Sabe-se que desde a antiguidade o Direito tem cuidado da relação entre homem e mulher, principalmente no que tange às questões patrimoniais. Por séculos, o casamento civil era a única forma legítima de se constituir família dentro da legislação brasileira. Contudo, devido as constantes mudanças do conceito de família dentro sociedade, a união estável deixou de estar à margem da legislação. No entanto, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça alterou algumas bases do instituto, prejudicando assim os direitos dos conviventes.
Na referida decisão, ainda pendente de publicação e resguardada pelo segredo de justiça, o STJ expressa o entendimento de que nos casos de dissolução da união estável, quando inexistir contrato, os bens adquiridos na constância da união serão pertencentes apenas ao companheiro proprietário, isto é, àquele que assinou pelo bem na hora da compra. Caso o outro companheiro queira reclamar pela sua parte no patrimônio terá que comprovar que de alguma forma contribuiu para aquisição, seja com dinheiro ou esforço. Assim sendo, no caso de o companheiro não ter pago pelo bem adquirido na constância da união precisará provar que ocupou papel de suporte da relação, que cuidava das crianças para o outro trabalhar, por exemplo.
Tal decisão despertou uma discussão que com muito custo já havia sido pacificada na legislação: a questão do regime patrimonial a ser aplicado quando finda a união. Não muito tempo atrás o companheiro saía do relacionamento, com licença da expressão, “com uma mão na frente e outra atrás”, afinal união estável era assunto deveras delicado, haja vista a influência dos princípios católicos na sociedade brasileira.
Até o Código Civil de 1916, o casamento civil era a única forma legítima de se constituir família, demais formas de relacionamento eram tratadas como concubinato, mas gradativamente a união estável foi ganhando espeço até finalmente ter reconhecimento como entidade familiar constitucional em 1988, mais precisamente no art. 226, § 3º.
Após isso a Lei nº 8.971/94 veio garantir direitos dos companheiros a alimentos, desde que tivessem convivido por mais de cinco anos ou que da relação resultassem filhos. Ademais a referida lei também incluiu os companheiros sobreviventes na sucessão, que passaram a ter direito à quarta parte, à metade, ou à totalidade, conforme o caso, dos bens deixados pelo de cujos.
Mas sem dúvida a previsão mais relevante para a discussão em tela, trazida no art. 5º da Lei nº 9.278/96, por fim determinou que os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, e pertencem a ambos os conviventes, em condomínio e em partes iguais, exceto quando existir estipulação contrária em contrato escrito ou no caso de a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.
Tendo em vista tal princípio do “esforço comum” do casal em união estável, o Código Civil de 2002, estabeleceu no art. 1.725 que, na inexistência de contrato de união estável, o regime de bens aplicável seria o de comunhão parcial de bens, aquele no qual existe o patrimônio particular do companheiro e da companheira e bens comuns adquiridos na constância da união.
Destarte a aplicação do princípio do esforço comum tem sido uma constante no judiciário brasileiro, ainda que o bem esteja no nome de um companheiro, é o que se constata pelo recente julgado do Tribunal Regional de Santa Catarina:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL COM PEDIDO DE PARTILHA DE BENS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO RÉU. RÉU QUE INFORMOU UMA DATA NA PEÇA DE DEFESA E OUTRA NA APELAÇÃO. AUTORA QUE INFORMOU DATA QUE COMPREENDE AQUELA INFORMADA PELO RÉU NA CONTESTAÇÃO. PERÍODO INCONTROVERSO CONSIDERADO. DIVISÃO DOS BENS HAVIDOS DURANTE A CONSTÂNCIA DA VIDA EM COMUM. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL REALIZADO ENTRE O RÉU E SUA IRMÃ. SIMULAÇÃO EVIDENCIADA. INTENÇÃO DE PREJUDICAR A AUTORA NA PARTILHA DOS BENS. BEM QUE DEVE SER INCLUÍDO NA DIVISÃO. DECISÃO ACERTADA. ADEQUADA VALORAÇÃO DE PROVAS. CONJUNTO PROBATÓRIO BEM ANALISADO. ALEGADOS DANOS CAUSADOS PELA AUTORA. PRETENDIDA COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO QUE NÃO POSSUI CARÁTER DÚPLICE. PLEITO QUE DEVERIA TER SIDO FORMULADO EM RECONVENÇÃO. RECLAMO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Há presunção absoluta (iuris et de iure) de que os bens adquiridos na constância da união estável a título oneroso, ainda que só em nome de um dos conviventes, pertencem em partes iguais a ambos, não sendo necessária a prova do esforço comum, salvo se houver estipulação contrária em contrato escrito (art. 1.725 CC e art. 5º, caput, da Lei n. 9.278/1996) [...] (TJ –SC, Processo nº 2015.042323-5,Relator Saul Steil, julgado em 01/09/2015) (grifo nosso).
Tendo por base, então, os dispositivos legais citados acima, a recente decisão do STJ, que exige prova do esforço comum, é inconstitucional, e portanto, não deve prevalecer. Afinal de contas o esforço comum não necessita de prova alguma, ele é presumido, dado que o casal ao tomar a iniciativa de constituir família, ainda que em regime de convivência, já esta realizando um esforço comum.
Contudo, em não sendo o regime de comunhão parcial de bens aplicado de forma automática, os conviventes passam a ter menos direitos do que as pessoas casadas, o que por sua vez coloca a união estável em patamar inferior àquele conferido ao casamento, que, muito embora as mudanças sociais no quesito relacionamento, ainda é a entidade familiar que goza de maior aprovação.
Enfim, a recente decisão do STJ ao desfavorecer a união estável, indo contra inúmeros dispositivos legais, pode ser nitidamente entendida como favorecimento a instituição do casamento, isto é, da família de direito em detrimento da família de fato. E pior que isso, pode fazer com que os brasileiros optem pelo casamento por oferecer maior segurança jurídica patrimonialmente falando. Nesse sentido tal decisão deve ser considerada um retrocesso.
Referências
Em.com.br. STJ exige prova de “esforço” na hora de dividir bens. Disponível em < http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/09/06/interna_gerais,685555/stj-exige-prova-de-esforco-na-hora-de-dividir-bens.shtml> Acesso em 16/09/2015.
Planalto. Código Civil de 2002. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 16/09/2015.
Planalto. Constituição Federal de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em 16/09/2015.
Planalto. Lei nº 8.971/94. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8971.htm > Acesso em 16/09/2015.
Planalto. Lei nº 9.278/96. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L9278.htm > Acesso em 16/09/2015.
TJ-SC, Jurisprudência. Disponível em < http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=uni%E3o%20est%E1vel%20esfor%E7o%20comum&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAANpcGAAX&categoria=acordao > Acesso em 16/09/2015.