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A metrologia como processo indutivo do Estado na regulamentação técnica de proteção do consumidor antes da defesa do consumidor

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Agenda 29/02/2016 às 15:03

A Defesa do Consumidor como direito fundamental, e os aspectos legais que indicam a proteção e defesa.

A Constituição Federal de 1988 incluiu no tópico dos direitos e garantias fundamentais, artigo 5º, XXXII, a obrigatoriedade de o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor, destacando a defesa do consumidor como direito fundamental na base constitucional[20].

Explicita Frederico da Costa Carvalho Neto:

Ao estabelecer no inciso XXXII que o Estado promoverá a defesa do Consumidor, reconheceu o Legislador Constituinte a necessidade do Estado proteger os consumidores, e na própria Lei n 8.078/1990, esse mandamento constitucional foi obedecido, precisamente quando no art.  4 estabeleceu a Política Nacional de Relações de Consumo e no art 5º criou mecanismos para a execução desta política.[21]

Adiante, o texto constitucional tratando da livre iniciativa, incluiu a relação de consumo como princípio da ordem econômica:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

V- defesa do consumidor. (...)

Sobre este aspecto, esclarece Celso Antônio Pacheco Fiorillo que a Constituição  Federal ao estabelecer princípios gerais da atividade econômica, soube compatibilizar uma série de princípios sem olvidar da defesa  do consumidor, todos eles

devidamente harmonizados com fundamento republicano da livre iniciativa (art.1º,  IV), devem ser observados em atendimento prioritário às necessidades dos cidadãos, o que levou ao estabelecimento de diretriz, orientação dentro dos direitos individuais e coletivos a consumidor (art. 5º, XXXII e  art. 48 do ADCT da Carta Magna)".[22]

A própria relação de consumo se insere entre os princípios norteadores da atividade econômica, precedida da observância dos direitos consumeristas, na dicção de Frederico da Costa Carvalho Neto, " informou o Constituinte que qualquer atividade  empresarial deve ter em conta a defesa do consumidor, assim como deve  observar os demais princípios estampados no art 170" [23]

Para Rizzatto Nunes, princípios são “formulações deônticas de todo o sistema ético-jurídico, os mais importante a serem considerados, não só pelo aplicador do Direito, mas por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam”.[24] Complementando que “os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata, mas essa abstração não significa incidência no plano da realidade”[25], ou seja, a atmosfera semântico pragmática vai exsurgir apenas no plano das normas legais lato sensu, ordenando concretude aos princípios constitucionais, numa espiral que lhes impliquem a própria legitimidade constitucional

Na clássica expressão de Celso Antonio Bandeira de Mello:

(...) princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.[26]

Dentre os princípios constitucionais que organizam nossa sociedade, o Sistema Nacional de Metrologia e Qualidade se organiza ao Lado do sistema Nacional de Defesa do Consumidor, imbricado na soberania do Estado que lhe autoriza mitigar a liberdade da organização da ordem econômica, também alçada como princípio constitucional, para sua própria proteção e organização de seu desenvolvimento com o menor dano possível à toda sociedade albergada sob o Estado Constitucional

Na dicção de Kildare Gonçalves Carvalho, soberania tem sua origem em super omnia, superanus ou supremintas, como última instância de poder de mando de uma sociedade politicamente organizada.[27]. A partir da obra “Seis Livros Sobre a República” de Jean Bodin, o tema soberania ganha os contornos que conhecemos hoje, como conceito formal de poder absoluto e perpétuo da República[28], razão de estar indicada na Constituição Federal como fundamento do Estado Democrático de Direito, não somente como fundamento estruturante mas como princípio limitador da ordem econômica previsto no Titulo VII, art. 170, I da Carta Magna.

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Para José Afonso da Silva a soberania é fundamento do próprio conceito de Estado, implica em sua autodeterminação de criar e impor leis, que têm como finalidade a organização da sociedade para seus destinatários finais. [29]

Não se verifica um paradoxo entre soberania e regulação da ordem econômica, posto que fundada na livre iniciativa, quando se verifica que ela própria tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, valorização do trabalho humano e defesa do consumidor, nos termos do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal.

A regulamentação Metrológica e da Avaliação da Conformidade de produtos e serviços transcende o Estado brasileiro e insere-se numa regulação global que impõe uma releitura de paradigmas da teoria geral do Estado e do direito internacional, razão pela qual se aproxima mais do positivismo jurídico, ainda que mitigado pelas forças econômicas que sustentam a própria sociedade, numa construção paritária de regras que garantem competitividade e dos produtos e serviços nacionais, com o menor dano possível à própria estrutura sob a qual repousam o lastro de sua produção, meio ambiente e cidadãos.

Com o advento da Constituição federal de 1988, o conceito de cidadão passa a ser observado sob a perspectiva dinâmica do sistema, ou seja, é sob a luz do sistema de direito positivo que devemos interpretar o conceito de cidadão, que, como verificaremos, passou por uma fundamental modificação.

