Capa da publicação Associação de proteção e assistência aos condenados
Capa: Canva
Artigo Destaque dos editores

Associação de Proteção e Assistência aos Condenados: solução e esperança para a execução da pena

Resumo:


  • O Método APAC foi criado em 1972 por um grupo de voluntários liderado por Mário Ottoboni, com o objetivo de recuperar e ressocializar condenados de forma eficiente.

  • O Método APAC se baseia em princípios como individualização do tratamento, assistência integral, uso da religião, cooperação entre os presos e aplicação de regimes progressivos.

  • O sucesso do Método APAC é evidenciado por índices de reincidência inferiores a 5%, em contraste com a média de 86% do sistema prisional comum, sendo adotado em diversos países ao redor do mundo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O sistema prisional brasileiro enfrenta superlotação, violência e falta de ressocialização. O Método APAC propõe uma alternativa eficaz, mas como garantir sua expansão e aceitação pela sociedade?

INTRODUÇÃO

A ideia de que o sistema penitenciário atual está longe de alcançar seus objetivos não é incorreta, visto que se dá pouco destaque à humanização da pena e à valorização da pessoa humana. A reincidência é, hoje, um problema crônico em todo o mundo, tornando-se uma barreira ao convívio pacífico e harmonioso entre as pessoas.

No entanto, em 1972, por meio de estudos e experiências com condenados, um grupo de voluntários liderado por Mário Ottoboni, em São José dos Campos (SP), instituiu um método revolucionário e eficiente na execução da pena. Hoje, após mais de trinta anos, esse método se tornou conhecido e adotado em grande parte do Brasil e em diversos países do mundo. Trata-se do Método APAC, que trouxe aos condenados condições para sua recuperação e ressocialização, tornando realidade aquilo que antes parecia impossível de ser alcançado.

O objetivo central deste trabalho é apresentar informações sobre o Método APAC, contribuindo para sua divulgação e analisando suas vantagens em relação ao sistema penitenciário atual. Para tanto, o presente estudo será dividido em quatro partes.

Na primeira parte, pretende-se oferecer uma visão geral sobre a origem da pena de prisão e sua finalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

Na segunda parte, serão analisados os dilemas enfrentados pelos sistemas penitenciários no Brasil, a fim de estabelecer uma base para comparação com os estabelecimentos prisionais onde foi implantada a metodologia apaqueana.

Na terceira parte, será abordado brevemente o surgimento da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) e sua expansão.

Por fim, a quarta e última parte tratará dos elementos fundamentais do Método APAC, que devem ser aplicados em conjunto para que se alcance sua finalidade essencial: "matar o criminoso e salvar o homem".


1. A origem da pena de prisão

Ao longo do tempo e da evolução, três teorias fundamentais passaram a ditar normas e conceitos sobre a forma de punição por um delito cometido. Faremos apenas uma breve referência a elas:

1.1. Teorias Absolutistas

Essa teoria, defendida pela Escola Clássica, recomendava a punição estritamente de acordo com o erro cometido. A finalidade da pena era o castigo, representando o pagamento pelo mal causado. Não havia preocupação com a pessoa do criminoso, apenas com a retribuição do delito.

1.2. Teorias Relativas ou Utilitárias

Para a Escola Positiva, o homem era o centro do Direito Penal. A pena não se caracterizava apenas como castigo, mas, acima de tudo, tinha a finalidade de prevenção geral e defendia a oportunidade de socialização do delinquente.

1. 3. Teorias Mistas

Aqui se atribui à pena uma dupla finalidade: a primeira, de natureza retributiva, pelo seu aspecto moral; contudo, seu objetivo não se limita à prevenção, pois também recomenda a punição, segregando o infrator sentenciado. A segunda finalidade é a de emendar, socializando o condenado.

Esse ideal se insere nas Teorias Mistas, desde que a finalidade pedagógica da pena não se transforme em mera formalidade na legislação.

A palavra pena vem do latim poena, que, por sua vez, deriva do grego poene, significando expiação, punição, sofrimento.

