6. A extinção do curador do réu menor
Preocupou-se o legislador reformista, também, em extinguir a figura do curador ao réu menor.
Previa a antiga redação do artigo 194 do CPP que, "se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador".
Como não definia o dispositivo que idade encontrava-se dentro do conceito de menor, o intérprete era obrigado, entre 1941 e 2003, a entender que menor era aquele que já era imputável criminalmente e ainda não era plenamente capaz para os atos da vida civil, ou seja aquele que já possuía 18 anos, mas ainda não havia completado os 21 anos.
Durante a vigência concorrente do CPP e do antigo Código Civil de 1916, deveria o interrogatório daquele que ainda não tivesse 21 anos ser realizada com o acompanhamento de um curador indicado pelo juiz. Interpretava-se, entretanto, à luz da Súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de n.º 352 que "não é nulo o processo penal por falta de nomeação de curador ao réu menor que teve a assistência de defensor dativo", pois a assistência do defensor supria a ausência do curador.
Todavia, com a edição do novo Código Civil (Lei 10.406/2002), que trouxe a capacidade civil plena para o limite dos 18 anos, coincidindo assim com a maioridade penal, deixou de existir, desde janeiro de 2003, razão para a nomeação de curador para aquele que não é mais menor sobre qualquer aspecto.
A posição doutrinária dominante, apesar de alguns afirmarem que as modificações cíveis não repercutem automaticamente no CPP, é no sentido de que o conceito de menor não é realizado pelo próprio Código de Processo Penal, razão pela qual, faz-se necessário o preenchimento da norma em branco com uma outra norma em vigor, o que indica que menor é, nos termos do Código Civil, aquele que tem menos de 18 anos. Donde se conclui que, por ser inimputável, o menor de 18 anos, jamais estará sujeito a um processo penal, estando, conseqüentemente, extinta a figura do curador dentro das regras do CPP.
De uma forma ou de outra, a discussão perdeu sentido depois da edição da norma em comento que simplesmente revogou a redação anterior do artigo 194.
Seja porque o réu sempre estará acompanhado de defensor, seja porque não mais poderá ser chamado de "menor", a figura do curador foi definitivamente extinta em virtude de faixa etária, restando-a apenas para a hipótese de ausência de capacidade em virtude de se tratar de pessoa portadora de necessidades especiais.
Para a harmonização e sistematização do Código de Processo Penal deveria, porém, o reformista preocupar-se em revogar também a parte final da alínea c, do inciso III, do artigo 564, que prevê que é causa de nulidade a falta de indicação de curador ao réu menor de 21 anos. Andou mal nesse ponto.
Apesar da omissão deve-se interpretar tacitamente revogado o dispositivo retromencionado.
Da mesma forma, deveria ter revogado o artigo 15 do Código, que também prevê a presença de curador para o indiciado menor. Perdeu uma boa oportunidade de retirar do diploma legal dispositivos tacitamente revogados.
7. Repercussão das alterações do interrogatório judicial na esfera policial
Apesar da Lei 10.792/2003 não trazer qualquer alteração do Capítulo do Código de Processo Penal referente à investigação policial, o artigo 6º, V, da norma adjetiva, prevê que a autoridade policial deverá "ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro", que é justamente o capítulo modificado pela norma reformista.
Das alterações realizadas quase todas terão plena aplicação no interrogatório policial. O direito ao silêncio não se restringe à fase processual; o direito de assistência do advogado é garantido constitucionalmente e a possibilidade de entrevista prévia e reservada é inerente à assistência técnica prestada; o local de realização do interrogatório tanto pode ser o presídio como a sede da delegacia de polícia, a depender da segurança do local; as perguntas devem versar, nos termos do artigo 187, sobre a pessoa do investigado e sobre os fatos; devem ser observadas as regras específicas sobre surdos, mudos e estrangeiros e a separação dos interrogatórios no caso de co-autoria; e, por fim, é cabível a indicação por parte do advogado e do Promotor (se estiver presente) de outros fatos que devem ser indagados.
A única distinção diz respeito à obrigatoriedade da presença do defensor e do membro do Ministério Público, que, evidentemente, não se aplica durante o inquérito. Se é verdade que é constitucional o direito de assistência de advogado, não é correto afirmar que se trata de obrigação, ou seja, durante o inquérito não é indispensável que se faça presente o advogado. Se o investigado não quiser ou não puder contratar advogado para acompanhar a fase pré-processual da persecução penal, não existirá qualquer mácula no procedimento, por se tratar de momento exclusivamente inquisitivo.
Em resumo: se não há acusação durante o inquérito, inexiste oportunidade de defesa ou contraditório, daí a não obrigatoriedade da participação do causídico.
Se o advogado estiver presente poderá desempenhar todos os atos previstos para o interrogatório judicial, mas sua presença, assim como a do acusador, não é indispensável.
8. Conclusões
Causa espécie que uma lei que modifica e moderniza o interrogatório judicial tenha como origem "o consenso dos responsáveis pelas administrações penitenciárias estaduais", como afirma o Ministro da Justiça em sua exposição de motivos ao projeto que deu origem à Lei 10792/03.
Apesar da atípica origem, a maior parte de suas modificações, com algumas ressalvas, vem ao encontro dos anseios da comunidade jurídica nacional.
A citação do réu preso deve ser, indubitavelmente, realizada de forma pessoal, através de mandado de citação, não sendo razoável que o réu seja cientificado da imputação somente no momento em que é conduzido para seu interrogatório, por violação ao princípio da ampla defesa.
