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Trabalho penitenciário: um dever e um direito

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O Estado segue com seu discurso de ressocialização, de reintegração que é reconhecidamente um fracasso. E assim o é porque já nasceu para fracassar. Não há interesse em ressocializar os excluídos. O sistema capitalista depende deles para sobreviver.

Introdução

Os problemas que assolam os presídios brasileiros transformaram-se em questões de primeira ordem, discutidas por juristas, políticos, estudantes, enfim, por toda a sociedade.

O problema da criminalidade não se resolve com a construção de mais e maiores presídios ou com o recrudescimento das penas. Estas não reeducam e não ressocializam ninguém. Possivelmente, a única função declarada da pena que realmente é cumprida é a retribuição que, na prática, trata-se de verdadeira vingança, não raro, muito mais cruel do que o crime praticado.

De fato, a experiência tem mostrado que construir novos presídios e endurecer as penas não resolve o problema cada vez mais crescente da criminalidade. Quais mudanças positivas ocorreram após a promulgação da lei 8.072 de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos? Constatou-se, na prática, que hediondo mesmo era a referida lei.

As causas da criminalidade não estão no delinquente. Não ajuda em nada manter pessoas presas e depois colocá-las em liberdade nas mesmas condições miseráveis que as levaram à prisão. O que essas pessoas precisam é de políticas públicas que lhes assegurem uma vida digna, com acesso à educação, trabalho, moradia, assistência médica e lazer. A desigualdade e a injustiça social são as principais causas da criminalidade. Isso não é novidade e, tampouco, algo impossível de resolver. O que falta é vontade política, pois o Estado se utiliza de todos os meios de controle social para manter a ordem social injusta, protegendo somente os bens jurídicos dos proprietários. A massa de miseráveis que não produz e para quem não vale a pena produzir, é totalmente excluída, discriminada e perseguida.

Por isso, antes de tratar o tema do trabalho penitenciário, é preciso que se esclareça que a prisão não é, não foi e jamais será instrumento capaz de cumprir os objetivos declarados pelo Estado. Na realidade ela reproduz o modelo mais miserável da vida em sociedade, com violências ainda mais terríveis, humilhações e toda sorte de violações dos direitos da pessoa humana, isso tudo com o único objetivo de intimidar e manter submissa a massa de excluídos para quando esta for posta em liberdade continuar servindo ao sistema capitalista vigente.

A prisão deve ser reservada somente aos crimes cometidos com grave violência à pessoa. Nestes casos, a prisão ainda é uma alternativa necessária. Para todos os demais crimes, a prisão, por sua realidade, torna-se sempre uma pena muito mais cruel do que o crime praticado. No entanto, enquanto algumas condutas já selecionadas pelo direito penal não forem descriminalizadas e novas alternativas à pena privativa de liberdade não forem criadas, é necessário que se busque melhores condições para a população carcerária. É com este enfoque que o trabalho prisional será tratado neste trabalho.


1. Origem do Trabalho Prisional

Inicialmente a pena objetivava apenas a vingança e era imposta de maneira cruel, desumana.

A pena como forma de repressão passou por diferentes etapas. Primeiro, a pena revestiu-se de caráter vingativo individual, caso em que o homem investia-se contra outro para se defender ou vingar-se, obedecendo unicamente a seu instinto. A pena era, então, irracional e bárbara.

A proporcionalidade entre a pena e ação delituosa projetou-se pela pena de talião, pela qual era imposto ao ofensor o mesmo mal que este causara ao ofendido.

No final do século XVIII, juristas e filósofos protestaram pela moderação da pena. Surge, então, a prisão inicialmente como forma preventiva e depois como meio de repressão, porém, ainda não era considerada meio autônomo de punição, de modo que as pessoas além de serem aprisionadas, eram submetidas também a outros castigos, tais como, ficarem sem alimentos, acorrentadas, obrigadas a realizar trabalhos forçados.

As primeiras experiências da prisão como meio autônomo de pena foram registrados na Europa.

Surgiram alguns movimentos com o escopo de humanizar o modelo prisional existente na época. O inglês John Howard destacou-se em defesa da humanização da pena de prisão, protestando pelo fim do pagamento de carceragem, idéia que foi acolhida pelo Parlamento, sendo abolida, então, tal obrigatoriedade. O sistema proposto por John Howard incluía isolamento, silêncio, meditação e trabalho.