Além do efeito intimidativo por meio dos castigos impostos ao criminoso e de sua segregação do meio social e familiar, a pena traz consigo uma preocupação essencial: o Estado deve dispensar ao preso uma atenção especial, auxiliando-o na reflexão sobre o delito cometido e proporcionando-lhe condições para que possa se tornar útil à sociedade.

A pena de prisão, cuja origem remonta aos mosteiros da Idade Média, sofreu diversas modificações ao longo da história, visando garantir a segurança. Durante o cumprimento da pena, o Estado busca realizar aquilo que deveria ter oferecido ao cidadão em momento oportuno, mas não o fez.

A Igreja Católica denominava penitenciário a clausura onde os pecadores arrependidos se recolhiam para cumprir penitência, refletir sobre os erros praticados e abominá-los. Daí surgiu o termo penitenciária, empregado para designar estabelecimentos penais de maior porte.

Em nosso ordenamento jurídico vigente, a pena possui dupla finalidade: punitiva e recuperativa. O artigo 1º da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal) dispõe que "a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado." Essa lei trata, de modo abrangente, da execução das penas e das medidas de segurança privativas de liberdade.


2. Dilemas do Sistema Penitenciário no Brasil

Não são poucos os indicadores que refletem a precariedade do sistema penitenciário brasileiro. Embora as condições de vida no interior das penitenciárias sejam heterogêneas, considerando sua localização em diferentes regiões do país, há traços comuns que evidenciam a má qualidade de vida: superlotação; condições sanitárias rudimentares; alimentação deteriorada; assistência médica, judiciária, social, educacional e profissional precária; violência incontida permeando as relações entre os presos e entre estes e os agentes penitenciários; além de rebeliões, fugas e sequestros ocorrendo quase diariamente na maioria das prisões. Enfim, o criminoso se aperfeiçoa cada vez mais no universo do crime.

A superlotação é uma realidade presente na maior parte das prisões brasileiras e se torna a origem imediata de muitos problemas, sobretudo da promiscuidade, que promove toda sorte de contaminação – tanto patológica quanto criminógena. Esse quadro se agrava devido ao expressivo contingente da população encarcerada nos distritos e delegacias policiais, onde se encontram, sem distinção, presos primários e reincidentes, detidos para averiguações ou em flagrante, além de cidadãos já sentenciados pela Justiça Criminal. Tais condições favorecem trajetórias e carreiras delinquenciais.

Outro problema decorrente é a má conservação da saúde individual e coletiva dos presos. Nas celas superlotadas, há um sistema de rodízio para que todos os reclusos possam dormir, já que não há espaço nem camas suficientes para todos. Muitos são obrigados a dormir no chão de cimento, na companhia de insetos e roedores, altamente prejudiciais à saúde.

As instalações sanitárias são precárias; é muito comum a ausência de água corrente para banhos e asseio pessoal. A iluminação deficiente, a má ventilação, a circulação de odores fétidos, a concentração de águas insalubres oriundas da mistura de poças de chuva ou de encanamentos desgastados com lixo e o acúmulo de gazes ensanguentadas sobre o parco mobiliário traduzem o quadro crescente de deterioração das condições de vida dos presos.

Os problemas gastrointestinais são causados pela má alimentação fornecida, muitas vezes composta por alimentos já deteriorados. Nos distritos e xadrezes policiais, não se utilizam talheres por questões de segurança, sendo estes substituídos por tampões de marmitas ou pelas próprias mãos.

Quanto aos vestuários, as necessidades são, em geral, supridas pelos familiares, o que evidencia desigualdades: alguns detentos vestem-se bem, enquanto outros usam camisetas rasgadas e calças ou calções gastos.

É comum a ocorrência de epidemias de tuberculose, além de várias doenças sexualmente transmissíveis. Trata-se de uma população de alto risco, vulnerável a toda sorte de doenças infectocontagiosas, fator ainda mais agravado pela AIDS. Os recursos médicos, sejam clínicos, ambulatoriais ou hospitalares, são escassos. Há insuficiência de médicos e atendentes de enfermagem, e os equipamentos são obsoletos.

