CONCLUSÃO
Constata-se que o instituto litigância de má-fé se encontra plenamente aprimorado no âmbito do Poder Judiciário, pois conduta caracterizadora de tal deslealdade processual é exemplarmente combatida, principalmente devido ao volume de ocorrências perante aquele Poder.
A efetividade na contenção de tal prática processual se deve a respeitáveis estudos sobre o tema e, principalmente, às rígidas leis, objetivando impedir que processos se apresentem com o objetivo inusitado de desestabilizar a adequada e leal marcha processual.
Nesta perspectiva, tem-se que no âmbito dos tribunais de contas também existem instrumentos legais suficientes para coibir tal conduta.
Pela observação dos aspectos analisados, buscou-se comprovar que perante essas cortes é possível punirem responsáveis, interessados, procuradores, que se utilizam do processo administrativo impingido de deslealdade, faltando deliberadamente com a verdade e empregando artifícios fraudulentos, condutas caracterizadoras por matizes que conduzem à litigância de má-fé. Tal possibilidade se enraíza principalmente nos normativos internos destas cortes de contas, empregados de forma subsidiária a partir do Código de Processo Civil, ou, mesmo, disciplinados nos seus próprios regimentos internos, conforme a respeitável iniciativa do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, já demonstrada em linhas anteriores.
Exemplo de que a litigância de má-fé pode ser igualmente combatida no âmbito dos TCs: são os julgados paradigmas apresentados neste estudo, oriundos do Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado do Tocantins, Tribunal de Contas do Estado do Pará, Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás e Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, cujas cortes inauguraram respeitável marco jurídico-administrativo ao aplicarem multa, por litigância de má-fé ou disciplinarem tal sanção, aos atores que se utilizarem de expedientes duvidosos, com o fim de lograr êxito naquilo que, sabidamente, tratar-se de processo de difícil ou impossível vencer, de modo a estender, propositadamente, o andamento do processo.
Nesse sentido, sabe-se que as normas são estatuídas com alargada margem de correção, mas não são estanques, daí por que constantemente sofrem mudanças. Conceitos que foram fundamentos para que o legislador extraísse o espírito e assim instituíssem regras, com o decorrer do tempo, necessitam de nova avaliação, reclamando, dessa forma, que as normas sejam atualizadas e aperfeiçoadas.
E é com esse espírito que as demais cortes de contas, sobretudo os tribunais de contas dos estados e dos municípios, devem reestruturar seus respectivos arcabouços normativos, a exemplo das iniciativas oriundas dos tribunais de contas mencionados neste trabalho.
Alterações legislativas contribuiriam, sobremaneira, para a diminuição dos conhecidos estoques de processos. Isso porque a repressão à litigância de má-fé, ao se tornar mais aparente, dotada de instrumentos legais, por meio de sanção personalíssima de multa, aplicada pelos julgadores dos tribunais de contas, seguramente se evitaria, por exemplo, que recursos objetivando combater decisão lavrada em prestação de contas sejam interpostos sem suporte probatório suficientemente para serem providos. Ou mesmo que sejam interpostos tendo como tese de defesa as mesmas justificativas e suportes probatórios que foram apresentadas por ocasião da análise da prestação de contas.
Ainda sobre recursos, há que se fazer um hiato e mencionar a iniciativa do Tribunal de Contas da União, que instituiu a Secretaria de Recursos (Serur), cuja competência precípua é examinar a admissibilidade e instruir os recursos. De modo que após a proposta de admissibilidade pela Serur, o relator do recurso, designado por sorteio eletrônico, realiza o juízo de admissibilidade (conhecimento ou não do recurso).
Referida iniciativa, se levada a efeito pelos demais tribunais de contas, impediria, por exemplo, a constante oposição de embargos de declaração e agravos, utilizados sabidamente apenas como instrumento protelatório.
Com relação aos aclaratórios, há que se reprisar que o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande Sul disciplinou em seu Regimento Interno a elevação para até 10% da multa a ser aplicada ante a reiteração de embargos protelatórios, inclusive ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do valor respectivo.
