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Trabalho penitenciário: um dever e um direito

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5. Remuneração

Toda pessoa presa que trabalha deve ser remunerada. É o que preconiza o artigo 29 da LEP. A remuneração do preso, ainda que absurdamente baixa, não é cumprida.

Resta do preceito legal apenas o intuito de animar o condenado a procurar desenvolver a atividade laborativa prisional e reconhecer que, apesar dos pesares, a remuneração não é tão elevada diante da realidade salarial de nosso país. Mesmo assim a lei não é cumprida.11

Como se verifica, mesmo sendo tão pouco o estipulado pelo legislador, haja vista o que dispõe o artigo 29 da LEP, ainda assim não se cumpre a lei. A remuneração do trabalho penitenciário deve ter em consideração não só as necessidades do preso, mas também as necessidades da família deste.

Existe um direito ao trabalho que se projeta, inclusive, sobre a família do preso, cujo sustento dele depende. O trabalho é condição de dignidade pessoal. Tem que ser remunerado como trabalho livre, com direito à previdência social e a seguro contra acidente, como garantias efetivas. É justo e conveniente que uma parte do pagamento se destine ao ressarcimento da vítima. O sistema de pecúlio, feito com o desconto de uma parte da remuneração é inteiramente arbitrário, sobretudo quando opera sobre os valores do pagamento atualmente adotados.12

Como já foi dito, não é justo que qualquer pessoa que trabalhe receba menos que um salário mínimo. O trabalho prisional não pode continuar sendo visto como tratamento, laborterapia, uma vez que este produz riquezas. Quem trabalha, encarcerado ou não, deve pelo menos receber um salário mínimo. Não é lícito que indivíduos que trabalham em condições que por si só encerram tantas desvantagens, ainda sofram com mais esse absurdo: receber tão pouco ou até mesmo não receber nada.

O trabalho só é condição de dignidade pessoal quando ele faz com que a pessoa que o executa se sinta útil. O homem sente-se orgulhoso do seu trabalho quando é reconhecido por este, quando é valorizado, e isso se dá através da justa remuneração, de condições dignas para a realização das tarefas cabíveis a cada um.

Não é raro presos que afirmam que só trabalham para remir a pena, pois a remuneração não compensa.

Para o homem é importante conseguir manter ou pelo menos ajudar no sustento de sua família. Estar preso e saber que seus filhos estão passando fome, que suas filhas estão se prostituindo para sobreviver é degradante, desesperador. Diante da realidade dos presídios brasileiros, percebe-se que todo discurso sobre recapacitação e reinserção do preso na sociedade não passa de hipocrisia. Não se pode humilhar, despersonalizar um ser humano e depois esperar que ele se comporte como um homem comum, livre de traumas e rancores.


6. Trabalho prisional em regime fechado

Nosso ordenamento jurídico estabelece três espécies de regimes: regime fechado, semiaberto e aberto.

A progressão para o regime aberto só é possível se o condenado estiver trabalhando ou comprovar que poderá trabalhar imediatamente.

Os condenados submetidos ao regime semiaberto cumprem pena em colônia agrícola, industrial ou similar. No entanto há cidades no Brasil que não possuem locais adequados para o cumprimento da pena em regime semi-aberto, o que representa um grave problema.

O regime fechado é o que mais inviabiliza o desenvolvimento do trabalho penitenciário. "as próprias peculiaridades de cada tipo de estabelecimento penal já indicam o favorecimento ou não de determinados tipos de trabalho."13

Os presídios são em geral insalubres, superlotados, fétidos. Não é favorável ao desenvolvimento do ensino ou do trabalho. Com o problema das superlotações há sempre o risco dos instrumentos serem usados como armas, caso ocorram as famigeradas rebeliões. Enfim, são muitos os obstáculos ao trabalho prisional nesse tipo de regime.