Em suma, os presos vivem em condições subumanas, o que propicia a violência. Tudo é motivo para conflitos: confrontos entre quadrilhas, suspeitas de delação, envolvimento com o tráfico de drogas, exploração de atividades internas, tráfico de influência sobre os poderosos — sejam eles oriundos da massa carcerária ou da equipe dirigente —, posse de objetos pessoais, obtenção de favores sexuais. Isso compromete não apenas os presos, sobretudo os mais jovens e primários, muitas vezes explorados dentro da própria população carcerária, mas também suas esposas, companheiras e filhas. Além disso, há disputas pela manutenção de privilégios conquistados ou concedidos e por postos de trabalho.

Os agentes institucionais respondem com igual ou superior intensidade de violência. Os carcereiros, policiais e diretores, na maioria das vezes, agem com abuso e brutalidade, chegando até a praticar extorsão.

A esse panorama, que torna a vida nos presídios incerta e insegura, convém acrescentar a precária oferta de serviços de formação educacional e profissional, bem como a prestação de serviços de assistência judiciária e social, como, por exemplo, o não atendimento de direitos consagrados na legislação pertinente, a ausência de informações regulares sobre o andamento de processos e a falta de explicações consistentes sobre o indeferimento de um recurso ou pedido de benefício penal.

Além desse imenso rol de problemas enfrentados pelos condenados, há ainda um problema maior: a discriminação sofrida por parte da sociedade, que não questiona o motivo que levou a pessoa a estar em um estabelecimento penitenciário, mas, sim, já a estigmatiza pelo simples fato de ter estado lá.

Nesse cenário sombrio, em que a prisão intensifica sua face corruptora, estimulando a criminalidade e a reincidência, tem recebido crescente atenção, não só no Brasil, mas também no exterior, a experiência plenamente bem-sucedida e única no mundo da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Essa entidade traz, em seu método simples e eficiente, a concretização do ideal buscado pelo legislador: a recuperação do criminoso e sua ressocialização.


3. APAC - Origem e Expansão do Método

Após descrevermos a realidade do atual sistema penitenciário, que se mostra totalmente ineficiente e falido, trazendo insegurança e incertezas quanto a um futuro harmonioso, apresentamos algo inteiramente novo, inusitado e revolucionário no que se refere à humanização da pena e à efetiva recuperação do preso: o Método APAC.

Em 1972, um grupo de quinze pessoas, liderado pelo advogado Dr. Mário Ottoboni e preocupado com o grave problema das prisões na cidade de São José dos Campos (SP), iniciou uma pesquisa sobre a situação carcerária em nível nacional. Esse grupo frequentava o presídio de Humaitá para evangelizar e oferecer apoio moral aos presos.

Em 1974, o juiz da Vara de Execuções Criminais da comarca, Dr. Sílvio Marques Neto, diante da necessidade de disponibilizar novas vagas para o crescente número de detentos, tomou a decisão ousada de transferir a administração do presídio de Humaitá para essa equipe. Assim, foi instituída a APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, uma entidade jurídica sem fins lucrativos, com o objetivo de recuperar o preso por meio de um método de valorização humana, protegendo a sociedade e promovendo a justiça. A APAC aceitou a tarefa de reformar e administrar a prisão de Humaitá com o apoio da comunidade, praticamente sem nenhum ônus para o Estado, que se responsabilizava apenas pela alimentação e pelo pagamento das contas de luz e água. Além disso, o modelo dispensava a figura do policial e do carcereiro.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Os voluntários, responsáveis pela segurança e demais funções no presídio, orientavam-se por uma escala de recuperação, dividida em três estágios: fechado, semiaberto e aberto. A cada estágio, o detento, que passou a ser chamado de recuperando, recebia gradativamente mais acesso ao mundo extramuros até alcançar o último estágio, quando lhe era permitido residir em casa e assumir um trabalho externo, com a obrigação de se apresentar diariamente à prisão.

O método se baseia em alguns princípios fundamentais, tais como:

  • Individualização do tratamento, conforme recomenda a lei;

  • Assistência integral (material, psicológica, médica, odontológica, jurídica e educacional);

  • Uso da religião (com liberdade de culto) como principal instrumento para a recuperação, seguindo o lema "matar o criminoso e salvar o homem";

  • Cooperação entre os próprios presos, promovendo a ajuda mútua;

  • Aplicação dos regimes progressivos na mesma unidade, facilitando a permanência do condenado junto à família ao longo de toda a pena e garantindo o acompanhamento do voluntariado local, favorecendo sua reintegração social.

