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Golpe parlamentar de 2016 no Brasil e o afastamento da Presidente:

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Agenda 22/09/2016 às 15:03

Analisam-se o golpe parlamentar que levou à deposição da Presidente da República e a competência do Supremo Tribunal Federal para elidir suas práticas, mediante o exercício de revisão judicial fundada na ética e nas normas constitucionais.

Sumário: 1 Introdução - 2 Contextualização histórica do Golpe Parlamentar de 2016 no Brasil – 3 A Inafastável perspectiva ética e a insuficiência da regulamentação do procedimento de afastamento pelo Supremo Tribunal Federal – 4 A Competência ética da Corte Constitucional brasileira - 5 Conclusão - 6 Referências.

Resumo: O artigo trata da deposição Parlamentar da Presidente da República Federativa do Brasil e a competência do Supremo Tribunal Federal para elidir suas práticas, mediante o exercício de revisão judicial fundada na ética e nas normas Constitucionais. Critica-se a autocontenção do Supremo Tribunal Federal à revisão formal do procedimento de afastamento. Cogita-se que o referido Golpe de Estado possui características sui generis ao não se utilizar de Forças Militares. Conclui-se que o Poder Judiciário consubstancia a ultima ratio para salvaguardar a democracia e o sistema presidencialista conquistado pelo povo na Constituição de 1988.

Palavras-chave: Democracia – Política - Golpe de Estado – Ética - Jurisdição Constitucional.


1.INTRODUÇÃO

No ano de 2016 o espectro de grave anormalidade política desconstrói os valores ético-democráticos da Constituição. Sob o olhar formal da Suprema Corte assiste-se a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, cada qual ao seu tempo, determinarem o combinado afastamento parlamentarista da Presidente da República eleita.

Almeja-se neste artigo enfrentar questões concernentes às condições de possibilidade que autorizam o Supremo Tribunal Federal exercer sua competência de controle em ultima ratio de atos do Golpe Parlamentar cometidos contra a Democracia Constitucional brasileira e seu Sistema Presidencialista. Para o alcance deste escopo serão trazidas à baila temáticas de Ciência Política, Jurisdição Constitucional e Filosofia Moral fundadas em preceitos de valor com o fito de motivar a conduta jurisdicional no sentido da ética constitucional e, neste passo, abrir-se a mirada de resposta afirmativa à indagação formulada nos seguintes termos: Compete ao Supremo Tribunal Federal corrigir desvios políticos ofensivos às normas éticas e jurídicas insculpidas na Constituição Federal?

Para a justificação de solução afirmativa à problemática questionada, será explicitado o sentido ético-normativo da Carta brasileira e, através do exercício crítico das condutas dos Poderes Legislativo e Judiciário, abonar-se a proposição segundo a qual o controle judicial de atos imorais interna corporis no cenário político se insere no feixe da competência constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Assim, após essas notas introdutórias será apresentada uma abreviada contextualização histórica de fatos que se mostram corrompidos por traços ofensivos à ética democrática; em seguida será criticada a atual posição jurisprudencial minimalista do Supremo Tribunal Federal que se autolimita ao exercício do controle jurisdicional do rito processual de afastamento de Chefe do Poder Executivo; após, será abordado o tema da legitimidade da Suprema Corte brasileira para o exercício da competência de controle da imoralidade na política e, em conclusão, afirma-se a importância do Poder Judiciário na salvaguarda da ética democrática.


2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO GOLPE PARLAMENTAR DE 2016 NO BRASIL

No mês de junho 2013, espontaneamente, a sociedade ocupa as ruas e praças públicas e realiza grandioso movimento para exigir a observância de valores2 éticos na prática política, bem como para demandar melhor e eficiente prestação de serviços públicos e sociais.

No ano seguinte, imediatamente após a proclamação do resultado da eleição nacional de 2014 e, uma vez confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral a derrota do candidato Aécio da Cunha Neves (PSDB), uma parcela de seus eleitores descontentes com a derrota volta às ruas, mas desta vez impulsionada por campanha intuída para o ferimento da vontade da maioria do povo expressa nas urnas que sufragou em dois turnos eleitorais a então adversária e candidata à Presidência da República Dilma Rousseff (PT).

