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O Ministério Público de Robespierre.

O caso polêmico do GAECO

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29/10/2003 às 00:00
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3. Fundamentos Legais e Constitucionais

Sublinhamos o que sustentará os argumentos prós e contra a investigação conduzida ou presidida pelo Ministério Público:

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º - A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39.

Sem juízos de valor, por ora.


4. Argumentos Pró-Gaeco

O crime organizado ou poder paralelo, conforme a nomenclatura que se dê, cresce a aparece. Sai das sombras para ameaçar a segurança da classe média alta e os mais abastados. O direito criminal saiu da órbita das pequenas colunas onde se estampava apenas nomes de incógnitos sociais para ser manchete, emergindo fatos que toda a sociedade já sabia, mas apenas os mais pobres sofriam. O crime em si penetrou na classe média alta e aterroriza os pais e os formadores de opinião pública, omissos quando se tratava dos pequenos e grandes delitos nos subúrbios, nas favelas.

Mas afirmar apenas que organismos como o Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Criem Organizado) surgem apenas do ressentimento é extrapolar. Os Gaecos estaduais surgem de uma legítima preocupação da vulnerabilidade da polícia ao se postar contra um poder tão enfronhado na economia, sociedade e política. Surgiriam para firmar, reforçar e ordenar as investigações de fatos que fogem à alçada de pontuais investigações policiais. Trabalho de inteligência, forças-tarefa, coordenação de esforços são atraentes justificativas para o anseio popular pelo fortalecimento dos Gaeco.

Admitindo que os crimes dessas organizações são, em sua maioria, interestaduais ou internacionais, aquela pequena delegacia de polícia é incapaz de chegar aos cabeças das quadrilhas/empresas, prendendo apenas os criminosos de menor hierarquia, geralmente executores de ordens, rapidamente substituídos por outros tantos que vagam sem emprego no país. Isto é, enxerga pouco a polícia, esmerando-se em exibir símbolos para as câmeras, por oportunidade de pequenas apreensões. As organizações criminosas agradecem e pagam o preço da atividade perigosa, perdendo poucos e desimportantes integrantes, como taxas pelas atividades. São criminosos de menor calibre que nunca têm visão exata da própria organização que integra...verdadeiro "boi de piranha".

Assim, o Ministério Público, pressionado ele mesmo por respostas, soluções à onda de criminalidade, interpretou o rebotalho de leis que guardamos amontoadas umas sobre as outras, e algumas eclipsando a Constituição, e outras ainda contradizendo as primeiras, de modo a concluir por sua legitimidade em segurar o pendão da investigação criminal, direta, sem mediadores.

A sociedade saudou com júbilo a iniciativa, predestinada a desmontar o crime que se mostra às claras e em colunas sociais, num deboche e conluio com poder público. Este, por meio do Executivo e Legislativo, viu uma saída cômoda para recuperar o prestígio e dar resposta rápida à crescente criminalidade. Todos ficam esperançosos. Os Gaeco começam a funcionar e investigar o que era intocável, como o Capone de Chicago. Cruzados, promotores de justiça intimam cidadãos, tomam depoimentos, produzem provas, requisitam providências, tudo acompanhado pela imprensa pressionando o Judiciário, o que não é intrinsecamente negativo.

Integrantes do Gaeco escrevem e defendem a própria instituição com argumentos fortes e coerentes, interpretados todavia ao sabor de cada linha doutrinária preferida.

Em trechos do artigo dos ilustrados Procuradores da República do Rio de Janeiro, Aloísio Firmo G. da Silva, Maria Emilia M. de Araujo e Paulo Fernando Corrêa, estes se insurgem contra a vedação ao Ministério Público poder conduzir investigações criminais. Eis alguns trechos:

Recentemente, dois acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (HC nº 96.02.35446-1, 2ª T., Rel. Des. Fed. Silvério Cabral, v.m., julg. em 11.12.96; HC nº 97.02.09315-5, 1ª T., Rel. Des. Fed. Nei Fonseca, v.u., julg. em 19.08.97, DJU de 09.10.97), encampando decisão isolada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (HC nº 615/96, 1ª CCrim., Rel. Juiz convocado Silvio Teixeira, DOERJ de 26.08.96), acolheram a inusitada tese de que o Ministério Público não pode conduzir investigação de natureza criminal, sob o fundamento de que tal atribuição é exclusiva da Polícia Judiciária (Polícias Civis dos Estados e Polícia Federal), somente sendo lícito ao órgão ministerial a condução de inquéritos civis.

