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Informante de boa-fé (wistleblower): pela regulamentação do wistleblowing no Brasil.

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Agenda 26/08/2016 às 22:13

No wistleblowing, o informante de boa-fé (que alguns chamam de colaborador de boa-fé ou informante do bem) colabora com a investigação (sobretudo apresentando provas de um delito) bem como com a Justiça criminal sem ter participado do crime.

1.  Introdução

Nos EUA o wistleblowing é um instituto jurídico muito antigo (vem do século XIX, com várias modificações posteriores). A SEC (“United States Security and Exchange Comission”), correspondente à nossa Comissão de Valores Mobiliários, já pagou mais de 85 milhões de dólares de recompensa a 32 informantes de boa-fé (delatores não participantes dos crimes delatados), desde 2011.

Em média eles recebem 2,6 milhões de dólares. Isso depende do quanto o fisco americano arrecada com a “denúncia” e o grau de relevância da informação e do caso. Há informante que recebeu cerca de 200 mil dólares, enquanto o campeão (até aqui) conquistou 30 milhões de dólares (em setembro/14) (ver Expansión-España, 19/7/16). Mais de 3 mil denunciantes aparecem em cada ano, mas é estrito e rigoroso o filtro que se faz. Desde 2011, apenas 32 informações de boa-fé tiveram êxito e prêmio.

O parâmetro premial vem dos EUA, que somente em maio de 2016 pagou mais de 10 milhões de dólares para quatro informantes. Em junho/16 foi concedido um prêmio de 17 milhões de dólares a outro informante. Esse é o segundo maior prêmio pago.

A União Europeia acaba de aprovar (3/7/16) uma regulamentação macro, incentivando os países europeus a adotaram o sistema nos respectivos ordenamentos jurídicos.

No Brasil o tema já começou a ser discutido (na doutrina e no Parlamento), particularmente na Câmara nos Deputados, onde foi instalada a Comissão Especial de Combate à Corrupção, da qual é relator o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). O juiz Moro foi o primeiro a ser ouvido em audiência pública e se manifestou favoravelmente ao instituto.

A velha estratégia de prevenir a criminalidade por meio da edição de uma nova lei penal que aumenta o castigo cominado se exauriu (ver nosso livro Populismo penal legislativo, JusPodivm). Novas leis penais, ressalvados os casos de lacuna evidente, sobretudo por razões de proporcionalidade da pena (caso do feminicídio, por exemplo), são mais inúteis que caçar “Pokémon Go”, com a desvantagem de nem sequer gerar qualquer tipo de positivo prazer.

O mais relevante na prevenção dos delitos não é a edição de leis penais novas mais severas (frequentemente desproporcionais), sim, a certeza do castigo (ver Beccaria, Dos delitos e das penas, 1764). É correta a política criminal que busca a certeza do castigo (justo e proporcional). É demagógica e populista a política criminal que ilude a população com novas leis penais mais duras, sabendo-se da sua inefetividade (por falta de estrutura material, pessoal, tecnológica etc.).

A delação premiada (regulamentada pela Lei 12.850/13) foi muito mais efetiva no combate aos delitos do colarinho branco no Brasil que todos os aumentos de pena referendados pelo legislador brasileiro (nessa área) em toda sua história. As incontáveis reformas legislativas aprovadas na era Collor, por exemplo, não representaram praticamente nada em termos de certeza do castigo.

A delação, ao contrário, revolucionou, porque ela significou uma “destruição criativa” (na linguagem de Schumpeter), ou seja, uma inovação que destrói tudo que fica obsoleto. Na delação o colaborar confessa o delito, delata terceiros e facilita a produção das provas, agilizando a investigação e o processo criminal; e tudo se faz de forma responsável, porque sem provas a delação não produz nenhum efeito jurídico e tampouco gera o prêmio negociado.

É nesse contexto chamado de “americanização da Justiça criminal” que, neste momento, se discute o novo instituto do wistleblowing (que pode ser um notável complemento revolucionário da colaboração premiada, da qual a delação constitui uma das manifestações).

