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Inversão do ônus da prova em sede de juizados especiais cíveis do Estado do Rio de Janeiro

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Agenda 13/04/2024 às 19:44

A inversão do ônus da prova pode ser concedida de ofício? Qual é o momento processual para requerer a inversão do ônus da prova?

Resumo: Aspectos processuais da inversão do ônus da prova em sede de juizado especial cível. Abordagem sobre a concessão de ofício da inversão do ônus da prova e fixação de momento processual adequado aos princípios dos juizados especiais cíveis para o requerimento e para a apreciação do pedido de inversão do ônus da prova em sede de juizado especial cível. Conclusão, no sentido de que, a inversão do ônus da prova não pode ser concedida de ofício e que o momento adequado para formular pedido de inversão do ônus da prova é quando da apresentação da inicial (pedido), já o momento adequado para a apreciação da inversão do ônus da prova é logo após a apresentação da inicial (pedido) e no máximo antes da citação.

Palavras-chave: Inversão. Prova. Juizado


INTRODUÇÃO

Em setembro de 1990, junto com o Código de Defesa do Consumidor, surge um novo instituto jurídico: o da inversão do ônus da prova. Apesar de estar positivado em uma legislação eminentemente de direito material e em capítulo específico de direito material, a inversão do ônus da prova guarda fortíssima relação com o direito processual, sendo inevitável o diálogo entre tal instituto e as normas processuais vigentes.

Cinco anos após o nascimento da inversão do ônus da prova no direito nacional, foi criado também em setembro o seu par ideal. Com o advento da Lei n° 9.099/95, a inversão do ônus da prova encontrou campo fértil para se desenvolver e se solidificar como instituto fundamental do processo civil.

Dentro do microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, viso apreciar a interpretação e os reflexos práticos da inversão do ônus da prova. Destaco que o presente trabalho se restringe ao âmbito estadual dos juizados e se limita a avaliação de aspectos práticos dos juízos do estado do Rio de Janeiro.

Dentre as infinitas questões processuais ainda pendentes de respostas sólidas me dedicarei a traçar esboços de respostas para dois pontos que delimito nos parágrafos seguintes:

Agora com o tema delimitado, passarei a desenvolvê-lo, dando assim minha pequena contribuição para traçar os contornos do jovem instituto da inversão do ônus da prova que em setembro de 2009 completará dezenove anos de idade.


1. QUADRO TEÓRICO

Para trabalhar com um quadro teórico, tomaremos como base as fontes do direito, que enumero agora em ordem de importância para o presente texto: Lei, Jurisprudência, Doutrina, Costume e Poder Negocial. Definida a base para o quadro teórico passo a montá-lo nos parágrafos abaixo.

Quanto à lei, resta claro que todas as normas que regem os juizados especiais cíveis se encontra na Lei n°9.099/95 e essa não trata da inversão do ônus da prova se limitando apenas a estabelecer momento processual para produção de provas. Sendo assim a única fonte legal que trata especificamente de inversão do ônus da prova é o artigo 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor que transcrevo.

a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;1

No que tange à jurisprudência, temos duas manifestações de órgãos judiciais cariocas: uma delas é a súmula n° 91 do Tribunal de Justiça do Rio de janeiro que assim dispõe: “A inversão do ônus da prova, prevista na legislação consumerista, não pode ser determinada na sentença”2. A segunda é o item 9.1 do encontro de juízes dos Juizados Especiais que todo ano é atualizado e hoje se encontra em vigor o aviso n°23/2008. O item 9.1 tem dois sub-itens que transcrevo a seguir:

9.1.1 – É cabível a inversão do ônus da prova, com base no princípio da eqüidade e nas regras de experiência comum, a critério do Magistrado, convencido este a respeito da verossimilhança da alegação ou dificuldade da produção da prova pelo reclamante.