Ainda nessa perspectiva, também se impediria que se suscitassem incidentes, seja de suspeição ou de impedimento, com o fim deliberado de procrastinar o andamento do processo principal, conduta esta, conforme julgado já apresentado (Resolução nº 362/2014 - TCE/TO - PLENO - 18/06/2014), a corte de contas tocantinense reprimiu, com aplicação de multa.
Permite, inclusive, frear que licitantes, à vista de terem frustradas suas propostas em procedimento licitatório, conduzido com correção, sirvam-se de representações ou mesmo denúncias, inclusive pugnando pela concessão de medidas cautelares, no caso de representação, com interesse único de desestabilizar a condução do certame, revelando-se nitidamente protelatórias.
Portanto, como reflexão derradeira, e considerando que o processo se apresenta como mecanismo de pacificação social, é inconcebível se permitir qualquer abuso de direito ou outro meio tendente a configurar litigância de má-fé. Mesmo porque, igualmente, não se tolera o embuste nos processos regulados sob a égide do CPC, e, via de consequência, luta-se para que também não se permita que os processos que tramitam nos tribunais de contas estejam amalgamados pela aura da má-fé, pois a agressão processual exercida contra o Estado se descortina em ambas as searas.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 2. ed. Bauru- SP: EDIPRO, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 dez. 2014.
BRASIL. Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1608.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.
BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657 de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.
BRASIL. Lei n. 8.443, de 16 de julho de 1992. Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8443.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.
Brasil. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm#art1218>. Acesso em: 12 set. 2015.
BRASIL. Processo n. 154/2014. Processo administrativo / 9. outros - exceção de suspeição em face do conselheiro desta corte de contas, Severiano Jose Costandrade de Aguiar que examina os autos de representação nr. 9850/2013. Disponível em: <http://www.tce.to.gov.br/e-contas/>. Acesso em: 15 set. 2015.
BRASIL. Resolução TCU n. 246, de 30 de novembro de 2011. Altera o Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, aprovado pela Resolução TCU n. 155, de 4 de dezembro de 2002. Disponível em: <http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14EFAF949014F0003D2BC055C>. Acesso em: 12 set. 2015.
BRASIL. Súmula n. 103, de 25 de novembro de 1976. (DOU - Seção I, 16/12/1976).Na falta de normas legais regimentais específicas, aplicam-se, analógica e subsidiariamente, no que couber, a juízo do Tribunal de Contas da União, as disposições do Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www2.trt3.jus.br/cgi-bin/om_isapi.dll?clientID=168004&infobase=sumulas.nfo&jump=S%famula%20039%2fTCU&softpage=Document42>. Acesso em: 12 set. 2015.
CARPENA, Márcio Louzada. Da (des)lealdade no processo civil. Curitiba: Gênesis. Revista de Direito Processual Civil n. 35, 2005. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/textos/artigos/html/Artigo%20-%20OFICIAL%20Dever%20de%20lealdade%20RJ%20-%20Marcio%20Carpena-%20%20%20%20%20%20formatado.htm>. Acesso em: 28 set. 2015.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio: aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil. Escrito em homenagem a Ovídio Baptista da Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DOTTI DORIA, Rogéria. A litigância de má-fé e a aplicação de multas. In: Estudos de Direito Processual Civil – Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. Coord. Luiz Guilherme Marinoni. São Paulo: RT, 2005.
GOIÁS. Governo do Estado de Goiás. Lei n. 15.958 de 18 de janeiro de 2007. Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás e dá outras providências. Disponível em: <http://www.gabinetecivil.go.gov.br/leis_ordinarias/2007/lei_15958.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.
GROSMANN, Kaethe. O dever de veracidade no processo civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1945.
MASCHIETTO, Leonel. A litigância de má-fé na justiça do trabalho e a análise da responsabilização do advogado. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp011579.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
NETTO, José Manoel de Arruda Alvim. Manual de Direito Processual Civil. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
PIMENTA, José Marcelo Barreto. O princípio da boa-fé processual e a ineficácia prática da multa por litigância de má-fé. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2686, 8 nov. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17782>. Acesso em: 2 jul. 2015.