A diferença primeira entre a delação premiada e o wistleblowing é a seguinte: na delação o agente confessa sua participação no crime e delata terceiras pessoas. Leia-se: só cabe delação em favor de quem praticou o crime. No wistleblowing o informante de boa-fé (que alguns chamam de colaborador de boa-fé ou informante do bem) colabora com a investigação (sobretudo apresentando provas de um delito) bem como com a Justiça criminal sem ter participado do crime.

Exemplo: o funcionário de uma empresa que sabe dos crimes cometidos pelos seus dirigentes (diretores ou presidente ou funcionários) delibera colaborar com a Justiça (e apresenta uma narrativa coerente, trazendo ou indicando as provas sobre os fatos). Muitas vezes os dirigentes e funcionários estão agindo contra a própria empresa. Seguramente a regulamentação do assunto vai trazer benefícios também para elas.

A figura do informante, como se sabe, não é desconhecida da atividade investigativa policial. Denúncias anônimas acontecem diariamente. A novidade é a necessidade de criação de um estatuto jurídico do informante, garantindo-lhe direitos, deveres, responsabilidades, proteção, sigilo e até mesmo recompensas (isso já existe e está funcionando muito bem nos EUA, por exemplo).

Projeto de lei nesse sentido já foi discutido entre o MPF e o senador Ricardo Ferraço. O objetivo é facilitar a investigação do Ministério Público e da Polícia. Outro está sendo preparado pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Encla). O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) disse que o assunto entrou no radar da Comissão Especial de Combate à Corrupção, que discute várias medidas propostas pelo Ministério Público, com apoio popular.

Trata-se, diz o deputado, da proposta sobre o chamado “informante do bem” (melhor seria chamá-lo de informante de boa-fé, que traduz uma ideia de mais responsabilidade na informação). A ideia é até oferecer recompensa para o informante que ajudar autoridades a descobrir crimes e recuperar dinheiro desviado. Quando há recuperação de recursos, ele (o informante) pode ter um prêmio porque ajudou o país. Vamos tratar desse tema aqui — disse o deputado (O Globo).


2. Americanização da Justiça criminal

O processo de globalização acelerado a partir do final dos anos 70 pelos EUA e regido pela racionalidade do novo liberalismo (racionalidade difundida como filosofia de vida – ver Dardot e Laval, A nova razão do mundo -, que acabou favorecendo desequilibradamente algumas plutocracias que acumularam capitais equivalentes ao restante da população do planeta – ver Piketty, dentre outros) não atingiu apenas o mundo dos mercados e das finanças. Nem o Estado nem o direito foi retirado do processo, ao contrário, como já reconheciam Marx, Weber e Polanyi, o mercado capitalista não atua sozinho, porque ele sempre foi amparado pelo Estado e por suas regras jurídicas (ver Dardot e Laval, A nova razão do mundo, p. 19). Nem o mercado capitalista atua isoladamente nem o Direito constitui uma ilha extraterrestre, imune a toda influência externa.

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Se de um lado foram os Estados e o Direito que criaram as regras para a prosperidade da nova racionalidade concorrencial, de outro, por força da globalização, tornou-se possível a exportação da lógica negocial americana para praticamente todo o mundo ocidental. Os dois sistemas jurídicos (da civil law – Europa continental – e da common law – Inglaterra e EUA), que eram distantes e totalmente diferenciados, foram se aproximando cada vez mais intensamente a partir da década de 80.

O velho modelo francês da investigação oficial (regida pela obrigatoriedade da investigação e da ação penal nos casos de ação pública) foi cedendo espaço para o sistema adversarial anglo-saxão (que permite a negociação inclusive no campo criminal). É na esteira dessa mesclagem de sistemas que vieram ao Brasil, por exemplo, os juizados criminais (Lei 9.099/95) e a colaboração premiada (esta, sobretudo, a partir da lei regulamentadora 12.8050/13). Agora, numa espécie de prolongamento natural, estamos começando a discutir o instituto americano do wistleblowing (informante de boa-fé).