9.1.2 – A inversão do ônus da prova nas relações de consumo é direito do consumidor (art. 6º, caput, C.D.C.), não sendo necessário que o Juiz advirta o fornecedor de tal inversão, devendo este comparecer à audiência munido, desde logo, de todas as provas com que pretenda demonstrar a exclusão de sua responsabilidade objetiva.3

Sendo assim verifica-se que a jurisprudência apresenta fontes que tratam especificamente do tema em questão, porém dão soluções diversas.

Passando agora à doutrina, verificamos que os autores que tratam dos Juizados Especiais Cíveis (entre eles, Alexandre Câmara4 Felippe Borring5) não abordam o tema inversão do ônus da prova em suas obras e apenas estudam o momento processual para a produção de provas.

Já a doutrina que atua no Direito do Consumidor (entre outros: Cláudia Lima Marques6 e Plínio Martins7) aborda apenas os critérios para a concessão da inversão do ônus da prova, deixando de lado as questões que o presente trabalho visa abordar.

Sendo certo que as especificações do tema escolhido se encontram em um verdadeiro purgatório doutrinário, só restam algumas obras específicas sobre inversão do ônus da prova. Todas as pesquisadas (em especial Sandra Aparecida8 e Rodrigo Xavier9) defendem que tal inversão pode ser concedida de ofício, mas não se manifestam quanto ao momento processual para sua apreciação em sede de Juizado Especial Cível.

Costume, esta fonte se encontra, praticamente, seca no que tange ao tema proposto e suas parcas gotas se fundam no bate-papo em fóruns, cursos jurídicos e universidades e se resume à aplicação do aviso n° 23/2008, na grande maioria dos casos. Em razão da fragilidade da fonte que carece de pesquisa específica, não há como o presente tema se basear no costume para fins de pesquisa.

Como última fonte, temos o Poder Negocial. Destaco que, por força de interpretação teleológica do art. 51, VI do Código de Defesa do Consumidor, que transcrevo ao final do parágrafo, a inversão do ônus da prova não pode ser objeto do Poder Negocial, o que faz com que tal fonte do direito seja imprestável para a elaboração de um quadro teórico.

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Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;10

Abordadas todas as fontes do direito, temos nas mãos em síntese um quadro teórico permeado de lacunas doutrinárias e com uma grande controvérsia jurisprudencial.


2. INVERSÃO DE OFÍCIO

2.1. ORGANIZANDO O RACIOCÍNIO

Neste ponto do trabalho viso responder a seguinte questão: A inversão do ônus da prova pode ser concedida de ofício? Para apresentar ao leitor uma resposta embasada em sólida fundamentação abordarei o tema em duas etapas.

Em um primeiro momento, busco construir um método de análise das medidas judiciais. Aplicando-o será possível distinguir as medidas judiciais que podem ser concedidas de ofício das outras que só podem ser deferidas à requerimento das partes.

Já na segunda etapa, irei aplicar o método desenvolvido ao instituto da inversão do ônus da prova.

Feitos os devidos esclarecimentos dou início a construção do método descrito anteriormente.

2.2. CONSTRUINDO O MÉTODO

Para fins didáticos irei construir o método com uso de analogia e assim procedendo explico a ciência do direito com o uso de porta, chave e fechadura.

Para sabermos se um cômodo trancado à chave tem o que queremos o primeiro e mais lógico passo é o de fazer uso da chave. Caso aberta a porta da-se o caso por encerrado, caso contrário procuramos outra alternativa.

Sendo certo que com a chave não funcionou vamos dar o segundo passo chamando um chaveiro. Pediríamos ao profissional que abrisse a porta da melhor forma possível. Caso aberta a porta fica resolvido o problema, no entanto se essa continua fechada será necessária uma medida enérgica.

Como última e desesperada medida para abrirmos a porta só nos resta destruir não só a fechadura como toda a porta e para termos certeza de que dessa vez teremos acesso ao cômodo podemos fazer uso de um machado, moto-serra, dinamite ou qualquer outro utensílio. Dessa vez não existem opções, sem dúvida alguma abriremos, ou destruiremos a porta e finalmente saberemos se o cômodo tem o que procuramos.