O inglês Geremias Benthan criou o sistema panótico, modelo prisional pelo qual o preso era vigiado por tempo integral. Esse sistema previa a ausência de castigos corporais e, para evitar a ociosidade, previa o trabalho prisional.

O sistema prisional que teve como precursor o Coronel Manoel Montesinos y Molina, era um sistema espanhol que enfatizava o sentido regenerador da pena. Criou uma forma de trabalho remunerado, para que o preso não fosse explorado e suprimiu os castigos corporais. "Sua funcionalidade era comparada a de um estabelecimento de segurança mínima, onde, surpreendentemente, eram baixos os números de evasão." [1]

Observando a evolução da pena, verifica-se que desde os primórdios da civilização, o homem que delinqüisse era submetidos às mais variadas formas de castigo e é neste contexto que o trabalho prisional surge. "O trabalho no regime penitenciário tem em sua origem função estritamente punitiva." [2]

A palavra trabalho tem sua origem no latim vulgar "tripalium" que significa pau de três pontas, que era um instrumento utilizado para torturar escravos, forçando-os a trabalhar e para punir os derrotados na guerra.

No Gênesis, o primeiro livro do Pentateuco, o trabalho é imposto a Adão como forma de punição por ter comido do fruto proibido "(...) maldita seja a terra por sua causa. E dela só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho, em todos os dias da tua vida." [ 3]

Essa concepção do trabalho mudou muito e atualmente chega-se ao extremo de se considerar o trabalho como a atividade mais digna do homem.

Atualmente é o trabalho e não o ócio, privilégio nestes tempos de desemprego. As prisões cuidam de reproduzir a realidade mais aniquilante da sociedade e no tocante ao trabalho não é diferente. O que se verifica é que nas prisões também o trabalho é privilégio de poucos.

O trabalho é concebido como enobrecedor. O homem que trabalha sente-se honrado, útil, enquanto aquele que não trabalha sente-se humilhado.

A espécie humana, de geração em geração, mantém-se viva pelo trabalho, sob a forma de cooperação ou trabalho coletivo, determinando entre os indivíduos participantes, relações sociais que são de ordem econômica, pela produção, distribuição e troca de produtos; de ordem ética, por normas religiosas morais e jurídicas e que regulam a vida de cada um em meio à corporação, classe ou sociedade.[4]

O trabalho prisional precisa qualificar os presos para o mercado de trabalho e deve cumprir com a determinação legal de assemelhar-se com o trabalho livre. Salvo raríssimas exceções, quando há trabalho nas prisões, este pouco ou em nada se assemelha ao trabalho livre. A realidade prisional está muito distante daquela pretendida pela lei. Falta trabalho nos presídios.

O salário mínimo em nosso país, considerado aquém das necessidades do trabalhador e de sua família, é bem maior que a remuneração do trabalhador preso. É inaceitável que uma pessoa, livre ou não, receba somente três quartos do salário mínimo vigente por seu trabalho.

A remuneração da mão-de-obra da pessoa aprisionada precisa ser repensada com responsabilidade, posto que sem poder ajudar a sua família, esta fica ainda mais vulnerável. O preocupante é que mesmo recebendo tão pouco as oportunidades de trabalho são raras.

Ao falar sobre o trabalho oferecido pela Casa de Detenção José Ricardo Ramalho diz que "oferecia poucas oportunidades de trabalho para os presos. Nesse sentido, a oportunidade de exercer alguma atividade na cadeia adquiria em determinados contextos o caráter de uma regalia, além de significar uma forma de diferenciação entre os presos." [ 5]

As prisões brasileiras nos remetem a tempos remotos. Superlotação, violências inimagináveis e trabalho, quando existente, realizado em condições precárias e em regime de escravidão.