A tese sufragada pelos julgados supracitados é insustentável, revelando enorme imprecisão jurídica, tanto que será facilmente rechaçada pelas considerações expostas no presente trabalho. Registre-se, desde já, que, em sentido contrário, dando pela legitimidade da apuração direta de ilícitos penais pelo Ministério Público, em sede de inquérito administrativo próprio, já se manifestaram o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, respectivamente, conforme ementas abaixo colacionadas: "Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição da suposta suspeição do magistrado. Pedido indeferido" (STF, HC nº 75.769-3-MG, 1ª T., Rel. Min. Octavio Gallotti, v.u., julg. em 30.09.97, DJU de 28.11.97); "PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. IMPEDIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. I - A atuação do Promotor na fase investigatória - pré-processual - não o incompatibiliza para o exercício da correspondente ação penal. II - Não causa nulidade o fato do Promotor, para formação da opinio delicti, colher preliminarmente as provas necessárias para ação penal. III - Recurso improvido" (STJ, RHC nº 3.586-2-PA, 6ª T., Rel. Min. Pedro Acioli, v.u., julg. em 09.05.94, DJU de 30.05.94); "HABEAS CORPUS. DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVESTIGAÇÕES PROCEDIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. (...) 1. O inquérito policial é, em regra, atribuição da autoridade policial. 2. O parquet pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta execução da lei. 3. (...) 4. Tal poder do órgão ministerial mais avulta, quando os envolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do Ministério Público" (TRF/4ª Reg., HC nº 97.04.26750-9-PR, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, 1ª T., v.u., julg. em 24.06.97, DJU de 16.07.97).

As decisões do TRF/2ª Região vão de encontro a dispositivos constitucionais expressos (art. 129, I, VI e VIII), bem como ao texto da Lei Complementar nº 75/93 (art. 8º, V e VII) - que disciplina especificamente os poderes e prerrogativas institucionais conferidos ao Ministério Público da União -, de aplicação supletiva aos Ministérios Públicos Estaduais (art. 80 da Lei nº 8.625/93), eis que tanto a Lex Mater como a Lei Complementar nº 75/93 são de uma clareza solar em caracterizar a legalidade da atuação do Ministério Público, em se tratando de condução de investigação criminal no bojo de procedimentos administrativos instaurados em seu âmbito interno.

Decorre, via de conseqüência, que é incorreto afirmar que ao Ministério Público somente é dado conduzir investigações que se refiram a inquéritos civis. Tal ressalva, que em momento algum é feita pelos aludidos dispositivos, só pode ter como objetivo obstaculizar a atuação do órgão ministerial, manietando a Instituição que tem, por destinação constitucional, o poder-dever de zelar pela correta e fiel aplicação das leis em geral. Destarte, incide, à espécie, o vetusto princípio de hermenêutica jurídica, consistente na vedação de o intérprete fazer distinção onde o texto legal não fez, e nem foi sua intenção fazê-lo.

Dentro dessa linha de pensamento, com inteira razão HUGO NIGRO MAZZILLI, ao pontificar que "No inciso VI do art. 129, cuida-se de procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público - e aqui também se incluem investigações destinadas à coleta direta de elementos de convicção para a opinio delicti: se os procedimentos administrativos de que cuida este inciso fossem apenas em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inc. III... Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure na esfera cível, atingindo também a área destinada a investigações criminais" (apud MARCELLUS POLASTRI LIMA, "Ministério Público e Persecução Criminal", ed. Lumem Juris, 1997, pág. 89).

