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O Ministério Público de Robespierre.

O caso polêmico do GAECO

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Agenda 29/10/2003 às 00:00

1. O Problema

O Ministério Público ganhou novas e amplas dimensões com a Carta Magna de 1988. Consagrou a independência e a unicidade, as garantias que instrumentalizam suas funções fiscalizatórias e concedeu a titularidade da ação penal pública. Ocorre que não trata a Constituição sobre a possibilidade de conduzir ou presidir diretamente inquéritos penais e sim cíveis, preparatórios de ações cuja titularidade é do próprio órgão ministerial. Trata-se aqui de determinar se pode ou não o Parquet imiscuir-se no Inquérito Policial, questão tormentosa pelas vaidades entre promotores e delegados, pela interpretação mais ou menos extensiva e liberal e, ainda, pelo cunho ideológico que se reveste.


2. Introdução

A polêmica foi iniciada com a Constituição de 1988, desenvolveu-se com a promulgação da Lei Orgânica do Ministério Público e se aprofundou com a edição da Lei do Crime Organizado. Pode o Ministério Público conduzir inquéritos policiais? Parece que a polêmica está concentrada na apuração e desmonte de crimes cometidos por organizações criminosas. Não se excede o dissenso deste ponto.

É bem verdade que a legislação constitucional e infraconstitucional não se posiciona de forma a permitir ou proibir expressamente a possibilidade ou a vedação, permitindo conclusões as mais diversas, temperadas por conveniências e políticas públicas concorrentes. Delegados contra promotores, advogados contra ambos, juízes impassíveis, ministros que se confrontam em seus entendimentos: eis o panorama da discussão. Mas o que preocupa, na verdade, é a possibilidade de validação ou anulação dos procedimentos preparatórios conduzidos pelo Ministério Público: eis a verdadeira celeuma e receio dos Grupos de Atuação de Combate ao Crime Organizado, também chamados pela sigla Gaeco. Processo anulado é o terror do zeloso promotor público que aposta na possibilidade; aposta o advogado que conseguirá anular o feito.

Ocorre que, em processo penal, um dos bens jurídicos mais relevantes do homem que é a liberdade não pode se prestar a apostas.

O Estado de Mato Grosso foi um dos pioneiros na criação do Gaeco, primeiramente por meio de Portaria expedida pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado, declarada inconstitucional pela unanimidade do Tribunal de Justiça do Estado, e depois por meio de legislação estadual. Logo após a declaração de inconstitucionalidade, dois membros do Parquet, Drs. Marcos Machado e Roberto Turim, fizeram publicar o artigo que vai transcrito abaixo, introduzindo o presente estudo com uma apaixonada defesa do Ministério Público que, ao final, julgaremos equivocada. Senão vejamos:

O e. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em sua composição plena, declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade da Resolução nº 009/99-PPJ, de 11.08.99, editada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, órgão superior do Ministério Público Estadual, que criou o GAECO – Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado -, composto por Promotores de Justiça, com a atribuição para "oficiar nas representações, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios, e processos destinados a identificar e reprimir as organizações criminosas", abrangendo "a apuração e repressão dos crimes que se tornem conhecidos no decorrer das investigações".

A decisão foi tomada em julgamento realizado no dia 18.10.01, acolhendo-se ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado, e teve como relatora a i. Desa. Shelma Lombardi de Kato. Seria mais uma decisão, entre inúmeras editadas pelo tribunal pleno, que poderia passar despercebida se não fosse o fato de devolver, indistintamente, a todos os signatários da ordem e da paz o sentimento de impunidade "oficializada", que atende e beneficia apenas os "intocáveis", grupos organizados de pessoas que encomendam, friamente, homicídios de seus desafetos, sonegam tributos em alta escala, falsificam e fraudam o que for necessário para atingirem objetivos mercenários, além praticarem atos, modelares e em série, de corrupção contra a Administração Pública.

A comentada decisão colegiada deverá enfrentar recursos extraordinário e especial a serem formulados, pela Procuradoria Geral de Justiça, ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, por ofensa a normas constitucionais e legais, precipuamente a Lei Orgânica do Ministério Público, porém levará o Colégio de Procuradores de Justiça a editar nova Resolução, assim que publicado o v. acórdão, visando adequar a atuação do GAECO aos limites do julgado, em virtude do efeito recursal, unicamente, devolutivo.

