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A improbidade administrativa e sua sistematização

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Agenda 27/09/2003 às 00:00

III. DAS SANÇÕES

10. DAS SANÇÕES EM ESPÉCIE.

Após descrever de forma enunciativa as três ordens de atos de improbidade que disciplina, elenca a Lei 8.429/92, nos incisos do art. 12, as sanções passíveis de aplicação ao agente ímprobo. Para melhor visualização, cumpre transcrever referido preceptivo legal, verbis:

"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos;

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração recebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente."

Não é necessária uma análise acurada do preceptivo legal retro transcrito para se constatar que os feixes de sanções cominados aos diferentes atos de improbidade apresentam grande similitude entre si, encontrando-se as dissonâncias, em linhas gerais, adstritas à variação de determinadas sanções que os compõem – suspensão dos direitos políticos, multa e proibição de contratar ou receber incentivos do Poder Público. A seguir, teceremos breves considerações a respeito de cada uma das sanções cominadas, o que possibilitará uma melhor visualização da dimensão das mesmas.

Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio – a sanção de perda de bens tem esteio constitucional (art. 5º, XLVI, "b", da CR/88) e pressupõe a existência de uma evolução patrimonial contemporânea à atividade do agente público, bem como incompatibilidade com a remuneração do mesmo e do extraneus que tenha contribuído para a prática do ato ou auferido benefícios com o mesmo. Nesta linha, somente o acréscimo patrimonial ulterior ao exercício do cargo, emprego ou função poderá ser atingido por provimento cautelar que determine a indisponibilidade dos bens [48], já que os adquiridos anteriormente à investidura não tem correlação com a atividade pública. Tratando-se de enriquecimento ao qual não está atrelada uma causa lícita, afigura-se salutar a perda do que fora indevidamente auferido, evitando-se que a atividade do agente seja direcionada à consecução de interesses privados em detrimento da finalidade pública que lhe é peculiar.

Ressarcimento integral do dano – aquele que causa dano a outrem tem o dever de repará-lo; tal concepção, hodiernamente, encontra-se amplamente difundida e erigida à categoria de princípio geral de direito, sendo integralmente aplicada em se tratando de danos causados ao patrimônio público. Note-se, no entanto, que o texto legal não tem o poder de alterar a essência ou a natureza dos institutos; in casu, observa-se que a reparação dos danos, em essência, não representa uma punição para o ímprobo, pois tão somente visa repor o status quo. Acaso seja insuficiente o quantum fixado a título de reparação, caberá à Fazenda Pública ajuizar as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público (art. 17, § 2º, da Lei 8.429/92). Sob este aspecto, é relevante observar que a independência com a esfera cível foi levada a extremos, já que a pessoa jurídica lesada será instada a integrar o pólo ativo da ação caso não a tenha ajuizado (art. 17, § 3º); terá total liberdade para suprir as falhas e omissões detectadas na inicial; poderá produzir as provas que demonstrem a dimensão do dano; e terá ampla possibilidade de apresentar as irresignações recursais pertinentes; logo, inexiste justificativa para a injurídica possibilidade de renovação da lide. Objetivando harmonizar referido dispositivo com o instituto da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CR/88), entendemos que o ulterior pleito indenizatório somente deve ser admitido quando a Fazenda Pública não houver integrado o pólo ativo; quando a dimensão do dano não tenha sido discutida; ou quando fatos supervenientes, não valorados na lide originária, embasem a lide posterior.