Apesar da nítida americanização dos sistemas jurídicos da civil law, continua a polêmica sobre se a confissão de um acusado é suficiente para derrubar a presunção de inocência. Sobre o tema, como sabemos, há três sistemas: 1º) o americano – a confissão, no plea bargaining, já desfaz a presunção de inocência e dispensa mais provas; 2º) o preponderante no mundo ocidental (derruba-se a presunção de inocência com dois julgamentos sobre os fatos, as provas e o direito – após a decisão da 2ª instância) e 3º) o predominante em apenas alguns ordenamentos jurídicos: derruba-se a presunção de inocência depois do esgotamento de todos os recursos cabíveis no ordenamento jurídico (isso é o que diz a CF brasileira de 1988, no art. 5º, inc. XL).

Decisão recente do STF (HC 126.292, de 17/2/16) interpretou a norma constitucional e concluiu (por 7 votos a 4) que o segundo sistema deve prevalecer (o assunto ainda não está pacificado, porque o STF não emitiu uma decisão vinculante).

Duas sentenças recentes no continente europeu são relevantes sobre a matéria: uma da Corte Constitucional alemã – BVerfG – (BvR 2628/10, de 13/3/13) e outra do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, caso Natsvlishvili e Togonidze contra Geórgia (Processo 9043/05, 29/4/14). Ambas enfatizaram que a culpabilidade não pode ser derrubada sem a produção de provas de acordo com o devido processo legal ou seja, a confissão, por si só, ou uma delação (ou até mesmo o instituto do wistleblowing) dependem sempre da produção de provas sobre os fatos e sua autoria, dentro de um processo onde sejam observadas todas as garantias (ver Leandro Dias, em Revista Pensamiento Penal, p. 195-243, julho/15, acessado em 5/8/16).


3. O paradigma do direito penal ou direito sancionador premial

No wistleblowing, considerando que o informante de boa-fé não participou do crime, não há que se falar (no que lhe diz respeito) em Justiça negociada ou negociação criminal. Tudo que o informante precisa é de garantias, proteção e, eventualmente, recompensa (contemplando-se ainda no seu estatuto os direitos, deveres e responsabilidades). Nos EUA o sistema é indiscutivelmente premial (como veremos logo abaixo). O prêmio em dinheiro constitui um enorme incentivo para que o informante se disponha a “denunciar” o delito de que tem conhecimento (dentro de uma empresa ou do serviço público, por exemplo). É uma forma de recompensa pelos riscos e percalços que vai enfrentar (no trabalho, na sociedade, individualmente, familiarmente etc.).

O wistleblowing deve ter caráter premial, mas não é propriamente uma espécie de Justiça consensuada. Esta, que prega a resolução alternativa do conflito penal, possui quatro subespécies: (a) Justiça reparatória (que se faz por meio da conciliação e da reparação dos danos – juizados criminais; crimes ambientais-TAC); (b) Justiça restaurativa (que exige um mediador, distinto do juiz; visa a solução do conflito, que é distinta de uma mera decisão); (c) Justiça negociada (onde se encaixa a plea bargaining, tal como nos EUA – 97% dos casos são resolvidos pela negociação, de acordo com o juiz federal norte-americano Jeremy D. Fogel, em entrevista para o Conjur) e (d) Justiça colaborativa (que subespécie de Justiça negociada, caracterizando-se por premiar o criminoso quando colabora consensualmente com a Justiça criminal) (ver GOMES, L. F. e SILVA, M. R., Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação, JusPodivm).

O wistleblowing conduz a uma espécie de Justiça colaborativa, mas com ela não se confunde porque o informante de boa-fé apenas colabora, mas nada confessa (porque não participou do crime). Nada impede, no entanto, aliás, é o mais frequente nos EUA, a combinação do wistleblowing (informante de boa-fé) seguida da negociação feita pelo responsável pela infração penal. São dois momentos distintos (com atores diferentes), mas que se complementam.