À luz da realidade, após a derrota eleitoral do candidato Aécio Neves (PSDB), amplia-se o cometimento de sequenciais atos cujos significados visam em conjunto desconstituir o resultado eleitoral democrático e promover a ruptura constitucional. Realiza-se no meio social incomparável narrativa antipolítica sob a bandeira genérica do “fim da corrupção” arquitetada por grandes grupos econômicos, parcela do judiciário partidarizada3 e mídia que impedem o término do debate eleitoral, fazendo-o prolongar sem controle da Justiça Eleitoral após a diplomação e posse da Presidente reeleita. Pugna-se impedir o encerramento da campanha eleitoral pelo viés retórico do discurso de extinção da corrupção a qualquer custo, inclusive mediante o cometimento de danos à economia do País e ao regime político-democrático.

O intuito unificado e de fundo desse movimento se consubstancia na tentativa de desestabilizar o governo eleito e a administração da Presidente da República Dilma Rousseff, de sorte que os derrotados possam assumir o governo do Estado brasileiro sem a necessária e regular escolha eleitoral, ou seja, o desígnio dos infindáveis experimentos visa reverter o resultado proclamado pela soberania popular.

Com efeito, sem percepção clara das consequências de sua atuação, essa parcela da sociedade brasileira demonstra, publicamente, seu diminuto apego cultural aos valores do regime político-democrático4, ao resultado sufragado pelo voto secreto universal (soberania popular) e à Carta política brasileira e neste sentido, em passo acelerado, se posiciona ideologicamente em contrariedade aos programas sociais de índole coletivo-constitucional cujos beneficiários manifestos são, principalmente, os eleitores do norte e nordeste brasileiros, apoiadores do governo eleito e, sobretudo, se contrapõe aos direitos e garantias individuais, aos direitos humanos, aos direitos políticos e à dignidade da pessoa humana.

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Neste contexto, articuladamente, vinculam-se grupos antidemocráticos, reúnem-se poderosas forças econômicas e industriais do Sul do País e do Estado de São Paulo, notadamente, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP e coligam-se políticos sobre os quais recaem acusações de corrupção, de sorte que se inicia no final de 2015 sinérgico procedimento na Câmara dos Deputados que visa, objetivamente e determinantemente, o afastamento da Presidente eleita o que, ao fim e ao cabo veio a acontecer no ano de 2016 pelas desenhadas ações do Vice-Presidente da República Michel Temer (PMDB) e do então Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB), este último investigado pelo cometimento de crimes de amplitude e gravidade não fora, tempestivamente, afastado de suas funções pelo Supremo Tribunal Federal, apesar do pedido liminar formulado com bastante antecedência pelo Procurador Geral da República datar de 16/12/2015.5

Até onde é dado ver, lanceia-se do poder a Presidente da República de forma sui generis, o Golpe Parlamentar no Brasil em 2016 sucede em semelhança ao empreendido na República del Paraguay em 2012, pois se realiza com a ausência de colaboração institucional das forças militares federais.6 O Poder Legislativo convalida o movimento de ruptura constitucional conforme intencionado pelo grupo derrotado em 2014 e o faz dentro de círculo de arbítrio riscado em espaço desamparado de controle judicial. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal no Brasil se autoimpõe garantidor parcial da Constituição ao rever apenas as normas formais que impelem o procedimento de execução do afastamento da Presidente da República.

Neste caminhar, em face da inanição da jurisdição constitucional afasta-se a Presidente da República de seu cargo e os derrotados eleitoralmente em 2014 capturam em 2016 o poder político da União,7 conforme decisão do Senado Federal, in verbis: “O Senado Federal entendeu que a Senhora Presidente da República DILMA VANA ROUSSEFF cometeu os crimes de responsabilidade(...)”8.

Como suposto, uma vez iniciado o governo do Vice-Presidente Michel Temer altera-se o eixo programático do governo em direção contrária à efetividade dos direitos sociais, à proteção de minorias e ao projeto político que havia sido vitorioso em 2014 nas urnas. O novo governo do Presidente Michel Temer (PMDB) que se acompadrara ao Presidente da Câmara de Deputados Deputado Eduardo Cunha (PMDB) e ao Presidente do Senado Renan Calheiros9 (PMDB) desmantela o caráter ético-democrático da Constituição Federal e o Sistema Presidencialista, de sorte que a retórica do ‘fim da corrupção’ empregada como ardil para justificar o colapso do sufrágio popular democrático e do Sistema Presidencialista, ambos previstos expressamente na Constituição de 1988, expõe-se sem subterfúgios logo no início do governo temeriano: ‘meras palavras’.10