Outro argumento que vem corroborar o equívoco interpretativo perpetrado pelo TRF/2ª Região, exsurge da análise da dicção constitucional constante do inciso VIII do art. 129: quisesse o legislador constituinte limitar a atuação ministerial, no campo investigatório, tão-somente às suas intervenções em sede de inquérito policial, não teria, nesse dispositivo, empregado a conjunção aditiva "e", e sim formulado expressão que condicionasse a requisição de diligências no momento da instauração ou no curso do inquérito, motivo por que podemos obtemperar, com o beneplácito do Tribunal de Alçada Criminal do Rio Grande do Sul, que "a CF, ao conferir ao MP a faculdade de requisitar e de notificar, defere-lhe o poder de investigar, no qual aquelas funções se subsumem" (HC nº 291071702, CCrim. de Férias, Rel. Juiz Vladimir Giacomuzzi, julg. 25.7.91, Julgados do TARS nº 79/129).

Cabe refutar, ainda, o frágil fundamento de que a condução da investigação policial seria monopólio das Polícias Civis, Estaduais e Federal, visto que a Constituição, em seu art. 144, na única alusão que faz ao termo "exclusividade" (inciso IV do § 1º), visa afastar a superposição de atribuições entre a Polícia Federal e as Polícias Rodoviária e Ferroviária - também vinculadas à União, mas que têm funções de simples patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais, respectivamente -, bem como entre a Polícia Federal (propriamente dita) e as Polícias Civis dos Estados, impedindo que haja a invasão das respectivas esferas de atuação.

Essa distinção foi feita pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao denegar liminar requerida pela ADEPOL (Associação Nacional dos Delegados de Polícia) na ADIn nº 1517-UF (Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. em 30.4.97, Informativo STF nº 69) - era questionada a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.034/95 (Lei de Combate ao Crime Organizado), conferidor de poderes instrutórios ao juiz na fase investigatória -, tendo prevalecido o entendimento, vencido o min. Sepúlveda Pertence, de que a investigação criminal não é monopólio da Polícia Judiciária, pois, como ressaltado pelo relator, "a Constituição não veda o deferimento por lei de funções de investigações criminais a outros entes do Poder Público, sejam agentes administrativos ou magistrados", o que, aliás, vem confirmar a indiscutível recepção da previsão contida no parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal.

A conclusão inafastável que deflui da análise da decisão do Pretório Excelso é a de que, restando legitimada a atuação do juiz em sede investigatória de coleta de provas - a qual poder-se-ia objetar que comprometeria sua imparcialidade no ato de julgar (fundamento do voto vencido do Min. Sepúlveda Pertence) -, com muito mais razão dever-se-á admitir a atuação do Ministério Público, órgão detentor da titularidade privativa do exercício da ação penal pública e, portanto, destinatário imediato de qualquer investigação criminal, cuja intervenção pré-processual autônoma terá por objetivo garantir a apuração, isenta e rigorosa, de quaisquer violações às leis penais, evitando-se a ocorrência de um prejuízo potencial ao interesse público.

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Por conseguinte, se incumbe ao Ministério Público, privativamente, o exercício da ação penal de iniciativa pública, é forçoso concluir que estarão compreendidos entre seus poderes e prerrogativas institucionais o de produzir provas e investigar a ocorrência de indícios que justifiquem sua atuação na persecução penal preliminar, instaurando o procedimento administrativo pertinente (art. 129, VI, da Carta Política), devendo assim proceder sempre que a atuação da Polícia Judiciária possa revelar-se insuficiente à satisfação do interesse público consubstanciado na apuração da verdade real (p. ex., quando ocorrer falta de isenção para apurar determinada infração penal, haja vista o envolvimento de outros policiais, hipótese verificada em uma das ações penais que foram trancadas pelo TRF/2ª Região, em que existia inquérito policial conduzido de forma flagrantemente favorável aos interesses do organismo policial, levando o Ministério Público Federal a engendrar novas diligências investigatórias em procedimento interno, que redundaram no oferecimento de denúncia contra vários policiais federais).

Outro artigo, não menos relevante, da lavra do Dr. Cristiano Chaves de Faria, promotor de justiça no Estado da Bahia, sustenta que além de ser legítimo para investigar, o promotor que atuou em sede indiciária não teria o óbice da suspeição ou impedimento para interpor ação penal correspondente. Vejamos os argumentos:

Inexistência de impedimento/suspeição para o oferecimento de denúncia pelo MP investigante.

Imperativo, ademais, destacar que inexiste qualquer impedimento ou suspeição para o oferecer denúncia, iniciando ação penal, no fato de o membro do MP atuar ou intervir nas investigações policiais ou mesmo promover investigações motu proprio (o que se inclui no rol de suas atribuições conferidas pela CR e por lei).

