1. INTRODUÇÃO
A Lei Federal 13.105/2015, publicada no Diário Oficial do dia 17 de março de 2015, que institui o novo Código de Processo Civil (CPC), sequer entrou em vigor e já acarreta uma série de divergências doutrinárias.
Uma delas diz respeito exatamente quanto ao marco inicial da aplicação dessa nova sistemática processual.
Assim, surgem no cenário atual, diferentes interpretações que tentam estabelecer a data correta a ser considerada para entrada em vigor do novo manual.
É que a redação do artigo 1.045 do novo CPC, que trata de sua vigência e, consequentemente, da vacatio legis, deixou muito a desejar ao estabelecer o prazo de contagem do novo diploma processual, em ano, nos seguintes termos:
“Art. 1.045. Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”.
Agindo desta forma, o legislador deixou de observar a Lei Complementar 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, onde estabelece que os prazos devem ser contados em dias, incluindo-se o dia de publicação e o último dia do prazo, entrando-se em vigor no dia subsequente à sua consumação, in verbis:
Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. (Incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)
§ 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’ . (Incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)
2. DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS QUANTO A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1.045 DO NOVO CPC
Assim, com a atual redação, criou-se uma grande dificuldade de interpretação no que concerne a data correta de vigência do novo CPC, já que, devem ser consideradas as diferentes formas de se estabelecer a contagem do ano. Por essa perspectiva, três teses foram estabelecidas, senão vejamos:
A primeira delas [1], na qual nos filiamos, defende a entrada em vigor do novo CPC no dia 16 de março de 2016. Tal interpretação consiste em transformar o ano em dias, aplicando-se as disposições da Lei Complementar 95/1998, em total consonância com o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal. Assim, considerando a soma de um dia, visto que 2016 é ano bissexto, incluindo na contagem o dia da publicação do novo CPC, 17 de março de 2015 e o último dia do prazo, 15 de março de 2016, em atenção ao artigo 8º, § 1º, temos o dia subsequente, 16 de março de 2016, como o marco inicial de vigência do novo CPC.
Uma segunda corrente [2] defende ser o dia 17 de março de 2016, a data correta de vigência do novo CPC. Tal interpretação parte da premissa em se estabelecer o ano civil de acordo com a literalidade da Lei 810/1949, que dispõe:
“Art. 1º Considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.”.
Assim, como a publicação do novo CPC se deu no dia 17 de março de 2015, a entrada em vigor seria no mesmo dia e mês correspondente ao ano seguinte, sem considerar ser ano bissexto ou não, ou seja, dia 17 de março de 2016.
Essa, inclusive, parece ser a interpretação dada pela 3ª Turma do STJ, no RESP 1.281.978/RS, de relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva [3]:
“(...) Entretanto, esse diploma normativo somente entra em vigor no dia 17 de março de 2016, não podendo haver aplicação imediata ou retroativa da segunda hipótese prevista no art. 356, sobretudo porque incidem, no caso sob exame, os princípios do devido processo legal, da legalidade e do tempus regit actum” (STJ – 3ª Turma – RESP 1.281.978/RS – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 05/05/2015)
Em que pese ser caso de obiter dictum, visto que tal expressão pode, inclusive, ser dispensável da decisão sem afetar o teor do julgado, não nos parece ter sido por acaso esta inclusão. Isto porque, é possível verificar que a mesma data foi defendida pelo Superior Tribunal de Justiça em sua página oficial [4], nos seguintes termos: ¨...A lei 13.105/15, que institui o novo código, entrará em vigor em 17 de março de 2016, um ano após a publicação, substituindo o CPC atual, de 1973¨.
Com todas as vênias devidas aos argumentos favoráveis a esta corrente, tem-se que a Lei 810/49, que define o ano civil, mesmo considerando que o prazo seja estabelecido em ano, não seja o instrumento aplicável ao estabelecimento de prazos, mormente quando se está a tratar da vigência de uma legislação de tamanha magnitude.
Por fim, uma terceira corrente [5], defende a entrada em vigor do novo CPC no dia 18 de março de 2017, aplicando-se a Lei 810/1949 cominada com a Lei Complementar 95/1998. Assim, tem-se a contagem do ano civil em observância à Lei 810/1949, ou seja, no mesmo dia e mês correspondente ao ano seguinte, também desconsiderando ser ano bissexto ou não, a saber, dia 17 de março de 2016, com a vigência a contar do dia subsequente, em observância ao artigo 8º, § 1º Lei Complementar 95/1998, sendo, portanto o dia 18 de março de 2016, o termo inicial para entrada em vigor do novo CPC.
Esta interpretação converge as duas legislações, na esteira das teses anteriores, no que tange a contagem de prazo e instituição do ano civil. Ocorre que, não limitando novamente as vênias aos defensores de tal interpretação, o legislador foi bem claro ao estabelecer, por meio de Lei Complementar, através de determinação constitucional expressa, a contagem do prazo de entrada em vigor das espécies normativas, em dias. Dessa forma, o Código Processual Civil deve caminhar de acordo com as disposições lá constantes.