Com o passar do tempo, o método foi sendo aperfeiçoado e, hoje, tem alcançado grande repercussão no Brasil e no exterior. Apresentando índices de reincidência inferiores a 5% (enquanto no sistema prisional comum a média é de 86%), já existem aproximadamente 100 unidades em funcionamento no Brasil. O modelo também foi adotado em diversos países, como as APACs de Quito e Guaiaquil (Equador), Córdoba e Concórdia (Argentina), Arequipa (Peru), Texas, Wiora e Kansas (EUA). Além disso, novas unidades estão em fase de implantação em países como África do Sul, Nova Zelândia e Escócia.

Em 1986, a APAC filiou-se à Prison Fellowship International (PFI), órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários. Desde então, o Método passou a ser amplamente divulgado e aplicado com sucesso ao redor do mundo.


4. Elementos Fundamentais do Método APAC

O Método APAC se baseia em doze elementos fundamentais, e seu êxito depende da efetividade desse conjunto de elementos, os quais estão elencados a seguir.

4.1. A participação da comunidade

O Estado, infelizmente, não possui condições de atuar eficazmente na execução da pena e na recuperação do condenado. Por essa razão, o legislador, na Lei de Execução Penal, em seu artigo 4º, dispôs que: "O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança."

A APAC conta com a participação ativa da comunidade na execução da pena, e essa colaboração se faz necessária, uma vez que a própria sociedade é a maior interessada em um ambiente seguro. Além disso, é importante reconhecer que o criminoso não nasce criminoso; ele é, em grande parte, um produto do meio em que foi inserido.

4.2. O recuperando ajudando o recuperando

O recuperando é incentivado a descobrir que possui valores e que pode contribuir para o bem-estar coletivo. Esse processo o faz desenvolver um sentimento de ajuda mútua e colaboração com seus companheiros. O ato de auxiliar o próximo – acudir um irmão doente, ajudar os mais idosos, entre outras ações – tem um efeito extremamente positivo. Essa prática devolve ao recuperando uma sensação de tranquilidade, pois, à medida que coopera, ele também recebe apoio e solidariedade.

Para garantir uma melhora na disciplina, na segurança do presídio e na busca de soluções práticas e econômicas para os problemas internos, o Método APAC adota dois importantes instrumentos: a Representação de Cela e o CSS – Conselho de Sinceridade e Solidariedade.

A Representação de Cela promove a disciplina e a harmonia entre os recuperandos, incentivando a limpeza e a higiene pessoal dentro das celas, além de desenvolver a capacidade de liderança entre os detentos. Esse modelo de organização rompe com o tradicional "código de honra" das prisões comuns, onde os mais fortes subjugam os mais fracos, fortalecendo, assim, o espírito de igualdade e respeito mútuo.

O Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS) é um órgão auxiliar da administração da APAC. O presidente do CSS é escolhido pela diretoria da APAC, e os demais membros são selecionados pelo próprio presidente, de acordo com a população prisional. Embora não tenha poder de decisão, o CSS colabora ativamente em diversas atividades, emitindo opiniões sobre disciplina, segurança, distribuição de tarefas, reformas estruturais, promoção de eventos e celebrações, fiscalização do trabalho para o cálculo de remição de pena, entre outras funções.

Semanalmente, o CSS reúne-se com toda a população prisional, sem a presença de membros da APAC, para discutir dificuldades enfrentadas, buscar soluções para os problemas internos e encaminhar reivindicações à diretoria, visando tornar o ambiente prisional mais harmonioso e saudável.

4.3. Trabalho

Somente o trabalho não é suficiente para recuperar o infrator. Ele deve fazer parte do contexto, mas não deve ser o elemento fundamental no cumprimento da pena.

No Método APAC, o regime fechado é o período destinado à recuperação, o semiaberto para a profissionalização e o aberto para a inserção social. Nesse sentido, o trabalho é aplicado em cada um dos regimes de acordo com a finalidade proposta.

