Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Os limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras:

o caso do encargo de capacidade emergencial ("seguro apagão")

Exibindo página 5 de 5
Agenda 19/05/2004 às 00:00

6. CONCLUSÃO

De tudo o que foi visto, percebeu-se que o Poder Executivo pode, dentro de um Estado Democrático de Direito, expedir normas jurídicas, desde que observados os limites ínsitos a tal prerrogativa, notadamente, a vedação de inovação da ordem jurídica, sob pena de ferimento do princípio da separação dos poderes.

Por outro lado, vislumbrou-se que as agências reguladoras brasileiras foram instituídas com a finalidade de exercer a função reguladora estatal, a qual é externada de cinco maneiras distintas, a saber: 1) expedição de normas jurídicas; 2) fomento à atividade econômica; 3) fiscalização do setor regulado; 4) imposição de sanções aos infratores dos comandos normativos e 5) arbitramento de conflitos entre os agentes econômicos.

No Brasil, esta função é hoje desempenhada, em grande parte, pelas agências reguladoras, cuja natureza jurídica é a de autarquias sob regime especial, onde os dirigentes são dotados de mandato fixo, não sendo, portanto, exoneráveis ad nutum pelo chefe do Poder Executivo, bem como pela circunstância de serem as últimas instâncias decisórias em seu âmbito de atuação.

Desta maneira, em razão de à idéia regulação ser vinculada a noção de estatuição de normas jurídicas tendentes a regrar o comportamento dos agentes econômicos e, ainda, em função de as agências reguladoras pertencerem à Administração Pública Indireta, fez-se imperioso realizar um estudo acerca da natureza e dos limites dos poderes normativos conferidos às referidas autarquias especiais para o desempenho da função reguladora a que estão atribuídas.

Nesta oportunidade percebeu-se que as normas estatuídas pelos entes reguladores possuem natureza jurídica de atos discricionários e, como tal, buscam seus fundamentos de validade e seus próprios limites na lei que instituiu as agências, sendo totalmente vedado às referidas autarquias veicular qualquer inovação dos conteúdos legais, bem como a deturpação de sentido da norma legal, sob pena de serem reputadas como antijurídicas.

No caso específico do encargo de capacidade emergencial, verificou-se que o seu regramento é conferido, atualmente, pelas Resoluções nº 249/2002 e 496/2003 da Agência Nacional de Energia Elétrica, embora tenha sido criado pela Lei nº 10.438/2002, resultante da conversão da Medida Provisória nº 14/2001.

Mencionados atos normativos infralegais classificam o encargo de capacidade emergencial como um adicional tarifário. Contudo, com fundamento na regra do artigo 4º, I do Código Tributário Nacional, percebe-se que o nomen juris que seja dado a uma exação não possui o condão de definir sua natureza jurídica tributária.

Deveras, o que realmente interessa analisar é o fato gerador da referida obrigação e se se amolda a uma das cinco espécies tributárias constantes no texto constitucional, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

No caso em discussão, percebe-se que o encargo de capacidade emergencial, embora se revista das características exigidas pelo Código Tributário Nacional, não possui correlação com nenhuma das espécies tributárias aludidas pela Constituição Federal, razão pela qual se reputaria inconstitucional.

No entanto, a posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, é a de que o mencionado encargo possui natureza tributária, sendo controvertido, todavia, a sua classificação dentro de uma das espécies tributárias.

Contudo, em que pese a dúvida existente na doutrina e jurisprudência majoritárias, é certo que, mesmo sob esta ótica, o encargo de capacidade emergencial é inconstitucional, em razão de ferir o princípio da legalidade tributária.

Isto porque, estudou-se que no Direito Tributário Brasileiro somente por meio de lei formal é que se podem definir todos os lineamentos que a norma tributária irá possuir para surtir efeito no mundo dos fatos, por força do artigo 150, I da Constituição Federal de 1988.