3. CONSEQUÊNCIAS PARA DEMANDAS FUTURAS
À primeira vista, essa discussão em torno da entrada em vigor do novo instrumento processual pode parecer uma preocupação não muito importante. No entanto, com uma análise mais apurada sobre direito intertemporal, considerando que o novo Código revoga completamente o atual, com consideráveis modificações em alguns pontos, é possível verificar que as consequências sobre a não correção ou má aplicação do artigo 1.045 do novo Código podem ser duradouras e desastrosas, levando a uma série de controvérsias futuras no que tange a prazos que se encerram nestas datas, abarrotando os Tribunais com questionamentos que, uma vez identificados, poderiam ser devidamente evitados.
Entre vários exemplos que se poderia citar está o caso dos embargos infringentes, recurso cabível contra decisão não unânime de Tribunal, que deixa de existir no novo Código de Processo Civil. Assim, referidos recursos impetrados em uma destas datas, poderiam ser considerados inócuos gerando supressão de direitos com a consequente perda de prazos.
4. MEIOS DE CORREÇÃO OU APLICAÇÃO DO ARTIGO 1.045 DO NOVO CPC
Para evitar essa problemática, sugerem-se alterações, entre elas, a redação de um projeto de Lei de iniciativa do Legislativo; uma medida provisória por parte do Executivo ou mesmo a suspensão dos prazos nos dias 16, 17 e 18 de março que, embora não seja a solução mais adequada, seria a mais acertada e menos árdua ou dificultosa.
A redação de um projeto de Lei por parte do Legislativo, embora sendo o caminho mais correto a ser trilhado, não seria o mais indicado para a solução da celeuma, pois, tendo em vista o recesso das duas Casas Legislativas, onde obrigatoriamente deveria transitar e, ainda, os entraves burocráticos a que tal iniciativa deve ser submetida, tornaria difícil a publicação de qualquer espécie normativa antes do dia 16 de março de 2016, restando ineficientes todos os esforços neste sentido.
Outra iniciativa que se poderia cogitar é a redação de uma medida provisória por parte do Poder Executivo, sobre a aplicação do artigo a ser considerada, instituindo, dessa forma, a data correta de entrada em vigor do novo Diploma Processual.
No entanto, embora, na prática, admita-se a utilização de Medidas provisórias é certo que é vedado pela Constituição federal, em seu artigo 62, § 1º, I, “b”, o manejo de tal instrumento para tratar de matéria processual. Assim, em que pesem os argumentos favoráveis à utilização de tal mecanismo por se tratar o período de vacância da Lei, de procedimento e, portanto, submetidos à competência legislativa concorrente da União, acredita-se que o fundo de direito seria sim de cunho processual, impedindo, por conseguinte o manejo de tal instrumento.
Por fim, tem-se que a suspensão dos prazos processuais entre os dias 16 e 18 de março de 2016, seria a solução mais imediata, que posta em prática de forma isolada ou conjuntamente com as demais, poria fim a maiores discussões visto que, o prazo restaria bem delimitado, encerrando a vigência do antigo diploma processual no dia 15 de março de 2016, estando sob o pálio do novo Código toda a movimentação processual realizada a partir do dia 19 de março de 2016. Essa será, inclusive, a medida defendida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil [6], conforme nota já divulgada:
“A OAB vai requerer ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça] a suspensão dos prazos processuais nos dias que dão ensejo à polêmica, como medida preventiva para evitar milhares de recursos ou decisões que possam vir a ser anuladas”, afirmou, em nota ao DCI, o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
5. CONCLUSÃO
A redação do artigo 1.045 não foi a mais acertada, visto que não respeitou as disposições da Lei Complementar 95/1998 em total consonância com o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, que define a entrada em vigor das Leis, onde estabelece o período de contagem de vacância das Leis, em dias.
A guisa disso surgiram diferentes correntes doutrinárias, onde respeitados processualistas defendem datas diferenciadas de entrada em vigor deste novo diploma processual, trazendo à baila dispositivo da Lei 810/1949 que estabelece a contagem do ano civil.
Às vésperas da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, não obstante não se tenha resolvido este imbróglio, tem-se que é preciso o quanto antes possível realizar estas assertivas, evitando-se assim, problemas futuros sobre a aplicação das normas de direito processual no tempo, sobrecarregando ainda mais os nossos Tribunais.
Por hora, mostra-se muito coerente a sugestão apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para que haja suspensão dos prazos processuais entre os dias 16 e 18 de março de 2016, encerrando assim, uma celeuma doutrinária importante, já que, nos citados dias não estaria a findar qualquer prazo processual.
REFERÊNCIAS
[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 991.
[2] AMARAL, Guilherme Rizzo do. Comentários às Alterações do Novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 1077 p.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1281978 RS 2011/0224837-2. Relator: Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília, DF, 05 de janeiro de 2015. Diário da Justiça Eletrônica. Brasília, DF, 20 maio 2015. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/189910389/recurso-especial-resp-1281978-rs-2011-0224837-2>. Acesso em: 25 jan. 2016.[
[4] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Novo Código de Processo Civil amplia efeitos do recurso repetitivo. 2015. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Últimas/Novo-Código-de-Processo-Civil-amplia-efeitos-do-recurso-repetitivo>. Acesso em: 24 jan. 2016.
[5] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 2033 p.[
[6] ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (Rio de Janeiro). Seccional. Oab vai ao cnj pedir suspensão de prazos judiciais em três dias de marco. 2015. Disponível em: <http://www.oabrj.org.br/noticia/96068-oab-vai-ao-cnj-pedir-suspensao-de-prazos-judiciais-em-tres-dias-de-marco>. Acesso em: 24 jan. 2016.