2. Trabalho e educação

A população carcerária é composta, na sua maioria, pela massa dos excluídos. Sobre o perfil das pessoas que povoam os estabelecimentos penais de São Paulo, Vinícius Caldeira Brant diz que:

(...) o perfil populacional encontrado difere muito dos preconceitos correntes. Os presos são, em sua maioria, jovens, paulistas ou tendo migrado em tenra idade para o Estado de São Paulo, com um grau de instrução em geral quanto à cor (o que parece decorrer da preferência punitiva contra os não brancos), devendo-se entretanto ressaltar que a classificação dos fenótipos em qualquer pesquisa está sujeita a influências subjetivas de difícil controle. Diferem também quanto à definição religiosa declarada, sendo porém difícil extrair de tal informação alguma conclusão taxativa. Diferem ainda quanto à nupcialidade e à fecundidade, tendendo a casamentos precoces e a baixos índices de procriação.[6]

A cor, idade, local de nascimento, nível de escolaridade, têm relação com o ingresso no mercado de trabalho e com as oportunidades ocupacionais. Estes dados são relevantes na medida em que são indicativos do perfil das pessoas selecionadas e excluídas pelo sistema.

O melhor caminho para evitar a criminalidade é a realização de justiça social, com justa distribuição de riquezas e oportunidades iguais para todos, cuidando para que o ensino no Brasil não seja só uma fachada. É preciso evitar a evasão escolar. A escola precisa ter atrativos, precisa despertar o interesse das crianças. O Brasil tem estado inerte no tocante à resolução do problema educacional. Os professores recebem salários indignos e são constantemente humilhados, desrespeitados. É preciso que se criem escolas com infraestrutura adequada, com professores capacitados e bem remunerados para ensinar as crianças e os jovens.

As ruas estão cada vez mais cheias de menores. Essas crianças crescem na marginalidade, graduam-se na criminalidade e chegará o dia em que serão levadas à prisão, onde serão tratadas de maneira desumana, cruel. Todos os dias, jovens recém-saídos da adolescência, frutos da omissão do Estado, são empurrados para a criminalidade.

Que se arranque a máscara da hipocrisia! A prisão não recupera ninguém. Ela aniquila pessoas. É o maior instrumento de opressão utilizado contra os oprimidos. Nela impera o ócio. As pessoas que lá estão não desenvolvem nenhuma atividade profissionalizante. Não são preparadas para se reintegrarem à sociedade, mas sim para continuarem oprimidas e à margem da sociedade.

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As pessoas que passam pela terrível experiência do aprisionamento ficam marcadas. Enfrentam a discriminação e o preconceito. A vida, que antes já não era fácil, fica ainda mais difícil. Não raro, a sociedade volta-lhes as costas. A condição de excluído se agrava e a chance de retorno à prisão aumenta.

O trabalho prisional deve ser implantado de maneira adequada e deve também ser desenvolvido em um ambiente seguro e higiênico. No cotidiano da prisão, o tédio causa no indivíduo um sentimento de desolação muito grande. A ociosidade aumenta a angústia dos que estão presos. Esta constatação se verifica pelas declarações dos próprios encarcerados e pelos motins que ocorrem com freqüência nos presídios brasileiros. No entanto, não basta apenas ter as mãos ocupadas nos afazeres de uma atividade qualquer, é preciso que a cabeça também esteja ocupada.

Muitos aspectos devem ser analisados na implantação do trabalho penitenciário. Quando se afirma que o trabalho prisional deve assemelhar-se ao trabalho executado fora das prisões, não se quer dizer que as diferenças marcantes que distanciam os trabalhadores livres dos aprisionados devam ser esquecidas. É através do reconhecimento dessas diferenças que será possível a adequação do trabalho oferecido, às suas aptidões e capacidade, almejando através do ensino técnico, prepará-los para o mercado de trabalho.

A defesa do trabalho-ressocializador precisa levar em conta antes o impacto negativo da reclusão sobre os indivíduos, ou seja, é preciso diferenciar trabalho livre do trabalho do preso para perceber que não há como avaliá-los com o que há de comum entre eles, isto é, o trabalho. A cadeia, quando não aumenta a revolta, só consegue instalar uma lógica quantitativa de perdas e danos que não se sustentará diante da perspectiva de um delito melhor elaborado, que acene com a viabilidade da impunidade, dado que, via de regra, as condições externas permanecerão tanto ou mais adversas quanto no passado. Daí que a prisão, além de instrumentalizar para o crime (o preso entra em contato com as tecnicidades de ponta do crime), acaba ensinando que é preciso crimes cada vez mais qualificados para garantir a liberdade. Ou seja, o raciocínio que valida a prisão pelo medo que ela vem produzir no indivíduo dá seus passos em direção à antítese da verdadeira noção de recuperação.[7]