Portanto, ao se realizar o cotejo do modo pelo qual o encargo de capacidade emergencial foi regrado no Direito Brasileiro, ou seja, em total desencontro com a Constituição Federal, já que sua alíquota foi definida por ato normativo da Agência Nacional de Energia Elétrica e não pelo meio legítimo, ou seja, a lei, concluiu-se que a referida exação não pode ser considerada conforme ao Direito, razão pela qual a figura se apresenta inconstitucional.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, J. M. C. de. Sobre os regulamentos administrativos e o princípio da legalidade. Coimbra: Almedina, 1987.

AGUILLAR, F. H. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999.

ALENCAR, K. "Lula vê país terceirizado e ataca agências da era FHC". Folha de São Paulo, São Paulo, 20 fev. 2003, A 4.

________. "Governo decide manter papel de agências". Folha de São Paulo, São Paulo, 8 set. 2003, B 14.

ARAGÃO, A. S. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

ARAÚJO, E. N. de. "A aparente autonomia das agências reguladoras", in MORAES, A. de (coordenador). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 39-57.

ATALIBA, G. "Poder regulamentar do Executivo". Revista de direito público, nº 57-58. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan.-jun. 1981, p. 184-208.

__________. República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

BARROSO, L. R. "Disposições constitucionais transitórias (natureza, eficácia e espécies); delegações legislativas (validade e extensão); poder regulamentar (conteúdo e limites)". Revista de direito público, nº 96. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, out./dez. 1990, p. 69-80.

_________. "Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática". Revista de direito administrativo, nº 229. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 2002, p 285-311.

BATISTA, N. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

__________.Direito econômico brasileiro. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000.

BIM, E. F. "Inconstitucionalidades dos encargos energéticos: ‘seguro-apagão’ (lei nº 10.438/02 e resolução 71/02, da aneel)". Revista Dialética de Direito Tributário, nº 82. São Paulo: Dialética, jul. 2002, p. 16-23.

BRUNA, S. V. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

CAETANO, M. Princípios fundamentais do direito administrativo. Reimpressão da edição brasileira de 1977. Coimbra: Livraria Almedina, 1996.

CAL, A. R. B. As agências reguladoras no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

CANOTILHO, J.J.G. Estado de direito. Lisboa: Gradiva, sem data.

CARRAZZA, R. A. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CARVALHO, P. de B. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

CARVALHO, V. M. de. "Regulação dos serviços públicos e intervenção estatal na economia". in FARIA, J. O. de (organizador). Regulação, direito e democracia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002, p. 13-25.

CLÈVE, C.M. Atividade legislativa do poder executivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

CONSTANT, B. Princípios políticos constitucionais: princípios políticos aplicáveis a todos os governos representativos e particularmente à Constituição atual da França (1814). Tradução de Maria do Céu Carvalho. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1989.

CUÉLLAR, L. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.

DALLARI, D. de A. Elementos de teoria geral do estado. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

FAGUNDES, M. S. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1984.

FERRAZ, A. C. da C. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

FIGUEIREDO, L. V. Curso de direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

GARCÍA DE ENTERRÍA, E.; FERNÁNDEZ, T.-R. Curso de direito administrativo. Tradução de Arnaldo Setti e colaboração de Almudena Marin López e Elaine Alves Rodrigues. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.

GASPARINI, D. Poder regulamentar. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982.

GONÇALVES FILHO, M. F. O processo legislativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

GORDILLO, A. Princípios gerais de direito público. Tradução de Marco Aurélio Greco; revisão de Reilda Meira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

GRAU, E.R. O direito posto e o direito pressuposto. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes.

LEAL, V. N. "Delegações legislativas". Problemas de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 92-108.

LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MACHADO, H. de B. Princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 18.ed. atualizada por Enrico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1993.

MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

____________. "Poder regulamentar ante o princípio da legalidade". Revista trimestral de direito público, nº 4. São Paulo:Malheiros, 1993, p. 71-78.

