O presente texto tem por estímulo a profusiva quantidade de notícias e informações produzidas nas últimas semanas envolvendo as atuações da operação denominada Lava Jato conduzidas pelo Juiz Federal Sérgio Moro, Procuradores da República, Delegados de Polícia Federal e Auditores da Receita Federal.
De outro lado, também impulsiona o presente texto a necessidade de análise dos impactos e efeitos da mídia no processo de informação/desinformação da sociedade, fato que vem a merecer ainda mais atenção quando a dicotomia de opiniões é retroalimentada pelo embate midiático sobre as versões relacionadas aos processos e ações que envolvem aquela mesma operação Lava Jato.
Como premissa desta análise, toma-se por base a evidência de que os meios de comunicação de massa desenvolve importante papel na formação da opinião pública, destacam e ampliam o debate sobre os temas por ela selecionados e passam a ganhar singular saliência na formação das opiniões sobre o tema.
Ora, a mídia faz parte da estrutura da sociedade exercendo papel central no nível semântico da autodescrição da sociedade, eis que o sistema mídia/meio de comunicação de massa exerce um papel de seletividade das diversas possíveis autodescrições da sociedade . 1A mídia define o saber dominante na opinião pública .2
Ou seja, a mídia constitui elemento decisivo, em uma sociedade democrática, para que as diversas formas de ver o mundo possam ter voz e vez, assim como é decisiva para afirmar fatos e evidências que possam construir uma realidade vinculada à vivência real da maioria da população.
Maxwell Mcombs e Don Shaw, já na década de 1960, em estudos perante a Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, promoveram abordagens sobre como os meios de comunicação de massa influenciavam o resultado de eleições, através da intensidade e da forma como as notícias eram divulgadas e qual sua influência sobre eleitores indecisos .3
A evidência da teoria é que os meios de comunicação de massa e as agências de notícias exercem uma poderosa influência na determinação de quais temas são colocados como mais importantes no momento para uma determinada sociedade. É a transmissão da saliência do tópico da agenda da mídia para a agenda do público .4
Disto se deduz que a atuação dos meios de comunicação é determinante para a formação de como compreendemos nossa realidade e podemos pautar nossos atos e decisões.
Por outro vemos os telejornais, em especial a Rede Globo, através de seu telejornal noturno mais conhecido, o qual, na cobertura dos últimos acontecimentos envolvendo a Lava Jato, em especial nos episódios da condução coercitiva do ex-presidente Lula e na divulgação dos áudios interceptados em que a Presidente Dilma e o ex-presidente conversavam sobre sua nomeação para o posto de Ministro de Estado, apresenta-se com diferenciada e intensa divulgação de seus trechos, com exposição do áudio e leitura repetida de seus trechos, sem que se perceba uma proporcional e adequada exposição das versões concorrentes para cada episódio, fato que é mandamento lapidar para o jornalismo.
De modo geral, houve uma nítida percepção de que, embora sobre bases verdadeiras e que guardam coerência com o periodismo investigativo, a abordagem desenvolvida por aquele telejornal foi desigual e, para alguns analistas, manipuladora.
Com essa constatação, Carlos Castilho, editor do Observatório da Imprensa, destaca que: “O que a Globo sabe fazer magistralmente é manipular contextos, como por exemplo, a alocação de tempos para acusação e defesa. Uma denúncia feita por algum delator no processo Lava Jato recebe um detalhamento que toma vários minutos enquanto a defesa merece rápidas e burocráticas menções do tipo “todas as doações foram registradas de acordo com a lei eleitoral”, “não comentamos inquéritos em andamento”, ou “ainda não tivemos acesso aos autos do processo”, sem falar no lacônico “não conseguimos contato com,,,,”. 5
Por sua vez, o jornal alemão, Der Spiegel, destacou: “Parte da oposição e da Justiça age, juntamente com a maior empresa de telecomunicações TV Globo, para estimular uma verdadeira caça às bruxas que tem como alvo o ex-presidente Lula.” 6
Podemos, ainda, evidenciar a forma de divulgação dos áudios interceptados 7 8 em que o citado Jornal Nacional, em 16.03.2016, destaca, por vários minutos, sem visões destoante ou análise de contexto, a narrativa repetida dos diálogos, fazendo exposição de áudio degravados inclusive sobre trechos com pouco interesse público, como uma conversa entre o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o ex-presidente Lula, em que fazem comentários jocosos. Somente ao final da reportagem a jornalista cita, de modo sintético, esclarecimentos ou manifestações contrárias às avaliações feitas durante a reportagem.
Essa postagem desmedida e desproporcional atrai críticas à cobertura jornalística desses acontecimentos, em que pese o poder de influência desse meio de comunicação na formação do debate público sobre o assunto.
Não se está, com essa abordagem crítica à forma como a mídia tem apresentado esses episódios, a pregar que deve haver censura ou controle da imprensa.
No entanto, torna-se cada vez mais importante que o público procure checar as reportagens com outros meios de comunicação e outros meios de acesso às informações discutidas, de modo a produzir uma base de informações mais ampla e profunda do que aquela inicialmente abordada na reportagem.
De registro, é válido observar que chegou a ser ajuizada ação contra a Rede Globo, tendo como autor o ex-presidente Lula, com o objetivo de obtenção do direito de resposta, sem sucesso, contudo. 9
De outro lado, é força convir que a imprensa é base para a democracia, mas como toda fonte de poder e influência pode ser conduzida a interesses não republicanos, o que remete à necessidade de discussão sobre mecanismos de contenção de abusos, seja por meio do judiciário ou organismos sociais de balizamento contra excessos ou desvios que representem fuga a mandamentos da boa reportagem, ou seja, aquela que tem capacidade de cobertura ampla dos fatos.