As diferenças entre o trabalho prisional e o trabalho livre são marcantes e inquestionáveis. O trabalhador livre supostamente tem mais oportunidades de se preparar para acompanhar as mudanças e exigências do mercado de trabalho, enquanto o trabalhador preso depende exclusivamente do Estado para enfrentar futuramente este mesmo mercado. Educação e cursos voltados para este fim são fundamentais.


3. Trabalho penitenciário: um dever e um direito.

A ONU ao dispor sobre o trabalho penitenciário diz que este não pode ter caráter aflitivo.

O artigo 28 da lei de execução penal assinala que o trabalho penitenciário é um dever.

Artigo 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§1º - Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e higiene.

§2º - O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

O trabalho influi de maneira positiva na saúde física e psíquica da pessoa que se encontra privada da liberdade, por isso ter oportunidade de trabalhar é um direito que não pode ser negado.

O artigo 41 da lei 7.210 de 1984 assegura ao preso o direito ao trabalho remunerado, não podendo ser este inferior a três quartos do salário mínimo (artigo 29 da LEP). No entanto, muitas vezes esse trabalho é sequer remunerado.

Além da pífia remuneração atribuída ao trabalho penitenciário, outra característica questionável do mesmo é a sua obrigatoriedade. Conforme o disposto no artigo 50 da Lei de Execução Penal – LEP, constitui falta grave o seu descumprimento.

O cometimento de falta grave é punido com suspensão ou restrição de direitos. Isso implica dizer que se o condenado não executar o trabalho imposto, pode sofrer as sanções previstas no artigo 53 da referida lei.

O artigo 31 da LEP diz que o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. Aptidão significa disposição nata, habilidade ou capacidade resultante de conhecimentos adquiridos. Estaria, então, sujeito a sanções disciplinares o preso que se recusar a realizar trabalho para o qual ele não se considere apto? Diante do mencionado artigo, são cabíveis as seguintes interpretações: a aptidão da pessoa condenada é auferida após a sua submissão a cursos técnicos preparatórios para o trabalho a ele destinado ou pela própria declaração deste, que pode se considerar apto por ter tido uma experiência anterior relativa ao trabalho a ele imposto, ou, ainda, pela disposição nata.

O Estado tem o dever de oferecer trabalho à pessoa presa, e não é qualquer trabalho. É necessário que seja um trabalho que efetivamente a capacite para ingressar no mercado de trabalho. Acrescente-se que as condições em que o trabalho é exercido precisam observar regras de segurança e higiene, com remuneração justa, do contrário o trabalho por ser aflitivo, assume o caráter de pena.

Em matéria penal, as normas exigem condutas incompatíveis com a realidade brasileira. Embora seja escancarado o problema de desemprego no Brasil, o nosso ordenamento jurídico considera contravenção a mendicância e a vadiagem. O trabalho, como se sabe, é requisito legal para a obtenção de alguns benefícios concedidos ao preso, como, por exemplo, o livramento condicional e a remição. É como se o legislador ignorasse o que ocorre dentro e fora das prisões.

A falta de trabalho ou o seu exercício sem a observância das normas gerais de saúde e segurança viola a dignidade humana. É descaso aos direitos e garantias conferidos a todos pela Constituição Federal que postula em seu artigo 5º, inciso XLVII, c, ser proibido a pena de trabalhos forçados.

O fundamento utilizado para não remunerar com salário mínimo o trabalho do encarcerado não é legítimo. Embora o trabalhador preso não seja regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas, isso não justifica a exploração de sua mão-de-obra sem justa remuneração. O homem livre que trabalha em situação de periculosidade ou insalubridade recebe adicional por isso, no entanto o homem aprisionado trabalha de forma totalmente precária e não tem direito sequer a um salário mínimo.

O artigo 29, § 1° da LEP, enumera em suas alíneas as destinações da remuneração do preso e são tantas que ele poderia gentilmente ensinar para milhões de brasileiros qual é o segredo de se fazer tanto com tão pouco.

