofisticadas para o cálculo das atividades econômicas foram desenvolvidas em profusão. Criou-se o culto da quantificação. Índices, taxas, estatísticas de probabilidade assumiram importância primordial. Tomou-se preponderante uma maneira de pensar e analisar os fatos que foi chamada por Georges de "raciocínio aritmomórfico". "É" ou "não é" seriam categorias totalmente distintas e mutuamente excludentes. Não se levava em consideração a nebulosidade do "é-não-é". Fechavam-se os olhos ao conflito e às contradições dialéticas. A não-consideração da dimensão qualitativa na análise dos empreendimentos econômicos teve graves efeitos para a sociedade global. As florestas, o subsolo, a fauna e o próprio homem, tudo enfim que representasse fonte de lucro passou a ser alvo de uma exploração sem escrúpulos. (GUIMARAES, 1984, p.214)
A atividade empresarial agora tinha, de fato, o objetivo do lucro e concentrava apenas suas atividades nos critérios econômicos.
3) Direitos Humanos e Sociais
Como explica Fábio Konder Comparato, em sua obra “A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos”, é no período axial da história que o ser humano passa a ser considerado um ser dotado e liberto de razão, foi nesse período histórico que despontou a liberdade do ser humano, que só foi proclamada muito tempo depois com a Declaração Universal de Direito Humanos: “todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”
A individualidade do ser humano é uma importante parte que o destaca dos outros seres, segundo Kant “o ser humano existe como um fim em si mesmo”, tendo como fim natural a sua própria felicidade. Completando o pensamento, filósofos como Nietzsche e Lotze vêem que a pessoa humana é, ao mesmo tempo, o legislador universal e o sujeito que se submete voluntariamente a essas normas valorativas, dando importância aos Direitos Humanos como valores fundamentais à convivência humana.
Conseguinte surge o embrião dos Direitos Humanos, a Magna Carta de 1215 na Inglaterra. A Magna Carta fez acender o sentimento de liberdade na Inglaterra, proporcionando o renascer das ideias republicanas e democráticas, vindo a estourar a Revolução Gloriosa. No final do século XVII, o sentimento de liberdade britânico dá seu fruto, o Bill of Rights e o Habeas Corpus.
No século seguinte, XVIII, a ideia de igualdade, liberdade e fraternidade com as revoluções francesa e americana já iam moldando o que viria a se tornar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, podendo ser observada pelo art. 1º da Declaração da Virgínia, de 16 de junho de 1776, pelo qual se reconheceu que “todos os homens são igualmente vocacionados ao aperfeiçoamento constante de si mesmos, pela sua própria natureza”. Logo em seguida, duas semanas após, a Declaração de Independência dos Estados Unidos determinou que os direitos inerentes à própria condição humana têm como razão de ser a “busca pela felicidade”, lembrando a ideia de Kant. Com a Revolução Francesa, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, fortalece que “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
Essas declarações são a “emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu”. Com a internacionalização desses direitos e ao final da 2ª Guerra Mundial, manifestando o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos dos trabalhadores assalariados, é promulgada, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Com a aplicação do sistema capitalista de produção na maior parte do mundo, ocorre a transformação de pessoa em coisa, como denunciou Marx apud Comparato (2010), “implicando a inversão completa da relação pessoa-coisa”.
Com o surgimento do movimento socialista no século XIX a sociedade reconheceu os direitos humanos de caráter econômico e social baseados nos princípios de solidariedade como dever jurídico.
O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. (...) verdadeiros despejos do sistema capitalista de produção. (COMPARATO, 2010, p. 66).
Sendo assim, conclui-se que os direitos humanos do trabalhador são fundamentalmente anticapitalistas.
No século XIX a classe trabalhadora percebeu a necessidade de indispensável organização e, assim, a indignação das massas bem formadas tornou possível novas afirmações. A Constituição de Weimar de 1919 trouxe diversos benefícios à humanidade. Adiante, veio a criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que aprovou diversas convenções internacionais em prol da proteção do trabalhador assalariado.