4. Quem pode informar sob a promessa de recompensa?

Naturalmente devem ser excluídos da promessa de eventual recompensa os funcionários públicos que têm o dever de agir para evitar os abusos e os ilícitos. No caso Carf, por exemplo, sabe-se que muitos agentes fiscais e auditores estariam dispostos a prestar mais informações sobre o seu anômalo funcionamento. Os agentes públicos, quando contam com o dever de informar e de agir, não poderiam ser beneficiados com recompensas financeiras específicas e típicas do wistleblowing, que é um programa voltado para particulares que voluntariamente deliberam colaborar com a Justiça (e com a investigação).

Qualquer pessoa é um informante de boa-fé em potencial, mas é preciso excepcionar os profissionais que contam com dever de sigilo (advogados, contadores, auditores etc.), além de diretores, sócios, compliance officers, os quais, por regra, estão adstritos ao dever legal de reportar a ocorrência de ilícitos para a SEC. A situação mais comum é a de o whistleblower ser um empregado, colaborador, fornecedor ou um prestador de serviços, que, no exercício de suas atividades rotineiras, toma conhecimento do ilícito e o comunica para a SEC, visando a futura obtenção do prêmio em dinheiro. Em tais hipóteses, o Dodd-Frank Act traz disposições expressas que protegem o informante contra quaisquer formas de retaliação por parte da empresa infratora, como a demissão ou o rompimento do contrato (ver Eduardo Silva, Valor Econômico 13/6/13).


5. Instituto ético

A regulamentação do wistleblowing faz parte da preocupação de aprimorar os mecanismos de controle e prevenção da corrupção sistêmica, particularmente quando praticada pelos donos do poder de forma organizada. É legal e moralmente irretocável a conduta do informante de boa-fé. A Lei Anticorrupção estimula a existência desses canais de denúncia, que atuam como medidas preventivas ou reparatórias de condutas irregulares dentro das empresas.

O problema: de quais garantias o wistleblower desfrutaria? Teria alguma recompensa pelo seu ato? Na Inglaterra há lei de proteção contra represálias ao denunciador (Barry Wolfe, Valor Econômico 17/3/15). Ele não pode ser demitido. Nos EUA o estatuto do whistlebower vai mais adiante: quem denuncia uma irregularidade à SEC (órgão encarregado de apurar crimes de corrupção nas grandes corporações) pode receber recompensa em dinheiro (de 10% a 30% do valor da multa, quando ela ultrapassa US$ 1 milhão). É uma forma de suavizar as graves consequências (para o informante) decorrentes da colaboração prestada (que gera riscos e inconvenientes para o informante).


6. Origem e características do wistleblowing

Em estudo meticuloso, Juliana M. F. Oliveira (A urgência de uma legislação whistleblowing no Brasil, senado.leg.br/estudos, acessado em 28/5/15) aponta várias características e peculiaridades do wistleblowing. Tomando como base esse estudo assim como outras contribuições valiosas que serão mencionadas, podemos fazer as seguintes observações:

(a) esse instituto ainda não está legislado no Brasil (embora seja um instrumento relevante para o combate da criminalidade, particularmente da corrupção; é superlativamente útil para desvendar a criminalidade organizada dos donos do poder, quase sempre regida pela regra da omertà = silêncio da máfia);

(b) a informação (de boa-fé) fornecida é complexa, mas muito menos problemática que a delação premiada, posto que, nesta, o autor do crime tem que confessar sua implicação na trama criminosa; no wistleblowing o agente informante não participou do crime; é apenas um colaborador (não um criminoso ou um integrante da organização criminosa);

(c) o novo instituto é ética e moralmente irreprovável, não importando se o delito (informado) foi cometido dentro de empresas ou de repartições públicas. Trata-se de medida afinada com a letra da Constituição, que tem assento em princípios republicanos tais como o da moralidade e da probidade no exercício da função pública. A função do instituto é a de evitar a impunidade de práticas sociais (mundo do ser) que se distanciam do ordenamento constitucional (que cuida do dever ser). É da efetividade das normas constitucionais que se trata;