No método que apresento, assim como no processo para abrir a porta, teremos três etapas eliminatórias, cada uma delas consiste em uma pergunta, cuja resposta é sim ou não. Sendo a resposta satisfatória, a porta se abre e saberemos se a medida pode ou não ser concedida de ofício, caso contrário, passaremos a uma nova etapa, até que com a terceira pergunta, inevitavelmente, teremos a resposta definitiva.

2.2.1. Primeira Pergunta

A primeira pergunta consiste em saber se a lei define se a medida judicial pode ser concedida de ofício? Equivalendo tal questão ao uso da chave na porta do cômodo.

Tal pergunta se justifica pelos seguintes fundamentos. Temos como certo que os juízes dos estados são órgãos do Poder Judiciário e para confirmar tal afirmação nos apoiamos no art. 92, VII da Constituição Federal11. Seguindo tal raciocínio verifica-se que os juízes fazem parte da administração pública, logo se sujeitam ao comando do art. 37. da Constituição Federal12. Tendo como verdadeiras as duas últimas assertivas concluímos que os juízes estaduais e todas as medidas tomadas por eles devem obedecer aos princípios constitucionais da administração pública que são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Tomando apenas o princípio da legalidade é razoável exigir que uma medida judicial seja proferida nos precisos termos definidos em lei. Sendo assim a primeira questão se justifica em razão da vinculação entre uma medida judicial e a lei que a disciplina.

Justificada a pergunta vamos as suas possíveis respostas. Através de análise do Código de Processo Civil verifica-se que a redação normativa se pronuncia quanto à viabilidade de medidas judiciais de ofício de três formas distintas:

Em alguns casos a lei diz “o juiz pode, de ofício”, assim sendo resta claro que o juiz, independentemente, de requerimento pode tomar a medida prescrita em lei. São exemplos da redação supra-citada a dos artigos: 342, 301, §4°, 18 e 112, §único todos do Código de Processo Civil13.

Em um único momento a lei diz “o juiz poderá, a requerimento da parte”, sendo essa a redação, a única conclusão viável é que sem pedido o juiz nada pode prover. O exemplo legal se encontra no artigo 381 do Código de Processo Civil14, que trata da tutela antecipada.

Em outros casos a lei diz “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte” interpretando esse trecho verificamos que o legislador foi redundante e data vênia subiu para cima, pois se o juiz pode tomar essa ou aquela medida de ofício, sem dúvida alguma poderá tomá-la a requerimento da parte, valendo assim a máxima de que quem pode o mais pode o menos. Como exemplos do trecho mencionado temos os artigos: 105, 113 e 130 todos do Código de Processo Civil15.

Por fim destaco que, os dispositivos reguladores do processo civil, em sua grande maioria, são omissos no que tange a possibilidade da medida judicial disciplinada poder ou não ser concedida de ofício. Com isso o legislador da margem as mais variadas interpretações gerando assim posicionamentos conflitantes e insegurança jurídica. Diante do explanado fica evidente a fragilidade da primeira pergunta do método.

Encerrando o primeiro passo do método temos duas possíveis respostas para a primeira pergunta. Sendo “sim” a resposta, verifica-se que a lei se manifesta, claramente, sobre o assunto e seu comando deve ser seguido, assim sendo a chave funciona e a porta se abre revelando o conteúdo do cômodo. Caso contrário a lei é omissa e a chave não abre a porta sendo necessário passar a uma segunda pergunta.

2.2.2. Segunda Pergunta

A segunda pergunta é: A medida judicial oferece prejuízo aos envolvidos no processo? Via analogia tal questionamento equivale ao uso do chaveiro para abrir a porta.

A justificativa para tal pergunta surge da seguinte linha de raciocínio. Começamos tendo como, certo e inquestionável, que uma medida judicial em sede de processo civil é um ato processual. Partindo desta premissa, também temos como certo e inquestionável que se aplicam as medidas judiciais as regras de nulidade que regem os atos processuais, ou seja, todas as elencadas no capítulo V do Código de processo Civil (do artigo 243 ao artigo 250)16.