Observa-se, portanto, que os direitos humanos foram elevados como base fundamental para a harmonia da convivência humana. Por isso é importante ressaltar que o reconhecimento dos direitos humanos pela autoridade competente dá muito mais segurança às relações sociais. No Brasil, tal reconhecimento se dá pela Carta Magna, Título II, Capítulo II, que dispõe a respeito dos Direitos Sociais, e o art. 170, que dispõe sobre a ordem econômica, bem como pela CLT.
Com o surgimento dos princípios no ordenamento jurídico, as normas ganharam um ponto de partida de criação. Os princípios são utilizados como pontos de partidas que indicam a aplicação conforme as exigências do caso, ou conforme a criação de leis.
Ávila entende:
[...] princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. Os princípios não descrevem um objeto em sentido amplo (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos), mas, em vez disso, estabelecem um estado ideal de coisas que devem ser promovido. (ÁVILA, 2006, p.80)
Em vista de tal entendimento, dá-se uma grande importância aos princípios constitucionais. Um importante princípio que envolve a função social da propriedade e da empresa é o princípio da solidariedade.
Um exemplo claro do princípio da solidariedade no ordenamento jurídico é o art. 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, “o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida”. Nele se reconhece os direitos sociais a serem efetivados pela aplicação de políticas públicas destinadas àqueles que não se armam de recursos próprios para viver dignamente.
Mas não é por isso que pode se afirmar que há amparo e proteção social completos, dado que no mundo os direitos sociais encontram-se perturbados por políticas públicas implantadas pela política neoliberal, onde o homem vem explorando o próprio homem.
A função social da empresa está muito relacionada com os direitos conquistados nos séculos passados e com os princípios da função social da propriedade privada e da solidariedade, prezando pela melhoria das condições de vida do empregado e de seu habitat.
4) Função Social da Propriedade
A função social da empresa está bem relacionada com a função social da propriedade, sendo assim, é importante analisar o direito de propriedade no ordenamento jurídico.
O art. 170, II, da Constituição Federal brasileira assegura o princípio da propriedade privada, desde que se cumpra o que está exposto no inciso III, a função social dela, que está em plena relação com o art. 5º, XXIII, Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da CF.
A fundação da propriedade privada se deu no constitucionalismo moderno como um direito humano, cuja função respalda em garantir a subsistência e a liberdade individual contra as intromissões do Poder Público. Perante esse aspecto, atestou-se que ao lado do direito de propriedade havia conjuntamente um direito à propriedade.
O Código Napoleônico definiu o direito de propriedade, no âmbito privado, como o “direito de gozar e dispor de coisas de maneira mais absoluta, desde que delas não se façam uso proibido pelas leis e regulamentos” (art.436).
Por sua vez, o princípio da função social da propriedade desqualifica essa concepção civilista, trazendo o direito de propriedade com um dever de agir e não apenas como uma obrigação de não fazer.
O conceito constitucional de propriedade privada se estendeu com a evolução socioeconômica contemporânea. A proteção da liberdade individual e do direito de subsistência já não dependem, unicamente, da propriedade de bens materiais, mas abrangem outros bens de valor patrimonial, como os direitos trabalhistas e previdenciários.
Por outro lado,
o direito contemporâneo passou a reconhecer que todo proprietário tem o dever fundamental de atender à destinação social dos bens que lhe pertencem. Deixando de cumprir esse dever, o Poder Público pode expropriá-lo sem as garantias constitucionais que protegem a propriedade como direito humano. Ademais, perde o proprietário, em tal hipótese, as garantias possessórias que cercam, normalmente, o domínio. (COMPARATO. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ J, V. 1 n. 3 set./dez. 1997. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/>. Acesso em 12 de mai. 2014.)
Assim, afirmando o artigo 170, III, da Constituição Federal.
Com a formação do Estado burguês na era Moderna, a propriedade passou a ser vista como uma utilidade econômica. Nessa concepção prevalente no século XIX a propriedade simbolizou como o instituto central do Direito privado, em torno do qual circulariam todos os bens, em contraposição às pessoas.