(d) a figura do informante de boa-fé não é um instituto neutro para o seu protagonista, ou seja, ela traz riscos e aborrecimentos. Ao mesmo tempo, não há dúvida que quando o delito envolve a coisa pública estamos diante do exercício da cidadania vigilante, que não tolera que a coisa pública seja administrada como se fosse propriedade particular;

(e) as organizações criminosas ou mesmo o velho crime do colarinho branco encontraram, no mundo regido pela 3ª Revolução Industrial (tecnologia digital + novas fontes de energia), aliados tecnológicos impensáveis há três ou quatro décadas. A sofisticação e a especialização dos criminosos conduzem o Estado à utilização de técnicas investigativas distintas das que estavam à sua disposição na era do direito penal do século XX (pós 2ª Guerra Mundial). O wistleblowing (ao lado de delação premiada) é instituto típico do direito penal 3.0 (do século XXI). Enquanto adstrito ao marco constitucional fixado em 1988, não há razão para não utilizá-lo no combate ao crime;

(f) o mundo, nas duas últimas décadas do século XX, não experimentou mudanças apenas tecnológicas. Mais que isso: o mundo se globalizou e isso implicou mais trocas no mercado assim como uma ampla liberdade de circulação do capital financeiro. Ao mesmo tempo, incontáveis paraísos fiscais aprimoraram seus procedimentos de escondimento (ocultação) de bens e valores sonegados ou evadidos ou objetos de lavagem de dinheiro. Para esse tipo de criminalidade sofisticada o wistleblowing afigura-se também bastante apropriado;

(g) consoante Relatório da Transparência Internacional (ver Juliana Oliveira, citada), whistleblower é a pessoa “que relata informações que acredita ser evidência de crime, violação de regras de trabalho, conduta ímproba ou antiética, atos de corrupção ou qualquer outra atividade ilegal ou irregular que deva ser de conhecimento das autoridades responsáveis, em razão de seu interesse público. Assim, a aplicação do instituto pode ser dar além do processo penal, se assim desejar o legislador”; sendo a fraude nas corporações privadas uma fonte de desperdício, não há como deixar de estudar a regulamentação da matéria também para esse âmbito;

(h) cuida-se de instrumento recomendado para a luta anticorrupção, já desencadeada no Brasil com o processo do mensalão, que foi seguido da Lava Jato e outras operações congêneres. Do pacote de medidas “anticorrupção” que tramita na Câmara dos Deputados o wistleblowing não poderia ficar fora, mesmo porque o ato de denunciar desvios do dinheiro público é da essência de toda função pública;

(i) Nos Estados Unidos “já foram elaboradas diversas leis federais, códigos de ética e atos normativos infralegais determinando aos servidores públicos federais a divulgação de desperdício de recursos públicos, fraudes e abusos às autoridades competentes. Em todas as agências federais foram instaladas “linhas-diretas” para as comunicações whistleblowing, fator que igualmente incrementou a consolidação do instituto naquele país. Destaque-se, nessa seara, o The False Claims Act (FCA) ou Informer´s Act ou Qui Tam Statute norte-americano, cuja promulgação se deu ainda em 1863” (ver Juliana Oliveira, citada).

(j)  É da tradição do direito norte-americano a recompensa. “As normas asseguram aos denunciantes percentual do dinheiro que for economizado pelos cofres públicos, se as denúncias forem comprovadas na Justiça. As chamadas qui tam actions permitem ao whistleblower iniciar um processo, até mesmo de forma individual, como fonte originária de conhecimento do ato ilícito, em desfavor da pessoa física ou jurídica investigada, e este perceberá, por recompensa, um percentual dos valores recuperados” (ver Juliana Oliveira, citada);

(k) “O montante varia conforme o Estado tenha participado ou não no processo: de 25% a 30% se o denunciante tiver atuado sozinho e de 15% a 25%, se obteve auxílio da intervenção estatal”

(l) Na regulamentação do assunto no Brasil convém cuidar não só dos direitos, deveres e responsabilidades do informante, senão também dos seus destinatários. Não há dúvida que uma informação desse tipo vai desencadear investigações e ações penais, sendo muito recomendável a aproximação funcional da polícia, do Ministério Público, dos órgãos fiscais e outros de controle.