3. A INAFASTÁVEL PERSPECTIVA ÉTICA E A INSUFICIÊNCIA DA REGULAMENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE AFASTAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Registra-se, inicialmente, que segundo a posição do Supremo Tribunal Federal as ofensas aos preceitos éticos-políticos e ao direito constitucional durante o procedimento de afastamento da Presidente da República não se mostram passíveis de revisão judicial, salvo no seu aspecto procedimental, pois que a Suprema Corte brasileira se atém, in casu, ao fraco e formal controle de constitucionalidade. A força que impulsiona essa autocontenção judicial minimalista enraíza-se no Constitucionalismo Norte-Americano, particularmente, na nomeada political question, barreira ao exercício da jurisdição em face de questões dessa natureza decididas internamente11 pelo Congresso estadunidense.

Entretanto, se nos Estados Unidos entre o primeiro processo de julgamento de Presidente pelo Senado d’aquele país e o segundo sobrevieram mais de um século, Andrew Johnson em 1868 e Bill Clinton em 1998, no Brasil em um prazo de apenas vinte e quatro anos sob a égide da Constituição Democrática de 1988 o Senado Federal processou o segundo julgamento de um Presidente da República, ou seja, a aplicação dessa autocontenção à jurisdição constitucional brasileira pelo Supremo Tribunal pavimenta em terra brasileira a via adequada para maiorias parlamentares ocasionais conquistarem a Chefia do Poder Executivo sem votos populares, bem como substituir o Sistema Presidencialista por casuístico e imprevisto sistema parlamentarista de momento.

No que respeita aos julgamentos no Senado Norte-Americano vale advertir que tanto o Presidente Andrew Johnson quanto o Presidente Bill Clinton foram absolvidos pelo órgão senatorial julgador. Portanto, nunca um Presidente dos Estados Unidos sofreu condenação parlamentar que suprisse a livre vontade eleitoral do povo norte-americano, constatação que demonstra, cabalmente, o respeito aos valores ético-democráticos nesse país e justifica a posição de autocontenção da Suprema Corte Norte-Americana.

Apesar destas distinções, o Supremo Tribunal Federal brasileiro curva-se acriticamente ao entendimento jurisdicional estrangeiro e se oferece impotente à sociedade para enfrentar a cultura de arbitrariedade imposta pelas maiorias parlamentares de ocasião12. Assiste-se à decomposição do Sistema Presidencialista de governo e o empobrecimento do valor do voto direto e secreto pela instalação, ao arrepio do povo e da Constituição, de Sistema Parlamentarista desaprovado pelo povo brasileiro em plebiscito13 realizado no ano de 1993, já sob a égide da Constituição de 1988. Neste domínio de excepcionalidade a Carta Magna brasileira vige apenas procedimentalmente e/ou formalmente.14 Em suma, confirma-se a vetusta lição de Lassale segundo a qual na essência a constituição [brasileira] sintetiza uma folha de papel.15

Por essas razões, não há argumentos que justifiquem pelo Supremo Tribunal Federal a autolimitação da revisão judicial da constitucionalidade ao controle específico de fase procedimental do rito de afastamento, uma vez que esta visão positivista16 voltada, radicalmente, à formalidade infere o aparecimento de um legislativo despótico, característico de estados autoritários nos quais se normalizam a injustiça e o rompimento substantivo da constituição. A visão defensiva favorável à autocontenção, tão somente conjectura ingênua percepção de constituir-se o Poder Legislativo por anjos17. Não é a realidade.

Kant oferece ao Supremo Tribunal Federal o parâmetro de controle moral ao afirmar que se deve agir “apenas segundo a máxima pela qual possas querer ao mesmo tempo que ela se torne universal”18. O ensinamento do pensador de Königsberg contribui para a inserção da ética deôntica na aferição da conduta humana e, neste sentido, fornece a norma que deve ser seguida n’aquela que pode ser universalizada, categórico de reforço para o Supremo Tribunal Federal decidir-se pela atribuição de efetividade ao devido processo legal nas suas feições procedimental e, principalmente, substantiva para a correção da prática de atos imorais.

O Judiciário ao operar aquém dos princípios do justo concede à práxis uma ilimitada instância antiética seja na interpretação fática ou na aplicação do direito, tal qual a clássica decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus HC n. 26155 que finca na história a baliza de um estado rudimentar de garantia jurisdicional favorável ao poder19 Executivo ilegítimo.