O Método APAC recomenda os trabalhos laborterápicos (artesanatos) para o regime fechado, pois, nessa fase, é essencial que o recuperando descubra seus próprios valores, desenvolvendo sua autoestima, valorizando-se como ser humano e transformando seu coração para torná-lo mais acolhedor, tolerante e pacífico. Esse processo também o capacita a perdoar e a filtrar as mensagens que recebe, rejeitando aquelas de cunho negativo.

Se não houver essa reciclagem de valores, não faz sentido oferecer trabalho ou impô-lo, pois o recuperando continuará revoltado. Os trabalhos artesanais recomendados incluem tapeçaria, pintura de quadros a óleo, pintura de azulejos, grafite, técnicas em cerâmica, confecção de redes, toalhas de mesa, cortinas, trabalhos em madeira, entre outros. Essas atividades permitem ao recuperando exercitar sua criatividade e refletir sobre o que está produzindo.

No livro "Vamos matar o criminoso?", de Mário Ottoboni, encontramos diversos depoimentos de recuperandos que participaram da oficina laborterápica no presídio de Humaitá. Destacamos a seguir um breve e profundo depoimento:

"Comecei a trabalhar na laborterapia da APAC sem muito interesse. Aos poucos fiz um pequeno barco e fui descobrindo como eu era importante, que podia fazer muito mais e melhor. Que podia ser feliz e fazer minha família feliz. As idéias de vingança e de ódio que tinha anteriormente foram cedendo espaço à criatividade e à paz. A serenidade passou a ser meu lema. O trabalho me modificou inteiramente, dando-me o sentido da responsabilidade. Descobri que não tenho vocação para viver atrás das grades e que o trabalho engrandece o ser humano. Tudo isso foi descoberto nas mesas de laborterapia." (R.D.C.)

No regime semiaberto, ocorre a preparação da mão de obra especializada por meio de cursos profissionalizantes. A Lei de Execução Penal favorece as saídas para estudo e, com base nesse dispositivo legal, o recuperando é encaminhado para cursos de formação em estabelecimentos da cidade, tais como sapatarias, padarias, alfaiatarias e oficinas mecânicas, entre outros. O objetivo principal é sua reintegração ao mercado de trabalho e à sociedade, mantendo-o próximo de seu núcleo afetivo.

No regime aberto, o Método APAC propõe que o recuperando que pretende usufruir do benefício tenha uma profissão definida, apresente uma promessa de emprego compatível com sua especialidade e demonstre, no regime semiaberto, mérito e plenas condições para retornar ao convívio social.

4.4. A religião e a importância de se fazer a experiência de Deus

O Método APAC proclama a necessidade imperiosa de o recuperando fazer a experiência de Deus, ter uma religião, amar e ser amado, não impondo este ou aquele credo.

A religião é fundamental para a recuperação do preso. A experiência de amar e ser amado, desde que pautada pela ética e inserida em um conjunto de propostas onde a reciclagem dos próprios valores leve o recuperando a concluir que Deus é o grande companheiro, o amigo que não falha, torna-se essencial. Assim, Deus surge como uma necessidade que nasce espontaneamente no coração do recuperando, para que sua fé seja permanente e duradoura.

4.5. Assistência jurídica

Uma das maiores preocupações do condenado, senão a primeira, está relacionada à sua situação processual. Além disso, 95% da população prisional não reúne condições para contratar um advogado, especialmente na fase da execução penal, quando toma conhecimento dos inúmeros benefícios facultados pela lei.

O Método APAC recomenda uma atuação especial nesse aspecto do cumprimento da pena, advertindo que a assistência jurídica deve se restringir apenas aos condenados envolvidos na proposta da APAC. Dessa forma, evita-se que a entidade se transforme em um escritório de advocacia, garantindo que a assistência jurídica seja prestada exclusivamente aos recuperandos comprovadamente pobres.

4.6. Assistência à saúde

O Método APAC oferece assistência médica, odontológica, psicológica e outras, de maneira humana e eficiente, uma vez que a saúde deve sempre ser colocada em primeiro plano, evitando preocupações e aflições ao recuperando.

