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Uma análise crítica dos projetos de leis que dispõem sobre a prostituição no Brasil

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Agenda 03/02/2016 às 14:24

3. O PROJETO DE LEI 4.211 DE 2012 (OU PROJETO DE LEI “GABRIELA LEITE”), DE AUTORIA DO DEPUTADO FEDERAL JEAN WYLLYS[10]

O Deputado Federal Jean Wyllys é autor do mais recente projeto de lei que propõe que o Congresso Nacional se debruce, mais uma vez, sobre o tema. O projeto foi batizado em homenagem a Gabriela Leite que, em vida, era socióloga, prostituta e defensora dos direitos dessa classe social. Nas palavras do Deputado,

a prostituição é atividade cujo exercício remonta à antiguidade e que, apesar de sofrer exclusão normativa e ser condenada do ponto de vista moral ou dos “bons costumes”, ainda perdura. É de um moralismo superficial causador de injustiças a negação de direitos aos profissionais cuja existência nunca deixou de ser fomentada pela própria sociedade que a condena. Trata-se de contradição causadora de marginalização de segmento numeroso da sociedade.

Ainda nas suas palavras,

o escopo da presente propositura não é estimular o crescimento de profissionais do sexo. Muito pelo contrário, aqui se pretende a redução dos riscos danosos de tal atividade. A proposta caminha no sentido da efetivação da dignidade humana para acabar com uma hipocrisia que priva pessoas de direitos elementares, a exemplo das questões previdenciárias e do acesso à Justiça para garantir o recebimento do pagamento. (...) O objetivo principal do presente Projeto de Lei não é só desmarginalizar a profissão e, com isso, permitir, aos profissionais do sexo, o acesso à saúde, ao Direito do Trabalho, à segurança pública e, principalmente, à dignidade humana. Mais que isso, a regularização da profissão do sexo constitui instrumento eficaz ao combate à exploração sexual, pois possibilitará a fiscalização em casas de prostituição e o controle do Estado sobre o serviço.

Trata-se de projeto conta com seis artigos e que, também, trata de aspectos civis e penais.

3.1. Aspectos civis do Projeto de Lei “Gabriela Leite”

 No art. 1º, o Projeto de Lei “Gabriela Leite” cuida de definir o profissional do sexo como “toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”. O Projeto de Lei se separa, portanto, das situações em que a prostituição é exercida por menores, incapazes, ou sob qualquer forma de coação – atividade execrável e tipificada no art. 218-B, do Código Penal[11], considerado, inclusive, crime hediondo (Lei 8.072 de 1990, art. 1º, VIII).

Sob o prisma civil, nos §§ 1º e 2º do Projeto, seguindo o modelo alemão, dispõe que “é juridicamente exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual a quem os contrata” e que “a obrigação de prestação de serviço sexual é pessoal e intransferível”, em caráter semelhante ao Projeto de Lei 98/2003, conforme já analisado.

Ademais, no art. 3º, o supracitado projeto de lei dispõe que “o profissional do sexo pode prestar serviços I – como trabalhador autônomo; II – coletivamente em cooperativa”, valorizando, desta forma, o associativismo entre os profissionais do sexo, o que, sem dúvida, colabora para o fortalecimento da categoria que, unida, passa a ter maior pujança no debate e na luta pelos seus interesses.

3.2. Aspectos penais do Projeto de Lei “Gabriela Leite”

Por outro lado, sob o prisma penal, o Projeto de Lei “Gabriela Leite” propõe interessante distinção entre os conceitos de exploração sexual e prostituição – superando, assim, a confusão legislativa materializada pela Lei 12.015 de 2009. Nas palavras do Deputado Jean Wyllys,

o projeto de lei em questão visa justamente distinguir esses dois institutos visto o caráter diferenciado entre ambos; o primeiro sendo atividade não criminosa e profissional, e o segundo sendo crime contra dignidade sexual da pessoa.