Diante disso, fica claro a urgência em se resolver o problema da superlotação que, como já foi dito, não será solucionado com a construção de mais presídios, pois o que deve ser combatido é o motivo que determina o aumento da criminalidade, da reincidência, ou seja, a injustiça social. Nesse panorama desalentador temos a progressão de regimes que possibilita ao condenado que cumpriu os requisitos objetivos e subjetivos, passar para outro regime mais brando onde há ou deveria haver mais oportunidades de trabalho.

O trabalho prisional extramuros ou intramuros deve ser realizado nas mesmas condições em que é realizado o trabalho livre.

O trabalho penitenciário, principalmente pela semelhança que deve manter com o trabalho livre, submete os presos e os internados aos mesmos riscos deste, de modo que, havendo os mesmos perigos para os trabalhadores presos e livres, devem existir também as mesmas proteções. É necessário, assim, estabelecer para o trabalho do preso as mesmas exigências do ponto de vista de higiene que existem no trabalho livre (asseio, imunização, aeração etc) e as prescrições preventivas de segurança (dispositivos de segurança).14

A Constituição brasileira assegura a todos, homens e mulheres, independente de estarem livres ou não, direitos e garantias. Segurança à integridade física e moral é exemplo de algumas dessas garantias.

O artigo 5º, inciso XLIX da Constituição Federal diz: "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral."

O direito à saúde, segurança, dignidade, não se extingue com a sentença, ao cumpri-la o condenado está rodeado de garantias constitucionais que se consolidam com o caráter jurisdicional da execução penal. Nesse contexto conferir ao trabalhador preso direitos que são conferidos ao trabalhador livre, como segurança, higiene, remuneração não inferior a um salário mínimo vigente no país é um dever legal e o seu não cumprimento é ofensa à Constituição.


7. Conclusão

O trabalho prisional se insere no sistema punitivo como elemento destinado a cumprir com os objetivos declarados pelo discurso oficial do Estado, apresentado por este como importante instrumento capaz de ajudar na ressocialização do preso. Cabe agora, com embasamento nas considerações já feitas, concluir o presente trabalho fazendo as seguintes ponderações: Fatores sociais como a má distribuição de riquezas, o desemprego e a educação deficiente são determinantes para o crescimento da criminalidade. A miséria causa desajuste familiar e empurra várias pessoas para a criminalidade.

É a injustiça social a principal responsável por aumentar a criminalidade. Quando uma pessoa comete um crime, o fato de ter sido vítima da injustiça social não impede que ela vá para a prisão. Se um indivíduo furtou, ainda que tenha sido para matar a sua fome, isso não importa, é bandido, é ladrão. Assim, as vítimas do sistema capitalista seguem pela vida, marcadas, rotuladas, perseguidas e discriminadas. O mesmo, no entanto, não ocorre com o político corrupto, com o empresário que sonega impostos. Estes passam incólumes e nada que eles façam, por mais terrível que seja, parece ser capaz de denegrir as suas "ilustradas" figuras.

Percebe-se que o Estado, guardião dos bens jurídicos, não protege todo e qualquer bem jurídico. Ele não protege a vida dos homens e mulheres que praticam crimes, muitos são executados pelo Estado sem sequer serem julgados. Não protege a infância e a adolescência de meninos e meninas, do contrário eles não estariam morando nas ruas, excluídos de tudo. Em nome da defesa da ordem pública, a massa de miseráveis é atirada na prisão para que não avance sobre o patrimônio alheio. A sociedade brasileira é desigual e injusta, logo o Estado protege uma sociedade desigual e injusta. E é em nome da manutenção dessa ordem injusta que o Estado lança os excluídos na prisão e tudo que lá se passa é com o único objetivo de manter essas pessoas submissas ao sistema opressor.

Contudo, o Estado segue com seu discurso de ressocialização, de reintegração que é reconhecidamente um fracasso. E assim o é porque já nasceu para fracassar. Não há interesse em ressocializar os excluídos. O sistema capitalista depende deles para sobreviver. Apesar dessa constatação, é necessário que se dê uma resposta concreta, urgente para as pessoas que estão presas. É com inteira consciência dessa realidade que se exige que, enquanto novas alternativas não forem criadas para tirar esses miseráveis da prisão, sejam cumpridas as promessas feitas pelo Estado aos condenados que se encontram no cárcere. É nesse contexto que se protesta por trabalho digno e em condições seguras, por remuneração justa e por educação para os oprimidos que se encontram privados de suas liberdades.