Como analisa Fabio Konder Comparato:
a civilização burguesa estabeleceu a nítida separação entre o Estado e a sociedade civil, entre o homem privado, como indivíduo (de onde a expressão "direitos individuais", para indicar os direitos humanos da primeira geração, os quais dizem respeito a todos, independentemente de sua nacionalidade) e o cidadão, como sujeito da sociedade política. Nesse esquema dicotômico, a propriedade foi colocada inteiramente no campo do direito privado, e essa dicotomia foi o alvo preferido da crítica socialista. Marx, em particular, considerou a separação entre as esferas pública e a privada da vida social como simples discurso ideológico, pois o Estado acabava sendo também apropriado (no sentido técnico) pela classe proprietária. (COMPARATO. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ J, V. 1 n. 3 set./dez. 1997. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/>. Acesso em 12 de mai. 2014.)
Para justificar a propriedade privada, os inspiradores do constitucionalismo liberal, em especial John Locke, fundamentaram que o direito de propriedade privada era uma exigência natural de subsistência do individuo pela força de seu trabalho, representando o que há de mais próprio de uma pessoa.
Essa justificativa do século XVIII rendeu os documentos políticos do final do século, como o Bill of Rights e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que apresentavam, juntamente com a liberdade, a segurança e a propriedade como “direitos inerentes” a toda pessoa.
Sob esses fatos a propriedade passou a ser protegida constitucionalmente, como garantia institucional humana. Embora com o passar do século XX e a evolução socioeconômica atestou que a proteção da liberdade individual e do direito de subsistência envolvem outros bens de valor patrimonial, mesmo que sem um direito real.
Nesse aspecto a propriedade passou a ter um valor social, uma função social. Surgida após a edição do Código Civil de 1916, a função social da propriedade foi afirmada de fato com a Constituição Federal de 1988 que previu expressamente que a propriedade atenderá a sua função social.
A funcionalidade da propriedade é um processo longo. Por isso é que se diz que ela sempre teve uma função social. Quem mostrou isso expressamente foi Karl Renner, segundo o qual a função social da propriedade se modifica com as mudanças na relação de produção. E toda vez que isso ocorreu, houve transformação na estrutura interna do conceito de propriedade, surgindo nova concepção sobre ela, de tal sorte que, ao estabelecer que a propriedade atenderá a sua função social, mas especialmente quando o reputou princípio da ordem econômica, ou seja, como um princípio informador da constituição econômica brasileira com o fim de assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170, II e III), a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, princípio também da ordem econômica e, portanto, sujeita, só por si, ao cumprimento daquele fim. Limitações, obrigações e ônus são externos ao direito de propriedade, vinculando simplesmente a atividade do proprietário, interferindo tão-só com o exercício do direito, e se explicam pela simples atuação do poder de polícia. (SILVA, 1997, p.273)
Pelo que assinala Pedro Escribano Collado (apud SILVA, 1997) a função social “introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao mesmo”.
Observa-se, portanto, que a função social da propriedade encontra-se como instrumento de mostrar o caminho as mais diversas atividades que tenham por essência o uso da propriedade, à vista de unir tais atividades aos objetivos constitucionais.
A Constituição brasileira, especificamente em relação à propriedade rural e à propriedade do solo urbano, evidencia como sendo a adequada utilização dos bens, em benefício da coletividade. O art. 182, § 2º dispõe que a “propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor”. Comparato analisa que “sendo que uma lei específica poderá exigir do proprietário de terreno não-edificado, subutilizado ou não-utilizado, incluído em área abrangida pelo plano diretor, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de aplicação sucessiva de três sanções (§ 4º)”. No art. 186 da CF, dispõe-se que a “função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
Como respalda Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas:
Essa doutrina da "função social da propriedade" não tem outro fim senão o de dar sentido mais amplo ao conceito econômico de propriedade, encarando-a como uma riqueza que se destina à produção de bens que satisfaçam as necessidades sociais. (CHAGAS, A Doutrina da Função Social da Propriedade. Artigos Jurídicos. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/>. Acesso em 13 de maio. 2014.)
Pode-se interpretar que a função social da propriedade está muito ligada a função social da empresa, já que esta possui uma propriedade. É claro que não é toda empresa que possui uma propriedade de grande extensão territorial, mas as que possuem têm a sua função social extremamente ligada à sua propriedade.