Pinçamos deste capítulo o artigo 249, §1° e o artigo 250, §único17 que são claros ao positivar que é fundamental a existência de prejuízo a qualquer um dos envolvidos no processo, para que um ato processual seja anulado. Assim sendo, uma medida judicial que não gera prejuízo pode ser tomada de ofício, como à requerimento das partes.

Diante da inexistência de prejuízo se torna irrelevante se a medida judicial foi tomada de ofício ou a requerimento da parte. Sendo assim não há motivo para impedir o bom andamento processual por falta de requerimento das partes e por fim concluo a justificativa do questionamento, afirmando que toda medida judicial que não acarrete prejuízo aos processualmente interessados pode e deve ser tomada de ofício.

Encerrando o segundo passo do método, vamos verificar se o chaveiro conseguiu abrir a porta, e finalmente o conteúdo do cômodo será revelado. Reitero que o questionamento se resume a esclarecer se a medida judicial gera prejuízo. Caso negativa a resposta o chaveiro abre a porta e o caso se encerra, no entanto se a medida judicial acarreta prejuízo a qualquer dos interessados o problema persiste, sendo necessário, dispensar o chaveiro e passar a etapa seguinte.

2.2.3. Terceira Pergunta

O terceiro questionamento vem nos seguintes termos: Tem a parte condições de requerer a medida? Via analogia essa é a pergunta que irá de uma vez por todas revelar o conteúdo do cômodo, sendo interessante denomina-la de pergunta derruba porta.

A justificativa para tal pergunta, parte do princípio da inércia do Poder Judiciário, que passo a explicar. Como ponto de partida tomamos como verdadeiro que o judiciário se revela como uma criatura dotada de super-poderes. Esse incrível gigante pode entre outras coisas: retirar dinheiro de sua conta bancária, retirar bens de sua propriedade, demolir sua casa, fazer suas dívidas sumirem, retirar sua liberdade e até mudar seu sexo.

Sem dúvida nenhuma um monstro com tantos poderes precisa de algumas limitações e o principal freio a este ser super-poderoso é o princípio da inércia esculpido no artigo 2° do Código de Processo Civil que transcrevo: “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais”18. Diante da redação legal fica claro que o gigante Poder Judiciário só pode utilizar seus dons quando provocado e nos estritos limites da provocação. Tendo essa máxima como norteadora das medidas judiciais avançamos no raciocínio.

Pelo explanado, anteriormente, temos como regra a inércia judicial, cuja manifestação depende da provocação de eventual interessado. Portanto, a exceção é o Poder Judiciário atuando de ofício, ou seja, agindo livremente tomando medidas a favor ou contra os processualmente envolvidos.

Para justificar uma medida excepcional como o atuar de ofício, se faz necessária uma justificativa plausível. Sendo certo que ao agir de ofício o Poder Judiciário estará, indiretamente, agindo como se parte fosse, é razoável que ao atuar como advogado, de uma das partes, esteja a parte, incapacitada de requerer a medida judicial.

Solidifico a tese apresentando dos casos nos quais à parte se encontra impossibilitada de requerer a medida judicial prescrita. Estes casos estão positivados no artigo 9° do Código de Processo Civil19. Nestes casos o juízo atuará de ofício ao dar curador especial tanto ao incapaz sem representante legal, quanto ao réu citado por edital ou por hora certa. O juízo assim age como advogado da parte, única e exclusivamente porque a parte está incapacitada de requerer a medida prescrita no artigo 9° do Código de Processo Civil20.

Passando agora as respostas da questão abre portas (Tem a parte condições de requerer a medida?), observamos que uma resposta positiva impede uma intervenção de ofício, sob pena de violação do princípio da inércia do Poder Judiciário. Já uma resposta negativa justifica uma intervenção de ofício, pois o juízo atuaria como advogado de uma parte totalmente incapacitada de requerer a medida judicial prescrita. Assim encerramos o método apresentado, pois com a terceira medida derrubamos a porta e tomamos pleno conhecimento do conteúdo do cômodo, descobrindo assim se a medida judicial pode ou não ser concedida de ofício.

