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O trabalho e a ressocialização do apenado à luz do método APAC

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3. A INFLUÊNCIA DO TRABALHO COMO ELEMENTO RESSOCIALIZADOR NO MÉTODO APAC

3.1. Da humanização da pena

Consoante leciona Ottoboni, o regime fechado é o momento ideal para o trabalho atuar como fator de recuperação da autoestima e dos valores do apenado. Nesta fase inicial do cumprimento da pena, o método APAC preconiza a utilização da laboraterapia através da realização de trabalhos artesanais (OTTOBONI, 2001, p. 71).

Entretanto, quando falamos em artesanato, a interpretação deve ser extensiva, não podendo se limitar apenas às atividades comezinhas que todos estão habituados a ver nos presídios. É preciso uma visão ampla, levando em conta a comercialização dos produtos. É necessário, por essa razão, que cada APAC pense no setor da laboraterapia como um setor curativo, de emenda do recuperando, abrindo-lhe todas as oportunidades para desempenhar as atividades artesanais [...] (OTTOBONI, 2001, p. 71).

O termo laboraterapia é utilizado pelos idealizadores e entusiastas do método APAC, vez que não traz o trabalho carcerário como o mero exercício de atividade laboral visando à remuneração ou à ocupação do detento, mas sim como um verdadeiro instrumento de reeducação do indivíduo recluso. O trabalho deve levar em conta os talentos e aptidões adquiridas na vida pregressa do encarcerado.

Nesse mesmo sentido, nota-se que o método APAC traz o trabalho como instrumento de humanização da execução penal. A metodologia em estudo não tem como objetivo a exploração mercantil da mão-de-obra estagnada no âmbito carcerário. De modo contrário, o objetivo principal do trabalho apaqueano é aproximar o recuperando do mundo que existe além dos muros da unidade prisional (RODRIGUES in MINAS GERAIS, 2011, p. 119-134).

Sob a perspectiva do método APAC, o trabalho de forma isolada não é capaz de ressocializar o recuperando, contudo é o elo mais forte entre o encarcerado e o mundo externo, o contexto social para o qual retornará finda a pena. Ensina Ottoboni que o trabalho massificado não deve ser a prioridade do método neste primeiro momento da execução penal. Este é o período em que o trabalho tem o escopo de despertar no recuperando o prazer em exercer atividade lícita e a sua autopercepção como pessoa capaz de produzir algo útil (OTTOBONI, 2001, p. 75).

[...] Tem a ver com realização pessoal, socialização, com sentir-se útil e encontrar sentido para os dias. O trabalho da APAC dispõe de um método de valorização humana, a principal diferença entre a entidade e o sistema carcerário comum é que, na APAC, os presos (chamados de recuperandos pelo método) são co-responsáveis pela recuperação deles. (ROCHA, 2014).

Partindo da afirmação de que a grande maioria da população carcerária não teve oportunidade de exercer atividade lícita regular (ARAÚJO, 2011), depreende-se que a metodologia apaqueana dá aos recuperandos a chance de vivenciar um aspecto comum da conjectura social: o trabalho honesto.

Ademais, o trabalho, quando não compulsório, ocupa a mente do recuperando, diminuindo a ansiedade e torna-o menos propenso a pensamentos vingativos ou de fuga (FOUCAULT, 2010, p. 116-120), o que traz serenidade ao cumprimento da pena.

Em arremate, é importante ressaltar que a filosofia apaqueana utiliza o labor como ferramenta de recuperação do respeito e da dignidade do encarcerado, tal qual um meio de educar, curar, moldar e reformar a psique do indivíduo, contrapondo-se a dois dos maiores fatores criminógenos: o desajuste e a exclusão social. Portanto, ao promover o resgate da pessoa humana do recuperando, o método APAC humaniza a pena.

3.2. Da capacitação profissional e da reincidência

Conforme elucida Vasconcellos, o estigma de ex-detento, aliado à baixa escolaridade e a não-qualificação da mão-de-obra, são os principais fatores que dificultam a reinserção do egresso no mercado de trabalho, e, como conseqüência, na sociedade como um todo (VASCONCELLOS, 2007).

De modo complementar, Ottoboni leciona que “O regime semi-aberto, se o recuperando não tiver uma profissão definida, é o momento oportuno para tê-la” (OTTOBONI, 2001, p. 75). Deste modo, o indivíduo, quer quando submetido ao regime aberto, quer quando egresso, poderá exercer o ofício já aprendido, haja vista se tratar de mão-de-obra especializada.

A cartilha da metodologia apaqueana apregoa que deverá haver um esforço por parte da entidade para facilitar ao apenado o acesso a cursos profissionalizantes, sejam estes ministrados dentro da unidade prisional através dos voluntários, ou cursados fora da sede da APAC através da concessão de bolsas de estudos. Outrossim, a APAC deve estar atenta à conjuntura econômica da cidade onde está situada, levando em conta não somente as aptidões do recuperando no momento de firmar parcerias, mas também a demanda do mercado de trabalho (OTTOBONI, 2001, p. 75-76).

Outra forma de promover a profissionalização do detento é o trabalho interno na sede da entidade:

Ademais, o recuperando do regime semi-aberto que tivera aptidão poderá ser aproveitado para os serviços burocráticos da entidade, devendo perceber, quando possível, um pró-labore, a título de ajuda de custo para suas despesas mais preementes (OTTOBONI, 2001, p. 76).

