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As inovações no interrogatório no Processo Penal

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Agenda 08/06/2004 às 00:00

5. Participação do advogado

A quarta modificação legal alcança profundamente a atividade do defensor do acusado, pois lhe confere poderes que não eram claros na redação original do Código de Processo Penal. De início, torna obrigatória a presença do defensor no interrogatório, prevendo, a seguir, o direito de entrevista prévia entre réu e defensor. E culmina com a possibilidade de indicação pelas partes de fato que deva ser indagado ao réu.

No tocante às duas primeiras modificações, ou seja, obrigatoriedade da presença do defensor e direito de entrevista prévia, assim se encontra redigido o novel diploma:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

§ 1º [...]

§ 2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.

Com a nova redação ficam afastadas quaisquer dúvidas sobre a necessidade de comparecimento do defensor ao interrogatório, pois se torna obrigatória sua presença, não podendo o juiz realizar o ato sem que o réu esteja acompanhado de sua defesa técnica, sob pena de nulidade.

Para facilitar a realização do ato, é recomendável que o mandado de citação contenha a advertência ao réu de que deve comparecer acompanhado de advogado e de que, se não o fizer, será assistido por defensor público ou nomeado pelo juiz.

Feita a advertência, mesmo que o réu compareça desacompanhado e indique o advogado de sua preferência, poderá o ato ser realizado com o acompanhamento de defensor dativo, evitando-se assim o adiamento. Somente para os atos subseqüentes é que será intimado ou notificado o advogado constituído.

Ademais, se entender o defensor constituído que o interrogatório não foi conclusivo em algum aspecto, poderá requerer, nos termos do artigo 196 do CPP, a realização de nova oitiva do réu.

Por seu turno, acaso já exista procuração nos autos, antes do interrogatório, deve o causídico ser notificado a comparecer na data e local designados.

Quanto à entrevista prévia, não exige a lei que a mesma seja realizada, tratando-se, em verdade, de direito (e não dever) do réu a possibilidade de entrevistar-se reservadamente com seu patrono antes da realização do ato. Se já tiverem conversado em data pretérita ou se não quiser o réu exercer esse direito, nada obsta que o interrogatório seja realizado sem a entrevista imediatamente anterior à sua oitiva.

Ao contrário, sendo desejo do réu, deve o juiz assegurar local reservado para o referido encontro, garantindo-se todavia, quando se tratar de réu preso, que sejam tomadas as cautelas para evitar-se uma tentativa de fuga, o que pode exigir, inclusive, em casos extremos, que o advogado seja revistado e que o réu seja algemado a um ponto fixo da sala, visto que a escolta não deverá estar presente à entrevista. Tudo, é claro, a depender da necessidade e razoabilidade dos meios empregados diante da situação concreta.

Nas conclusões preliminares do Grupo de Estudos do Departamento de Projetos Legislativos do IBCCRIM [10], consta a afirmativa de que a regra de entrevista prévia se refere ao réu preso, com o que não se deve concordar.

Ao contrário do que concluem, observa-se que a regra se encontra topograficamente no parágrafo segundo do artigo 185, que, por seu turno, trata do interrogatório em geral (do preso e do solto). Cuidando-se, desta forma, de parágrafo explicativo do caput, não estará adstrito às hipóteses referidas no parágrafo primeiro, este sim referente apenas ao réu preso.

Em resumo, a regra da entrevista prévia vale para qualquer réu, preso ou solto.

Outra questão de ordem prática, visando evitar atrasos na realização das audiências de interrogatório, é a recomendação de que conste nas intimações (notificações) dos advogados e dos réus que cheguem com antecedência suficiente para a realização da entrevista prévia antes do horário marcado para a audiência, vez que não se justifica fiquem o juiz, o promotor e o escrivão aguardando a conversa entre cliente e advogado durante o horário marcado para a audiência.