2.3. APLICANDO O MÉTODO

Passamos agora a segunda etapa do raciocínio, que consiste na aplicação do método explanado nas sessões anteriores. Ao final desta parte do trabalho saberemos se a inversão do ônus da prova pode ser concedida de ofício pelo juízo.

Em apertada síntese relembro que o método a ser aplicado consiste em três perguntas sucessivas e eliminatórias. Sendo satisfatória a primeira resposta resolve-se a questão, caso contrário, passamos ao segundo questionamento até obtermos uma resposta definitiva quando da terceira pergunta.

Para melhor visualizar como funciona o método apresento ao final deste parágrafo quadro esquematizando o passo a passo:

2.3.1. Primeira pergunta

O primeiro passo é saber se a lei se manifesta, no que tange a possibilidade da inversão do ônus da prova ser concedida de ofício. Para uma melhor análise transcrevo, ao final do parágrafo o artigo 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor, que é o único dispositivo legal sobre o tema.

a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;21

Basta um simples correr de olhos para verificar que a norma é omissa quanto a concessão de ofício da medida. Sua redação em momento algum diz “o juiz pode, de ofício inverter o ônus da prova” tão pouco diz: “o juiz poderá a requerimento da parte inverter o ônus da prova”. Sendo assim o dispositivo legal não se manifesta expressamente sobre a medida poder ou não ser concedida de ofício. Trazendo a redação um tímido “a critério do juiz”, que precisa ser interpretado a luz dos próximos passos do método para trazer à luz uma resposta sólida.

Sendo assim a resposta para a primeira questão é um sonoro “não”, ou seja, a lei não se manifesta quanto à possibilidade da inversão do ônus da prova ser concedido de ofício ou a requerimento da parte. Com isso se faz necessário passar ao segundo passo do método.

2.3.2. Segunda pergunta

Iniciamos o segundo passo com a pergunta: O deferimento da inversão do ônus da prova gera prejuízo a qualquer dos interessados?

Vamos responder a questão via analogia. Imaginemos que um time de futebol esteja ganhando um jogo por três à zero, de repente o juiz (de futebol), chama os técnicos e capitães para informar que decidiu, de ofício, inverter as regras do jogo. Agora ganha o jogo o time que fizer menos gols. Pergunto agora a decisão do árbitro gera prejuízo a algum dos times?

Sem qualquer dúvida a resposta, tanto da questão processual, quanto da questão futebolística é positiva. A inversão das regras probatórias é uma decisão importantíssima no processo civil, essa, quando deferida gera um ônus extra para o réu.

Invertido o ônus da prova o réu não pode mais se valer da falta de provas do fato constitutivo do direito do autor. Deferida a decisão em comento caberá ao réu provar fato, impeditivo, extintivo ou modificativo de acontecimentos que carecem de sólido respaldo probatório.

Passemos agora a avaliar o outro lado da moeda. Imaginemos um consumidor que tenha contratado a entrega de produto por telefone. Digamos que tenha feito o pedido, porém o produto nunca chegou. Prova que o réu disponibiliza o produto e a compra via contato telefônico e ainda indica data, atendente e número de protocolo da sua solicitação, no entanto, não tem como provar nem que solicitou o produto, muito menos que não recebeu esse, já que não tem acesso algum ao banco de dados do réu.

Diante do caso acima, resta claro que uma decisão indeferindo a inversão do ônus da prova, geraria um grande prejuízo ao consumidor, pois tornaria inviável a prova do fato constitutivo do seu direito e isso em um momento posterior acarretaria a improcedência do pedido.