5) Função social da empresa
Se fosse para definir o que é a função social da empresa poderia dizer que é o fundamento de fornecer a sociedade bens e serviços que possam satisfazer as suas necessidades. Mas o conceito é mais amplo.
Segundo Rosenvald e Cristiano Farias (2004) a expressão função social tem origem no termo latim functio, “cujo o significado é o de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade”. Na visão do Direito Empresarial a função social da empresa é basicamente o que foi definido no parágrafo anterior, com o papel da empresa sendo relacionado com a satisfação da demanda humana de bens e serviços da sociedade. A partir dessa visão pode-se concluir que a empresa é uma figura muito importante no meio social para a efetivação de direitos e garantias fundamentais implementados pelos Estados de direito.
De acordo com Zanoti:
Quando a empresa cumpre, em termos sociais, apenas o que está previsto no direito positivado, em seus estritos limites, ela tem uma visão eminentemente legalista, a que se atribui o nome de função social, ao passo que a efetiva responsabilidade social se inicia justamente a partir desse marco. Ou seja, uma empresa pode ser considerada socialmente responsável quando, além de cumprir rigorosamente todas as obrigações legais junto aos seus stakeholders, proporcionar um plus, um adicional, e oferecer uma cesta variada de benefícios sociais para esse mesmo público, que ultrapassa as fronteiras do direito positivado. (ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. A Função Social Da Empresa Como Forma De Valorização Da Dignidade Da Pessoa Humana. 2006. Disponível em: <http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/e8922b8638926d9e888105b1db9a3c3c.pdf >. Acesso em: 19/05/2014)
Interpretando a visão de Zanoti, dá a entender que a empresa cumpre sua função social quando se limita a atender as exigências da lei, em beneficio de seu publico alvo. Mas como o próprio autor destaca,
somente será considerada uma empresa socialmente responsável se, além de cumprir plenamente a sua função social, proporcionar, por mera liberalidade, porém, sem imposição coercitiva, e de forma regular, perene, uma gama de benefícios sociais para a sociedade, com o intuito de se promover a valorização da dignidade da pessoa humana, comprometendo-se, inclusive, com a eficácia da aplicação desses recursos financeiros e/ou materiais, bem como com os resultados sociais que se pretende atingir. (ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. A Função Social Da Empresa Como Forma De Valorização Da Dignidade Da Pessoa Humana. 2006. Disponível em: <http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/e8922b8638926d9e888105b1db9a3c3c.pdf >. Acesso em: 19/05/2014)
Dessa forma, observa-se que o principio da dignidade humana e o da solidariedade está profundamente ligado à função social da empresa.
Como já abordado sobre o princípio da propriedade, é importante que a empresa seja socialmente responsável como forma de atender a esse princípio constitucional, já que o usufruir da propriedade de forma não pode ser desproporcional de maneira que prejudique a sociedade, pois é necessário um equilíbrio entre a sociedade e a atividade empresarial.
Chemeris (2002) explica bem que “a propriedade e a sua função social estão colocadas lado a lado como garantias constitucionais e como princípios gerais da ordem econômica e financeira.”
Com a perspectiva atual, a empresa vem se preocupando cada vez mais com suas funções e responsabilidades sociais, passando a se importar mais com o meio ambiente, prezando pelo desenvolvimento sustentável e o interesse coletivo. Com as transformações do sistema jurídico do Estado a complexidade da empresa ampliou, fazendo com que o papel da empresa se tornasse mais relevante. Maria Christina de
Almeida (2003), citando Waldírio Bulgarelli, entende que “A função social da empresa deve ser entendida como o respeito aos direitos e interesses dos que se situam em torno da empresa”
O artigo 170 da CF assegura que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social seguindo os princípios da soberania, da propriedade privada, da função da propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades sociais e da busca do pleno emprego. Isso mostra que a virtude da justiça é a constante preocupação com o outro.