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Num país com alto índice de desemprego, como é o caso do Brasil, onde pessoas bem qualificadas sofrem pela falta de trabalho, não é difícil imaginar o que ocorrerá com uma pessoa que é posta em liberdade depois de passar anos na prisão. Além de toda a discriminação sofrida, contará, ainda, com a falta de preparo para enfrentar o mercado de trabalho. A reincidência nestes casos é certa, pois, quando o indivíduo é posto em liberdade ele volta para o mesmo meio em que vivia antes de ter sido preso, para as mesmas condições. A impossibilidade de se sustentar honestamente acaba com seus propósitos de não praticar crimes para sobreviver, por mais firmes que sejam.

A prisão é naturalmente uma violência contra o ser humano que nasceu para ser livre. A prisão que não oferece segurança, trabalho e educação é tortura. Trabalho que não se presta a capacitar para um mercado competitivo e que não remunera com justiça é trabalho forçado.

O trabalho prisional representa muito para o indivíduo que está preso. Representa a oportunidade única que este tem de ver sua pena reduzida. Se o Estado não oferece oportunidade de trabalho, o correto é que a remição seja possível da mesma forma. Por outro lado, trabalhar para não receber ou receber uma remuneração simbólica é desestimulante e injusto.

Todos têm direito a uma vida com dignidade. Trabalho, educação, lazer e saúde são direitos que devem ser assegurados a todos e não somente às classes hegemônicas.


Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998.

______. Lei n. 7.210. de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasil. Brasília, DF: Senado, 1984.

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OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. 2. ed. Santa Catarina: Editora da UFSC, 1996.

RAMALHO, José Ricardo. O mundo do crime: a ordem pelo avesso. 3. ed. São Paulo: IBCCRIM, 2002.


Notas

  1. OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. 2. ed. Santa Catarina: Editora da UFSC, 1996, p. 52.

  2. MARCHETTI, Maria Ricarda. O tratamento penitenciário: o trabalho em função reeducativa. Revista da Faculdade de Valença. Rio de Janeiro: 1998, p. 61.

  3. BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução pelos Missionários Capuchinhos. Lisboa, 1971-72. 1249. p. Gênesis, 3:17.

  4. FERRARI, Irany et al. História do trabalho do direito do trabalho e da justiça do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002, pp. 23-24.

  5. RAMALHO, José Ricardo. O mundo do crime: a ordem pelo avesso. 3. ed. São Paulo: IBCCRIM, 2002, p. 120.

  6. BRANT, Vinícius Caldeira. O trabalho encarcerado. Rio de Janeiro: Forense, 1994, pp. 44-45.

  7. HASSEN, Maria de Nazareth Agra. O trabalho e os dias: ensaio antropológico sobre o trabalho, crime e prisão. Porto Alegre: Tomo Editorial, 1999, p. 179.

  8. BRASIL. Lei n. 7.210. de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasil. Brasília, DF: Senado, 1984

  9. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à lei n. 7.210, de 11-07-84, 2. Ed. São Paulo: ATLAS, 1998, p. 321.

  10. Op. cit., pp. 323-324.

  11. Op. cit., p. 91.

  12. FRAGOSO, Heleno et al. Direitos dos presos. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 33.

  13. CHIES, Luiz Antônio Bogo. Revista de estudos criminais, 7-2002 – Doutrina, p. 73.

  14. Op. cit., p. 89.

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Sobre a autora
Neli Trindade da Silva de Araújo

Advogada em Curitiba (PR). Membro do Núcleo de Criminologia e Políticas Criminais da UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Neli Trindade Silva. Trabalho penitenciário: um dever e um direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3073, 30 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20537. Acesso em: 22 nov. 2024.

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