O referido projeto "traz, de maneira pertinente, um critério objetivo para tanto. Com efeito, no art. 2º, consta que “é vedada a prática da exploração sexual”, ao passo que no seu parágrafo único consta o seguinte:

São espécies de exploração sexual, além de outras estipuladas em legislação específica:

I - apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro;

II- o não pagamento pelo serviço sexual contratado;

III- forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência.

Quanto ao inciso II supracitado, é interessante notar que o projeto de lei, para além de dar repercussões civis ao inadimplemento da contratação individual de serviços sexuais (o que, atualmente, é circundado por controvérsias e polêmicas doutrinárias, tal qual analisado nos capítulos anteriores), dará, também, efeitos penais a esta quebra contratual. Nesse sentido, poder-se-ia conjecturar que o cliente inadimplente seria enquadrado como explorador sexual, podendo responder nos moldes do art. 228 do Código Penal, por “induzir ou atrair alguém” à exploração sexual. Contudo, há de se pensar na proporcionalidade desta hipótese, mormente à luz de um direito penal mínimo, considerando que a pena para o referido delito é de 2 a 5 anos de reclusão e multa. No ponto, crê-se que o Projeto de Lei “Gabriela Leite” extrapola os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, por dar conotações penais a uma questão que poderia ser resolvida, de maneira suficiente, no âmbito civil.

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Por outro lado, no art. 3º, parágrafo único, consta que “a casa de prostituição é permitida desde que nela não se exerce qualquer tipo de exploração sexual”. Conforme o autor do projeto,

as casas de prostituição, onde há prestação de serviço e condições de trabalhos dignas, não são mais punidas, ao contrário das casas de exploração sexual, onde pessoas são obrigadas a prestar serviços sexuais sem remuneração e são tidas não como prestadoras de serviço, logo, sujeitos de direitos, mas como objeto de comércio sexual; essas casas, sim, serão punidas. Além disso, a descriminalização das casas de prostituição (1) obriga a fiscalização, impedindo a corrupção de policiais, que cobram propina em troca de silêncio e de garantia do funcionamento da casa no vácuo da legalidade; e (2) promove melhores condições de trabalho, higiene e segurança. A vedação a casas de prostituição existente no texto legal atual facilita a exploração sexual, a corrupção de agentes da lei e, muitas vezes, faz com que essas casas não se caracterizem como locais de trabalho digno. As casas funcionam de forma clandestina a partir da omissão do Estado, impedindo assim uma rotina de fiscalização, recolhimento de impostos e vigilância sanitária. Por isso, somente deve ser criminalizada a conduta daquele que mantém local de exploração sexual de menores ou não e de pessoas que, por enfermidade ou deficiência, não tenham o necessário discernimento para a prática do ato.

O art. 4º do Projeto de Lei “Gabriela Leite”, por sua vez, propõe cinco alterações em tipos penais que compõem o Capítulo “do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual”.

A primeira das mudanças atinge o caput do art. 228 do Código Penal, que passaria a vigorar com a seguinte redação: “induzir ou atrair alguém à exploração sexual, ou impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição”. Retira-se, portanto, o óbice ao induzimento e atração da prostituição que, como visto, passa a ser admitida nas casas de prostituição, desde que não ocorra a exploração sexual. Todavia, continua punindo aquele que impede ou dificulta o abandono, seja da prostituição, seja da exploração sexual, o que revela significativo avanço em relação ao Projeto de Lei 98/2003, que se propunha apenas revogar o art. 228 do Código Penal, esquecendo-se de tipificar as condutas dos agenciadores que coagirem o profissional do sexo a manter-se nesta condição contra a sua vontade, violando a sua liberdade sexual e pessoal.