O impacto da perda da liberdade para uma pessoa é tão grande que reflete em sua família. A realidade tem mostrado que quando um homem é preso, sua família fica em total desamparo, fator que leva muitas vezes filhos se encontrarem com pais na prisão.


4. Trabalho prisional e o instituto da remição

A Lei de Execução Penal, com as alterações provocadas pela lei 12.433 de 29 de junho de 2011, prevê em seu artigo 126 a remição de parte da pena através do trabalho e do estudo somente para condenados submetidos ao regime fechado ou semiaberto. "O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena." [8]

O referido instituto destina-se somente aos condenados a cumprir pena em regime fechado ou semiaberto. Discute-se sobre a possibilidade de presos provisórios terem ou não direito à remição. Como se sabe, a prisão provisória compreende a prisão em flagrante; a prisão preventiva; a decorrente de pronúncia; a decorrente de sentença condenatória recorrível e a prisão temporária. Em todos estes casos não há sentença condenatória com trânsito em julgado. O artigo 126 da LEP refere-se ao condenado. Uma interpretação restritiva do supracitado artigo levaria à compreensão de que os presos provisórios não têm direito à remição.

Embora o trabalho não seja obrigatório para os presos provisórios, estes também deveriam ter a oportunidade de trabalhar se assim o quisessem, pois infelizmente com a demora no julgamento dos processos muitas pessoas sem assistência de advogados ficam presas por muito tempo provisoriamente.

A remição da pena pelo trabalho à razão de um dia de pena a cada três dias de trabalho é mais uma boa razão para a existência deste para todos os presos, pois é injusto que somente alguns possam ter a oportunidade de, pelo trabalho, remir parte de sua pena.

Todo trabalho prisional deve ser passível de remição. Embora o artigo 32, § 1º da LEP diga que o trabalho prisional deve ser útil, limitando a atividade artesanal às regiões turísticas, o artigo 126 da mesma lei, é abrangente quando utiliza a palavra trabalho.

Não distingue a lei quanto à natureza do trabalho desenvolvido pelo condenado. Assim, a remição é obtida pelo trabalho interno ou externo, manual ou intelectual, agrícola ou industrial, não se excluindo o artesanal, desde que autorizado pela administração do estabelecimento penal.[9]

Diante dos problemas que assolam as prisões brasileiras, tais discussões não passam de meras idiossincrasias, que nada resolvem. É inaceitável a rejeição do trabalho artesanal, quando há graves problemas como a precariedade do trabalho prisional, sua escassa existência e a superlotação carcerária.

O trabalho artesanal foi relegado a um plano inferior pelo Estado que só reconhece sua importância em regiões turísticas. A visão que o Estado tem do trabalho artesanal é tacanha, pois este em termos de valor pecuniário pode estar em desvantagem em relação a outros trabalhos, mas é talvez o que mais propicia o autoconhecimento. Além disso, ao sobrepujar o trabalho artesanal as aptidões naturais são desrespeitadas.

É dever do Estado atribuir trabalho a todos os presos e, se assim não o faz, a estes deve ser assegurado o direito à remição da mesma forma.

Há assim, uma relação de direitos e deveres entre o Estado e o condenado, em virtude da qual a Administração está obrigada a possibilitar o trabalho ao preso e a este compete desempenhar atividade laborativa. Afirma-se, por isso, que, não se desincumbindo o Estado do seu dever de atribuir trabalho ao condenado, poderá este beneficiar-se com a remição mesmo sem o desempenho da atividade. Não cabendo ao sentenciado a responsabilidade por estar ocioso, não pode ser privado do benefício por falha da administração.[10]

A remição e a remuneração são decorrentes do trabalho prisional e não é justo que por desídia do Estado o preso deixe de se beneficiar com o referido instituto, tampouco é justo que o mesmo deixe de receber pelo trabalho que não realizou porque não lhe foi atribuído.

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Sobre a autora
Neli Trindade da Silva de Araújo

Advogada em Curitiba (PR). Membro do Núcleo de Criminologia e Políticas Criminais da UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Neli Trindade Silva. Trabalho penitenciário: um dever e um direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3073, 30 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20537. Acesso em: 4 mai. 2024.

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