Veja-se que não se vislumbra hipótese impeditiva ou de suspeição no taxativo rol elencado nos Arts. 252 e 254 da Cártula Adjetiva Penal - extensivo ao MP ex vi do disposto no Art. 258 do mesmo Codex. Por conseguinte, impende reconhecer a inexistência de causa de impedimento para o oferecimento de denúncia no fato de o mesmo membro do MP, na fase preliminar (investigatória) ter participado das diligências da Polícia Judiciária ou ter realizado investigação autônoma e direta.

O elenco das causas de impedimento e suspeição é numerus clausus e não comporta dilações!

Nesse diapasão, a jurisprudência vem pacificando:

"É de se rejeitar a exceção de suspeição se o excipiente não indica alguma das causas configuradoras (...) elencadas no art. 254 do CPP, cujo rol é taxativo, não comportando ampliação." (TJ/SP, in RT 699:328)

Na mesma trilha: TJ/PR (RT 665:314), TJ/SP (RT 542:333) e TJ/SC (RT 508:404).

Outrossim, destaque-se ser o Parquet (expressão francesa que significa "assoalho", designando o local onde permaneciam os representantes do antigo MP daquele país, de pé, ao lado dos juízes, que ficavam sentados. Daí, inclusive, a origem da denominação "magistratura de pé") o Destinatário Imediato das investigações criminais, tendo interesse direto nelas, a fim de formar a sua opinio delicti. Ora, se pode o mais - que é requisitar tais diligências investigatórias - obviamente, poderá o menos, realizá-las pessoalmente, tendo contato direto com os indícios e provas colhidos, amadurecendo sua convicção.

Aliás, o MP que atua, direta (e pessoalmente) ou indiretamente, é o maior interessado no material indiciário produzido, podendo, com o seu contato pessoal, formar um juízo de valor muito mais seguro e firme.

Como se não bastassem tais argumentos, é de ser destacado que o fato de participar ou presidir diligências investigatórias justifica, ainda mais vigorosamente, a legitimidade do representante ministerial para o ajuizamento da ação penal, porque encontrar-se-á mais habilitado para tal, ciente inteiramente dos acontecimentos.

Repita-se à saciedade: a atividade investigatória é absolutamente intrínseca e inerente à condição de órgão acusador, por ser necessária a existência de um suporte probatório mínimo para o oferecimento de denúncia. Equivale a dizer, a atividade de investigar e apurar os fatos delitivos in these está atrelada à atividade de acusar em juízo, de deduzir a pretensão punitiva estatal, sendo uma suporte da outra.

Ademais, se a função de invest igar é inerente e própria do múnus ministerial, inexiste, via de conseqüência, impedimento para o exercício da função de acusar em juízo, até mesmo por ser função complementar àquela.

É o que sacramenta o escólio do preclaro Julio Fabbrini Mirabete: "não constitui impedimento o fato de ter sido o representante do Ministério Público designado para acompanhar o inquérito policial, intervindo nas investigações, participando da coleta de provas, requisitando diligências, etc., pois tais funções são próprias do exercício do cargo." (cf. Código de Processo Penal Interpretado, São Paulo, Atlas, 3ªed., 1996, p.305)

Outra não é a cátedra de Polastri Lima, para quem "nenhuma contradição ou conflito existe em relação à colheita de provas e posterior oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público." (op. cit., p.88)

A ilação que se infere é a única aceitável para a hipótese sub occulis, não sendo possível obstar o membro do MP que exerceu suas funções naturais, previstas pela CF e pela lei, investigando fato criminógeno, de oferecer a denúncia, sob pena de colocar em xeque não somente sua dignidade pessoal e profissional (admitindo-o como suspeito de parcialidade), como toda a credibilidade da Instituição Ministerial - que não teria compromisso com a Verdade e a Justiça, admitindo que não possuiria condições de fazer, isentamente, um juízo de valor após promover investigações.

