Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A terceirização:.

espécies, causas políticas e econômicas e aspectos legais

Exibindo página 2 de 3

4 DEFINIÇÕES DE ATIVIDADE-MEIO E ATIVIDADE-FIM

Atividades-meio são as de apoio ao processo produtivo do tomador do serviço. Não se vinculam funcionalmente com as atividades que compõem o objetivo empresarial da corporação.

As atividades-meio gerais ocorrem em todas as empresas, ainda que em parte, independentemente de sua finalidade corporativa. Os serviços de contabilidade, de auditoria, de reprografia, de manutenção de frota de veículos e equipamentos de informática, de manutenção e operação de elevadores, de conservação e limpeza, de copa e preparo de alimentos para empregados, de segurança interna e portaria, de entrega de correspondências e mensageiro, de digitação, de propaganda, de creche, de seleção de pessoal, são exemplos de atividades-meio gerais, as quais nem todas as empresas irão comportar. Por outro lado, para os bancos, o serviço de vigilância não terá a natureza de atividade-meio geral e sim a de atividade-meio específica.

As atividades-meio específicas também não se relacionam diretamente com o objeto empresarial das empresas, mas são direcionadas para instrumentalizar os processos finalísticos da corporação. A aferição de instrumentos de medição em geral, por exemplo, é atividade-meio específica em relação às empresas que instalam medidores como forma de cobrar por seus serviços, a exemplo das concessionárias de energia elétrica e de abastecimento de água, dentre outros casos. A manutenção avançada de computadores é atividade-meio específica de empresas de locação de equipamentos de informática ou de desenvolvimento de softwares. São atividades de apoio tecnicamente associadas à especificidade da atividade-fim do tomador, e, portanto, inerentes a este. Não são comuns a todas as empresas, caso contrário seriam atividades-meio gerais, mas apresentam características distintas, conforme o tipo de empresa, podendo, ainda, sequer existir.

Atividade-fim é a que realiza o objeto principal da empresa, compondo o núcleo essencial e finalista do processo produtivo desenvolvido pelo tomador do serviço. Não se confunde com a atividade-meio específica, eis que esta pode ser executada sem a especialização do tomador do serviço, mas, antes, requer especialização diversa, qual seja aquela da subcontratada. Numa empresa de venda a varejo de móveis, por exemplo, as atividades de atendimento ao cliente, fechamento da venda, faturamento, entrega do produto e gestão desses processos são atividades-fim. Quando a entrega for a domicílio, o simples transporte do produto, por não apresentar complexidade técnica, é atividade-meio específica.

No caso de uma concessionária de energia elétrica, o objeto empresarial principal é a distribuição e venda da energia elétrica. Para bem desincumbir-se dessa missão, a concessionária executa os seguintes macro processos: (1) atende aos potenciais clientes que desejam passar a consumir seu produto; (2) realiza a conexão da unidade consumidora à rede elétrica; (3) mantém em operação (ligado) o sistema elétrico, eis que o produto é entregue continuamente; (4) fatura a energia consumida, por meio da leitura de medidor, emissão e entrega da conta de luz; (5) atende reclamações dos clientes quanto à falta do produto, discordância de valores faturados e danos elétricos; (6) preserva a continuidade do fornecimento de energia elétrica de qualidade, por meio de serviços de manutenção e melhoramentos; e (7) expande o seu sistema para atender ao crescimento do mercado, realizando planejamento, projeto e execução de obras. Veja-se que todas essas etapas tem a finalidade de realizar a missão principal, que é vender energia elétrica. Desta forma, com exceção da execução de obras de expansão, que é atividade típica de construtoras, todos os macros processos acima descritos e suas derivações parciais contemplam, indubitavelmente, atividades-fim. 


5 FATORES POLÍTICOS E ECONÔMICOS E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Aparentemente, a ausência de normas jurídicas para disciplinar a terceirização não pode ter outra causa senão a falta de interesse político do legislador, o que, por sua vez, é resultado das pressões do alto empresariado, sempre interessado em reduzir os custos das empresas.

A súmula nº 331 do TST é o único regramento da matéria. Objetivamente, o verbete estabelece que são ilegais as terceirizações para contratar (i) trabalhadores por empresa interposta; (ii) serviços de qualquer natureza, sempre que existir pessoalidade e subordinação direta entre os trabalhadores da subcontratada e o tomador do serviço; e (iii) serviços ligados à atividade-fim do tomador.