Assim cabe a empresa aplicar esses princípios, o que não significa que ela renunciará ao seu principal objetivo que é o lucro. A empresa é uma importante instituição que com o Direito serve como meio de integração da sociedade, se preocupando com o bem estar social e com a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Como conclui Luciane Wambier,
por meio de nova interpretação do princípio da função social da empresa, juntamente com o princípio da solidariedade, as empresas tornam-se tão responsáveis quanto o Estado no que se refere a assegurar os direitos individuais e sociais, colaborando para a melhora no aspecto econômico da sociedade na qual está inserida. As razões para adotar uma abordagem múltipla do desenvolvimento tornam-se cada vez mais visíveis. (WAMBIER. Função Social da Empresa e o Princípio da Solidariedade: instrumentos de cristalização dos valores sociais na estrutura jurídico–trabalhista. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 42, 2013. Disponível em: <portal.trt15.jus.br/documents/124965/1402934/Rev.42_art.9/8e98c931-a6ee-477c-8464-5f1507fbd86e>. Acesso em: 20/05/2014)
Mostrando que a função social da empresa está totalmente ligada com os princípios constitucionais e o contexto social.
6) Relação entre princípios e a função social da empresa
Como demonstrado a função social da empresa é atender a sociedade e suas demandas. Para que a empresa garanta isso ela deve estar de acordo com alguns princípios norteadores como o Princípio da Dignidade Humana, da Boa-Fé e da Livre Concorrência.
6.1) Função Social da empresa com os consumidores
Só a partir do século XX ficou clara a vulnerabilidade dos consumidores e assim para assegurar seus direitos, foi promulgada a Lei n. 8.078, de 11/09/90, sendo conhecida como Código de Defesa do Consumidor.
Sendo observada a falta de comunicação entre consumidor e fornecedor, posto que as informações dos produtos colocadas pelo o último eram escassas, era imprescindível que o Estado interviesse nessas relações auxiliando o consumidor para manter o equilíbrio existente entre ambos. Assim, a Constituição Federal estabeleceu a defesa do consumidor como um dos princípios assecuratórios da dignidade da pessoa humana.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece um rigor e facilita o acesso à justiça para os consumidores, impõe respeito para as práticas de cobranças, entre outros. Entretanto há empresas que visam apenas os lucros, pouco lhes importando a satisfação do consumidor, as conseqüências com o meio ambiente, má qualidade de vida para os empregados, sonegação de impostos e bens de qualidade de característica duvidosa. São empresários que não seguem a função social da empresa, materialistas, que visam apenas o lucro imediato sem se importar com as conseqüências e sem assegurar a e valorização do trabalho humano e a existência digna. Porém, existe a empresas que diferentemente destas, centram suas atenções nas leis, criam códigos de ética e reúnem planos de conhecimento acerca da importância de respeitar os princípios gerais da atividade econômica.
A função social da empresa acontece quando esta segue as regras ambientais, os direitos do consumidor e dos trabalhadores e não pratica concorrência desleal. O Direito pressupõe a função social da empresa e a toma como um bem jurídico, gerando riquezas, empregos e tributos. Porém, a função social da empresa não tem conteúdo normativo, ou seja, não é de obediência obrigatória do empresário.
6.2) Função social da empresa com o meio ambiente
A preservação do meio ambiente envolve muitos custos adicionais, que colide com os interesses primordiais das empresas, que a priori visam os lucros. Caberá ao Estado a função de exigir das empresas que todo o processo econômico-social seja feito mediante um processo de planejamento de desenvolvimento sustentável, como forma de reduzir os impactos gerados pelo crescimento econômico e como conseqüência, impactos contra o meio ambiente.
Oliveira (1993) sugere que o princípio do poluidor-pagador pode realizar-se “tanto através do licenciamento administrativo, da imposição de multas, da determinação de limpeza ou recuperação ambiental, como através da cobrança de tributos, enquanto fonte de recursos para custeio da proteção ambiental.” Porém, essa expressão pode ser mal interpretada por alguns empresários, que entenderiam que possuem o direito de poluir o meio ambiente deste que paguem o que de fato deve ocorrer é punir o empresário que polua o meio ambiente.