Na esfera do Poder Legislativo o mesmo perigo advém se manqueja a efetiva garantia da revisão jurisdicional substantiva, principalmente, no processo de afastamento de Presidente da República, bastante influenciado por indizíveis variáveis políticas. Logo, não se considera legítima a decisão de poder se ausente a possibilidade de revisão de sua fundamentação moral constitucional. Habermas bem afirma que o “auto-entendimento ético e a fundamentação moral de regras são especialmente relevantes para o caráter racional de deliberações parlamentares.”20

Esse privilégio da formalidade do processo em detrimento do conteúdo afasta o valor ético da justiça, pois aceita-se, a priori, qualquer conteúdo de mérito, mesmo na ausência, e.g., de suporte fático e jurídico aptos para a construção da decisão justa. Em outras palavras, ao aceitar-se apenas a regularidade da forma processual acata-se a conclusão meritória, independentemente da justiça do conteúdo de mérito que poderá ser decisionista21, desproporcional/irrazoável e mesmo anticonstitucional,22 ou encaminhar às “favas os escrúpulos da consciência”23 (da moral), conduta usual nos Estados de Exceção e suspensão constitucional.

Não se deve desconsiderar que a Ordem Constitucional brasileira, desigualmente da estadunidense, autoriza que Senadores-julgadores do afastamento ocupem o cargo de Ministro de Estado no Poder Executivo sem a perda de mandato.24 Por si só tal viabilidade os torna parte interessada no resultado do julgamento da Chefe de Governo e de Estado.

Além disto, vive-se no Brasil um regime de relações entre os poderes chamado de ‘presidencialismo de coalizão’, segundo o qual os parlamentares compartilham com o Chefe do Poder executivo decisões referentes ao preenchimento de cargos e funções da Administração direta e indireta. Essas duas constatações reportadas, reforçam-se mutuamente na direção da confissão da existência de grande interesse dos Senadores-julgadores no resultado do processo de afastamento da Chefe do Poder Executivo.

Não se mostra persuasiva qualquer assunção a priori de autovedação jurisdicional porque se extirpa da revisão as considerações atinentes aos interesses intersubjetivos, seus preconceitos, avarezas, maledicências, (i)moralidades, e outros elementos importantes que corrompem a construção do resultado pelo Senado Federal.


4. A COMPETÊNCIA ÉTICA DA CORTE CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

O percurso de ruptura constitucional ganha enorme compreensibilidade quando se atina para a história brasileira cujos registros fáticos demonstram a perdurável cultura de arbitrariedade localizada na sociedade, no espírito dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo e nas instituições, a força desta indesejável tradição mina gerações. Para a transformação desse status quo deve-se considerar a legítima atuação em ultima ratio do poder contramajoritário exercido pelo Supremo Tribunal Federal que mediante o exercício de sua competência constitucional em caráter propedêutico pode enfrentar e impor mudanças sociais em todos os ambientes do estado.

A porta de mudança transcorre pela inclusão do debate ético na sociedade. Nesta trilha, eticidade e legalidade apesar de distintas se apresentam em íntima interconexão capaz de exonerar o arbitrário e o desenho positivista que se apresenta descrente de toda “perspectiva ética”25. Marcada pela ética26 democrática, há ainda que se ponderar acerca dos grandes benefícios para a jurisdição, pois normas éticas apresentam prerrogativas em face de regras jurídicas positivadas, enquanto estas últimas em uma pletora de vezes decorrem de indesejáveis componentes voltados ao interesse partidário elaborados por maiorias casuísticas, as normas éticas ao fazerem parte do conjunto protegido de irevogabilidade pelo legislador, servem de padrões de controle estáveis se aferidas com a temporariedade inerente ao direito posto.

Nas investigações sobre os princípios da moral David Hume garante que “por mais insensível que seja um homem ele será frequentemente tocado pelas imagens do certo e do errado”27, ou seja, para esse pensador não há na humanidade pessoa sem o sentimento do agir adequado ou do incorreto, do justo ou do injusto, do responsável ou irresponsável. Por conseguinte, uma vez por todos conhecida possibilita-se a jurisdição constitucional limitar a prática ou o efeito de atos ou fatos ofensivos à ética. Sobressai-se na ética temática normativa universal do “certo” e do “errado” somado ao emprego de argumentos de racionalidade destinados à justificação de valores, padrões orientadores para a conduta humana de todos, independentemente do grau de conhecimento ou expertise,28 não é despiciendo expor, inclusive de agentes políticos.