O que se observa é que um instrumento de tão relevante importância para a democracia e dotado de acentuada capacidade de estímulo para o debate público merece ser exercidas com direto compromisso informativo, acima de visões parciais ou manipuladas.A todos é fundamental possuir um nível de informação minimamente adequado a partir dos meios de comunicação de massa. Ouvida e cotejo proporcional, na forma e na essência, são fundamentais para isso.
Estudos do próprio jornalismo demonstram que a mídia definem para a maioria da população os acontecimentos significativos que estão a ter lugar, mas também oferecem interpretações poderosas acerca da forma de compreender estes acontecimentos. Implícitas nessas interpretações estão as orientações relativas aos acontecimentos e pessoas ou grupos nelas envolvidos. 10
Nisto reside sua importância, mas, também, sua responsabilidade, mormente em se tratando de questões com alto índice de conflituosidade e que tem mobilizado a sociedade ao debate público.
Os meios de comunicação promoveram uma re-organização dos processos de aprendizagem, de conversação cívica e de mobilização. 11
É determinante que os meios de comunicação atuem com transparência e compromisso com a informação equidistante e mais completa possível, expondo, com igual evidência e destaque, as diversas visões sobre os fatos, destacando aspectos que conduzem a conclusões possíveis.
Deve-se evitar qualquer censura externa e, de igual modo, a captura interna por interesse ideológicos ou comerciais que selecionem ou restrinjam ao público o amplo acesso à informação.
O público deve ser prestigiado com as versões sobre o fato para que possa produzir, no melhor nível possível, as conclusões advindas da reportagem ou texto jornalístico. Caso o periódico esteja promovendo a opinião dos seus editores ou da empresa jornalística, que se faça de modo claro e aberto, sem que haja margem a dúvidas de que o texto reflete uma opinião.
O que é nefasto e inconstitucional, é que o órgão de imprensa escolha uma versão, denegando outras ou partes de informação, para promover um único modo de ver os fatos.
É inconstitucional porque o capítulo da Comunicação Social da Constituição brasileira prevê expressamente que a informação não sofrerá qualquer modo de restrição (art.22012) . Leia-se, restrição externa (censura) ou interna (captura de interesses).
É vedada qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, ou seja, deve ser dada franca liberdade para que o meio de comunicação produza a comunicação e a informação, que são direitos fundamentais de todos.
Não é por outro motivo que o art. 220, § 5º da Constituição Federal expressamente afirma que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. Ou seja, é diretriz do Estado brasileiro, por sua Constituição democrática, garantir e permitir que a informação seja dada de modo neutro (quando não seja opinião) e que contemple as evidentes versões sobre os acontecimentos, porque isso é essencial para a obtenção da informação.
Disto conclui-se que os meios de comunicação de massa, notadamente a imprensa televisiva, deve atentar para o devido atendimento das diretrizes básicas do jornalismo e da Constituição Federal, atuando para produzir informação, no melhor nível possível, de modo completo e submetido ao contraditório dos fatos apurados, com suas versões.
De outro ponto, o cidadão, como agente do processo informativo que promove a circulação da notícia, deve, sempre que possível, confrontar as versões apresentadas com os diversos meios de comunicação, tanto aqueles centrais como os periféricos, a exemplo dos próprios espaços construídos para crítica da atividade jornalística 13.
Notas
1. Após fazer considerações sobre a construção da realidade pelos meios de massa, Luhmann afirma que os meios de massa são um sistema que atende a uma função da sociedade moderna e que, como todos os outros sistemas que se encarregam de uma função na sociedade, deve sua alta capacidade de rendimento ao processo de diferenciação, à clausura operativa e à autonomia autopoiética do sistema.( LUHMANN, Niklas. La realidade de los médios de masas, Trad. Javier Torres Nafarrate, Rubí (Barcelona):Anthropos Editorial, Mexico: Universidad Ideroamericana, 2000, p.11-13).
2. Marcelo Neves citando Luhmann afirma que nas mensagens que os meios de massa difundem no dia a dia e de fato a fato, cristaliza-se o que, na comunicação societária, é tratado como o saber. (NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1ª edição, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2009p.29.)
3.MCOMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Trad. Jacques A Wainberg, Petrópolis: Vozes, 2009, p.10.
4. Ibid., 2009, p.43.
5.http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/a-manipulacao-de-contextos-na-montagem-de-noticias/
6.http://www.revistaforum.com.br/2016/03/22/revista-alema-denuncia-tentativa-de-golpe-frio-no-brasil/
7.https://www.youtube.com/watch?v=e6Pi8_7Xftg
8.https://www.youtube.com/watch?v=2hYo7eEnwKU
9.http://www.conjur.com.br/2016-mar-23/globo-nao-obrigada-ouvir-versao-lula-reportagem-juiz
10.HALL, Stuart et. al. A produção social das notícias. In: Traquina, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999. p. 224-248
11.MAIA, Rousiley. Mídia e vida pública: modos de abordagem. In MAIA, Rousiley; CASTRO, Maria Céres Pimenta Spínola (Orgs.). Mídia, esfera pública e identidades coletivas, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p.15.
12.Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
13.Como é o caso do Observatório da Imprensa, no Brasil.