Analisando-se os dois dispositivos, chega-se à conclusão que andou muito bem o legislador, tanto na previsão de presença obrigatória do defensor, quanto na hipótese do direito de entrevista prévia, pois o aconselhamento e o acompanhamento técnico do profissional do direito são essenciais para o pleno atingimento do respeito ao corolário da ampla defesa.

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Atente-se, porém, que o legislador não menciona no artigo 185 do diploma processual penal seja obrigatória a presença do membro do Ministério Público à audiência de interrogatório, suscitando dúvida sobre a obrigatoriedade de sua participação, o que será objeto de análise mais adiante.

Induvidoso que as partes, acusação e defesa passam a ter participação ativa nas perguntas feitas ao réu, visto que o artigo 188 do CPP assim faz constar:

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

A norma não prevê sejam as partes encarregadas da formulação de perguntas ao réu, mas da indicação de fatos a serem esclarecidos, o que evidencia que o sistema presidencial foi mantido.

Apesar da redação ser distinta do que consta do artigo 212 do CPP — onde se encontra disciplinado que, na oitiva das testemunhas, as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha—, nada obsta que na indicação do fato a ser esclarecido, manifeste-se o requerente através de questionamento, mas, indiscutivelmente, a inquirição não é direta e o juiz deve encarregar-se de formular a pergunta ou até mesmo determinar que o réu responda como formulado o pedido de esclarecimento da parte.

Diante da possibilidade de indagações das partes, fica clara a intenção do legislador de valorizar o interrogatório como meio de prova e não somente como meio de defesa, reforçando-se assim sua natureza mista.

Nos casos de ação penal pública, sendo o Ministério Público parte, terá a oportunidade de indicar ao juiz os fatos que ainda não foram esclarecidos. Quanto atuar exclusivamente como fiscal da lei, nos casos de ação penal privada, apesar de não prever a alteração legislativa, com mais razão ainda, deverá ser permitido ao mesmo, na busca da verdade real, que exerça o mesmo direito.

O que se indaga é se trata-se de uma faculdade o comparecimento do membro do Ministério Público ao interrogatório ou se está compelido a comparecer.

Para responder a indagação urge uma breve análise do papel aparentemente ambíguo desenvolvido pelo Parquet no processo penal.

Advém da Constituição Federal a natureza de seu labor. Prevê o artigo 127 da Carta Magna que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Apenas no detalhamento de suas funções institucionais (art. 129, I, da CF) é que consta a promoção da ação penal pública, restando induvidoso que sua atuação como fiscal da lei e representante dos interesses sociais será exercida em todas as áreas do direito, inclusive na tarefa que lhe foi incumbida na persecução penal.

Significa dizer, que, mesmo quando é parte, não deixa de ser defensor dos interesses sociais e responsabilizar-se pelo regular cumprimento da lei. Já afirmava o consagrado Roberto Lira (em 1937), ao comentar a imparcialidade do Promotor de Justiça, que "Ninguém ignora que o Promotor Público, mesmo quando acusa, na terminologia processual, promove a justiça dentro da prova e da lei [11]."

Como bem salienta Marcellus Polastri Lima, alguns autores defendem que o Ministério Público é "parte sui generis (Manzini), outros, parte material e processual (Frederico Marques), outros, ainda, parte imparcial (Carnelutti), parte formal e instrumental ou processual (Tourinho) e até mesmo que não constitui parte (Otto Mayer e Petrocelli)" [12].

Ao descrever a atividade processual do Ministério Público, menciona Magalhães Noronha, que:

Não obstante parte, deve ser dotado de imparcialidade, o que não tira esse característico.[...] A verdadeira missão do Ministério Público, conseqüentemente, é a de fazer atuar a lei, seja para tornar efetivo o direito de punir por parte do Estado, seja para precatar, através do devido processo, a liberdade dos cidadãos." [13]

Sendo portanto parte e estando em pé de igualdade com a defesa, deve interessar-se pela coleta das provas e, sendo fiscal da lei, deve buscar todos os elementos que permitam descobrir a verdade material acerca dos fatos apurados.

