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Um retrato das unidades prisionais do Distrito Federal

Agenda 07/09/2015 às 12:43

As unidades prisionais do DF foram inspecionadas pela Comissão Criminal da OAB/DF em 2015. A superlotação, a falta de estrutura e a insuficiência de agentes penitenciários comprovam que o caos generalizado no sistema carcerário do DF é iminente.

As unidades prisionais do Distrito Federal – CDP (Centro de Detenção Provisória), PDF I e II (Penitenciárias I e II do Distrito Federal), CIR (Centro de Internamento e Reeducação), CPP (Centro de Progressão Penitenciária), PFDF (Penitenciária Feminina do Distrito Federal) e ATP (Ala de Tratamento Psiquiátrico) foram inspecionadas pela Comissão de Ciências Criminais e Segurança Pública da OAB/DF entre os meses de maio e agosto de 2015. As vistorias têm o objetivo de subsidiar o relatório anual sobre a situação carcerária no DF no que tange aos aspectos físicos das instalações, das condições de higiene, de saúde/alimentação, de assistência jurídica, de trabalho dos servidores, dentre outros. Após a compilação dos dados, o relatório será encaminhado às autoridades competentes para que sejam adotadas as medidas necessárias para minimizar as consequências de décadas de descaso com o sistema prisional brasiliense.

 As informações preliminares confirmam que o problema da superlotação carcerária agrava-se diuturnamente, sendo considerada a causa primária das demais mazelas. Não há estrutura física para custodiar todos os presos. Na capital da República, o CDP – porta de entrada dos presos provisórios (homens) e presídio de entrada/classificação para os demais estabelecimentos – possui apenas 1.212 vagas, apesar de custodiar 3.478 detentos e receber semanalmente em média 250 presos. A PDF I (estabelecimento de segurança máxima que se destina ao recolhimento dos presos do regime fechado) possui hoje 3.390 internos para 1.584 vagas. Na PDF II (estabelecimento de segurança máxima que se destina ao recolhimento dos presos do regime fechado e, excepcionalmente, presos do regime semiaberto) não é diferente. Há 3.267 presos disputando 1.464 vagas.

Em contrapartida, enquanto o número de presos cresce exponencialmente, o número de agentes penitenciários diminui por motivos diversos. Hoje, há 1 agente para cada 8 presos, enquanto a proporção recomendada pela ONU é de 1 agente para cada 3 detentos. A falta de efetivo não gera apenas o risco de rebeliões, mas também sobrecarrega o servidor que realiza sozinho o trabalho de vários agentes – acarretando doenças laborais e o abandono da carreira, fatos que limitam ainda mais o quadro de servidores. É um ciclo infindável: cada dia mais presos e cada dia menos agentes. Em janeiro deste ano foi publicado o edital do concurso público para o provimento de vagas para o cargo de agente de atividades penitenciárias. Todavia, considerando todos os trâmites, os novos servidores somente começarão a trabalhar daqui a um ano, no mínimo. A grande questão é o que acontecerá nesse lapso temporal. O risco de rebelião é iminente e não há relato da sua ocorrência até o momento devido ao serviço de inteligência, à qualificação técnica dos poucos servidores e respectivos diretores das unidades prisionais, que utilizam diversas estratégias para que a “cadeia não vire” (termo utilizado pelos presos para rebelião).

Inquestionável que a pior consequência da superlotação carcerária é a reiterada violação dos direitos humanos dos presos, primordialmente o direito à dignidade e à saúde (inclusive mental), o que vai de encontro a qualquer política de ressocialização. Nas unidades masculinas, em celas projetadas para 8 pessoas, mais de 20 presos se amontoam e tentam dividir os parcos colchões imundos que lhes são entregues. Há unidades, como por exemplo, no CDP (Centro de Detenção Provisória), em que a superlotação de cada cela é ainda pior. Os internos usufruem de apenas 30 minutos semanais de banho de sol, apesar de a Lei de Execução Penal determinar que eles têm direito a 2 horas diárias. O restante do tempo é despendido dentro da cela – a maioria com infiltrações e sem ventilação adequada. Sequer um livro é disponibilizado para aqueles que cumprem o regime fechado.

Na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, cerca de 40 presas provisórias lotam a cela projetada para 12 pessoas. Não há colchão suficiente para todas e algumas dormem dentro do banheiro, pois o espaço do chão da cela não é suficiente para todas. No CPP (Centro de Progressão Penitenciária), local onde, em tese, os presos trabalham o dia todo e voltam ao final do dia para dormir, mais da metade dos presos não trabalham por falta de vagas. Resultado: os presos que progrediram para o regime semiaberto passam o dia todo presos em galpões superlotados, sem sequer direito à visita. Ou seja, na prática o regime semiaberto se tornou pior do que o regime fechado. Ressalte-se que naquela unidade foi constatada uma situação indescritível capaz de comover o mais ferrenho dos punitivistas: há uma ala no subsolo, escura, sem ventilação (o cheiro é insuportável), superlotada, onde o esgoto do banheiro não tem tubulação, portanto, corre pelo chão entre as pias e atravessando a entrada do banheiro. As oficinas de trabalho da PDF II estão fechadas, o que obsta a oportunidade de remição da pena. As vagas para os presos estudantes são insuficientes para a demanda. Presos com “cadeia vencida” (que já preenchem os requisitos para a progressão de regime) aguardam indefinidamente por vagas no CPP para o cumprimento do regime semiaberto (local descrito acima) e nesse ínterim continuam no regime mais gravoso. A assistência à saúde, assistência jurídica, educacional e social são precárias e esporádicas em todas as unidades prisionais do DF.

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Paralelamente, há relatos de presos que não comparecem às audiências por falta de servidores para escoltá-los ao fórum. Em 18 de julho deste ano, um preso de 62 anos faleceu dentro do CDP e há rumores que tal fato ocorreu pela ausência de servidores para escoltá-lo ao hospital. Em maio, uma presa deu a luz ao seu filho no corredor da Penitenciária Feminina do Distrito Federal e na ocasião supostamente não havia um médico ou enfermeiro no local. Ressalte-se que tais fatos estão sendo apurados, portanto ainda não é possível confirmar os detalhes dessas ocorrências. Nada obstante, a falta de servidores é notória. Inaceitável a conivência com essa situação. Não esqueçamos que não há prisão perpétua no Brasil e que os presos que hoje sofrem todo esse descaso voltarão para o nosso convívio sem qualquer perspectiva de uma vida digna e longe da criminalidade. Importante destacar que hoje, o nível de reincidência criminal no Brasil chega a 70%, fato que aponta a flagrante falência do sistema.

Portanto, comprovado que o Brasil caminha na direção oposta da moderna política criminal ao visualizar na pena de prisão a solução para os seus problemas. Tal fato se reflete, sobretudo, na política de encarceramento em massa, lastreada na falsa percepção de impunidade, quando na verdade é notório que no Brasil se pune muito, mas se pune mal. Basta ressaltar que somos a terceira maior população carcerária do mundo e a violência está longe de ser superada. Em consonância com esse viés punitivista, a realidade é que no Distrito Federal não há mais espaço físico e o número de pessoas custodiadas já extrapolou em muito o limite do razoável. Sob essa perspectiva, a implementação da audiência de custódia presencial, a aplicação efetiva das medidas cautelares alternativas à privativa de liberdade, o aumento do quadro de agentes de atividades penitenciárias e a reestruturação das instalações são medidas urgentes, sob pena do caos generalizado no sistema penitenciário do Distrito Federal. 

 

 

Sobre a autora
Lívia Magalhães

Advogada especializada em Direito Criminal. Proprietário do escritório Lívia Magalhães Advocacia. Conselheira Seccional da OAB-DF. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DF. Diretora Jurídica do Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB). Advogada e colunista da Revista AzMina, primeira revista feminista do Brasil.

Informações sobre o texto

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