É inegável que as disposições da súmula nº 331 reúnem os elementos necessários para combater a terceirização de mão-de-obra, ou seja, a contratação de trabalhadores por empresa interposta, seja de forma explícita (i) ou dissimulada (ii). O problema se torna complexo quanto ao terceiro caso de ilegalidade, que se refere à vedação da terceirização em atividades-fim (iii).

De fato, tem sido causa de muita controvérsia a suposta dificuldade de distinguir entre atividades meio e fim. Mais ainda, tem sido apontada como causa principal para a lacuna legislativa de que se recente o tema da terceirização. Na verdade, há um certo exagero quanto à dificuldade de estabelecer critérios objetivos para a referida distinção. Vê-se, sim, um pretexto político para adiar a solução do problema sine die.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Mas, no aspecto axiológico, por que é importante distinguir atividade-meio e atividade-fim, como sugere a súmula nº 331?

Essa indagação pode ser respondida a partir do exame dos objetivos da terceirização. A estratégia de subcontratar a execução de atividades teve, na sua origem, o objetivo de atender à necessidade de incremento substancial da produção de bens, especialmente de material bélico, durante a segunda guerra mundial. Em seguida, com a horizontalização do processo produtivo, a terceirização passou a ser utilizada para permitir que a empresa contratante mantivesse seu foco de atuação no aperfeiçoamento de suas atividades essenciais à consecução do seu objeto empresarial, transferindo para empresas subcontratadas as atividades de apoio administrativo, como os serviços de limpeza, copa, reprografia, vigilância, dentre outros, inerentes à quase totalidade das organizações.

Ora, ao admitir-se a terceirização das atividades-fim elimina-se por completo as razões de sua origem, passando a ser inevitável concluir que a nova motivação, o verdadeiro interesse pela terceirização das atividades-fim, é a redução dos custos de pessoal das empresas, o que afronta as normas e princípios protetivos do trabalho humano.

Reduz-se os custos de pessoal demitindo-se trabalhadores especializados, protegidos e beneficiados, no mais das vezes, por convenções ou acordos coletivos de trabalho, e contratando, em substituição, empresas que pagam salários e benefícios inferiores a seus obreiros. Em muitos casos, tais empresas registram seus empregados fazendo constar nas carteiras de trabalho e previdência social (C.T.P.S.) salários inferiores ao efetivamente pago, como forma de reduzir tributos e encargos sociais e previdenciários, lesando a fazenda pública e a previdência social. A sonegação tornou-se forma nefasta de contornar os problemas financeiros causados pelos baixos preços ofertados pelos tomadores dos serviços, especialmente nos casos das terceirizações ocorridas nas antigas empresas estatais de telefonia e energia elétrica, após a avalanche de privatizações ocorridas no final dos anos 90.

Mesmo nos ramos de atividade em que são menos apertadas as margens de lucro, e não se observa tão intensa a sonegação de encargos sociais e tributos, ainda assim a terceirização precariza o mercado de trabalho, ofertando salários inferiores aos que eram recebidos pelos trabalhadores dispensados pelas empresas contratantes. Essa precarização econômica, contudo, não é o único desvalor introduzido pela prática ilimitada da subcontratação. A redução drástica dos postos de trabalho, com vistas a atender à necessidade imediata do mercado, é um drama ainda maior, como mostra Márcio Túlio Viana, Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim:

“O problema é que o just in time, quando aplicado à força de trabalho, conserva a mesma lógica de eliminar estoques, valendo-se – a cada instante – da quantidade exata de mercadoria de que precisa. Como essa mercadoria, no caso, é o próprio trabalhador, as consequências são dramáticas.” (VIANA; DELGADO; AMORIM, 2011, p. 54 - 84).

 Ao contrário do que muitos afirmam, a terceirização eleva o índice de desemprego. Isso porque os postos de trabalho criados pelas empresas intermediárias são em quantidade muito menor do que os que desaparecem nas empresas tomadoras de serviços. Basicamente, a subcontratada utiliza o método de acumulação de funções, tornando seus empregados – salvo poucas exceções – o tipo “faz tudo”.  Isso ocorre de forma mais acentuada quanto maior for o engessamento legal ou mercadológico dos preços da empresa tomadora de serviços. Para melhor explicar, voltemos ao exemplo das concessionárias de energia elétrica. A tarifa paga pelos consumidores é controlada pelo governo federal e não pode ser reajustada de acordo com a vontade das distribuidoras. Logo, para elevar seus lucros, as concessionárias reduzem, de forma unilateral, os preços pagos a seus prestadores de serviço, chegando mesmo a aviltá-los gravemente. O empresário ‘terceiro’ sujeita-se a essas condições pois lhes falta alternativa a não ser encerrar os próprios negócios, eis que, quase sempre, são pequenas ou médias empresas, de âmbito regional, não possuindo outras opções de contratações. Aliás, como sequela da sonegação fiscal e previdenciária, a maioria dessas empresas créditos tributários inscritos nas dívidas ativas dos entes federativos e não podem contratar com órgãos públicos ou empresas públicas e estatais. É de se esperar que a precarização do trabalho tenha repercussão na qualidade do serviço prestado. De fato, tem. Mas quão preocupado estará a empresa contratante se, nos casos mais complexos e impactantes, o destinatário dos serviços terceirizados é a massa consumidora, refém, muitas vezes, de monopólios cujo fim foi anunciado sem nunca chegar?