Sem subjulgar o entendimento dos e. Desembargadores que acompanharam o voto condutor, nem sugerir qualquer defesa de classe, a decisão, por si só, merece ser levada à crítica popular. Isto porque, enquanto, em todos os Estados, a política de segurança pública está voltada ao fortalecimento do Ministério Público para combater a criminalidade difusa, em Mato Grosso, por interpretação judicial, o órgão que, constitucionalmente. possui, entre suas funções, o controle externo da atividade policial, a titularidade, privativa, da ação penal, inclusive podendo dispensar o Inquérito Policial, dependeria da Polícia Civil para investigar fatos que configuram crime, mesmo que cometidos por policiais, delegados, praças e oficiais da Polícia Militar.

Como ensina Valter Foleto Santin (Revista da Unirondon, nº 1, 2000, pág.51-69) a atividade de investigação criminal destina-se ao fornecimento de elementos mínimos sobre a autoria e a materialidade do delito, para a formação da opinio delicti do Ministério Público, o desencadeamento ou não da ação penal pública e o embasamento para o recebimento da denúncia e concessão de medidas cautelares pelo juiz. Também serve para embasar a queixa-crime da vítima nos crimes de ação privada ou ação penal subsidiária. A atribuição para a realização de investigação criminal é das polícias, especialmente a Polícia Federal, as Polícias Civis e as Polícias Militares, por crimes federais, estaduais e militares, respectivamente. Com propriedade, salienta que o principal obstáculo do acesso à justiça na esfera criminal relaciona-se à investigação criminal, pelo sistema burocrático e demorado com que realizada tradicionalmente pela polícia, quase de forma exclusiva, sendo necessária a análise da exclusividade da polícia na investigação criminal, se as demais polícias podem investigar delitos fora da sua área de atuação normal, se outros entes estatais extrapoliciais podem investigar e a atuação da vítima, do indiciado e do cidadão. Destaca, assim, que os serviços de segurança pública são obrigação do Estado, com a participação de todos, para a preservação da ordem pública e incolumidade e patrimônio do cidadão (CF, art.144, caput), e esses serviços destinam-se à prevenção, repressão, investigação de delitos, vigilância e polícia de fronteiras e polícia judiciária. Esses serviços são encarados como funções para a segurança pública. A prevenção destina-se a evitar a ocorrência de crimes; a repressão é a pronta providência para a prisão do infrator; a investigação é para fornecer elementos de prova para o desencadeamento da pretensão punitiva estatal; a polícia de fronteiras é para controlar o ingresso e saída de pessoas e mercadorias no país; a polícia judiciária é para auxiliar e cooperar com as atividades do judiciário e do Ministério Público, no cumprimento de mandados e diligências.

Conclui-se, portanto, que as polícias não têm exclusividade na realização de investigação criminal. O reconhecimento do monopólio investigatório da polícia não se coaduna com o sistema constitucional vigente, que prevê o poder investigatório das comissões parlamentares de inquérito (art.58, § 3º), o direito do povo de participar dos serviços de segurança pública (art.144, caput), função na qual a investigação criminal se inclui (art. 144, § 1º, I e § 4º), o acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV), o princípio da igualdade (art. 5º, caput e I), e sobretudo a incumbência do Ministério Público de instaurar a ação penal, que tem como pressuposto válido a investigação criminal (art. 129, I, III e VI).

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Por força do princípio e da universalização da investigação, que tem como base a democracia participativa, a transparência dos atos administrativos, o acesso ao Judiciário, não há "privatividade" ou "exclusividade" para investigar. No que toca à Polícia Civil, cuja função é a de apurar infrações penais (crimes e contravenções penais), o Código de Processo Penal não exclui que autoridades administrativas, a quem a lei seja cometida a função de investigar (CPP, art.4º, § único), possam, concomitantemente, desvendar fatos ilícitos.