Lembrando que a defesa do meio ambiente é um dos princípios de ordem econômica, previsto no Artigo 170 da Carta Magna, já que o meio ambiente é considerado um bem de uso comum do povo. E deve ser um trabalho coletivo, de empresas, consumidores, instituições de pesquisa e principalmente o Estado, juntando esforços para o bem-estar coletivo desta e de futuras gerações.
6.3) Função social da empresa perante a comunidade
Os produtos que tendem a ganhar os consumidores, são os que respeitam o meio ambiente, com preço acessível e boa qualidade, com respeito a dignidade da pessoa humana dos empregados, com assistência técnico dos produtos para seus consumidores, gerando não apenas lucro para a empresa, mas satisfação para seus clientes e empregos para a comunidade, sendo observada a preservação e os impactos assim gerados.
É natural, portanto, que no sistema capitalista em que vivemos, as empresas visem o máximo de lucro que conseguirem, porém deve ser agregado valor ético a esse processo, que pode ser realizado através da prática da função social perante a comunidade. Observando o princípio de que quem tem poder, tem responsabilidade na mesma proporção, as corporações não podem se esquecer de que são responsáveis também pela qualidade de vida em ação conjunta com o Estado. Em regra, toda empresa é ética, pois parte do pressuposto de que seguem os princípios morais e a regras. Desta maneira, é inaceitável que uma empresa hoje em dia, não tenha uma filosofia baseada no desenvolvimento sustentável.
Entretanto, há alguns argumentos de que a responsabilidade social é apenas do Estado e que as empresas já cumprem sua função social recolhendo tributos, pagando salários e gerando empregos.
Basagoiti (1999) diz que "a primeira função social da empresa‚ é ser útil". Quando a empresa está dando serviço e está produzindo valor econômico, está justificando a sua própria permanência, o seu próprio desenvolvimento e sua dignidade integral dentro da sociedade.
Ou seja, para ele a função mais importante da empresa, é gerar utilidade para as pessoas, gerando empregos e tributos para o Estado. Antes da empresa, existe o trabalho e este deve ser priorizado, da maneira que ele tivesse o melhor resultado possível, mediante menor consumo de matéria-prima, com o menor custo final e menor força física empregada. O trabalho deve priorizar também a satisfação do empregado e de sua família, assim como seus consumidores.
6.4) Função social da empresa e a propriedade privada
No inciso II, do Art. 170 garante ao proprietário a posse da propriedade privada, desde que este cumpra com suas funções sociais, entretanto, esses preceitos são relativizados, pois sua legitimidade é apenas reconhecida se ela cumprir sua função social, em conformidade com a justiça social e a dignidade da pessoa humana. Esta tem como função garantir os ditames que se destinam a manutenção da vida humana, ou seja, satisfação das satisfações primárias da pessoa.
6.5) Função social da empresa e a livre concorrência
Este princípio é complementar ao da livre iniciativa, assegura que todos possuem direito de conseguir clientela em posição de igualdade. Sem vantagens individuais. Com essa garantia, o consumidor está sendo protegido e o trabalho sendo valorizado, porém esta é relativa.
Não há intervenção do Estado no domínio econômico ou formação de blocos empresariais que visem à anulação de competição justa entre as empresas.
7) Considerações finais
Ao longo dos anos a atividade empresarial passou por diversas mudanças em sua estrutura e em seus objetivos. Antigamente o objetivo da empresa era o lucro não se importando com os princípios éticos e passando por cima das condições básicas de trabalho, desrespeitando o importante princípio da dignidade humana e deixando de lado o meio ambiente.
Atualmente a empresa é uma figura de coesão na sociedade, tendo uma função social. Como dita Locke a função social da empresa refere-se as “ações que sejam do interesse direto das empresas e direcionadas para transformações sociais, políticas e econômicas que afetem sua capacidade de ser uma unidade produtiva eficiente”.
Portanto, a função social empresarial é uma prática que leva o empresário a se comprometer com normas que irão beneficiar a sociedade e também buscar meios de definição de metas que compensem os impactos causados pelas efetivas mudanças sociais e econômicas implicadas pelo capitalismo.
Com base no expressado, é indispensável que a empresa cumpra seu papel social para que possa, atingindo seu objetivo, manter uma boa imagem para com a sociedade.
8) Referências
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