Ainda sob a ótica do ressarcimento do dano, não corroboramos a tese esposada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado em 18 de março de 1999, sendo relator o eminente Ministro Garcia Vieira, ocasião em que restou assentado: "Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário. A Lei 8.429/92, que tem caráter geral, não pode ser aplicada retroativamente para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibilidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido como criminoso." [49] Tal decisão, não obstante o brilho do órgão julgador, caminha em norte contrário a séculos de evolução da ciência jurídica, culminando em afastar o princípio de que o patrimônio do devedor responde por seus atos [50], importante conquista da humanidade e que afastou a crueldade das sanções corporais preteritamente impostas ao devedor inadimplente. Toda conduta que causar dano a outrem, ainda que o agente público e o Estado figurem nos pólos ativo e passivo da relação obrigacional, importará na aplicação do referido princípio [51], inexistindo justificativa para que os bens adquiridos anteriormente à investidura sejam excluídos de tal responsabilidade. Ademais, a prevalecer a tese do referido acórdão, ter-se-á a inusitada situação de responsabilizar de forma mais severa aquele que não possui qualquer vínculo com o ente estatal - respondendo por seus atos com todo o seu patrimônio – do que aquele que, valendo-se da confiança em si depositada, lesa o patrimônio do ente público que jurou defender. Pelos mesmos fundamentos, a indisponibilidade haverá de recair "sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano", consoante estatui o artigo 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/92, pois qualquer provimento de natureza cautelar visa garantir a eficácia da decisão a ser proferida no processo principal, evitando-se a inocuidade desta – o que certamente ocorreria com a dissipação do patrimônio do ímprobo. Por tais fundamentos, entendemos que o entendimento preconizado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça merece maior reflexão, adequando-o à necessidade social e aos ditames da Justiça.

Perda da função pública [52] – tal sanção somente é passível de aplicação ao agente ímprobo, não ao extraneus que tenha contribuído para a prática do ato ou se beneficiado do mesmo. A sanção deflui da incompatibilidade identificada entre o agente e a gestão da coisa pública, sendo a mesma passível de aplicação a todos aqueles que exerçam cargo ou emprego, e não apenas função, qualquer que seja a forma de investidura. Em que pese ter o resultado desta exegese natureza extensiva, a mesma deflui do sistema, em especial dos arts. 3º e 4º da Lei 8.429/92; assim, não há que se falar em ampliação de efeitos não previstos em norma restritiva.

Suspensão dos direitos políticos – como regra geral, ao cidadão é garantida a plena participação na vida política do Estado, abrangendo a mesma as faces ativa e passiva, vale dizer, o direito de votar (cidadania ativa) e de ser votado (cidadania passiva). Tratando-se de direito fundamental, sua restrição pressupõe expressa previsão constitucional; o que efetivamente foi feito nos arts. 15, V, e 37, § 4º, da CR/88, sendo admitida a suspensão dos direitos políticos quando praticados atos de improbidade. Conforme deflui da própria construção semântica da expressão, a privação ao exercício da cidadania é temporária, sendo esta sanção mais ampla do que as causas de inelegibilidade previstas no texto constitucional (v.g.: art. 14, §§ 5º e 7º, da CR/88) e na legislação infraconstitucional (LC nº 64/90). Estas limitam-se a restringir o exercício da cidadania em sua acepção passiva; naquela a restrição é total.

Pagamento de multa civil – caracteriza-se como sanção de natureza pecuniária imposta ao ímprobo em virtude do ilícito praticado. Considerando a previsão autônoma de ressarcimento do dano, tem natureza eminentemente punitiva, não caracterizando-se como estimativa do dano causado pela infração.

Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário - a exemplo da suspensão dos direitos políticos, apresenta-se como sanção de efeitos temporários e com graves conseqüências de ordem econômica. Os incentivos fiscais ou creditícios caracterizam-se como instrumentos utilizados pelo Poder Público para implementar o desenvolvimento de determinado território ou de certa atividade, bem como para corrigir certas desigualdades ou recompor a ordem econômica e social.