Outra mudança significativa que o Projeto propõe se verifica na mudança do nomen iuris do art. 229 do Código Penal, que passaria a ser “casa de exploração sexual”. Como dito, o Projeto de Lei autoriza a prostituição agenciada desde que não ocorra exploração sexual (art. 3º, parágrafo único), cujo conceito (que passaria a ser estancado do conceito de prostituição) é objetivamente dado pelo art. 2º, parágrafo único, do Projeto. A redação do art. 229, por sua vez, continuaria a mesma, embora tivesse de passar a ser lida sob esse novo viés interpretativo. As demais modificações propostas (art. 230 – Rufianismo; art. 231 – Tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual; e art. 231-A – Tráfico interno de pessoas para fim de exploração sexual) também seguem a mesma lógica.

3.3. Aspectos sociais do Projeto de Lei “Gabriela Leite”

Finalmente, no art. 5º, o Projeto de Lei “Gabriela Leite” propõe um importante direito social aos profissionais do sexo: a possibilidade de se aposentarem, em caráter especial, com 25 anos de tempo de contribuição. Segundo o autor do projeto,

atualmente os trabalhadores do sexo sujeitam-se a condições de trabalho aviltantes, sofrem com o envelhecimento precoce e com a falta de oportunidades da carreira, que cedo termina. Daí a necessidade do direito à Aposentadoria Especial, consoante o artigo 57 da Lei 8.213/1991, com redação dada pela Lei nº 9.032/1995.

A assertiva é confirmada por Andréa da Silva (2000, p. 61), segundo a qual “as atividades que fazem parte do desenvolvimento do trabalho de prostituição provocam no corpo da mulher prostituta um grande desgaste, principalmente nos membros inferiores e região genital”. Ademais, “a postura de permanecer de pé no período que aguardam clientes traz, com o passar do tempo, desgastes biológicos, principalmente o aparecimento de varizes e problemas na coluna vertebral” (SILVA, 2000, p. 71).

A pesquisadora constatou ainda que, após anos de serviços, as prostitutas são obrigadas a diminuir o ritmo de trabalho, em decorrência do desgaste físico e da falta de lubrificação vaginal (SILVA, 2000, p. 67). Por certo, tais assertivas também se aplicam aos profissionais do sexo masculino.

Finalmente, há nítida relação entre o interesse os clientes e a idade dos prostitutos, tendo em vista que aqueles, em regra, têm preferência por garotos(as) mais novos(as), de forma que o envelhecimento na atividade reduz a quantidade de clientes e a remuneração pela prestação de tais serviços. Com efeito, a prostituição nada na contramão do que ocorre, em regra, nas demais profissões: experiência, aqui, é sinônimo (em regra) de desvalorização.

Todas essas razões justificam uma aposentadoria antecipada a estes trabalhadores.

3.4. Conclusões sobre o Projeto de Lei “Gabriela Leite”

O referido Projeto avança em relação ao seu predecessor (o Projeto de Lei 98 de 2003, do Deputado Fernando Gabeira), notadamente sob o aspecto penal, pela propositura da distinção entre prostituição e exploração sexual, além de não incorrer nos excessos deste último projeto quanto à revogação de importantes tipos penais destinados à tutela da dignidade sexual.

Além do mais, propõe um importante direito social (a aposentadoria especial), atento à realidade da atividade da prostituição, cuja carreira é curta.

Em suma, tal Projeto trará novamente o debate para as pautas da Câmara dos Deputados. Espera-se que, desta vez, a questão seja debatido sob uma ótica menos preconceituosa e mais voltada à realidade social, e que a Câmara lide com a questão de maneira pragmática a fim de proporcionar melhores condições de trabalho e de vida para as milhares de pessoas que estão envolvidas e que serão diretamente atingidas com tais mudanças legislativas

Sobre o autor
Darlon Costa Duarte

Analista Judiciário - Área Judiciária do Supremo Tribunal Federal. Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Darlon Costa. Uma análise crítica dos projetos de leis que dispõem sobre a prostituição no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4599, 3 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46246. Acesso em: 2 mai. 2024.

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