Sendo assim, seja pela ótica do consumidor, ou seja pela ótica do fornecedor, uma decisão judicial que aprecia a viabilidade da inversão do ônus da prova sempre acarretará prejuízo a uma das partes envolvidas no processo. Com isso, verificamos que a segunda questão não foi suficiente para sanar a pergunta objeto do tópico, o que faz com que seja necessário avançar para o terceiro e último questionamento.

2.3.3. Terceira pergunta

Finalizamos o método dando o terceiro e último passo, que se resume a pergunta: Tem a parte condições de requerer ao juízo a inversão do ônus da prova?

Antes de enfrentarmos a questão devemos reconhecer que o legislador admite, em alguns casos, que a parte venha a juízo sozinha, ou seja, sem o auxílio de um advogado. Assim sendo, para diferentes definições de parte, com ou sem advogado, apresentaremos diferentes fundamentos.

Comecemos adotando como parte, o jurisdicionado assistido por um advogado. Nesse caso, resta claro que o profissional do direito tem condições de requerer ao juízo a inversão do ônus da prova pelos seguintes fundamentos: A uma o advogado é profissional habilitado que estudou no mínimo cinco anos e ainda conseguiu aprovação no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A duas a prática demonstra que em regra as petições iniciais elaboradas por advogados, trazem pedido de inversão do ônus da prova. A três o requerimento de inversão do ônus da prova não exige que o profissional habilitado tenha super-poderes ou um intelecto avançado, sendo bem simples a leitura, aplicação e confecção de pedido com base no art. 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor22.

Com base nos três fundamentos apresentados concluo que a parte assistida por advogado tem plena condição de requerer ao juízo a inversão do ônus da prova.

Agora adotaremos como parte, o jurisdicionado sem qualquer suporte de um profissional habilitado. Nesse caso sustentamos que a parte desassistida tem, indiretamente, condições de requerer ao juízo a inversão do ônus da prova, como fundamentamos no parágrafo abaixo.

Todos sabem que a realidade do país e em especial a do estado do Rio de Janeiro admite que qualquer pessoa possa adquirir grande número de medicamentos sem uma prescrição (receita) médica. Sendo assim resta claro que se uma pessoa opta por fazer uso de medicamento sem a orientação de um médico esta deve carregar o ônus de sua decisão, logo se tomou medicamento ineficaz ou deixou de se beneficiar de um tratamento melhor, nada poderá ser feito.

Assim como em caso de auto-medicação o homem médio tem plena ciência de que para procurar a Justiça deve, em regra, ter o auxílio de um advogado. Por conseguinte o ônus da escolha de tomar remédio sem orientação médica ou ir a juízo sem um advogado, deve ser suportado na íntegra pelo indivíduo. Sendo assim a parte desassistida, bem como a parte orientada por um advogado devem receber do juízo o mesmo tratamento. O juiz deve se portar diante do desassistido, como se estivesse com um advogado ao seu lado, pois este é o ônus que o jurisdicionado deve carregar quando opta por dispensar o advogado.

Encerrados os argumentos concluímos não só a resposta para o terceiro questionamento como também o método proposto. A solução para a última pergunta, vem no sentido de que a parte, com ou sem um advogado, tem plena condição de requerer ao juízo a inversão do ônus da prova, logo temos uma resposta positiva para o último passo do método.

Transportando esta resposta para o organograma do método, chagamos a uma resposta definitiva e bem embasada para a questão central da sessão (Pode a inversão do ônus da prova ser concedida de ofício?). Sendo positiva a resposta da terceira questão, concluímos que a inversão do ônus da prova não pode ser concedida de ofício.

Sobre o autor
Tiago Duque de Almeida

Mediador de Conflitos junto ao Grupo de Mediação do Ministério Público do Rio de janeiro. Advogado, Bacharel em Direito (2005) pela Universidade Federal Fluminense. Mestrando em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (PPGSD). Pós graduado com especialização em Direito Público e Privado (2009) através de convênio EMERJ (Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) e Universidade Estácio de Sá. Experiência em Direito de Família com ênfase em Mediação e Resolução de Conflitos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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