É evidente que não se pode falar em recuperação, amor e arrependimento para alguém que se encontra abandonado nas grades, sentindo dor de dente, sofrendo com uma úlcera, ou sendo vítima de HIV, entre outras enfermidades.

A seguir, algumas comparações entre os distúrbios físicos encontrados na população prisional dos presídios comuns e aqueles observados nos locais onde é aplicado o Método APAC:

Distúrbios Físicos

Presídio comum %

Método APAC %

Resfriados Constantes

70%

9%

Úlcera Nervosa

54%

2%

Dor de ouvido

18%

3%

Dor de dente

44%

9%

Gastrite

34%

6%

4.7. Valorização Humana

O Método APAC tem por objetivo colocar em primeiro lugar o ser humano e, nesse sentido, todo o trabalho deve ser voltado para reformular a autoimagem do homem que errou. Chamá-lo pelo nome, conhecer sua história, interessar-se por sua vida, visitar sua família, atendê-lo em suas justas necessidades, permitir que ele se sente à mesa para fazer as refeições diárias e utilize talheres — tais medidas, dentre outras adotadas pelo Método — ajudam o recuperando a descobrir que nem tudo está perdido.

A educação e o estudo recebem especial atenção no Método APAC, uma vez que, a nível mundial, é grande o número de presos que apresentam deficiências nesse aspecto.

Os voluntários, especialmente treinados, realizam reuniões nas celas, utilizando métodos psicopedagógicos e promovendo palestras sobre valorização humana. Dessa forma, ajudam o recuperando a conhecer a realidade em que vive, bem como seus próprios anseios e projetos de vida, além de compreender as causas que o levaram à criminalidade. Tudo isso contribui para a recuperação de sua autoestima e autoconfiança.

4.8. A Família

No Método APAC, a família do recuperando tem um papel fundamental. Aquilo que o sistema prisional comum rompe, a APAC se esforça para fortalecer. Ou seja, no Método APAC, a pena atinge apenas a pessoa do condenado, evitando ao máximo que seus efeitos extrapolem para sua família. Nesse sentido, são feitos grandes esforços para preservar os elos afetivos entre o recuperando e seus familiares. Como exemplo, o recuperando pode telefonar uma vez por dia para seus parentes, escrever cartas etc. Além disso, em datas importantes, como o Dia dos Pais, das Mães, das Crianças, o Natal e outras ocasiões especiais, é permitida a participação dos familiares junto aos recuperandos.

O Método APAC também trabalha com a família dos recuperandos, que, em 98% dos casos, vive em lares desestruturados sob vários aspectos e à margem da sociedade, tornando-se, assim, uma fonte geradora de delinquência. Não adianta recuperar o condenado e depois devolvê-lo ao ambiente que o levou à criminalidade sem que esse meio tenha passado por um processo de transformação.

Para alcançar esse objetivo, o Método APAC oferece aos familiares Jornadas de Libertação com Cristo (retiros espirituais) e cursos de Formação e Valorização Humana, buscando ainda proporcionar todas as facilidades possíveis para o fortalecimento dos vínculos afetivos. Além disso, os familiares recebem orientação sobre a melhor forma de se relacionarem com os recuperandos, evitando temas que possam provocar angústia, ansiedade ou nervosismo.

O Método APAC também adota a prática de visitas íntimas familiares, organizadas e estruturadas de forma a evitar inconvenientes relacionados à imoralidade, promiscuidade, agenciamento de mulheres e falta de respeito à equipe de voluntários. O objetivo desse encontro íntimo é manter os laços afetivos familiares e, como consequência, reduzir a tensão no presídio, oferecendo ao condenado a segurança de que ele continua a ser reconhecido como chefe de sua família.

Além disso, o Método também busca prestar assistência às vítimas e suas famílias.

4.9. O Serviço Voluntário

O trabalho apaqueano é baseado na gratuidade e no serviço ao próximo. Por isso, a comunidade desempenha um papel importantíssimo no bom êxito da APAC.