Não é razoável que haja, no poder estatal de menor relevância, a investigação criminal, especialmente porque a fase de investigação é facultativa para o exercício da ação penal e acesso ao Judiciário, se a acusação possuir elementos suficientes da autoria e materialidade do crime para embasar a denúncia penal (CPP, arts.39, § 5º e 40). A Constituição Federal não condiciona o exercício da ação penal à realização de investigação policial. Observe-se que ofende o óbvio a proibição do Ministério Público investigar quanto se verifica que a Constituição Federal o incumbe, textualmente, de promover privativamente a ação penal (art. 129, I), instaurar o inquérito civil e promover a ação civil pública (III), expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los (VI), requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (VIII), além de exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (IX), dispositivos que evidenciam a possibilidade de empreender todo o tipo de investigação (administrativa, civil ou criminal). A atuação do Ministério Público na investigação ainda gera debates jurídicos e não está pacificada, mas no âmbito do e. Supremo Tribunal Federal sua e. 1ª Turma decidiu. ser "regular a participação do Ministério Público em fase investigatória", sinal da possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público. Por seu turno, no e. Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento de que o Ministério Público pode atuar na fase investigatória, a ponto de a questão estar sumulada: Súmula 234, pela qual a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

Nos Tribunais Regionais Federais, principalmente da 4ª Região (RS), reconhece-se possibilidade de denúncia com base em "investigações precedidas pelo Ministério Público", que "pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta execução da lei", de modo que tal "poder do órgão Ministerial mais avulta quando os envolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidas ao controle externo do Ministério Público" (HC 97.04.26750-0/PR).

Nos Tribunais de Justiça, há julgados em São Paulo e no Rio Grande do Sul que permitem o acompanhamento, pelo Ministério Público, dos atos de investigação ou realização direta de diligências relevantes que não se erigem em impedimento à sua atuação (RT 660/288), bem como que autoriza o Ministério Público a colher provas para servir de base à denúncia ou à ação penal (RT 651/313).

Na doutrina, a atuação investigatória do Ministério Público é defendida, de forma sistemática em normas positivas, por Valter Foleto Santin, Frederico Marques, Hélio Bicudo, Julio Fabbrini Mirabete, Marcellus Polastri de Lima, Hugo Nigro Mazzilli, entre outros. Em suma, todos convergem para o entendimento segundo o qual o Ministério Público, por lei que disciplina suas funções criminais (CPP e LONMP - nº 8.625/93), pode instaurar procedimento administrativo autônomo para investigar fatos ilícitos e seus autores, ou fazê-lo no próprio inquérito policial, através de notificações, ou requisições de diligências, documentos e perícias, haja visto que a investigação criminal deve ser desburocratizada e instrumentalizada de forma simples e célere, para permitir a imediata análise do Ministério Público e a formação do convencimento sobre o desencadeamento da ação penal ou o arquivamento do caso.

Portanto, a decisão do e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, proferida na ADIN que impugna a criação e o funcionamento, serve apenas para privilegiar um sentimento egoísta de classe, sentimento esse que, com certeza, não é unânime dentro dos quadros da Polícia Civil do Estado. No mais, a referida decisão beneficia apenas e tão somente a um segmento da sociedade: o crime organizado, contribuindo para que a coletividade se sinta ainda mais desprotegida e ameaçada e passe a confiar ainda menos nos órgãos públicos encarregados da segurança pública.

O GAECO é um órgão do Ministério Público, com estrutura material e pessoal, incumbido de atribuições específicas que não restringem nem usurpam as funções da Polícia Civil. Pelo contrário, une instituições públicas que tem o dever de velar, juntas, pela segurança pública.

Acima de tudo, o GAECO tem por escopo combater organizações que praticam os mais graves crimes na escala de repressão da lei penal. Por isso, o poder de investigação direta pelo Ministério Público é tido como imprescindível e vital para o êxito de ações penais a serem instaladas, a considerar-se que não há "crime organizado" sem a efetiva participação ou favorecimento de agentes públicos, entre os quais os policiais.

 Ao Ministério Público cabe investigar, de maneira independente e autônoma, todo e qualquer crime, principalmente aqueles que porventura não tenham sido investigados ou solucionados pela autoridade policial. Nessas hipóteses, o Ministério Público cumpre sua missão constitucional de defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

É óbvio que ninguém investiga a si mesmo e, sem que haja poder de investigação amplo e irrestrito, consagra-se mais uma homenagem à impunidade.

Como vemos, calcado de argumentos está o desabafo dos promotores públicos. E não são quaisquer argumentos: uma fortíssima corrente doutrinária e jurisprudencial quer, à força da aplicação da norma e do preenchimento de lacunas, instituir um sistema que até então nos é estranho. Não sabemos se operações do tipo italiano "mãos limpas" ou a prática da "tolerância zero" daria resultado no Brasil: sempre foi discutível a importação de modelos alienígenas e sua adaptação aos padrões brasileiros. As sociedades são diferentes, os panoramas distintos, as necessidades enormemente diversas. É factível que soluções de além-mar possam indicar melhora no combate ao crime organizado?

