Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Artigo 299 do Código Eleitoral:

a corrupção eleitoral à luz do Tribunal Superior Eleitoral

Exibindo página 1 de 5
Agenda 18/07/2016 às 11:08

Conhecer os entendimentos da Corte Eleitoral – ainda que por vezes pendulares – sobre o crime do artigo 299 do Código Eleitoral constitui o ponto de partida para a correta aplicação da lei.

Resumo: As eleições são, em sua essência, um processo dinâmico. Do mesmo modo, a interpretação acerca dos tipos penais eleitorais é alterada frequentemente, sobretudo pela alternância da composição dos Tribunais Eleitorais e pela multiplicidade de condutas praticadas na complexa sociedade moderna. Diante desse panorama, e considerando a importância, a gravidade e a repercussão social do crime de corrupção eleitoral – artigo 299 do Código Eleitoral –, busca-se definir seus contornos materiais e processuais a partir da interpretação a ele conferida pelo Tribunal Superior Eleitoral. Assim, haverá subsídios tanto para o profissional do Direito quanto para qualquer interessado no processo eleitoral, seja para evitar a prática da conduta criminosa, seja para fixar balizas para o processamento e julgamento das ações penais respectivas.

Palavras-Chave: Direito Penal Eleitoral – Corrupção Eleitoral – Interpretação – Justiça Eleitoral – Tribunal Superior Eleitoral.

Sumário: Introdução. 1. Fundamentos do crime de corrupção eleitoral. 1.1. Fundamentos filosóficos, políticos e sociológicos. 1.2. Legislação pertinente. Evolução. 2. Tipologia do artigo 299 do Código Eleitoral. 2.1. O artigo 299 do Código Eleitoral. 2.1.1. Núcleos do tipo. 2.1.2. Elemento normativo. 2.1.3. Elemento subjetivo do tipo. 2.1.4. Classificação do crime. 2.1.5. Bem jurídico tutelado. 2.1.6. Sujeitos do crime. 2.1.6.1 Sujeito ativo. 2.1.6.2. Sujeito passivo. 2.1.7. Consumação e tentativa. 2.1.8. Corrupção eleitoral impossível. 2.1.9. Concurso de agentes. 2.2. Corrupção eleitoral (artigo 299 do Código Eleitoral) versus captação ilicita de sufrágio (artigo 41-A da Lei 9.504/1997). 3. Questões processuais. 3.1. Questões processuais relevantes. 3.1.1. Gravação ambiental. 3.1.2. Institutos despenalizadores. 3.1.3. Oitiva de corréu como testemunha. 3.1.4. Prisão preventiva. 3.1.5. Rito processual. 4. Casuística. 4.1. O posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral ante casos concretos. 4.1.1. Bingo: distribuição de brindes. 4.1.2. Candidatura frustrada. 4.1.3. Compra de apoio político. 4.1.4. Concurso formal imperfeito. 4.1.5. Incomunicabilidade entre as instâncias cível e penal. 4.1.6. Oferta de vales-combustível. 4.1.7. Pedido implícito de votos. 4.1.8. Princípio da insignificância. 4.1.9. Promessas genéricas. Conclusão. Referências.


Introdução

As eleições são, em sua essência, um processo dinâmico. Outrossim, a interpretação acerca dos tipos penais eleitorais sofre constantes alterações, notadamente pela regular alternância da composição dos Tribunais Eleitorais e pela multiplicidade de condutas praticadas na complexa sociedade moderna.

Diante desse panorama, e considerando a importância, a gravidade e a repercussão social do crime de corrupção eleitoral[1] – artigo 299 do Código Eleitoral –, mostra-se imprescindível a definição de seus contornos materiais e processuais, por meio da busca dos pontos de interseção das decisões emanadas do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema, porquanto a ele foi atribuída pela Constituição da República a função de dar a correta interpretação das normas penais-eleitorais infraconstitucionais, sem se olvidar da doutrina.

De outra parte, cumpre destacar que, acerca do crime de corrupção eleitoral, não raro, há interpretações divergentes e até conflitantes no âmbito da Corte Superior Eleitoral. Essa situação, contudo, pode ser revertida a partir da análise dos pontos de convergência entre julgados aparentemente contraditórios, com o estabelecimento de balizas sobre as questões pertinentes ao tema. Com isso, busca-se contribuir para a consolidação da segurança jurídica em matéria penal-eleitoral.

Por outro lado, é justamente a fluidez da interpretação conferida à norma e a dinamicidade própria do Direito Penal Eleitoral que instigam a pesquisa. O desafio, portanto, é identificar e expor as linhas mestras das questões que perpassam a corrupção eleitoral, vulgarmente denominada “compra de votos”.

Sem pretensão de ineditismo ou esgotamento da matéria, dados os limites das possibilidades de um artigo, procurar-se-á discorrer acerca do crime de corrupção eleitoral e investigar a existência de parâmetros minimamente confiáveis para o exame de futuros casos concretos envolvendo o referido ilícito.