Os voluntários são primeiramente treinados, participando de um curso de formação de voluntários, normalmente composto por 42 aulas de 1h30 de duração cada. Durante esse período, eles conhecem a metodologia e desenvolvem suas aptidões para exercer esse trabalho com eficácia, sempre observando um forte espírito comunitário. Após algum tempo de atuação, o voluntário participa de cursos de reciclagem e aperfeiçoamento dentro dos vários setores do método, tais como relacionamento com as autoridades, com os recuperandos e entre a equipe, entre outros.

A remuneração restringe-se às pessoas que trabalham no setor administrativo, cuja característica principal foge da essência do voluntariado. A APAC sobrevive de contribuições mensais de seus sócios (colaboradores da própria comunidade) e de algumas doações de empresas e admiradores. Enquanto, no sistema comum, o Estado gasta aproximadamente R$ 1.200,00 por mês com cada preso, na APAC o custo é de apenas R$ 350,00 por preso.

Os voluntários também podem assumir o papel de casais padrinhos, ou seja, um casal, seja ele formado por cônjuges, solteiros ou viúvos, que assume a tarefa de ajudar o recuperando a refazer as imagens desfocadas e negativas do pai, da mãe ou de ambos, projetando uma visão mais positiva e fortalecedora, inclusive em relação à imagem de Deus.

4.10. CRS – Centro de Reintegração Social

A Lei de Execução Penal (artigos 91 a 92) disciplina o cumprimento da pena em regime semiaberto, em colônia agrícola, industrial ou similar.

A APAC criou o Centro de Reintegração Social (CRS), que conta com dois pavilhões: um destinado ao regime semiaberto e outro ao aberto, garantindo, assim, o cumprimento adequado da pena.

O estabelecimento do CRS oferece ao recuperando a oportunidade de cumprir a pena próximo de seu núcleo afetivo — família, amigos e parentes —, facilitando a formação de mão de obra especializada e favorecendo, assim, sua reintegração social, sempre em conformidade com a lei e os direitos do condenado.

Ao permanecer em sua cidade de origem, o recuperando encontra, naturalmente, apoio para conquistar a liberdade definitiva com menos riscos de reincidência.

4.11. Mérito

A legislação brasileira adota o modelo progressivo de cumprimento de pena e defende a progressividade com base no tempo de cumprimento e na conduta do condenado. Ao expor os motivos, afirma que o mérito deve sobrepor-se ao aspecto temporal do desconto da pena.

No Método APAC, o mérito – conjunto de todas as tarefas exercidas, bem como as advertências, elogios, saídas etc., constantes da pasta-prontuário do recuperando – é o referencial para sua evolução. Não basta que ele seja obediente às normas disciplinares. O Método deseja ver o recuperando prestando serviços em toda a proposta socializadora, atuando como representante de cela, membro do CSS, responsável pela faxina, pela secretaria, pelo relacionamento com os companheiros, com os visitantes e com os voluntários. Não se trata apenas de uma conduta prisional, mas de um atestado que envolve o mérito do cumpridor da pena.

Para esse fim, é formada uma Comissão Técnica de Classificação, composta por profissionais ligados à metodologia, para classificar o recuperando quanto à necessidade de receber tratamento individualizado. Essa comissão também recomenda, quando possível e necessário, exames exigidos para a progressão de regimes, além de avaliações relacionadas à cessação da periculosidade e à insanidade mental.

4.12. Jornada de Libertação com Cristo

A Jornada de Libertação com Cristo constitui-se no ponto máximo da metodologia. São três dias de reflexão e interiorização conduzidos com os recuperandos. A Jornada nasceu da necessidade de provocar uma definição do recuperando quanto à adoção de uma nova filosofia de vida. Sua elaboração definitiva demorou quinze anos de estudos, apresentando uma sequência lógica, do ponto de vista psicológico, das palestras, testemunhos, músicas, mensagens e demais atividades, com o objetivo principal de levar o recuperando a repensar o verdadeiro sentido da vida.

A Jornada divide-se em duas etapas. A primeira preocupa-se em revelar Jesus Cristo aos jornadeiros, tendo a parábola do filho pródigo como fio condutor. Esse momento culmina com o retorno ao seio da família, em um encontro emocionante entre o jornadeiro e seus parentes. Já a segunda etapa ajuda o recuperando a rever o "filme" de sua própria vida, permitindo-lhe um melhor autoconhecimento. Nessa fase, ele se encontra consigo mesmo, com Deus e com o semelhante.