Num vai e vem de interpretações, emaranhados de citações e intermináveis opiniões, o meio jurídico recebe aqui e ali indicativos pela legitimidade ou ilegitimidade do Ministério Público para investigar. O certo é que não há lei específica.

A recente notícia, veiculada pelos órgãos oficiais do Supremo Tribunal Federal, causou comoção no meio jurídico nacional, mais precisamente junto ao operadores jurídicos que atuam com o direito penal e processual penal:

Turma do STF discute poderes investigatórios do Ministério Público ao julgar recurso

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento hoje (6/5) ao Recurso em Habeas Corpus (RHC 81326) interposto por um delegado de polícia do Distrito Federal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que validou atos investigatórios promovidos pelo Ministério Público do Distrito Federal.

O delegado foi notificado por um representante do Ministério Público do DF para comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, instituído pela Procuradoria local, a fim de ser ouvido em um procedimento administrativo investigatório supletivo.

O procedimento, segundo o policial, tem por finalidade apurar fato que, em tese, poderia configurar crime. Contra a notificação, ele impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que foi indeferido. E, insatisfeito, impetrou novo recurso, desta vez no STJ, que também o indeferiu, sob o argumento de que "têm-se como válidos os atos investigatórios registrados pelo MP, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente visando a introdução dos seus procedimentos administrativos para fim de oferecimento de denúncia".

O delegado, por sua vez, interpôs recurso junto ao STF com o objetivo de modificar a decisão do STJ que reconheceu validade à requisição expedida pelo MP.

Para o relator do recurso no STF, ministro Nelson Jobim, a falta de legitimidade do MP para realizar diretamente investigações e diligências em procedimentos administrativos investigatórios a fim de apurar crime cometido por funcionário público – no caso o delegado de polícia – não é controvérsia nova no meio jurídico.

Jobim fez uma regressão histórica e citou um caso de 1936, em que o, à época, ministro da Justiça, Vicente Rao, tentou introduzir no sistema processual brasileiro o instituto dos Juizados de Instrução. A tese foi acolhida pela comissão responsável pelo Anteprojeto de Código de Processo Penal, mas ela, entretanto, não vingou. Na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, ponderou-se pela manutenção do inquérito policial, pois a criação dos Juizados de Instrução, que importava limitar o poder do policial de prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticado sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente superáveis.

"A polícia judiciária deverá ser exercida pelas autoridades policiais com o fim de apurar as infrações penais e sua autoria, e o inquérito policial é o instrumento de investigação penal da polícia. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o MP na instauração da ação penal", destacou Jobim.

"A legitimidade histórica para a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias é de atribuição exclusiva da polícia", lembrou Jobim. Citou como precedente o julgamento do HC 34.887, no qual ficou claro que o Código de Processo Penal não autoriza, sob qualquer pretexto, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do MP na investigação do crime.

O relator salientou ainda que "o controle externo da polícia concedido ao MP pela Constituição foi regulamentado pela Resolução 52/97 do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Esses diplomas, no entanto, não lhes deferiram poderes para instaurar inquérito policial. A CF/88 dotou o MP de poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial. A norma constitucional não completou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas sim requisitar a diligência nesse sentido à autoridade competente. Assim decidiu a Segunda Turma no julgamento do RE 233.072".

Na ementa do julgamento - leu Jobim - ficou decidido que "o MP não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos, nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tenha a possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos, e pode propor ação penal sem inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Mas os elementos suficientes não podem ser auto-produzidos pelo MP, instaurando ele inquérito policial".

O ministro Nelson Jobim deu provimento ao recurso e os outros ministros o acompanharam. A decisão foi unânime

Caiu como bomba a unanimidade do entendimento do Pretório Supremo. A Corte Constitucional concluiu, enfim, pelo encerramento do debate, determinando o trancamento de uma ação penal, instruída com a investigação feita pelo próprio Ministério Público. Notícias como essas, somadas às dissensões aqui e ali, fizeram que, depois de ser declarada inconstitucional a Portaria da Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso, animassem-se os legisladores do Estado por uma lei, pondo pedra sobre a discussão. A pressão foi enorme, a sessão foi amplamente divulgada e a notícia de uma lei pioneira foi recebida com festa pela mídia. Eis a norma estadual:

LEI COMPLEMENTAR Nº 119, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2002 - D.O. 20.12.02.