Os regimes anteriores conceituavam cidadão como aquele que portava título de eleitor, vinculando alguns direitos à própria existência do referido documento.[30] Fato é que este conceito foi alargado, e hoje deve ser interpretado sob a óptica constitucional. Nesse sentido é esclarecedora a lição de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que dizem ser:

(...) igual a dignidade social de todos os cidadãos – que aliás não é mais do que um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas, cujo sentido imediato consiste na proclamação da idêntica validade cívica de todos os cidadãos, independente de sua inserção econômica, social, cultural e política, proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social discriminatórias (...)[31]

Da cidadania, portanto, decorre status para exercício dos direitos políticos, para o gozo pleno dos direitos constitucionais trazidos pela Carta Magna. Paulo Afonso de Leme Machado vê cidadania “como a ação participativa onde há interesse público ou interesse social. Ser cidadão é sair de sua vida meramente privada e interessar-se pela sociedade de que faz parte e ter direitos e deveres para nela influenciar e decidir.” [32]

Bobbio sustenta que para Hobbes:

(...) o estado de natureza constitui um estao de anarquia permanente, no qual todo homem luta contra os outros, no qual – segundo a formula hobbesiana, existe um ‘bellum omminium contra omnes’. Para sair desta condição, é preciso, portanto, atribuir toda força a uma só instituição: o soberano (...) [33].

Do Absolutismo ao Estado Liberal, a Revolução Francesa levou a repensar a concentração do poder e o governo, com olhar para o individuo. Do Estado Liberal ao Estado Social, as Guerras Mundiais e as crises mundiais que a sucederam, trouxeram a necessidade de refletir sobre a divisão do capital e a interação com o governo, fazendo considerar o individuo para além de ente isolado, agora como grupo manifestado com a ascensão e salvaguarda dos direitos humanos, com todos os vieses positivos e negativos que qualquer exercício de direito coletivo representa na esfera do direito individual do cidadão, inegável que a proteção do consumidor assume um papel anterior ao exercício do direito e se coloca numa posição limítrofe e tênue entre o protecionismo e o desenvolvimentismo.

Nas lições de HEGEL “Os interesses particulares das coletividades que fazem parte da sociedade civil e se encontram situadas fora do universal em si e para si do Estado são administrados nas corporações” [34]

Hoje o Estado assume o papel dessas corporações através das Agências Administrativas, que adjudicam, como o INMETRO, conflitos antes que eles se manifestem nas relações de consumo.

A coletividade nesse sentido reúne interesses de todos os atores, noutra substância corporativa, econômica, social, funcional guiada, por uma substância principiológica representativa, participativa capaz de imprimir adesão ao setor regulado, normatizado.

A oposição hegeliana entre o universal do Estado e os interesses particulares das coletividades dos administrados talvez subsidie essa regulação normativa técnica onde a corporação seja o polo de atração de todos os interesses albergados pela sociedade sob um Estado, no sentido explicitado por HEGEL que esta função;

(...) atribui à corporação o direito de gerir os seus interesses sob a vigilância dos poderes públicos, admitir membros em virtude da qualidade objetiva da opinião e probidade que têm e  no  número  determinado  pela  situação geral, encarregando - se de proteger os seus membros, por uma lado, contra os acidentes particulares e, por outro  lado, na formação das aptidões para fazerem parte dela. Numa palavra, a corpo ração é para eles uma segunda família, missão que é indefinida para a sociedade civil em geral, mais afastada como esta está dos indivíduos e das exigências particulares (...)[35].

É nessa perspectiva a nossa análise da regulamentação da proteção do consumidor, como processo do Estado, indutor, antes da defesa do consumidor. já que o próprio consumidor é cidadão e deve gozar plenamente do arsenal de direitos e garantias que a Carta Política lhe oferece. A Carta Constitucional de 1988 fixa as bases desse novo rumo que deve ser seguido pela economia nacional.

A importância de uma tutela específica para os consumidores exigiu do legislador uma postura de vanguarda, que estivesse adequada a nova ordem constitucional vigente.

O reconhecimento da importância da tutela do consumidor deflui na edição da Lei nº 8.078 em 1990, abrindo um leque de novas formas de se interpretar a própria economia até então organizada.

Sobre o autor
José Tadeu Rodrigues Penteado

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1985), especialista em Direito do Estado pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Mestre em Direito Desportivo pela PUC-SP. Advogado Público, Analista de Gestão em Metrologia e Qualidade do Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo, desde 1987, atualmente é professor das Faculdades Integradas Rio Branco.Experiência de 30 anos na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Tributário e Processo Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO, José Tadeu Rodrigues. A metrologia como processo indutivo do Estado na regulamentação técnica de proteção do consumidor antes da defesa do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4625, 29 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46448. Acesso em: 5 nov. 2024.

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