3 FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA GUARDA COMPARTILHADA
O conceito de família vem se alterando com a evolução da sociedade, não admitindo forma única, diversificando-se assim como afirma Marques (2009, p.19): “A definição do que seja família não admite um único conceito ou uma idéia unívoca, pois se modifica no tempo e no espaço, sendo o instituto da família, antes de mais nada, um fenômeno social.”
No entanto, é de grande importância a formação familiar para uma sociedade saudável, segundo o art. 226 da Constituição Federal de 1988: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” É na família que nascem os primeiros laços sociais, de acolhimento das emoções e de afeto entre as pessoas, transformando esse sentimento que liga seus membros na maneira fiel de defini-la.
Carvalho apud Pedroso (2014, p.79): “diz que conceituar família não é uma tarefa fácil, mas entende-se por uma relação duradoura, na qual o afeto perdura entre os membros do grupo familiar”.
Com a dissolução do relacionamento do casal, faz-se necessário definir com quem ficará a guarda dos filhos levando em consideração o princípio do melhor interesse da criança.
As inúmeras modificações que se operam no modo de viver e nos sentimentos experimentados pelos membros da família com a separação do casal, são sentidas na maioria das vezes de forma brutal pelos filhos, que absorvem o conflito vivenciado pelos pais, se envolvendo como se fosse um problema causado por ele próprio, sentindo-se culpado pela desunião entre os seus genitores. Completamente sem informação, orientação, preparação e nem o apoio dos pais para enfrentar esta situação delicada, complexa e desestabilizadora do núcleo familiar, a criança sofre em silêncio, impossibilitada de administrar a explosão de sentimentos como a baixa autoestima, sensação de culpa, insegurança, tristeza, medo de ser abandonada, raiva, depressão, angústia entre outros. (AZAMBUJA ET AL., [s.d.], p. 20)
Pedroso (2014, p. 79), afirma: “É no ambiente familiar que a criança e o adolescente sentem-se aceitos e começam a preocupar-se com o outro. Esta vivência ajuda a criança e o adolescente, gradativamente, a se integrar no processo de construção de sua identidade, sendo fundamental a convivência com os pais.”
Cabe aos pais, na reestruturação da entidade familiar, entender que a relação desfeita foi entre o casal, ou seja, a conjugalidade, entretanto, a parentalidade que refere-se as funções parentais, exercício da paternidade e maternidade prevalecem por toda a vida. (CUNICO; ARPINI, 2014, p. 694)
Os progenitores possuem uma importante função na organização psíquica dos filhos, sendo imprescindível haver a continuidade da convivência com os dois pais, propiciando assim a construção de uma relação de afeto e desenvolvimento próprio da imagem de cada um dos pais. (LAGO; BANDEIRA, 2009, p. 293)
Na busca pela guarda que atenda aos interesses do menor, o juiz, através das informações produzidas por equipe interprofissional, baseado no melhor interesse da criança e embasado tecnicamente, define a guarda àquele que for mais capacitado para praticar as exigências próprias do aspecto infantil que envolvem os processos de formação da personalidade, físico, moral, intelectual, social e psíquico da criança, não devendo prevalecer neste momento a preferência pela mãe, consequentemente havendo neutralidade na persecução ao princípio do interesse superior da criança, analisando o caso concreto. (AZAMBUJA ET AL., [s.d.], p. 19)
Um bom relacionamento entre os pais é essencial, já que a guarda compartilhada exige a participação de ambos, priorizando o atendimento aos direitos da criança, com atuação direta dos genitores na tomada de decisão, administração da educação e criação do filho, demonstrando uma atitude emocional madura da parte dos progenitores. Pedroso (2014, p.83) esclarece: “Os filhos têm o direito de manter o mesmo contato direto que tinham com os genitores antes da dissolução do casamento e também manifestar-se a respeito da sua posição nos procedimentos judiciais respectivos, quanto à questão da decisão de sua guarda, se obtiver idade e discernimento para isso.”
O importante é deixar claro para os filhos que mesmo após a separação, eles irão continuar convivendo com o pai e a mãe, preservando o seu lugar na vida deles, diminuindo assim o dano causado na maneira de viver da criança, fundamentando psicologicamente deste modo a escolha pela guarda compartilhada. (GRISARD FILHO, 2013, p. 197-198)
3.1 DA NOVA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA LEI Nº 13.058/2014
No dia 22 de dezembro de 2014 foi sancionada a Lei nº 13.058 com a pretensão de estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação, gerando a alteração dos arts.1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil.