Cria o Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado no Estado de Mato Grosso, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, tendo em vista o que dispõe o art. 45 da Constituição Estadual, sanciona a seguinte lei complementar:

Art. 1º Fica criado, no âmbito do Poder Executivo e do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, o GAECO - Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado, com sede na Capital e atribuições em todo o território do Estado de Mato Grosso.

Parágrafo único O GAECO atuará de forma integrada, funcionará em instalações próprias e contará com equipamentos, mobiliário, armamento e veículos necessários ao desempenho de suas atribuições e da Política Estadual de Segurança Pública.

Art. 2º O GAECO será composto por representantes das seguintes instituições:

I - Ministério Público;

II - Polícia Judiciária Civil;

III - Polícia Militar.

§ 1º O Ministério Público estará representado por Procuradores e/ou Promotores de Justiça, designados pelo Procurador-Geral de Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público.

§ 2º A Polícia Judiciária Civil estará representada por Delegados de Polícia, Agentes Policiais e Escrivães de Polícia, solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo Diretor-Geral de Polícia Civil, ouvido o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública.

§ 3º A Polícia Militar estará representada por Oficiais e Praças, solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, ouvido o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública.

§ 4º Em caso de necessidade, o Coordenador do GAECO poderá, nos termos do art. 23, VIII, da Lei Complementar nº 27, de 19 de novembro de 1993, requisitar serviços temporários de servidores civis ou policiais militares para realização das atividades de combate às organizações criminosas.

Art. 3º O Coordenador do GAECO será um representante do Ministério Público, nomeado pelo Procurador-Geral de Justiça.

Art. 4º São atribuições do GAECO:

I - realizar investigações e serviços de inteligência;

II - requisitar, instaurar e conduzir inquéritos policiais;

III - instaurar procedimentos administrativos de investigação;

IV - realizar outras atividades necessárias à identificação de autoria e produção de provas;

V - formar e manter bancos de dados;

VI - requisitar diretamente de órgãos públicos serviços técnicos e informações necessários à consecução de suas atividades;

VII - oferecer denúncia, acompanhando-a até seu recebimento, requerer o arquivamento do inquérito policial ou procedimento administrativo;

VIII - promover medidas cautelares preparatórias necessárias à persecução penal.

§ 1º Cada integrante do GAECO exercerá, respectivamente, suas funções institucionais conforme previsão constitucional e legal.

§ 2º Durante a tramitação do procedimento administrativo e do inquérito policial, o GAECO poderá atuar em conjunto com o Promotor de Justiça que tenha prévia atribuição para o caso.

§ 3º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em procedimento administrativo, inquérito policial ou outras peças de informação, será distribuída perante o juízo competente, sendo facultado ao Promotor de Justiça, que tenha prévia atribuição para o caso, atuar em conjunto nos autos.

Art. 5º Os inquéritos policiais de atribuição do GAECO serão presididos por Delegados de Polícia.

§ 1º O membro de Ministério Público e o Delegado de Polícia com atribuições no GAECO zelarão para que a coleta de provas seja orientada pelos princípios da utilidade, eficácia, probidade e celeridade na conclusão das investigações.

§ 2º Qualquer autoridade que no exercício de suas funções verificar a existência de indícios de atuação de organização criminosa deverá enviar cópias de autos e peças de informação ao GAECO para a tomada das providências cabíveis.

Art. 6º O GAECO terá dotação orçamentária específica, dentro da proposta orçamentária do Ministério Público e destinação de recursos pelo Poder Executivo.

Parágrafo único Os integrantes do GAECO receberão gratificação adicional não incorporável, correspondente a 10% (dez por cento) de seus respectivos vencimentos fixos, durante o período de atuação no referido Grupo, observada a disponibilidade financeira para despesa de pessoal.

Art. 7º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 20 de dezembro de 2002.

JOSÉ ROGÉRIO SALLES

Governador do Estado

Não se encerrou, no entanto, a polêmica. Continuam firmes e empedernidos os defensores e opositores do novo Ministério Público Investigativo.