Os tempos do Ministério Público perseguidor implacável já se foram (e de há muito!) e, hodiernamente, não mais se admite a figura do acusador sistemático!!! Os membros do MP, em verdade, devem "ter o zelo pela justiça e não pela condenação", como adverte com extrema sabedoria Hugo Nigro Mazzili. (cf. Regime Jurídico do Ministério Público, São Paulo, Saraiva, 3ªed., 1996, p.34)

Dando efetividade à tese ora esposada as nossas Cortes já têm precedentes diversos, como, exempli gratia, os que ora transcreve-se:

"Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição da suposta suspeição do magistrado. Pedido indeferido de ‘HC’." (STF, HC 75.769-3/MG, Ac.unân. 1ªT., v.u., Rel. Min. Otávio Gallotti, j.30.9.97, publ. DJU 28.11.97)

"Não impede o Promotor para a denúncia, o fato de sua designação para participar da coleta de provas informativos, nem a iniciativa de diligências investigatórias do crime." (STJ, in JSTJ 22:247-8)

E mais esse acórdão do Eg. STJ, abordando exatamente a questão em comento, lavrado, unanimemente, de modo magistral:

"Processual Penal. Denúncia. Impedimento. Ministério Público. I- A atuação do Promotor na fase investigatória - pré-processual - não o incompatibiliza para o exercício da correspondente ação penal. II - Não causa nulidade o fato do Promotor, para a formação da ‘opinio delicti’, colher preliminarmente as provas necessárias para a ação penal. III - Recurso improvido." (STJ, RHC 3586-2-/PA, Ac.unân. 6ªT., Rel. Min. Pedro Acioli, v.u., j.9.5.94, publ. DJU 30.5.94)

Mas não é só. Incontáveis decisões vêm sendo proferidas proclamando este entendimento, como as que estão contidas em Lex 58:66 (TACrim./SP) e 56:328 (STF); RTJ 107:98 e 119:120 (STF); RT 665:342 (STJ), 660:288 (TJ/SP); RJTJESP 120:589 (TJ/SP) e JTACRESP 36:63 (TACrim./SP).

Veja-se, inclusive, que no procedimento para apuração de ato infracional (Lei nº8.069/90 - ECA), o membro do MP está incumbido de promover as diligências investigatórias previamente, para, a depender de seu juízo de valor, deflagrar ação sócio-educativa por meio de representação em face do adolescente, inexistindo qualquer impedimento. Igualmente, pode o particular ofendido colher elementos probatórios para embasar a queixa-crime a ser intentada, no caso de ação penal privada, sendo enorme incongruência negar-se tal possibilidade ao Promotor de Justiça ou Procurador da República que promoverem investigações.

Resulta, então, fatal a conclusão de que se é facultado ao Parquet oferecer denúncia prescindindo das peças investigatórias policiais, quando disponha de elementos outros (CPP, 39, §5º), com maior razão ainda poderá investigar pessoalmente, através de procedimento administrativo interno, os fatos delitivos descobertos ou noticiados, a fim de garantir uma peça acusatória segura ou, noutra hipótese, o arquivamento das peças de investigação, evitando vulnerar o status dignitatis do cidadão. Calha bem à matéria a observação do Prof. Sérgio Demoro, lastreado em Tourinho Filho, no sentido de que a investigação policial é dispensável e que "seria uma superfetação exigir-se o inquérito policial se o titular do ‘jus persequendi in judicio’ tive r em mãos os elementos que o habilitem a ingressar em juízo." (op. cit., p.218)

Nesta linha de intelecção, sobreleva firmar posição, com segurança e firmeza, arrimado na communis opinio doctorum et consensus omnium jurisprudencial alhures evidenciados, que inexiste incompatibilidade para a deflagração de ação penal, com o oferecimento de denúncia, por parte do representante do MP que participou ou promoveu atividades investigatórias.

A fim de defender a segurança pública, da qual todos são responsáveis, a incolumidade e eficiência da investigação criminal, o afastamento do crime organizado e a independência com relação a ele, a efetividade da ação penal pública, temos como legítimo o Ministério Público que investiga diretamente crimes, pela ótica de seus defensores.

Legítimo e querido Ministério Público.

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Sobre o autor
Eduardo Mahon

advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAHON, Eduardo. O Ministério Público de Robespierre.: O caso polêmico do GAECO. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 117, 29 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4459. Acesso em: 24 dez. 2024.

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