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal não utiliza, frequentemente, o vocábulo ética nos seus acórdãos, contudo aufere-lhe validade jurídica por meio de um de seus ramos de estudo, nomeadamente pelo uso sofisticado da expressão ‘tábua de valores’29 30 ou ‘tábua axiológica’31. Neste sentido, mediante o exercício da arqueologia jurisprudencial, nota-se que a Suprema Corte brasileira enfrenta questões de natureza ética e fundamenta algumas decisões na composição de padrões morais sobre o pano de fundo da Carta Política do Brasil, desde que em um sentido integrador e facilitador da justa decisão.32

Digna-se compreender e registrar o controle valorativo exercido pelo Ministro Marco Aurélio contrário à “nefasta concentração de poder” 33 do Presidente da Câmara dos Deputados. Entende Marco Aurélio que a centralização de competência em uma única autoridade consiste de elemento antagônico ao sistema partidário. Por esta razão, determinou o “o seguimento da denúncia” anteriormente arquivada monocraticamente pelo Deputado Eduardo Cunha em favor de seu correligionário de partido o Vice-Presidente Temer .

Confirma-se, ainda, a vasta diversidade de ações jurisdicionais aptas ao exercício de juízos éticos valorativos de rejeição ou de aprovação pelo Poder Judiciário, com inclusão daquelas tituladas de situações excepcionais34 que denotam uma valoração corretiva com a finalidade de se evitar a edificação e manutenção de decisões ou instituições injustas, mesmo em temas de estrita legalidade depreende-se a abertura da jurisdição à “manifesta inspiração ética”35.

Evidentemente, não resiste ao exame acurado a posição que suscita a vedação ao controle judicial substantivo pelo Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, inexiste impedimento ao guardião da Constituição de fiscalizar os preceitos éticos que carregam sua própria fundamentação"36. Destarte, incompreensível a lassidão no exercício corretivo pelo Poder Judiciário de desafiadoras decisões parlamentares manchadas de imoralidade jurídica e política que, cometidas sem revisão, implicam na suspensão temporária da Constituição e o título de Estado de Exceção. Por certo, não há na democracia constitucional brasileira possibilidade de renúncia à pretensão normativa do princípio de defesa da moralidade37 e cabe ao Supremo Tribunal Federal guardar as proposições morais e constitucionais38, ambas de mesma estatura jurídica constitutivas de um estado [justo], democrático [legítimo] e de direito [legal e previsível], de resto, não se amolda à ética do dever-ser constitucional um Poder Judiciário que mantenha a moral no discurso abstrato a priori da teoria, sem a devida mediação com a prática.

Anota-se, ainda, que a Constituição brasileira se apresenta assaz garantista, elaborada após um período de governos autoritários e ditatoriais nunca experimentados pelo povo norte-americano. O Poder Judiciário, particularmente, o Supremo Tribunal Federal, deve acordar do sonho dogmático e reconciliar a jurisprudência constitucional e a política com a expectativa ética e com isso construir o caminho da justiça39 dentro de limites morais e indicá-los para a esfera política, de sorte que não se considere qualquer preconceito com os princípios morais que transformem o Estado num ‘bando de ladrões' ávidos de um espaço de liberdade longe da espada em da jurisprudência constitucional 40.

Sobre o autor
Alfredo Canellas Guilherme da Silva

Alfredo Canellas Guilherme da Silva. Pós-doutorando em Direito – UERJ. Doutor em Filosofia - UERJ. Mestre em Direito - UGF/RJ. Especialista em Direito - UNESA/RJ. Extensão Universitária em Direito Europeu - Universidade de Burgos (UBA)/Espanha. Bacharel em Filosofia - UERJ. Bacharel em Direito - UVA/RJ. Grupo de pesquisa: Hermenêutica, Direitos Humanos e Dignidade da Pessoa Humana – UERJ. CV: http://lattes.cnpq.br/9610637821059609>. E-mail: professoralfredo@canellas.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Alfredo Canellas Guilherme. Golpe parlamentar de 2016 no Brasil e o afastamento da Presidente:: Poder Judiciário como ultima ratio para salvaguardar a democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4831, 22 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52157. Acesso em: 22 dez. 2024.

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