Acredita-se que, atingida tal meta, possa-se subsidiar tanto o profissional do Direito quanto qualquer jurisdicionado interessado no processo eleitoral, no sentido de evitar a prática de conduta criminosa, bem como obter parâmetros confiáveis para o processamento das demandas e julgamento daqueles que eventualmente venham a realizá-la.

Para tanto, este trabalho está dividido em quatro grandes partes, quais sejam: fundamentos do crime de corrupção eleitoral, tipologia do artigo 299 do Código Eleitoral, questões processuais e casuística.

Na primeira, serão apresentados, ainda que de maneira breve, os fundamentos filosóficos, políticos e sociológicos do ilícito penal. Ao final do tópico, destacar-se-á a norma de regência.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Na segunda, a estrutura do tipo será examinada pormenorizadamente, ressaltando cada um de seus núcleos, os elementos normativo e subjetivo do tipo, a classificação do crime, o bem jurídico tutelado, os sujeitos ativo e passivo, as questões envolvendo consumação e tentativa, bem como às referentes à caracterização de crime impossível e ao concurso de agentes. Far-se-á, ainda, a distinção entre o crime de corrupção eleitoral (artigo 299 do Código Eleitoral) e o ilícito cível-eleitoral da captação ilícita de sufrágio (artigo 41-A da Lei 9.504/1997).

A terceira parte dará ênfase às questões processuais pertinentes, com destaque à discussão acerca da gravação ambiental, dos institutos despenalizadores, da oitiva de corréu como testemunha, da possibilidade ou não de aplicação da prisão preventiva e do rito a ser observado.

Por fim, a quarta e última parte cuidará da casuística, lançando o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral ante os casos concretos.


1. Fundamentos do crime de corrupção eleitoral

1.1. Fundamentos filosóficos, políticos e sociológicos

Toda eleição deve ser autêntica, isto é, o resultado das urnas deve corresponder à vontade popular, o que confere legitimidade à escolha popular (ROSA, 2011, p. 30). Nesse sentido, o voto não constitui uma mercadoria, “mas uma premiação que deve ser conquistada após justa disputa, pelas ideias e pela história de cada competidor” (NIESS, 1994, p. 128).

No entanto, é cediço que a corrupção em sentido lato tangencia qualquer corpo social. Isso não é diferente no processo eleitoral. E sua expressão mais clara, nessa seara, está consubstanciada justamente no artigo 299 do Código Eleitoral, que criminaliza tanto a corrupção ativa quanto a passiva.

Esse tipo penal, portanto, não foi incluído no ordenamento jurídico pátrio de forma aleatória, pois fundado na ética, nos princípios democráticos e no sentido de corpo que deve permear a sociedade.

Não se pode admitir que aquele que almeja representar o povo, do qual emana todo o poder – conforme o disposto no parágrafo único do artigo 1o da Constituição da República –, lance mão de subterfúgios condenáveis para a consecução de seu intento. Lado outro, causa repulsa à sociedade a conduta daquele que transforma uma conquista histórica, cara a todos, – o voto – em objeto de escambo.

Daí porque não há dificuldade em concluir que a política legislativa nacional, há muito, é pela tipificação da conduta corporificada na comercialização do exercício do direito de sufrágio, aí incluídos o voto e a abstenção.

Nesse contexto, os reflexos da aplicação da norma penal em comento – friso, suas consequências mediatas – podem até mesmo implicar no exercício do papel contramajoritário do Poder Judiciário. De toda sorte, em última análise, estar-se-á a promover o bem comum. A propósito, a doutrina de Marcelo Roseno de Oliveira (2010, p. 102-103), a qual, embora não se refira especificamente à seara penal eleitoral, serve-lhe de substrato:

“Os tribunais eleitorais têm, não raro, reconhecido a carência de higidez da manifestação popular e cassado mandatos, comportamento frequentemente contestado em vista de uma possível ausência de legitimidade democrática para assim proceder.

Nesse contexto, as decisões judiciais são muitas vezes acoimadas de contramajoritárias, por supostamente confrontarem valor tão caro como o da soberania popular, fundante do Estado Democrático de Direito.

[...]

É preciso ter presente o fato de que milita em favor do candidato vitorioso a presunção de haver logrado o mandato de forma lícita, sendo de se lhe garantir, em privilégio da soberania popular, o reconhecimento do título que o habilitará ao exercício das funções para as quais foi escolhido. Tal presunção, contudo, pode ser elidida enquanto perdurar a contestação dos expedientes de que mediante decisão judicial, a prática de vício (...) passará a militar em favor da coletividade o interesse de expurgar aquele que violou as regras da disputa.”

Diante dessas abreviadas considerações, infere-se que o crime de corrupção eleitoral possui arrimos filosóficos, políticos e sociológicos.