11. NATUREZA JURÍDICA.

Qualquer que seja o compartimento normativo em que esteja armazenada uma norma de conduta e a natureza do núcleo factual empírico previsto na mesma, esta apresenta um componente indispensável, qual seja, uma sanção para a sua inobservância. A sanção será passível de aplicação sempre que for identificada a subsunção de determinada conduta ao preceito proibitivo previsto de forma explícita ou implícita na norma. A sanção, pena ou reprimenda apresenta-se como elo de uma grande cadeia, cujo encadeamento lógico possibilita a concreção do ideal de bem-estar social; caracterizando-se, ainda, como instrumento garantidor da soberania do direito, concebido este não como mero ideal abstrato, mas como fator perpétuo e indissociável da harmonia social, sendo correlato à própria coexistência humana. Como se vê, sob o prisma ôntico, inexiste distinção entre as sanções cominadas nos diferentes ramos do direito, quer tenham natureza penal, civil ou administrativa; pois, em essência, todas visam recompor, coibir ou prevenir um padrão de conduta violado, cuja observância apresenta-se necessária à manutenção do elo de encadeamento das relações sociais. Sob o aspecto axiológico, por sua vez, as sanções apresentarão diferentes dosimetrias conforme a natureza da matéria violada e a importância do interesse tutelado, distinguindo-se igualmente consoante a forma, os critérios, as garantias e os responsáveis pela aplicação. Caberá ao órgão incumbido da produção normativa, direcionado pelos fatores sócio-culturais da época, identificar os interesses que devem ser tutelados e estabelecer as sanções em que incorrerão aqueles que os violarem. Assim, inexiste um elenco apriorístico de sanções cuja aplicação esteja adstrita a determinado ramo do direito.

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No direito positivo pátrio, inexistem parâmetros aptos a infirmar a regra geral acima exposta, existindo unicamente sanções que são preponderantemente aplicadas em determinado ramo do direito. À guisa de ilustração, pode-se mencionar: a) o cerceamento da liberdade do cidadão, normalmente sanção de natureza penal (art. 5º, XLVI, CR/88), mas também passível de ser utilizado como sanção contra o depositário infiel e o inadimplente do débito alimentar (art. 5º, LXVII, da CR/88), erigindo-se como eficaz meio de coerção para o cumprimento de tais obrigações; b) a infração aos deveres funcionais pode acarretar para o servidor público a perda do cargo, a qual poderá caracterizar-se como sanção de natureza cível (art. 37, § 4º, da CR/88), administrativa (art. 41, § 1º, II e III, da CR/88) ou penal (art. 5º, XLVI, da CR/88); c) a cassação dos direitos políticos pode apresentar-se como conseqüência de uma sanção penal (art. 15, III, da CR/88) ou de uma sanção política (art. 85 da CR/88 e Lei 1.079/50).

No âmbito específico da improbidade administrativa, tal qual disciplinada na Lei 8.429/92, as sanções serão aplicadas por um órgão jurisdicional, com abstração de qualquer concepção de natureza hierárquica, o que afasta a possibilidade de sua caracterização como sanção administrativa [53]. As sanções de perda de bens ou valores de origem ilícita, ressarcimento do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar ou receber incentivos do Poder Público, previstas no art. 12, são passíveis de aplicação por órgão jurisdicional, restando analisar se possuem natureza penal ou cível (rectius: extra-penal). À luz do direito posto, inclinamo-nos por esta [54], alicerçando-se tal concepção nos seguintes fatores: a) o art. 37, § 4º, in fine, da CR/88, estabelece as sanções para os atos de improbidade e prevê que as mesmas serão aplicadas de acordo com a gradação prevista em lei e "sem prejuízo da ação penal cabível"; b) regulamentando este dispositivo, dispõe o art. 12, caput, da Lei 8.429/92 que as sanções serão aplicadas independentemente de outras de natureza penal; c) as condutas ilícitas elencadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, ante o emprego do vocábulo "notadamente", tem caráter meramente enunciativo, o que apresenta total incompatibilidade com o princípio da estrita legalidade que rege a seara penal (art. 5º, XXXIX, da CR/88), segundo o qual a norma incriminadora deve conter expressa previsão da conduta criminosa; d) o processo criminal atinge de forma mais incisiva o status dignitates do indivíduo, o que exige expressa caracterização da conduta como infração penal, sendo relevante frisar que a mesma produzirá variados efeitos secundários; e) a utilização do vocábulo "pena" no art. 12 da Lei 8.429/92 não tem o condão de alterar a essência dos institutos, máxime quando a similitude com o direito penal é meramente semântica. A questão ora analisada, longe de apresentar importância meramente acadêmica, possui grande relevo para a fixação do rito a ser seguido e para a identificação do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a lide, já que parcela considerável dos agentes ímprobos goza de foro por prerrogativa de função nas causas de natureza criminal. [55] Identificada a natureza cível das sanções a serem aplicadas, inafastável será a utilização das regras gerais de competência nas ações que versem sobre improbidade administrativa, o que culminará em atribuir ao Juízo monocrático, verbi gratia, o processo e o julgamento das causas em que Prefeitos [56] e membros dos Tribunais Regionais do Trabalho [57] figurem no pólo passivo.