Causa estranheza observar o erro técnico ocorrido na nova lei promulgada quanto ao que se refere ao objeto de sua ementa, qual seja: “Altera os arts.1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação.” Verifica-se que aquilo que se propõe o legislador não foi estabelecido, uma vez que a expressão “guarda compartilhada” não teve o seu significado descrito na citada lei, dispondo somente sobre sua aplicação, conforme opina Machado (2015, p. 24): “Em nossa opinião houve descuido com a melhor técnica legislativa, sendo gritante a irregularidade que se vê em ato emanado da mais alta Casa Legislativa.”
Desnecessária portanto esta conceituação, já que o conceito de guarda compartilhada foi fielmente relatado na Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008 e continua vigendo pela razão que o § 1º do art. 1.583 não foi alterado pela Lei nº 13.058/2014. Para Leite (2015, p. 78): “Fica, então, uma primeira indagação à nova Lei: Onde ficou estabelecido o significado da expressão “guarda compartilhada”?”
Na elaboração da Lei nº 13.058 o legislador procurou esclarecer alguns pontos obscuros em relação a redação e aplicação da Lei nº 11.698, não explicados claramente, como por exemplo no § 2º do art. 1.583 que dispõe sobre o tempo de convívio equilibrado do filho com o pai e a mãe, havendo na lei anterior, confusão entre o entendimento de guarda compartilhada e guarda alternada. (ROSA,2015, p.73)
O § 3º do art. 1.583 surge com a seguinte redação: “Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.” Baseado nesta afirmativa, não será permitido ao genitor guardião, adotar outra cidade como moradia e ter a segurança de que irá conduzir seu filho somente por que a guarda lhe pertence como era praticado anteriormente. Diante desta situação o juiz irá ponderar a cidade que melhor atenda ao interesse da criança, verificando todos os aspectos que envolvem a vida do filho, tais como: o seu contato com o grupo social de sua cidade, a cidade de residência de seus avós e da maior parte da família, a sua interação escolar, para então definir qual será a cidade em que os filhos irão habitar. (ALMEIDA JÚNIOR, 2015, p. 26)
Com a criação do § 5º do art. 1.583, confere-se a legitimidade de ambos os genitores, na atuação do poder familiar, podendo solicitar informações ou prestações de contas, exercendo a fiscalização da guarda e por conseguinte atenuando o poder exclusivo do guardião. (LEITE, 2015, p. 88)
No art. 1.584 as alterações principiam no § 2º, a lei anterior preconizava que a guarda compartilhada, sempre que possível, seria aplicada no caso de não haver acordo entre o pai e a mãe quanto a guarda do filho. A lei atual aduz que se ambos os pais estiverem capazes de exercer o poder familiar, a opção do juiz será pela guarda compartilhada, exceto se um dos genitores manifestar que não deseja a guarda do filho. Rosa (2015, p.84) explica que:
As situações de litigiosidade deixam de ser fundamento para a supressão do compartilhamento da guarda, impedindo, pois, uma prática não pouco usual, na qual um dos litigantes insiste nos desentendimentos, para a obtenção da guarda unilateral, praticando, inclusive, atos de alienação parental que acabam sendo legitimados por decisões judiciais que mantêm o afastamento do filho de um de seus genitores, sob o pálido argumento de que, para evitar o conflito, melhor é manter a criança afastada de parte de seus familiares.
A complementação que modifica o § 3º do art. 1.584, trata novamente da questão da divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. É confirmado mais uma vez um preceito já declarado no § 2º do art. 1.583, visando confirmar a necessidade deste contato e permanência do vínculo afetivo da criança com os seus genitores e fortalecer o convívio de maneira imparcial entre pais e filhos sem o favorecimento de que detém a guarda, priorizando o melhor interesse do menor. Almeida Júnior (2015, p. 27) menciona:
Porém, diferentemente da crendice popular, guarda compartilhada é divisão de responsabilidades, mas não anarquia quanto às “visitações”. O juiz continuará a fixar a casa-base onde o filho residirá e os “períodos de convivência”, sempre dentro de uma proposta de divisão paritária que não atrapalhe o menor. Para tanto, poderá pautar-se em um estudo psicossocial adrede preparado, que, inclusive, poderá indicar que a guarda compartilhada não é a recomendada ao caso.
Neste contexto, Machado (2015, p. 33) expressa que “A referida “divisão equilibrada” não significa a divisão igualitária de convivência do filho com os genitores. O importante é que o filho receba os cuidados da mãe e do pai e que os dois se sintam responsáveis pelo filho em igual proporção.”