1.2. Legislação pertinente. Evolução.

Os crimes eleitorais foram progressivamente isolados da legislação penal comum, sem que, com isso, alcançassem autonomia disciplinar. Em verdade, tal especialização exsurge da exigência de uma ordem sistemática, em função de características comuns preponderantes (RIBEIRO, 1998).

Nesse sentido, o Código Penal de 1830 previu o que se pode denominar de “embrião” do crime de corrupção eleitoral. Veja-se:

“Art. 101. Solicitar, usando de promessas de recompensa, ou de ameaças de algum mal, para que as Eleições para Senadores, Deputados, Eleitores, Membros dos Conselhos Geraes, ou das Camaras Municipaes, Juizes de Paz, e quaesquer outros empregados electivos, recaiam, ou deixem de recahir em determinadas pessoas, ou para esse fim comprar ou vender votos.

Penas - de prisão por tres a nove mezes, e de multa correspondente á metade do tempo; bem assim da perda do emprego, se delle se tiver servido para commetter o crime.”

O Código Penal de 1890, por sua vez, não trouxe qualquer modificação expressiva, conforme se lê:

“Art. 166. Solicitar, usando de promessas ou de ameaças, votos para certa e determinada pessoa, ou para esse fim comprar votos, qualquer que seja a eleição a que se proceda:

Penas - de prisão cellular por tres mezes a um anno e de privação dos direitos politicos por dous annos.

Art. 167. Vender o voto:

Penas - de prisão cellular por tres mezes a um anno e de privação dos direitos politicos por dous annos.”

Sobreveio, então, o Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 – primeiro Código Eleitoral brasileiro. Embora mais conhecido em virtude da extensão do direito ao voto às mulheres (artigo 2º) (FERREIRA, 1997, p. 12), a norma, esta sim exclusivamente eleitoral, previu que a corrupção eleitoral constituía “delito eleitoral”, passível de prisão. A respeito, veja-se a redação do artigo 107, § 21, do referido diploma legal:

“Art. 107. São delitos eleitorais:

(...)

§ 21 Oferecer, prometer, solicitar, exigir ou receber dinheiro, dadiva ou qualquer vantagem, para obter ou dar voto, ou para conseguir abstenção, ou para abster-se de voto: Pena - seis mêses a dois anos de prisão celular.”

A partir daí, foram editadas diversas normas de natureza eleitoral, as quais cuidavam, inclusive, de matéria penal-eleitoral, tais como a Lei nº 48, de 4 de maio de 1935, e o Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945. No entanto, não faziam referência expressa ao crime de compra e venda de votos.

O Código Eleitoral de 1950 (Lei nº 1.164, de 24 de julho de 1950), por seu turno, “foi fruto de uma longa maturação” (PORTO, 2000, p. 131). Nada obstante, esse amadurecimento legislativo não implicou alterações relevantes na norma. Confira-se:

“Art. 175. São infrações penais:

(...)

20 – Oferecer, prometer, solicitar ou receber dinheiro, dádiva ou qualquer vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção:

Pena – detenção de seis meses a dois anos.”

Outras normas eleitorais sucederam-se ao Código de 1950 (v.g. Lei nº 2.550, de 25 de julho de 1955), mas somente com o Código Eleitoral de 1965 (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965) o tipo penal foi aperfeiçoado, in verbis:

“Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

O artigo 299 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, não sofreu qualquer alteração desde então.

Por outro lado, merece registro o fato de haver, no âmbito do Congresso Nacional, diversas propostas de modificação desse artigo, algumas delas inseridas no bojo de reformas mais significativas.

A título de ilustração, mencionam-se duas. A primeiro, o PL nº 839/2007, de autoria do Deputado Gustavo Fruet, “[a]crescenta parágrafo único ao art. 299 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), para tipificar o crime de violação de sigilo de voto por meio de fotografia ou filmagem”.

Já o PL nº 2168/2011, cujo autor é o Deputado Manato,

“[a]crescenta parágrafo ao art. 299 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965, Código Eleitoral, e ao art. 41-A da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, Lei das Eleições, responsabilizando pelo ato de compra de voto a pessoa que praticou a conduta ou expressamente autorizou que outrem a praticasse”.

Por fim, insta salientar ser assente na doutrina e na jurisprudência que o Código Eleitoral foi recepcionado pela Constituição de 1988, parte como lei complementar – quando disciplina a organização e a competência da Justiça Eleitoral, a teor do que dispõe o artigo 121, caput, do Texto Constitucional[2] –, parte como lei ordinária – ao, por exemplo, tipificar os crimes eleitorais.

Sobre o autor
Pedro Luiz Barros Palma da Rosa

Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário UNI-BH e em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio. Analista Judiciário do TRE-MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Pedro Luiz Barros Palma. Artigo 299 do Código Eleitoral:: a corrupção eleitoral à luz do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4765, 18 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50355. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!