12. DOSIMETRIA.

Identificados os princípios que devem reger o obrar do agente probo, bem como as sanções passíveis de serem aplicadas ao mesmo em havendo subsunção de sua conduta ao padrão normativo dos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, resta analisar os critérios que nortearão o órgão jurisdicional na aplicação de tais sanções. As lacunas da lei, aliadas a uma sistematização inadequada dos preceitos que regulam a matéria, tornam imperativa a fixação de diretrizes para a individualização da pena; a análise da possível discricionariedade do julgador em aplicar somente algumas dentre as sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92; e a identificação das sanções cabíveis em havendo simultânea subsunção do ato ao estatuído nos arts. 9º, 10 e 11, o que, em tese, importaria na aplicação de todas as sanções previstas nos incisos I, II e III do art. 12.

Na seara penal, nos períodos medieval e intermediário, um dos mais graves obstáculos para a consecução do ideal de justiça era o regime arbitrário das penas, as quais eram deixadas à livre decisão dos julgadores; ulteriormente, teve-se um sistema de penas rigorosamente fixas, o qual foi previsto no Código francês de 1791, não sendo permitido ao juiz qualquer discricionariedade em sua fixação [58]; hodiernamente, tem-se uma determinação relativa das penas, permitindo-se que sua gradação varie entre os limites máximo e mínimo, consoante a natureza e as circunstâncias da ação. Nesta linha, encontra-se o disposto no art. 5º, XLVI, da CR/88, segundo o qual "a lei regulará a individualização da pena..."; preceptivo este que erige-se como direito fundamental dos jurisdicionados e que, não obstante a natureza eminentemente cível das sanções cominadas aos atos de improbidade, deve servir de norte ao julgador, o que estará em sintonia com o art. 37, § 4º, da CR/88. Regulamentando o texto constitucional, tem-se o art. 59 do Código Penal, o qual estabelece os critérios a serem seguidos para fixação da pena, sendo também passível de utilização, feitas as adaptações necessárias, na delimitação das sanções a serem aplicadas aos atos de improbidade. Assim, para o estabelecimento da dosimetria das sanções é inafastável a valoração da personalidade do agente, de sua vida pregressa na administração pública, do grau de participação no ilícito e dos reflexos de seus atos na organização desta e na consecução de seu desiderato final, qual seja, o interesse público. Afora tais elementos, deverá o juízo valorar a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente, únicas diretrizes traçadas pela Lei de Improbidade (art. 12, parágrafo único).