Em homenagem à síntese, os defensores da legitimidade constitucional do poder investigativo do Ministério Público usam-se dos seguintes argumentos:

a) teoria dos poderes implícitos – argumentam os arautos do Gaeco que, em respeito à máxima latina "quem pode o mais, pode o menos", o Ministério Público que é destinatário do inquérito policial para eventual oferecimento da denúncia, poderia, o próprio órgão, investigar diretamente, até porque o Inquérito Policial é dispensável, quando o Parquet reúna elemantos suficientes ao oferecimento da ação penal. Assim, como é o Ministério Público quem vai julgar a regularidade do Inquérito Policial, requisitando até mesmo novas diligências ou arquivando, poderia investigar ou partilhar a investigação, em respeito ao princípio da oportunidade, da economia processual e da eficiência, todos adequados à administração da Justiça. Teria assim, implicitamente, poder para apurar crimes, uma vez que tem explicitamente poder para requerer em juízo a condenação pelas mesmas infrações;

b) analogia constitucional com o inquérito cível – como não trata a Constituição da República de Inquérito Policial, entre as atribuições do Ministério Público, em seu lido e relido artigo 129, poderíamos tomar por base os Inquéritos Cíveis que tem por finalidade promover o levantamento fático de uma futura ação civil pública, em que figura tanto na presidência das investigações como na titularidade da ação, o próprio Ministério Público, não sendo nem por isso, considerado suspeito ou tendo o seu entendimento viciado; e se é assim, lembram também que o Inquérito, tomado como forma de apuração de fatos criminosos, não é por si exclusividade da polícia judiciária, muito ao contrário, há as Comissões Parlamentares de Inquérito, compostas por membros do Legislativo, os Inquéritos Falimentares, os Inquérito Cíveis, os Inquéritos Administrativos, como ilustrações de que a investigação não pode e nem deve estar sob o comando único e monopolizador de uma só instituição;

c) não-vedação expressa – não é vedada expressamente a possibilidade de atuação do Ministério Público na fase inquisitiva, nenhum dispositivo constitucional ou de legislação infra-constitucional proíbe expressamente. Mesmo porque, o que há na legislação é a possibilidade de acompanhar o Inquérito e os atos da autoridade policial, dando parecer em seus requerimentos ao Judiciário, sugerindo oitivas e outros atos administrativos;

d) fiscalização indiciária explícita – não seria por acaso que é o próprio Ministério Público quem, não só oferece a denúncia, mas fiscaliza a Polícia. Qualquer infração penal ou irregularidade procedimental é percebida e sanada pela ação do Parquet na fase pré ou pós processual, tendo assim poder para, ele mesmo, promover investigações onde julgue ter mais condições, mais aparelhamento e mais conveniência sobretudo, do que a Polícia. Explicitamente, delegados de polícia e agentes policiais, não estão subordinados ao Ministério Público, mas são por ele acompanhados e fiscalizados.

Do que redunda, em conclusão, pela ótica das relevantes vozes ouvidas e outras emprestadas em suas conclusões, que o Ministério Público teria legitimidade para presidir ou compartilhar a investigação criminal. O coro cada dia avulta-se, somando a ele um eco da sociedade vitimizada, carcomida pelo medo do poder paralelo, que já sai das sombras com alguma tranqüilidade. A mídia pressiona para que o legislador confira explicitamente esse poder, até então julgado implícito, como se o Ministério Público fosse o último bastião da honestidade do país. E o próprio Parquet incorpora o ímpeto salvacionista, em caricatas personagens que querem exibir uma moral de Robespierre em atitudes franciscanas. Ou seja, uma conjunção de fatores pressionam tanto o legislador como o glosador entender que, atuando no combate direto ao crime organizado, pode o Ministério Público contribuir para o desmonte do poder que reconhece apenas a força. Essa instituição promotora de justiça, também seria de justiciamento, outro anseio popular; essa instituição garantiria a inflexibilidade da lei, a fiscalização de seu cumprimento, a vedação de manobras oblíquas de advogados e, mesmo, as tergiversações do Judiciário.

Espera-se demais do Ministério Público, no nosso entender. Quanto ao tema acerca da possibilidade ou não de investigar, deveremos ouvir as considerações contrárias para tomar partido.

Sobre o autor
Eduardo Mahon

advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAHON, Eduardo. O Ministério Público de Robespierre.: O caso polêmico do GAECO. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 117, 29 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4459. Acesso em: 24 dez. 2024.

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