Nem sempre, contudo, a precarização do trabalho afeta de forma significativa a qualidade da retribuição do subcontratado. Em muitos casos, o tomador do serviço atua em segmento de mercado altamente rentável, com liberdade de preços, mas precisa estar atento à concorrência, o que o leva a ser mais cauteloso na escolha, fiscalização e remuneração do seu subcontratado. Normalmente, nestes casos, os terceiros subcontratados prestam serviços a mais de uma empresa, transitando em segmentos de mercado mais arejados.

Ressalte-se que toda essa discussão se refere aos casos de terceirização de atividades-fim, que não se confunde com as subcontratações lícitas, nem com as parcerias entre empresas, ou grupos de empresas, para fabrico e comercialização de insumos para a linha de produção de determinada empresa principal.

Na parceria entre empresas cada uma delas é especializada em atividades relacionadas ao processo produtivo da empresa contratante. Atuam com pessoal próprio, sob o comando de seu quadro de gerentes e de encarregados, em suas próprias instalações, sem qualquer subordinação à empresa contratante. Tratam-se de processos produtivos decorrentes da horizontalização da produção, ocorrida desde tempos remotos. Não é caso de transferência de atividades de uma empresa para outra. No exemplo mais clássico, que é o da indústria automobilística, a parceria entre as montadoras e os fabricantes de peças tem natureza de fornecimento de insumos. A indústria de peças atende a todas as montadoras, produzindo peças por estas especificadas ou universalmente padronizadas.

Não há nenhum permissivo legal que sustente a terceirização de atividades-fim. Nem mesmo o inciso II, do art. 94, da Lei nº 9.472/97, que autoriza as concessionárias de telecomunicações a “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”, não cuida de permitir a subcontratação em atividades-fim. O termo “inerente” vem sendo considerado por alguns como razão para sustentar a permissividade da subcontratação de atividades-fim. Ocorre que ser atividade inerente não significa ser atividade-fim. Se fosse, os serviços de segurança seriam atividades-fim dos bancos, eis que são inerentes aos mesmos.

A terceirização desregrada enfraquece os sindicatos, desagrega e produz discriminação entre os trabalhadores próprios e de terceiros, tornando os últimos como espécie inferior aos olhos da própria categoria. São, assim, violados os princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho, da justiça social, da não-discriminação e da submissão da propriedade à sua função socioambiental. É importante para proteger o trabalhador da voracidade do capital que o Estado adote medidas que não permitam a mercantilização do trabalho, como recomenda a OIT – Organização Internacional do Trabalho, em sua Resolução nº 198/2006, que, dentre outras prescrições, determina ao Estado:

“(...) combater as relações de trabalho disfarçadas no contexto de, por exemplo, outras relações que possam incluir o uso de outras formas de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal, notando que uma relação de trabalho disfarçado ocorre quando o empregador trata um indivíduo diferentemente de como trataria um empregado de maneira a esconder o verdadeiro status legal dele ou dela como um empregado, e estas situações podem surgir onde acordos contratuais possuem o efeito de privar trabalhadores de sua devida proteção; (...)”

Conquanto o órgão máximo da justiça trabalhista tenha buscado salvaguardar o conjunto dos trabalhadores da precarização do trabalho ante a terceirização, não há mais como avançar nesse intento sem a participação do legislador. Basta examinar o caso dos ‘call centers’ que, embora no entendimento da Justiça do Trabalho integra o conjunto das atividades-fim das empresas, continua sendo operado por empresas de pura locação de mão-de-obra.

Sobre o autor
Jorge Raimundo de Jesus Mutti de Carvalho

Graduação em Direito e Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Bahia. Atuação em Direito Civil, Direito Regulatório e Direito do Trabalho. Especializado em Direito do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Jorge Raimundo Jesus Mutti Carvalho. A terceirização:.: espécies, causas políticas e econômicas e aspectos legais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4570, 5 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45599. Acesso em: 2 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!