Conforme dispõe o art. 37, § 4º, da CR/88, deveria o legislador infraconstitucional estabelecer os critérios de gradação das sanções a serem aplicadas ao agente ímprobo. Assim, nada impediria que fosse estabelecido um escalonamento das sanções consoante as condições do agente e as conseqüências da infração, cominando, de forma cumulativa ou alternada, aquelas previstas no texto constitucional - suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário – e outras mais. Regulamentando o preceptivo constitucional, estabelece o art. 12 da Lei 8.492/92, em cada um de seus três incisos, as sanções que serão aplicadas às diferentes formas de improbidade; elenco este que encontra-se previsto de forma aglutinativa, separado por virgulas e cuja última sanção cominada encontra-se unida ao todo pela conjuntiva "e". Em razão de tal técnica legislativa, inclinamo-nos, como regra geral, pela imperativa cumulatividade das sanções, restando ao órgão jurisdicional a discricionariedade de delimitar aquelas cuja previsão foi posta em termos relativos, quais sejam: a) suspensão dos direitos políticos – 8 (oito) a 10 (dez) anos, inc. I / 5 (cinco) a 8 (oito) anos, inc. II / 3 (três) a 5 (cinco) anos, inc. III; e b) multa civil – até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial, inc. I / até 2 (duas) vezes o valor do dano, inc. II / até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, inc. III. Além do aspecto gramatical, já que não utilizada a disjuntiva "ou" na cominação das sanções, deve-se acrescer que não caberia ao Poder Judiciário, sob pena de mácula ao princípio da separação dos poderes, deixar de aplicar as reprimendas estabelecidas pelo legislador, de forma cumulativa, consoante expressa autorização constitucional. Releva notar, no entanto, que as sanções de ressarcimento dos danos causados ao erário e perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, conforme deflui da própria redação dos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92, somente serão passíveis de aplicação em estando presentes os pressupostos fáticos que as legitimam, quais sejam, o dano ao erário e o enriquecimento ilícito.

Qualquer que seja a seara, somente se pode falar em liberdade do julgador na fixação da reprimenda em havendo expressa autorização legal, o que deflui dos próprios princípios norteadores do sistema repressivo; isto porque a sanção, a um só tempo, representa eficaz mecanismo de garantia dos direitos do cidadão – o qual somente pode tê-los restringidos com expressa previsão legal – e instrumento de manutenção da paz social, sendo a materialização dos anseios dos cidadãos expressos através de seus representantes. Em razão da própria natureza da conduta perquirida, não haveria que se falar, inclusive, em adstrição do órgão jurisdicional a uma possível delimitação do pedido; pois, tratando-se de direito eminentemente indisponível, não compete ao autor da demanda restringir as conseqüências dos atos de improbidade, restando-lhe unicamente deduzir a pretensão de que sejam aplicadas as sanções condizentes com a causa de pedir que declinara na inicial.

Conforme frisamos, a aplicação cumulativa das sanções apresenta-se como regra geral, a qual, em situações específicas e devidamente fundamentadas, pode sofrer abrandamento, o que permitirá a adequação da Lei 8.429/92 à Constituição da República [59]. Tal posição, longe de macular o equilíbrio constitucional dos poderes e conduzir ao arbítrio judicial [60], viabilizará a formulação de interpretação conforme a Magna Carta e atenuará a dissonância existente entre a tutela dos direitos fundamentais e a severidade das sanções cominadas. O elemento volitivo que informa o ato de improbidade, aliado à possível preservação de parcela considerável do interesse público, pode acarretar uma inadequação das sanções cominadas, ainda que venham a ser fixadas no mínimo legal. À guisa de ilustração, observe-se que a aplicação das sanções de perda da função e suspensão dos direitos políticos ao agente que culposamente dispense a realização de procedimento licitatório apresenta-se em flagrante desproporção com o ilícito praticado. Em situações como esta, entendemos que o órgão jurisdicional deve proceder à verificação da compatibilidade entre as sanções cominadas, o fim visado pelo legislador e o ilícito praticado, o que redundará no estabelecimento de um critério de proporcionalidade. Para auferir tal resultado, a Suprema Corte norte-americana utilizou como cláusula de compatibilização o princípio do devido processual legal, originariamente uma garantia processual, mas ulteriormente utilizado em uma concepção substantiva (substantive due process). Assim, a atuação estatal deveria ser submetida a um teste de racionalidade (rationality test), sendo aferida sua compatibilidade com o comando constitucional a partir de um padrão de razoabilidade (reasonablesse standard). Considerando que a suspensão dos direitos políticos importa em restrição ao exercício da cidadania e a perda da função pública em restrição ao exercício de atividade laborativa lícita, afigura-se clara a desproporção existente entre tais sanções e o ato do agente que, como no exemplo referido, dispense culposamente a realização de um procedimento licitatório. A reprimenda ao ilícito deve ser adequada aos fins da norma [61], resguardando-se a ordem jurídica e as garantias fundamentais do cidadão, o que preservará a estabilidade entre o poder e a liberdade.