MELLO, O. A. B. de. Princípios gerais de direito administrativo. 2. ed., vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1979.

MELLO, V. V. de. Regime jurídico da competência regulamentar. São Paulo: Dialética, 2001.

MELO, J. E. S. de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997.

MENEZES, R. F. de M. "As agências reguladoras no direito brasileiro". Revista de direito administrativo, nº 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar. 2002, p. 47-68.

MONTEIRO NETO, N. "Sobre o adicional tarifário em relação aos serviços públicos de energia elétrica". Revista dialética de direito tributário, nº 84. São Paulo: Dialética, set. 2002, p. 94-100.

MONTESQUIEU, C. O espírito das leis. 1.ed., 2ª tiragem. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MOREIRA, E. B. "Agências administrativas, poder regulamentar e o sistema financeiro nacional". Revista de direito administrativo, nº 218. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1999, p. 93-112.

MOREIRA, V. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Livraria Almedina, 1997.

MOREIRA NETO, D. de F. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

____________. Direito regulatório: a alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

____________. Mutações do direito administrativo. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MOTTA, P. R. F. Agências reguladoras. Barueri: Manole, 2003.

PIMENTA, P. R. L. "Perfil constitucional das contribuições de intervenção no domínio econômico", in GRECO, M. A (coordenação). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001, p.155-184.

PIMENTA, M. R. L. "O seguro-apagão e suas inconstitucionalidades". Revista dialética de direito tributário, nº 84. São Paulo: Dialética, set. 2002, p. 88-96.

ROCHA, C. L. A. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

ROJO, M. B. Los principios jurídicos. 1ª reimp. de la 1ª ed. Madrid: Tecnos, 1997.

ROSA, R. P. A. de. "Reflexões sobre a função reguladora das agências estatais". Revista de direito administrativo, nº 226. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 2001, p. 243-250.

SALDANHA, N. O Estado moderno e a separação dos poderes. São Paulo: Saraiva, 1987.

SAMPAIO, M. de A. e S. "O poder normativo das agências reguladoras". Revista de direito administrativo, nº 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar., 2002, p. 339-347.

SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

_________."O estado democrático de direito". Revista de direito administrativo, nº 173. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set.1988, p. 15-34.

SOUTO, M. J. V. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

SOUZA, A. de B. G. "O estado contemporâneo frente ao princípio da indelegabilidade legislativa". Revista trimestral de direito público, nº 13. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 193-202.

SUNDFELD, C. A. "Introdução às agências reguladoras" in SUNDFELD, C. A. (coordenador) Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-38.

_________. Direito administrativo ordenador. 1.ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997.

TÁCITO, C. "Princípio da legalidade: ponto e contraponto". Revista de direito administrativo, nº 206. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1996, p. 1-8.

_________. "Agências reguladoras da administração". Revista de direito administrativo, nº 221. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 2000, p 1-5.

TAVARES, A. M. "A falsa tipologia de adicional tarifário do ‘seguro-apagão’ e as reflexas injuridicidades de sua cobrança". Revista dialética de direito tributário, nº 87. São Paulo:Dialética, dez. 2002, p. 07-13.

TAVARES, A. R. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.

VASCONCELOS, P. C. B. de. A separação dos poderes na constituição americana: do veto legislativo ao executivo unitário – a crise regulatória. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

VAZ, M. A. Lei e reserva da lei: a causa da lei na constituição portuguesa de 1976. Porto: dissertação de doutoramento em ciências jurídico-políticas na faculdade de direito da universidade católica portuguesa, 1996.

XAVIER, A. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978.

ZIPPELIUS, R. Teoria geral do estado. Tradução de Antonio Cabral de Moncada. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.

Sobre o autor
Guilherme Mussi

advogado em Curitiba/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUSSI, Guilherme. Os limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras:: o caso do encargo de capacidade emergencial ("seguro apagão"). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 316, 19 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5274. Acesso em: 28 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!