O legislador buscou fazer justiça suprimindo na redação da nova lei, no § 4º do art. 1.584 o trecho “inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”, derrogando a punição de convivência imposta ao genitor inadimplente no descumprimento ou alteração das cláusulas de guarda, nas duas modalidades admitidas pelo ordenamento jurídico: unilateral e compartilhada, que na verdade apenava o filho ao passo que o privava do tempo de convivência regular com o seu genitor, desconsiderando o interesse do menor. Assim como alega Rosa (2015, p. 91-92): “Considerando a doutrina da proteção integral, fundamentada no art. 227 da Carta Magna e no art. 4º do ECA, todos os mecanismos que estiverem ao alcance do Poder Judiciário deverão ser implementados para a garantia de seus direitos.” Prevalece contudo, a redução de prerrogativas atribuídas ao detentor infrator, pois como explica Rosa (2015, p. 91): “Embora a lei deixe de estabelecer quais seriam as reduções de prerrogativas, o certo é que o descumprimento das funções parentais, de modo injustificado, jamais deve permitir que o progenitor que descumpra alguma responsabilidade que lhe foi atribuída permaneça incólume.”
Ademais, como afirma Machado (2015, p. 34):
O que se espera é que os genitores alcancem um consenso sobre a diversidade de suas atribuições com relação aos filhos, evitando-se a imposição dessas medidas pelos juízes das varas de família. Afinal, se os genitores não estiverem cientes de suas reais atribuições e nem demonstrarem capacidade para exercê-las, não estarão aptos a dividirem a guarda dos mesmos.
Não houve nenhuma alteração em relação ao § 5º do art. 1.584 que tem a seguinte redação: “Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.”
O acesso dos genitores, especialmente do não guardião em relação as informações para o acompanhamento dos filhos nos estabelecimentos públicos e privados como escola (ex.:histórico escolar), hospitais e consultórios médicos (ex.:prontuários), bancos (ex.: saldo de contas) entre outros, foi assegurado com a introdução do § 6º no art. 1.584, obrigando estes órgãos públicos e privados a conceder informações sobre os filhos a ambos os pais, aplicando pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) pela não prestação da solicitação. Rosa (2015, p. 88), adverte que “o art. 1.634 do Código Civil, entre outros fatores, preceitua no inciso I que é dever dos pais dirigir a criação e a educação dos filhos, em consonância com o art. 229 da Constituição, bem como com o art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Segundo Leite (2015, p. 88):
Embora o dispositivo não seja novo na ordem civil brasileira, já que existe artigo similar no CPC, art. 339 – a dicção do parágrafo, agora, é mais incisiva em decorrência da aplicação da multa que, além de dissuasiva, tem efeito educativo, evitando que os estabelecimentos citados deixem de prestar informações importantes sobre a situação dos filhos, fundamentais à boa e correta apreciação do Poder Judiciário. Além do mais, a medida se revela válida ao genitor não guardião que, privado destas informações básicas à rotina de seus filhos, ficava sem elementos factíveis para provocar o Poder Judiciário.
A nova redação do art. 1.585 revela a nítida intenção do legislador de promover o diálogo com o pai e a mãe do menor, que são as partes envolvidas no processo, antes da tomada de decisão judicial, buscando sobretudo o entendimento dos genitores, no intuito de realizar os acordos cabíveis no que concerne ao bem estar do filho. Esclarece Almeida Júnior (2015, p. 28): “Antes de qualquer deferimento de medidas liminares em questões de guarda, visita ou separação de corpos, e se possível for, o juiz ouvirá as partes, tentando conciliá-las e munindo-se de maiores elementos para uma correta decisão, ainda que em cognição provisória.”
Nestes termos, segue redação atual do art. 1.585:
Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584.
O art. 1.634 legisla sobre o poder familiar, tutelado na Constituição Federal de 1988 em seus arts.227 e 229 e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em seu art. 22, inerente aos genitores, tornando-os responsáveis pela criança de forma igualitária, independente da situação conjugal. O artigo em questão elenca a competência dos pais quanto aos filhos, de forma clara, como constata-se:
Art. 1.634 Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Os pais devem comandar a criação e a educação dos filhos, propiciando uma formação idônea da criança, provendo-lhe sua subsistência. No caso de inadimplência de um dos genitores, quando descumpre estes deveres, fica o genitor infrator sujeito as sanções civis e criminais, sendo imputando-lhe os delitos de abandono intelectual, material e moral, previstos nos arts.224 a 246 do Código Penal. Venosa (2015, p. 344) acrescenta:
Recordamos também que, em matéria de responsabilidade civil, o pátrio poder acarreta ônus aos pais. Nesse sentido, o art. 932 estatui que são responsáveis pela reparação civil os pais pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia. A ideia é no sentido de que, em se tratando de pais separados, responsáveis pelos atos do menor, será o progenitor que detiver sua guarda. No entanto, a jurisprudência tende a alargar o conceito, dependendo do caso concreto, buscando, quanto possível, responsabilizar ambos os pais.
Contudo, estes cuidados entendidos pelo legislador tratam-se de pressupostos próprios das funções dos progenitores, ligados precipuamente à vida civil do filho, não demonstrando a afetividade e o acolhimento indispensáveis no relacionamento familiar.