A inexistência de preceitos normativos que permitam identificar de forma apriorística as condutas excluídas da regra geral acima enunciada torna imperativo o estabelecimento, ainda que de forma singela, de parâmetros de adequação. Para tanto, torna-se possível identificar a proporcionalidade entre a sanção e o ilícito a partir da análise do elemento volitivo do agente e da possível consecução do interesse público. Ao agente público somente é permitido agir nos limites em que a lei lhe autorize, sendo vasto o elenco de princípios e normas de conduta previstos no ordenamento jurídico. O agente cujos atos sejam informados por um elemento volitivo frontalmente dirigido a fim diverso daquele previsto em lei apresentar-se-á em situação distinta daquele que tiver seu obrar intitulado de ilícito em virtude de uma valoração inadequada dos pressupostos do ato ou dos fins visados. Nesta linha, ao ato culposo poderão ser aplicadas sanções mais brandas, já que o resultado ilícito não fora deliberadamente visado pelo agente; note-se, no entanto, que a culpa grave - entendida como tal aquela ocupante do ápice da curva ascendente de previsibilidade – poderá ter seus efeitos eventualmente assimilados aos do ato doloso. Além do elemento volitivo, deve ser analisada a consecução do interesse público, o qual foi erigido à categoria de princípio fundamental pela Constituição da República (art. 3º, IV). Em sendo parcialmente atingido o interesse público, afigura-se igualmente desproporcional que ao agente sejam aplicadas as mesmas reprimendas destinadas àquele que se afastou integralmente do mesmo; logo, em hipóteses tais, as sanções aplicadas também deverão variar conforme a maior ou menor consecução daquele. Adotando-se tais critérios, será estabelecida uma relação de adequação entre o ato e a sanção; sendo esta suficiente à repressão e à prevenção da improbidade. Ademais, tornará certo que os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) sujeitarão o agente a todas as sanções previstas no art. 12, I, pois referidos atos sempre serão dolosos e dissociados do interesse público. Restará ao órgão jurisdicional, unicamente, a possibilidade de mitigar as sanções cominadas aos atos que importem em prejuízo ao erário (art. 10) e violação aos princípios que regem a atividade estatal (art. 11). Aqueles podem ser dolosos ou culposos, enquanto que estes serão sempre dolosos; podendo ser perquirido, em qualquer caso, o resultado obtido com os mesmos. No mais, é relevante observar que afigura-se inadmissível que ao agente seja aplicada unicamente a sanção de ressarcimento do dano, pois esta, em verdade, não representa uma reprimenda, visando unicamente a recomposição do status quo.

Não raro ocorrerá que a conduta do agente, a um só tempo, importe em enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação aos princípios administrativos; o que, por via reflexa, permitiria a simultânea aplicação de todas as sanções do art. 12 da Lei 8.429/92. Situação parecida será vislumbrada quando múltiplas forem as irregularidades perpetradas pelo agente, ainda que em momentos diversos e apuradas em processos distintos, o que erige-se como interessante complicador, já que nesta seara inexiste previsão de órgão responsável pela unificação e reunião das penas. Ao estatuir as diferentes sanções passíveis de aplicação ao agente ímprobo, estabeleceu o legislador um critério de gradação onde o período de suspensão dos direitos políticos, a multa cominada e a proibição de contratar com o Poder Público variarão consoante os efeitos do ato. Assim, as sanções apresentam-se postas em uma linha decrescente, sendo o ápice ocupado por aquelas cominadas aos atos que importem em enriquecimento ilícito, identificando-se posteriormente as decorrentes de lesão ao erário e violação aos princípios regentes da atividade estatal.