SOUZA, Gelson Amaro de. Litigância de má-fé e o Direito de Defesa. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/subs/santoanastacio/institucional/artigos/litigancia-de-ma-fe-e-o-direito-de-defesa>. Acesso em: 15 set. 2015.
SOUZA, Maicon de Souza e. Dever de lealdade processual e análise econômica da litigância de má-fé à luz dos punitive damages. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/2311/1693>. Acesso em: 15 set. 2015.
STF. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.961-7. Tribunal Pleno, Brasília, DF, 24 de novembro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/ >. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-CE. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO CEARÁ. Lei Nº 12.509, de 6 de dezembro de 1995. Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Ceará e dá outras providências. Disponível em: <http://www.tce.ce.gov.br/institucional/2012-09-06-14-01-12>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-MS. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Lei Complementar n. 160, de 2 de janeiro de 2012. Dispõe sobre o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.tce.ms.gov.br/corregedoria/uploads/legislationfile/4/lei-organica-do-tribunal-de-contas-ms.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-PA. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARÁ. Acórdão n. 48.985/2011. Processo nº. 2010/50221-6. Disponível em: <http://www.tce.pa.gov.br/ivancunha/images/pdf/48_985.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-PI. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PIAUÍ. Resolução TCE/PI n° 13/2011 (Regimento Interno). Disponível em: <http://www.tce.pi.gov.br/legislacao/cat_view/90-/97-/211-2011>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-PR. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ. Resolução n. 1/2006 (Regimento Interno). Disponível em: <http://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/resolucao-n-1-de-24-de-janeiro-de-2006-regimento-interno/1403/area/10>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-RJ. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Deliberação n. 167/1992 (Regimento Interno). Disponível em: <http://www.tce.rj.gov.br/arquivos/Votos/JGG/100420/22084905.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-RS. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Resolução n. 1028/2015 (Regimento Interno). Disponível em: <http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/consultas/legislacoes/atos_normativos_tcers/regimento_interno/2NovoRIR1028Ret.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-SC. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Lei Complementar n. 202 de 15 de dezembro de 2000. Institui a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina e adota outras providências. Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/files/file/biblioteca/LEI_ORGANICA_CONSOLIDADA.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-TO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS. LEI N° 1.284, de 17 de dezembro de 2001. Lei Orgânica. Disponível em: <http://www.tce.to.gov.br/sitetce/images/stories/pdf/Lei_Organica_TCE.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-TO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS. Resolução n. 362/2014 - TCE/TO – Pleno, de 18/06/2014. Disponível em: <http://www.tce.to.gov.br/Boletim/Arquivos/f84e647386088f031343b26b155c37df.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCE-TO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS. Resolução Normativa n. 002/2002. (Regimento Interno). Disponível em: <http://www.tce.to.gov.br/sitephp/aplic/legislacao/docs/regimentoInterno/Regimento_Interno_TCE_TO_de_04_12_2002_Em%20Vigor_Atualizado_em_28_08_2012_Consolidado.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCM-GO. TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE GOIÁS. Resolução Administrativa n. 073/2009 (Regimento Interno). Disponível em: <http://www.tcm.go.gov.br/portal/arquivos-tcm/arquivos_concurso_2014/regimento_interno.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
TCU. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão n. 261/2012 – TCU – Plenário. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.contas.uniao;plenario:acordao:2012-02-08;261 >. Acesso em: 12 set. 2015.
THEODORO JUINIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. I. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Boa-fé e processo – princípios éticos na repressão à litigância de má-fé – papel do juiz. Revista Jurídica. São Paulo. Junho, 2008. vol. 368. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Humberto%20Theodoro%20J%C3%BAnior(3)formatado.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2015.
VIANA, Salomão; STOLZE, Pabro. Boa-fé objetiva processual: reflexões quanto ao atual CPC e ao projeto do novo Código. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22382/boa-fe-objetiva-processual-reflexoes-quanto-ao-atual-cpc-e-ao-projeto-do-novo-codigo#ixzz3n4HHn0gX>. Acesso em 12 set. 2015.
ZYMLER, Benjamin. Processo administrativo no Tribunal de Contas da União. In: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Prêmio Serzedello Corrêa 1996: monografias vencedoras. Brasília: TCU, 1997.