Apesar da norma indicar que o local do interrogatório deva ser o estabelecimento prisional, tal solução não atende a seus próprios objetivos, pois não gera a alegada economia e aumenta os riscos de rebeliões e fugas em massa, conforme demonstrado anteriormente.
Diante da insegurança dos nosso presídios, recomenda-se que os juízes continuem realizando os interrogatórios nas sedes dos respectivos juízos.
Quanto ao direito ao silêncio, a adequação ao texto constitucional, faz com que se garanta seu exercício, sem que tal ato possa ser utilizado em prejuízo do réu, o que exige seja o artigo 198 do Código de Processo Penal interpretado como não recepcionado pela Constituição, pois faltou ao legislador reformista revogá-lo expressamente.
No que toca à participação do defensor do réu, andou muito bem a reforma ao prever sua obrigatória participação no interrogatório, o direito de entrevista reservada prévia e a possibilidade de indagação de fatos complementares, o que reforça a natureza também de meio de prova do ato.
Mesmo não constando expressamente a participação obrigatória do membro do Ministério Público no interrogatório, tal presença se torna imprescindível quando se examina a natureza jurídica mista (meio de defesa e meio de prova) do ato, o papel do Parquet (parte e fiscal da lei) na instrução criminal e, especialmente, suas funções institucionais.
Por seu turno, o curador ao réu menor de 21 anos deixa de existir, (também) porque sempre estará acompanhado de advogado, mas, principalmente, porque, diante do novo Código Civil, deixou de ser considerado menor quem se encontra acima dos 18 anos.
A posição doutrinária dominante, apesar de alguns afirmarem que as modificações cíveis não repercutem automaticamente no CPP, é no sentido que o conceito de menor não é realizado pelo próprio Código de Processo Penal, razão pela qual, faz-se necessário o preenchimento da norma em branco com uma outra norma em vigor, o que indica que menor é aquele que tem menos de 18 anos. Donde se conclui que, por ser inimputável, o menor de 18 anos, jamais estará sujeito a um processo penal, estando, conseqüentemente, extinta a figura do curador nesta hipótese.
Para a harmonização e sistematização do Código de Processo Penal faltou, porém, revogar a parte final da alínea c do inciso III do artigo 564, que prevê que é causa de nulidade a falta de indicação de curador ao réu menor de 21 anos e o artigo 15 do Código, que também prevê a presença de curador para o indiciado menor.
Apesar da omissão, deve-se interpretar derrogados os dispositivos retromencionados. Perdeu o reformista uma boa oportunidade de retirar do diploma legal dispositivos tacitamente revogados.
As modificações feitas no interrogatório judicial, em grande parte, diante do artigo 6º, V, da norma adjetiva, também aplicam-se ao interrogatório policial.
A única distinção diz respeito à obrigatoriedade da presença do defensor e do membro do Ministério Público, que, evidentemente, não se aplica durante o inquérito, pois se trata de momento exclusivamente inquisitivo, sem atos tipicamente acusatórios ou defensórios.
Este modesto passo, na tentativa de modernização do processo penal, mostra-se relevante quando se observa que a ótica da nova persecução penal é o respeito às garantias dos acusados em geral.
Urge que o demais projetos de reforma do Código de Processo Penal encaminhados ao Congresso Nacional sejam adequadamente discutidos e votados, sempre visando o equilíbrio entre as garantias processuais e a redução da impunidade que impera em nosso país.
Notas
1 A Exposição de motivos n.º 00201 – MJ foi encaminhada ao Congresso Nacional através da mensagem 842 do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, tendo sido publicada no Diário da Câmara dos Deputados, no dia 15 de agosto de 2001, p. 36.784.
2 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Anotado, Volume III. Campinas: Ed. Bookseller, 2000, p. 610.
3 Apud ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Ob. cit. p. 632.
4 Observe-se que, apesar de muitos autores defenderem que se trata de norma de hierarquia constitucional, decidiu o Supremo Tribunal Federal que os decretos desta natureza, por não contarem com o quórum qualificado para modificar a Constituição Federal, possuem natureza de lei ordinária, o que significa que a norma em comento modificou o próprio Código de Processo Penal.
5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001, p. 384.
6 EL DEBS, Aline Iacovelo. Natureza jurídica do interrogatório. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em:http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3123>. Acesso em: 18 mar. 2004.
7 STJ. 5ª Turma. RESP 471252 / MG. Relator Min. GILSON DIPP. Data da Decisão 18/09/2003. DJ DATA:20/10/2003 PG:00289.
8 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Ob. Cit. p. 61.
9 MIRABETE, Júlio F. Código de Processo Penal Interpretado, 9ª edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 543.
10 PITOMBO, Cleunice V. B.; BADARÓ, Gustavo H. R. I.; ZILLI, Alexandre C.; ASSIS MOURA, Maria T. R. A. Publicidade, ampla defesa e contraditório no novo interrogatório judicial. Boletim IBCCRIM. Ano 11, n.º 135, fevereiro de 2004, p. 2.
11 LIRA, Roberto. Teoria e prática da Promotoria Pública. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1989, p. 73.
12 POLASTRI LIMA, Marcellus. Ministério Público e persecução criminal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2002, p. 29.
13 MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Curso de Direito Processual Penal. 28ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 180.
14 STJ. 6ª Turma. HC 9915/RS. Relator Min. FERNANDO GONÇALVES. Data da Decisão 18/10/1999. DJ DATA:16/11/1999 PG:00232.
15 STJ. 6ª Turma. RESP 446042 / RS. Relator Min. PAULO GALLOTTI. Data da decisão 26/11/2002. DJ DATA:09/12/2003 PG:00354.
16 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris editora, 2003, p. 469.
17 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001, p. 387.