CONCLUSÃO

No período de 2 de março a 6 de julho de 2002, por meio da participação no Curso de Formação de Voluntários realizado na APAC de Itaúna/MG, pudemos ver de perto que todos os recuperandos trabalhavam e estudavam, preparando-se para a vida futura como cidadãos úteis à sociedade da qual se desviaram.

As chaves do presídio — ou seja, do portão de entrada, das celas e dos alojamentos — são guardadas pelos próprios recuperandos, e não há policiais nem agentes carcerários no local. As celas são limpas e organizadas, assim como os pátios, os refeitórios e as oficinas. As paredes são pintadas, e os recuperandos apresentam-se esperançosos e dispostos a provar para a comunidade que se recuperaram ou que já estão em processo de recuperação.

Enquanto no sistema prisional comum 94% dos condenados não alimentam qualquer projeto de vida e 48% manifestam desejo de suicídio, no Método APAC esses percentuais são reduzidos para 3,8% e 0%, respectivamente.

A APAC é uma entidade civil de direito privado, com a finalidade de atuar na área de execução da pena, suprindo o Estado na preparação do preso para seu retorno ao convívio social. Para isso, busca na participação da sociedade a ajuda necessária ao processo de ressocialização. A finalidade pedagógica da pena aplicada pela APAC constitui-se em um método próprio, de reconhecido êxito, cuja atuação pode ser resumida da seguinte forma:

  • Órgão auxiliar da Justiça na execução da pena;

  • Protetor da sociedade, preparando convenientemente o preso para voltar ao convívio social;

  • Garantidor da proteção aos condenados, assegurando seus direitos humanos e prestando assistência nos termos da lei, estendendo esse trabalho, quando possível, também aos seus familiares.

Trata-se de um método com mais de trinta anos de experiência, comprovadamente eficiente na recuperação e ressocialização do condenado.

No entanto, a APAC ainda é praticamente desconhecida no Brasil. Para a mídia, vende-se mais uma rebelião do que a recuperação de milhares de presos ou a redução da taxa de reincidência. Essa realidade, porém, precisa ser revertida.

Não existem condenados irrecuperáveis, mas sim aqueles que não receberam tratamentos adequados. A segurança social não se alcança apenas com punição, mas sim com trabalhos de recuperação e respeito à dignidade da pessoa humana. Dessa forma, estaremos contribuindo para a construção de um Estado em que os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça deixem de ser utopia e se tornem realidade.


BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Sérgio. Sistema penitenciário no Brasil: problemas e desafios. Revista Cons. Nac. Pol. Crim. e Penit., Brasília, 1(2): 63-87, jul/dez 1993.

FRANCO, Eduardo. Vida refeita atrás das grades. Jornal de opinião. 7. a 13 de outubro de 2002.

LEAL, César Barros. A prisão em um perspectiva histórica e o desafio atual dos direitos humanos dos presos. Revista do Conselho Nacional de Polícia Criminal e Penitenciária., Brasília, 1(6) 13-30, jul/dez 1995.

LEAL, César Barros. Associação de proteção e assistência aos condenados: uma experiência brasileira que o mundo começa a descobrir. Revista do Conselho Nacional de Polícia Criminal e Penitenciária, Brasília, 1(7): 29-36, jan/jun 1996.

MIRABETE, Julio Fabbrini. A privatização dos estabelecimentos penais diante da lei de execução penal. Revista do Conselho Nacional de Polícia Criminal do MJ, Brasília, 1(1): 61-71, jan/jun 1993.

OTTOBONI, Mário. Ninguém é irrecuperável. São Paulo: Cidade Nova, 2001.

OTTOBONI, Mário. Vamos matar o criminoso? Método APAC. São Paulo: Paulinas, 2001.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Geraldo Francisco Guimarães Júnior

advogado em Itaúna (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES JÚNIOR, Geraldo Francisco. Associação de Proteção e Assistência aos Condenados: solução e esperança para a execução da pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 884, 2 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7651. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos