É certo que a prisão cautelar é medida excepcional em nosso ordenamento jurídico, podendo apenas ser decretada quando presentes os indícios de autoria e prova da materialidade (fumaça do cometimento de delito), conjugados com um dos fundamentos previstos no art. 312, do CPP, quais sejam, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, acautelar eventual aplicação da lei penal e a famigerada ordem pública, (perigo de liberdade).
Assim, é comum nos plantões forenses observamos a prisão preventiva ser decretada com base na ordem pública, baseando-se na gravidade em abstrato e repercussão do caso, acautelamento do judiciário, ocasionando por muitas vezes torna-se flagrante a violação ao princípio constitucional da presunção de inocência e antecipação das finalidades da pena, sem o exercício do direito de defesa.
Com efeito, muito se debate acerca do que seria concretamente ofensa a ordem pública, haja vista a ausência de qualquer norma explicativa no código, para alguns garantistas minoritários trata-se de verdadeira anomalia jurídica inconstitucional, já para o atual entendimento jurisprudencial, é um fundamento legal e constitucional.
A prisão preventiva é medida cautelar mais grave no processo penal que colide com o direito fundamental da presunção de inocência, devendo ser decretada apenas quando estritamente necessária. É certo que a prova da existência do crime e indícios de autoria, por mais grave que seja o lícito apurado e robusto, por si só, não são suficientes para justificar o encarceramento, não tendo a prisão o papel de antecipar o juízo de culpa ou inocência, muito menos impunidade.
Diante desse quadro, com a deflagração da famigerada operação Lava-Jato, no julgamento do Habeas Corpus 127186-Paraná, relatoria Teori Zavascki, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maria de votos, concedeu a liberdade vinculada com medidas cautelares diversas da prisão ao investigado Ricardo Pessoa, o dono da UTC Engenharia, que foi apontado por delatores 'chefe do clube' envolvido na quartelização das obras na Petrobras, sendo o beneficio estendido em favor de 8 investigados.
Nessa ocasião, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto afirmou “Para os fins de prisão preventiva, tem-se entendido que a garantia da ordem pública busca também evitar que se estabeleça um estado de continuidade delitiva”.
Em seus fundamentos, citou Scarance Fernandes que trata a prisão preventiva, nessas circunstâncias, como “forma de assegurar o resultado útil do processo, ou seja, se com a sentença e a pena privativa de liberdade pretende-se, além de outros objetivos, proteger a sociedade, impedindo o acusado de continuar a cometer delitos”.
Lembrou ainda que “o Supremo Tribunal Federal não tem aceito o clamor público como justificador da prisão preventiva. “É que a admissão desta medida, com exclusivo apoio na indignação popular, tornaria o Poder Judiciário refém de reações coletivas. Reações, estas,não raras vezes açodadas, atécnicas e ditadas por mero impulso ou passionalidade momentânea” (HC-QO 85.298/SP, Red. p/ oacórdão Min. Carlos Britto, DJ de 4.11.2005).
Citou uma frase do saudoso Ministro Sepúlveda Pertence do Justice Frankfurter, da Suprema Corte Americana, no caso United States v. Rabinowitz, 339 U.S. 56 (1950), que pode ser traduzida proximamente por “Pode-se resumir bem a história das garantias da liberdade afirmando-se que foram forjadas em disputas envolvendo pessoas não tão apreciáveis” (“It is a fair summary of history to say that the safeguards of liberty have frequently been forged in controversies involving not very nice people”).
Reiterou que em relação a prisão preventiva devemos “analisar os casos com base no risco concreto à ordem pública, ou seja, nos indicativos de provável reiteração criminosa”.
Destarte, com o julgamento do Habeas Corpus 127186-Paraná, restou sedimentado a ordem pública, para fins de prisão preventiva, como probabilidade concreta da continuidade delitiva, afastando-se totalmente a gravidade em abstrato e clamor social, como circunstancias ensejadoras de prisão preventiva.