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Assistente de acusação não depende do Ministério Público para recorrer no Processo Penal

Agenda 29/09/2015 às 13:38

O autor analisa a amplitude da legitimidade recursal do assistente de acusação no Processo Penal brasileiro, a investigar se o assistente pode recorrer nas hipóteses em que o Ministério não tiver interposto recurso ou tenha pedido a absolvição do réu.

No Processo Penal brasileiro, a Constituição de 1988 cuidou de estabelecer algumas regras básicas. Entre elas, encontra-se aquela que prevê que o Ministério Público tem, como função institucional, promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (CF, art. 129, I).

Por força dessa norma constitucional é que se afirma que, de ordinário, o Ministério Público é o titular da ação penal. Mas essa não é uma regra de caráter absoluto. Prova disso é que a própria Constituição tratou de excepcioná-la no art. 5º, LIX, que conta com a redação seguinte:

Art. 5º omissis

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;    

A exceção prevista no inc. LIX do art. 5º da Constituição demonstra a disposição do sistema jurídico pátrio em admitir, excepcionalmente, ao lado do titular da ação penal, a atuação do particular (ofendido) dentro do processo criminal.

Sendo assim, existem três hipóteses nas quais o ofendido atuará diretamente dentro do Processo Penal brasileiro:

1)      Ação penal de iniciativa privada (ou ação penal privada);

É a hipótese na qual o ofendido (vítima) atua como titular da ação penal. A ação é pública, mas sua iniciativa, por escolha legislativa, é atribuída ao particular em determinados casos. Por exemplo: nos crimes contra a honra, em regra, a ação penal é de iniciativa privada (CP. art. 145).    

A ação penal de iniciativa privada é denominada de queixa-crime. Sua previsão legal encontra-se nas normas seguintes:

CP

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

(...)

§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.   

§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.  

CPP

Art. 30.  Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

       Art. 31.  No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

2)     Ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública (ou ação penal privada subsidiária da pública);

É a hipótese na qual o sistema jurídico permite o ajuizamento, pelo ofendido, de ação de iniciativa privada em crimes de ação pública, caso o titular da ação penal venha a quedar-se inerte, isto é, caso o Ministério Público não ajuíze a ação penal pública no prazo legal.  

Essa possibilidade de atuação no processo criminal é atribuída ao particular pelos seguintes dispositivos legais e constitucionais:

CF

Art. 5º omissis

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;    

CP

Art. 100

§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

CPP

Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

3)     Assistente de acusação (ou assistente do Ministério Público).

É a hipótese na qual o ofendido intervêm no processo criminal com o propósito de assistir o Ministério Público na ação penal ajuizada pelo órgão.

A possibilidade de que o particular venha a habilitar-se no processo como assistente de acusação encontra-se prevista no art. 268 do CPP:

Art. 268.  Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.

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Ressalte-se que as hipóteses de admissão do assistente de acusação (ofendido, representante legal ou, na falta, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão), previstas no art. 268 do CPP, correspondem a um rol taxativo (numerus clausus), consoante já decidiu o STJ (grifo meu):

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURADORA RESPONSÁVEL PELO PAGAMENTO DE DPVAT. INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ROL TAXATIVO DO ART. 268 DO CPP. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A teor do art. 268 do CPP, a legitimidade para figurar como assistente de acusação é restrita ao ofendido, ao seu representante legal ou, na falta, ao seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

2. Não tem legitimidade para figurar como assistente de acusação, em ação penal pública deflagrada para apurar falsificação de documento particular e apropriação indébita, seguradora responsável pelo pagamento de DPVAT, quando não for sujeito passivo dos crimes narrados e não tiver comprovado, mediante prova inequívoca, a ocorrência de prejuízo, ainda que de forma reflexa, aos seus cofres.

3. Não houve fraude para induzir a seguradora a pagar o DPVAT, o seguro era devido em decorrência de sinistro e não há possibilidade de a ora recorrente ser demandada para pagá-lo em duplicidade, pois depositou o numerário em juízo cível e o alvará foi levantado por advogado legalmente constituído, com poderes para receber e dar quitação em nome da segurada.

4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

(STJ, Sexta Turma, RMS 41.052/PA, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 23/06/2015, p. DJe 03/08/2015).    

Após a ouvida do Ministério Público (CPP, art. 272), o juiz decidirá sobre a admissão do assistente, que poderá ser admitido nos autos enquanto a sentença não transitar em julgado e receberá a causa no estado em que se achar (CPP, art. 269).

Uma vez declarado habilitado, o ofendido, devidamente representado por advogado, e já na condição de assistente, estará autorizado a praticar os atos processuais discriminados no art. 270 do CPP:

Art. 271.  Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598.

§ 1º  O juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá acerca da realização das provas propostas pelo assistente.

§ 2º  O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente, quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do julgamento, sem motivo de força maior devidamente comprovado.

Novamente, o STJ entende que o rol de poderes processuais do art. 271 do CPP é taxativo, conforme o acórdão lavrado no REsp 604.379/SP (grifo meu):

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. CORREIÇÃO PARCIAL. ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO. ILEGITIMIDADE. RECURSO PROVIDO.

I. O rol do art. 271 do CPP é taxativo, de forma que o assistente da acusação exerce os poderes estritamente dentro dos limites conferidos por este dispositivo legal.