Na redação anterior do dispositivo, interpretavam os tribunais que diante da natureza de meio de defesa do interrogatório, pois inexistente a possibilidade de perguntas das partes ao réu, era dispensável a presença do defensor e também do Promotor de Justiça, estando assim ementadas algumas decisões nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO. NÃO COMPARECIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. DEFESA. DEFICIÊNCIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FALTA DE PREJUÍZO. CONDENAÇÃO ANTERIOR REINCIDÊNCIA.

1 - O não comparecimento do Ministério Público ao interrogatório, onde ausente a possibilidade de reperguntas, mesmo pelo defensor, não gera nulidade, haja vista tratar-se de oportunidade de defesa do acusado que pode, inclusive, permanecer calado.

2 - Em tema de nulidade por deficiência da defesa, vigora a Súmula 523 do STF.

3 - Ordem denegada. [14]

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. INTERROGATÓRIO DO RÉU. PRESENÇA DO DEFENSOR.

1. A ausência do defensor do réu durante o interrogatório não acarreta nulidade. O interrogatório é ato privativo do juiz, não sujeito ao princípio do contraditório, não sendo obrigatória a participação do representante do Ministério Público e do defensor do acusado.

2. Recurso conhecido e provido. [15]

Como o fundamento inequívoco para a desnecessidade da presença das partes era a impossibilidade de indagações, com a nova redação da norma outra interpretação deve ser realizada. A intimação da defesa e da acusação torna-se imperiosa. A presença do defensor também, restando aferir se o não comparecimento do promotor deve ser causa de declaração de nulidade ou não.

Analisando-se sua ausência ao interrogatório, depois de regular intimação (notificação), sob a ótica da teoria geral das nulidades, chega-se à conclusão que dificilmente ocorrerá declaração de nulidade. Primeiro, porque não pode a defesa alegar nulidade que somente à parte contrária interesse; segundo, porque eventual argüição por parte do próprio gerador da nulidade restaria prejudicada por sua torpeza (art. 565 do CPP).

A única situação em que a nulidade pode ser declarada é na hipótese da nulidade ser declarada de ofício.

A ausência de participação do membro do Ministério Público a ato que deva estar presente é causa de nulidade, porém, disciplina o Código de Processo Penal que se trata de nulidade relativa, o que pode ser extraído da interpretação dos seguintes artigos do diploma processual brasileiro:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

I. [...]

II. [...]

III. por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

..........

d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;

...........

Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, III, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas:

I – se não forem argüidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior;

II – se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim;

III – se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.

(sem grifo no original)

Tratando-se de nulidade relativa, é até razoável que se admita a declaração de ofício, mas somente no caso de não ter ocorrido convalidação nos termos do artigo 572, do CPP, ocasião em que se dará a preclusão da matéria, inclusive pro judicato.

Mesmo que relativa seja a ausência ministerial, não se pode admiti-la, seja diante da natureza de parte que é no processo penal, ou diante do exercício do papel de custus legis, pois nas duas situações defende os interesses da sociedade que representa.

Até mesmo com base na antiga redação dos dispositivos referentes ao interrogatório sua presença já era defendida por muitos autores, como, por exemplo, Paulo Rangel, ao afirmar que "o Ministério Público deve estar presente ao ato, a fim de evitar ofensa aos direitos e garantias individuais, defendendo a ordem jurídica e protegendo o réu das possíveis investidas inquisidoras do juiz, ou exigindo respeito às regras básicas para o desenvolvimento de um processo penal justo" [16]. Da mesma forma, Tourinho Filho assim se manifesta: "O Promotor deverá estar presente ao interrogatório, pois o art. 394 dispõe que o Juiz, ao designar data para realização do interrogatório, deverá determinar também a notificação do Ministério Público" [17].