Os dados estatísticos corroboram com a certificação da relação inerente entre a qualificação/especialização da mão-de-obra carcerária e os baixos índices de reincidência existentes no método APAC. Não obstante divergência numérica existente em razão dos critérios utilizados por cada fonte de pesquisa, é patente a discrepância entre os números relativos ao sistema tradicional e à metodologia apaqueana.

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O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e a Federação Brasileira de Assistência aos Condenados (FEBAC) divulgaram informações relativas ao período de 2004 a 2009, as quais mostravam um índice médio de 85% de reincidência no sistema tradicional, em contraposição à porcentagem de 11,22% do método APAC1.

Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2013, o índice de reincidência criminal no sistema tradicional era de 70%, ao passo que em relação aos recuperandos do método APAC, o índice de reincidência era de 15% (MARTINO, 2014).

Pesquisas mais audazes descrevem um índice de reincidência inferior a 5% quando se trata de detentos submetidos à metodologia apaqueana (WALKER, 2010).

Isto posto, é notória a relação intrínseca existente entre o trabalho desenvolvido pelo método em estudo e o baixo índice de reincidência constatado, vez que há a preparação do recuperando para o mercado de trabalho, evitando que o desemprego seja aspecto motor da reincidência.

3.3. Do dispêndio de recursos estatais

Conforme já exposto alhures, a despeito de sua obrigatoriedade, sabe-se que o trabalho carcerário é instrumento de ressocialização pouco utilizado no sistema tradicional. De modo contrário, o trabalho é, de fato, requisito para que o condenado se mantenha na APAC (LEMOS, SILVA, 2011).

Destarte, não há que se falar em mão-de-obra estagnada, tampouco em ócio carcerário, o que, por si só, já representa um elemento positivo para o panorama econômico nacional.

De forma mais relevante, os trabalhos internos realizados pelos recuperandos, assim como o voluntariado, reduzem de forma considerável os gatos estatais para com a contratação de pessoal para atuar em áreas tais como cozinha, faxina e serviços burocráticos. Salienta-se que a manutenção da estrutura física da APAC é feita quase que integralmente pelos recuperandos (MARTINO, 2014), inclusive a parte relativa à segurança: um detento vigia o outro, diminuindo as despesas com contratação de carcereiros e outros aspectos de vigilância.

No que tange à produção artesanal, os objetos produzidos pelos recuperandos podem ser vendidos e utilizados para o custeamento de suas despesas, assim como é possível direcionar eventual excedente para a família do detento (ROCHA, 2014).

Da mesma forma, em relação ao trabalho externo, a remuneração percebida pode ser utilizada para auxiliar no custeio do encarcerado, diminuindo o ônus do Estado (OTTBONI, 2001, p. 76).

No ano de 2010, o custo médio mensal do recuperando na APAC era de 0,97 salários mínimos, ao passo que no sistema tradicional a monta era de 3,53 salários mínimos2.

Nessa linha de ideias Martino assevera: “Enquanto no sistema prisional comum, o custo mensal para manutenção de um preso varia entre R$ 1.800 e R$ 2.800, na APAC não ultrapassaria R$ 1.000” (MARTINO, 2014).

Deste modo, resta claro que a metodologia apaqueana é uma alternativa ao sistema prisional comum mais econômica e eficiente, visto que emprega melhor a força de trabalho dos recuperandos, o que, ao mesmo tempo, contribui para o processo de ressocialização e diminui gastos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho carcerário, historicamente, era forçado e constituía mais uma modalidade de pena do que propriamente um direito-dever do condenado, tal como se vislumbra no Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto emergem iniciativas como as APACs, em que a sanção se limita à pena privativa de liberdade e o trabalho revela-se como importante instrumento de ressocialização e reintegração social, à medida que o labor combate a ociosidade e promove o resgate da autoestima dos recuperandos por meio da produtividade.

Outrossim, o trabalho carcerário proporciona a capacitação profissional e consequente diminuição dos índices de reincidência criminal, bem como dos gastos do Estado para com a manutenção da unidade prisional.

O método APAC, em comparação com o sistema prisional comum, é o que melhor proporciona condições de reintegração social efetiva através do trabalho carcerário. Distinguindo-se dos demais, sobretudo no que concerne aos elementos que o orientam e na proposta humanizadora do ambiente carcerário, onde todo homem é maior do que o seu erro e não é espoliado de sua condição de ser humano, sendo, por conseguinte, digno de respeito e de confiança.


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Notas

1 Dados retirados do sítio eletrônico da APAC de Perdões – MG. Disponível em: <https://www.apacperdoes.com.br/?page_id=235>. Acesso em: 28 de julho de 2015, às: 18h52min.

2 Dados retirados do sítio eletrônico da APAC de Perdões – MG. Disponível em: <https://www.apacperdoes.com.br/?page_id=235>. Acesso em: 29 de julho de 2015, às: 8h27min.

Sobre as autoras
Cynara Silde Mesquita Veloso

Doutora em Direito Processual pela PUC Minas, Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela UFSC, Professora do Curso de Direito da UNIMONTES. Professora e Coordenadora do Curso de Direito das FIPMoc.

Mariana Nascimento Maia

Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELOSO, Cynara Silde Mesquita; CARVALHO, Mélida et al. O trabalho e a ressocialização do apenado à luz do método APAC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4935, 4 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43138. Acesso em: 23 dez. 2024.

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