Em linhas gerais, o feixe de sanções, qualquer que seja a natureza do ato e seus efeitos, apresenta-se com consistência e derivação ontológica idênticas, variando unicamente em intensidade. Ao ímprobo serão aplicadas as sanções de perda de bens ou valores, ressarcimento do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios deste – tal é o feixe de sanções previsto nos incisos do art. 12 e que se adequará aos efeitos do ato. Identificada a mens legis, diferente será o prisma de análise conforme seja constatada a multiplicidade ou a unicidade do ato.

Tratando-se de ato único, entendemos que um único feixe de sanções deve ser aplicado ao agente, ainda que a conduta do mesmo, a um só tempo, se subsuma ao disposto nos arts. 9º, 10 e 11. Único o ato, único haverá de ser o feixe de sanções (ne bis in eadem). No que concerne à dosimetria, haverão de compor o feixe de sanções os valores relativos de maior severidade, o que possibilitará o estabelecimento de uma relação de adequação com a natureza dos ilícitos; sendo que a pluralidade destes será valorada por ocasião da individualização e fixação de cada uma das sanções que compõem o feixe. Nesta linha, havendo múltipla subsunção, normalmente serão aplicadas as sanções do inciso I do art. 12, cujos valores relativos são mais elevados.

Havendo pluralidade de atos, múltiplos serão os feixes de sanções a serem aplicados. Para melhor compreensão desta proposição, deve-se incialmente observar que não apresentam maior dificuldade as sanções de perda da função pública, ressarcimento do dano e perda de bens de origem ilícita. Tal é justificável, pois, em havendo perda da função pública, impossível será que o agente a perca outra vez -salvo se houver ulterior aquisição de nova função e outros ilícitos sejam perpetrados; as demais sanções, por sua vez, somente poderão ser aplicadas em estando presentes os pressupostos fáticos que as autorizam. Inexistirão, assim, maiores dificuldades na aplicação de tais sanções. No entanto, tratando-se de suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o Poder Público, maiores controvérsias surgirão.

A suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público são sanções que apresentam delimitação temporal, tornando-se efetiva a primeira, a teor do art. 20 da Lei 8.429/92, com o trânsito em julgado da sentença condenatória; e a segunda, a contrario sensu do referido preceptivo, com a prolação da sentença monocrática. Considerando a delimitação temporal e inexistindo nesta seara norma semelhante àquelas previstas nos arts. 69, 70 e 71 do Código Penal, não há que se falar em soma das sanções aplicadas em diferentes processos; pois, considerando as nefastas conseqüências que daí advirão, podendo culminar com a suspensão dos direitos políticos do cidadão por várias dezenas de anos, somente norma específica poderia amparar tal entendimento, não a analogia. À mingua de lei específica e por ser mais benéfico ao agente, deve-se adotar o denominado sistema da absorção, segundo o qual a sanção mais grave absorve as demais da mesma espécie [62]. Assim, à possibilidade de aplicação de tais sanções em diferentes processos deve-se correlacionar o entendimento de que as mesmas poderão se sobrepor e acarretar a efetividade de somente uma delas; pois, à mingua de lei específica, será inadmissível sua soma. Igual entendimento será aplicado em sendo os diferentes atos de improbidade apurados no mesmo processo, o que, em termos práticos, culminará com a aplicação de uma única sanção de cada espécie, utilizando-se o órgão jurisdicional da maior determinação relativa (limites mínimo e máximo) prevista no art. 12.

No que concerne às sanções de multa, serão as mesmas passíveis de aplicação cumulativa, consoante as delimitações estabelecidas para cada um dos feixes de sanções. Tal cumulatividade apresentar-se-á de forma clara sempre que os ilícitos forem perquiridos em processos distintos. Em sendo os ilícitos apurados em um único processo, ter-se-á, ao final, uma única soma pecuniária, a qual será necessariamente exasperada por comportar as diferentes multas que integram os feixes de sanções a que estava sujeito o agente.

Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. A improbidade administrativa e sua sistematização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 86, 27 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4284. Acesso em: 23 dez. 2024.

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