(m) “O FCA (The False Claims Act) protege os denunciantes que não trabalham para o governo, mas são sabedores de fraudes, por exemplo, perpetradas por empreiteiros de obras públicas contra o erário. Por sua vez, o Federal WhistleBlower Protection Act, legislação revisada em 1989 e em 1994 e modificada em 2012 pelo Whistleblower Protection Enhancement Act of 2012 (WPEA), é destinado para a proteção de funcionários públicos federais” (ver Juliana Oliveira, citada). Recorde-se que em 2003 todos os 50 Estados norte-americanos já possuíam esse tipo de legislação.

(n) Um dos pontos fundamentais que merecem regulamentação diz respeito à adoção de medidas antirretaliação, enfatizando-se os casos em que se mova uma ação contra o denunciante. “Ademais, resguarda-se o agente informante da demissão sem justa causa, até mesmo mediante reintegração ao posto de trabalho ocupado, com indenização, entre outras formas de proteção contra a perseguição. Todas essas medidas servem de estímulo à realização de denúncias” (ver Juliana Oliveira, citada).

(o) O segredo máximo do wistleblowing é a preservação do sigilo do nome do informante (até o resultado final do processo). Para se garantir esse sigilo absoluto há escritórios de advocacia e até mesmo ONGs que se encarregam do lado visível do procedimento (ocultando-se o informante, até o final do processo).

(p) Onde a mídia é influente e onde existem organizações não governamentais vigilantes, muitas delas oferecem amparo, apoio (psicológico, legal) e relevantes recompensas aos whistleblowers. A demora dos processos pode ser um fator de desincentivo ao informante potencial. Logo após eventual confissão do criminoso poderia se pensar na aplicação de medidas cautelatórias imediatas, incluindo pagamentos em dinheiro. Parte dessa arrecadação provisória já poderia ser destinada ao informante (que não precisaria esperar até o final do processo para receber sua recompensa).

(q) Segundo o US Departament of Justice Civil Fraud Division, “o país – EUA – recuperou somente no ano de 2014 U$ 5,69 bilhões e estima-se que o total de recuperações ao longo dos últimos cinco anos alcance o montante de U$ 22,75 bilhões; essa experiência incentivou outros países a fazerem a mesma coisa: no direito comparado, pode-se citar o Whistleblower Protection Act (Japão, 2004), o Public Interest Disclosure Act – PIDA (Reino Unido, 1998), o Protected Disclosures Act – PDA (África do Sul, 2000), o Public Servants Disclosure Protection Act – PSDPA (Canadá, 2005), o Public Service Code of Conduct (Austrália, 2009) e o Whistle Blowers Protection Act (Índia, 2011)”.

(r) O wistleblowing, ademais, encontra amparo em tratados internacionais firmados pelo Brasil: “a Convenção Interamericana contra a Corrupção, aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002, e promulgada por meio do Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002, prevê, no item 8 de seu art. III, que os Estados Partes ficam comprometidos a criar sistemas para proteger funcionários públicos e cidadãos particulares que denunciarem de boa-fé atos de corrupção, inclusive a proteção de sua identidade, sem prejuízo da Constituição do Estado e dos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico interno; a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2005, e promulgada por meio do Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, estabelece, em seu art. 33, regra no mesmo sentido; a Convenção de Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, aprovada por meio do Decreto Legislativo nº 125, de 14 de junho de 2000, e promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000, traz normas gerais do mesmo teor” (ver Juliana Oliveira, citada).

(s) A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011) já prevê o seguinte: “Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública”.

(t) Igualmente, a Lei de Acesso à Informação incluiu no inciso VI do art. 116 da Lei nº 8.112, de 1990, a determinação de que constitui dever do servidor público “levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração”.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Informante de boa-fé (wistleblower): pela regulamentação do wistleblowing no Brasil.: Informante ganhou US$ 30 milhões nos EUA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4804, 26 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51263. Acesso em: 22 dez. 2024.

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