6 – AS HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DA REMESSA NECESSÁRIA
Com o aumento significativo de processos nos tribunais, restou evidenciado que a remessa necessária deveria prosseguir, mas apenas para aqueles processos cujos contornos indiquem que a reapreciação pelos tribunais da sentença proferida contra a fazenda pública restou evidentemente necessária. Assim, para o CPC/15 o reexame necessário continua sendo a regra, mas os novos parâmetros de sua não incidência foram ampliados significativamente.
As hipóteses de exclusão podem ser divididas em dois grupos: por valor (pisos para remessa) e por mérito.
6.1 – Os diferentes pisos para remessa necessária em função da parte pública no processo
Na prática, é fácil distinguir as diferenças econômicas entre os entes públicos. A União tem a maior captação de recursos tributários em sede nacional, seguida pelos Estados e, posteriormente, pelos Municípios. Assim, uma determinada condenação à União pode lhe passar economicamente desapercebida, mas a mesma condenação no mesmo valor a um Município do interior de um Estado sem grandes recursos pode significar a sua insolvência.
O legislador decidiu, então, que os valores para fins de piso para remessa necessária deveriam seguir uma linhagem proporcional nos seguintes termos:
a) para a União e suas autarquias e fundações de direito público, 1.000 salários mínimos;
b) para os Estados, Distrito Federal e Municípios que sejam as capitais dos Estados e suas autarquias e fundações de direito público, 500 salários mínimos;
c) para os demais Municípios e suas autarquias e fundações de direito público, 100 salários mínimos.
A norma do artigo 496, § 3º é bastante clara: a valoração para fins de piso ocorrerá quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior aos valores paradigmas.
Uma dúvida que poderia ocorrer é: e se a condenação for no valor dos pisos acima indicados? Como se observa pela redação, o piso de exclusão da remessa é para valores inferiores aos narrados; logo, se a condenação for no valor, a remessa necessária ocorrerá.
Outra consideração importante é que os pisos para remessa necessária ocorrerão tão somente quando a sentença contiver: a) condenação; b) declaração ou constituição de direito controvertido cujo benefício econômico seja inferior aos valores paradigmas.
No que tange à condenação, em regra a Fazenda Pública estará no pólo passivo da demanda ou o valor dos honorários advocatícios em uma ação em que ela foi parte ativa foi alçado ao referido patamar. Quanto à declaração ou constituição de direito controvertido, tanto a Fazenda Pública pode estar no pólo ativo (como nos casos em que ela cobre algum valor igual ou superior aos paradigmas e a sentença seja de improcedência) quanto no pólo passivo (uma ação declaratória de nulidade de lançamento tributário).
6.2 – Hipóteses de exclusão em função do mérito da decisão
Um dos fundamentos da remessa necessária é a averiguação da ratio decidendi pelo tribunal imediatamente superior. Se os fundamentos da decisão estiverem com alto grau de certificação, como é o caso do magistrado fundamentar o decisium nas súmulas de tribunais superiores, acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamentos de recursos repetitivos ou firmados em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) ou de assunção de competência, não há necessidade de haver remessa necessária, mesmo que o valor da demanda ultrapasse os pisos acima identificados.
Observa-se, porém, que apesar de não escrito de forma expressa, as decisões em IRDR dos tribunais locais servem de paradigma para a não existência de remessa necessária. Para tanto, entendemos que o IRDR deve estar definitivamente julgado; se houve interposição de recursos, sequer poderia haver decisão do juiz de primeiro grau em face do efeito suspensivo deste incidente.
Outro ponto de destaque é a dispensa de remessa necessária em função de parecer vinculante emitido pela advocacia do órgão (art. 496, IV), que pode ocorrer nos casos de manifestação, parecer ou súmula administrativa. Não pode ser qualquer parecer; o mesmo tem que ter caráter vinculante, o que faz retornar a importância da discussão sobre o grau de vinculação dos pareceres produzidos pelas respectivas Procuradorias.
6.3 – O CONFLITO INTERPRETATIVO ENTRE AS DIVERSAS TIPOLOGIAS DE REMESSAS NECESSÁRIAS FORA DO CPC
A remessa necessária está prevista em caráter geral no artigo 496 do CPC. Entretanto, existem ainda em diplomas esparsos diversas hipóteses específicas de duplo grau obrigatório, que são as seguintes:
a) Decreto Lei 3365/41 (desapropriação por utilidade pública): em seu art. 28, § 1º, prevê a necessidade de reexame da sentença que condenar a Fazenda Pública a indenizar pelo dobro da quantia oferecida na inicial;
b) Lei Complementar 76/93 (desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária): é obrigatório o duplo grau de jurisdição das sentenças que condenem o expropriante em quantia superior a 50% da oblação inicial;
c) Lei 12.016/09 (mandado de segurança): a lei impõe o reexame necessário no art. 14, parágrafo primeiro, para o caso de procedência do mandamus. Nesse ponto, o STJ entende que a Lei 12.016/09 é lei específica e o artigo 475 do CPC/73 não se aplica[12]. Assim, o Enunciado 312 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, quando aduz que “O inciso IV do § 4º do art. 496 do CPC aplica-se ao procedimento do mandado de segurança” terá que provocar um overrruling na atual jurisprudência do STJ, pois esta interpretação teria que aplicar todos as exceções da remessa necessária à ação mandamental;
d) Lei 4.717/65 (ação popular): em seu art. 19, prevê a aparente inversão do reexame necessário. Somente ocorrerá duplo grau de jurisdição obrigatório se a sentença concluir pela carência ou pela improcedência da ação. A inversão, na verdade, é meramente aparente, posto que o que se protege, em último caso, não é a parte, mas sim o erário público, estando esta regra em sintonia com as demais[13];
e) Lei (ação civil pública): O STJ vem aplicando o instituto da remessa necessária às ACPs em interpretação analógica ao artigo 19 da Lei 4.717/65 (Lei da ação popular)[14].
Esta é a interpretação da atual remessa necessária em face do artigo 475 do CPC/73, que deve persistir por serem leis específicas e o novo artigo 496 ser lei genérica.
7 – CONCLUSÕES FINAIS
Diante do exposto, concluímos que:
a) a remessa necessária não é recurso; é um fenômeno processual que sujeita a sentença de primeiro grau, nos casos previstos em lei, a condição substitutiva obrigatória para a produção de eficácia;
b) aplica-se a remessa necessária aos processos das empresas estatais prestadoras de serviço público;
c) continuará a existir em nosso ordenamento a remessa necessária específica prevista em leis especiais, como desapropriação, ação popular e mandado de segurança, cujas exceções do artigo 496 do CPC/15 não serão a elas aplicadas.
8 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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