II. Os poderes para interpor e arrazoar os recursos restringem-se aos previstos nos dispositivos legais referidos na Lei Adjetiva Penal, quais sejam, recurso em sentido estrito e recurso de apelação, de maneira que a correição parcial encontra-se fora de suas atribuições legais.

III. Ilegitimidade do assistente da acusação para interposição de correição parcial.

IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.

(STJ, Quinta Turma, REsp 604.379/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 02/02/2006, p. DJ 06/03/2006).    

Interpretando os poderes processuais do assistente de acusação dentro do Processo Penal brasileiro, sobretudo no que diz respeito à recorribilidade das decisões, o STF, desde 1963, conta com o enunciado nº 210 na sua súmula de jurisprudência não vinculante:

STF, súmula 210

O assistente do ministério público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do código de processo penal.

Pois foi justamente com base na tese jurídica (ratio decidendi) desse enunciado que o STF veio a reconhecer que, quando o titular da ação penal não recorre da decisão que absolve o réu, ou mesmo quando o Ministério Público pede a absolvição do acusado, a legitimidade do assistente de acusação não é anulada ou prejudicada. Logo, ele está perfeitamente legitimado a recorrer da sentença absolutória.

Eis o acórdão:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO PARA RECORRER DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IRRELEVÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. A assistente de acusação tem legitimidade para recorrer da decisão que absolve o réu nos casos em que o Ministério Público não interpõe recurso. 2. Aplicação da Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal: "O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do Código de Processo Penal". 3. A manifestação do promotor de justiça, em alegações finais, pela absolvição da Paciente e, em seu parecer, pelo não conhecimento do recurso não altera nem anula o direito da assistente de acusação recorrer da sentença absolutória. 4. Ordem denegada.

(STF, Tribunal Pleno, HC 102.085/RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 10/06/2010, p. DJe 26/08/2010).    

Em julgado posterior, o STF repisou seu entendimento que reconhece a legitimidade do assistente de acusação para recorrer quando o Ministério Público não interpuser o recurso cabível (grifo meu):

Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal. Crime de lesão corporal (art. 129, § 2º, incisos III e IV, do Código Penal). Condenação. Recurso de apelação agitado pelo assistente de acusação. Legitimidade. Enunciado da Súmula nº 210 desta Corte. Precedentes.1. O julgado impugnado está em perfeita harmonia com a jurisprudência desta Suprema Corte, que assentou a legitimidade do assistente de acusação para recorrer da sentença caso o Ministério Público se quede inerte (HC nº 100.243/BA, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 25/10/10). 2. Recurso não provido.

(STF, Primeira Turma, HC 107.714/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 10/05/2011, p. DJe 29/07/2011).    

A posição do STF, como não poderia deixar de ser, influenciou a jurisprudência do STJ, que passou a admitir que o assistente de acusação pode recorrer da decisão do júri popular mesmo que o Ministério Público tenha se manifestado pela absolvição do réu.

Trago um acórdão recente para o leitor, que confirma a minha afirmação (grifo meu):

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO EM PLENÁRIO. CONFIRMAÇÃO PELO JÚRI. APELAÇÃO. INTERPOSIÇÃO PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. LEGITIMIDADE. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. SUBMISSÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO. ADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O assistente de acusação possui legitimidade para interpor recurso de apelação, em caráter supletivo, nos termos do art. 598 do CPP, ainda que o Ministério Público tenha requerido a absolvição do réu em plenário. 2. O Código de Processo Penal, em seu art. 593, §3º, garante ao Tribunal de Apelação o exame, por única vez, de conformidade mínima da decisão dos jurados com a prova dos autos. Não configura desrespeito ou afronta à soberania dos veredictos o acórdão que, apreciando recurso de apelação, concluiu pela completa dissociação do resultado do julgamento pelo Júri com o conjunto probatório produzido durante a instrução processual, de maneira fundamentada. Precedentes do STJ e do STF. 3. Para a revisão do critério de valoração das provas adotado pelo Tribunal a quo, necessária seria a incursão aprofundada no material cognitivo produzido perante o juízo de primeira instância, o que se mostra incabível na via recursal. 4. Recurso improvido

(STJ, Quinta Turma, HC 157.630/SP, Rel. Min. Néfi Cordeiro, j. 28/04/2015, p. DJe 24/06/2015).   

Em conclusão, temos que, segundo a jurisprudência do STF e do STJ, a legitimidade para recorrer do assistente de acusação é ampla, afigurando-se legítima a interposição de recurso de sua autoria nas seguintes hipóteses:

1)      Ministério Público não interpôs recurso da sentença;

2)      Ministério Público pediu absolvição do réu no curso do rito ordinário;

3)      Ministério Público pediu absolvição do réu no rito do tribunal do júri.

Portanto, no Processo Penal brasileiro, o assistente de acusação está legitimado a recorrer quando o Ministério Público não tiver interposto recurso ou tenha pedido a absolvição do réu.

Sobre o autor
Rafael Theodor Teodoro

Graduado em Direito pela UFPA. Especialista em Direito Constitucional, Direito Tributário e Ciências Penais pela Universidade Uniderp/Anhanguera. Ex-Advogado. Ex-Analista Judiciário. Atualmente atua como Analista/Assessor de Promotor de Justiça, função que exerce após aprovação em concurso público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEODORO, Rafael Theodor. Assistente de acusação não depende do Ministério Público para recorrer no Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4472, 29 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42347. Acesso em: 26 dez. 2024.

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