A despeito das opiniões mencionadas, a posição majoritária era de que sua ausência não gerava qualquer mácula diante da natureza personalíssima do ato, vez que ausente oportunidade de inquirição pelas partes.

Agora a interpretação deve ser outra. Apesar da modificação legislativa apenas mencionar a obrigatoriedade da presença do defensor, a nova natureza do ato, o papel processual do Promotor e, principalmente, os deveres funcionais do membro do Ministério Público levam à conclusão de que sua participação é obrigatória.

Tratando o novo interrogatório de ato nitidamente misto, pois configura-se meio de defesa e meio de prova, e oportunizada às partes participação não somente na aferição da regularidade do ato, mas na inquirição acerca do objeto material do ato, urge que a parte autora — no caso das ações públicas — ou aquele que atua somente como fiscal da lei — nas ações privadas — esteja presente para desempenhar o papel que a sociedade lhe destinou através da Constituição Federal.

Quando o magistrado não for exaustivo nas indagações ao réu, deve o membro do Ministério Público, portanto, indicar os fatos que entenda devam ser detalhados na busca da verdade material.

Talvez se alegue que, na prática, são raras as vezes em que a intervenção ministerial é necessária e eficaz, visto que a experiência do juiz geralmente abrange todos os fatos, ou que a inexistência do crime de perjúrio leva à coleta da dados, muitas vezes, inverídicos e inúteis, ou, ainda, que o Promotor não quis comparecer porque não tinha interesse em fazer nenhuma indagação ao acusado. Entretanto, a aferição do que realmente ocorrerá na oitiva do réu somente pode ser detectada por quem a presencia.

O comparecimento à audiência de interrogatório pode ser muito útil para que o acusador conheça o réu e forme seu próprio convencimento sobre sua personalidade, caráter e, principalmente, sobre a versão fantasiosa, ou não, que apresenta, evitando-se desta forma a figura de um processo estático e objetivo, sem rostos e sem sentimentos, afinal, tudo isso pode, e deve, influenciar a busca da melhor solução para o caso concreto, sempre visando a justiça na aplicação da lei.

Por outro lado, há várias situações em que o réu revela fatos importantíssimos no interrogatório, e que são objeto de interesse do Ministério Público, como por exemplo quando detalha a participação dos co-autores, transformando-se em verdadeira testemunha contra os demais, ou, ainda, quando noticia irregularidades praticadas pela polícia etc.

Quanto às obrigações institucionais do membro do Ministério Público, a Lei Complementar 75/93 e a Lei 8.625/93 são uníssonas em indicar que é obrigação do órgão ministerial manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei, sempre que cabível a intervenção no exercício de suas funções institucionais. Da igual forma, as portarias de atribuições de cada Ministério Público são expressas no mesmo sentido.

Como se observa, revela-se não só importante, mas indispensável a presença do Promotor de Justiça ou do Procurador da República no interrogatório. Diante desta conclusão faz-se necessário adote o Juiz o mesmo procedimento do caso de ausência do Membro do Ministério Público à audiência de instrução, com bem indica Ada Pellegrini Grinover, nos seguintes termos:

A ausência do promotor na audiência impõe substituição por outro membro do Ministério Público, ou o adiamento: segundo os arts. 45 e 564, III, d, CPP, a participação do órgão acusatório é essencial para a validade de todo ato processual de instrução criminal.

Conclui-se que, sendo ato de instrução, em que deve o Ministério Público diligenciar pela regular colheita da prova, e sendo ônus institucional o comparecimento aos atos de desempenho de seu mister, obrigatória é a presença do órgão ministerial e do defensor na audiência de interrogatório.

Sobre o autor
José Theodoro Corrêa de Carvalho

Promotor de Justiça do MPDFT. Doutor em Direito. Conselheiro do CONEN/DF. Professor de Direito Processual Penal. Autor do livro "Tráfico de drogas".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, José Theodoro Corrêa. As inovações no interrogatório no Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 336, 8 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5292. Acesso em: 22 nov. 2024.

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