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Casamento infantil, direitos humanos e o direito público internacional

Os danos causados a uma criança entregue ao casamento são inúmeros. Os governos dos países adotantes deste costume, por si sós, não se costumam de desvencilhar dos impasses. Abordando o assunto, comentamos alguns casos famosos.

RESUMO: O mundo se compõe de diversas culturas, proporcionando diferentes modos de observar uma mesma situação. O direito das gentes, mesmo que uno, possui uma aplicabilidade diversificada em decorrência do atrito ocasionado pelas culturas. Usos e costumes serão fatores determinantes para manter uma prática repudiada pela maioria da população mundial? Os danos causados a uma criança entregue ao casamento Infantil são inúmeros e o país adotante deste costume, por si só, não se desvencilha desta prática. O Direito Internacional Público possui instrumentos que podem de forma eficaz proporcionar a proteção dessas crianças. Por meio do Protesto, por exemplo, pode-se rejeitar um costume como norma jurídica, iniciando um processo de abstração de um costume no seio de um povo.

Palavras-chave; Casamento Infantil, Direito Internacional Público, Costumes, Protesto, Norma Jurídica Costumeira.

SUMÁRIO:Introdução .Desenvolvimento.Conclusão.Bibliografia.


Introdução         

Um dos erros no que se trata de providências para combater a prática do casamento infantil está no fato das medidas não serem tomadas em relação à saúde, educação e garantias de direitos fundamentais a essas crianças. Estes fatores devem estar presentes na vida não só das crianças, mas de toda a população. Sua melhoria não deve estar condicionada ao objetivo de diminuir os casamentos infantis. Uma vez sendo ações indiretas, perde-se a eficácia, pois o processo torna-se mais lento.

Ainda de acordo com a pesquisa divulgada pela UNICEF, dentre os fatores que colaboram para o casamento infantil estão a extrema pobreza e o fato de ser uma prática culturalmente aceita.

O combate à pobreza, como comentamos acima, não vem surtindo efeito para redução dos casamentos infantis. É um combate que deve permanecer, para melhoria de vida da população como um todo. Acredito que as medidas influenciam, mas o combate ao casamento infantil deve ser realizado com mais afinco, com medidas voltadas especificamente com esse intuito.

Desta forma, vamos tomar por base a cultura do casamento infantil. Entender melhor como esse fator influência e de que modo ele pode ser combatido.


Casamento Infantil

Nos casamentos infantis, as meninas são forçadas a casar, na maioria das vezes para diminuição de gastos de famílias pobres. As famílias veem no casamento um meio de transferir o gasto que teriam com aquela criança para o futuro marido. Assim, forçam-nas a casar e essa prática, inserida na cultura, se torna-se aceita pela sociedade local.

Os estudos no Direito Internacional Público identificam que a população do país adotante desta prática não sente repulsa quanto a esses atos, uma vez que são aceitos culturalmente, entende-se que é algo normal, comum entre eles, não uma anomalia. Então, o ato daquele povo, inserido culturalmente e, em decorrência de sua repetição, torna-se uma norma jurídica costumeira.

A norma jurídica costumeira nos termos do Estatuto da Corte, resulta de uma prática geral aceita como sendo o direito. Essa expressão dá notícia do elemento material do costume, qual seja, a prática – a repetição, ao longo do tempo, de certo modo de proceder ante determinado quadro de ato -, e de seu elemento subjetivo, qual seja a convicção de que assim se procede não sem motivo, mas por ser necessário, justo, e consequentemente jurídico. (Capítulo II, Formas Extraconvencionais de Expressão do Direito Internacional, fl. 155, Livro Direito Internacional Público-Curso Elementar, Francisco Rezek, 15ª ed., 2014).

Os danos aos quais as crianças estão sujeitas são justificados pelas motivações que levam as famílias a entregar as crianças como noivas (grande número de pessoas no seio familiar; faltam estruturas que proporcionem saúde, alimentação e educação a cada integrante da família; grave grau de pobreza da população). Desta forma, entende-se ser uma solução aos problemas descritos e, mesmo causando malefícios às meninas, estes se tornam “menores” em relação às justificativas.

Algumas normas jurídicas costumeiras não são aprovadas por outros países. Sendo o casamento infantil uma destas normas. Observo que a desaprovação decorre do contraste dentre as diferentes culturas existentes pelo mundo. No caso em tela, o casamento infantil tem maior incidência em países mais pobres (subdesenvolvidos).

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Países em desenvolvimento ou desenvolvidos, em sua grande maioria, repudiam essa prática, uma vez que, não precisando dela como meio de atenuar a pobreza no núcleo familiar, utilizando outras medidas, têm a concepção do casamento infantil como uma grave violação aos direitos da criança e do adolescente, sendo também tipificado penalmente na maioria destes países como estupro de vulnerável.

Tomemos por exemplo a norma Brasileira (país em desenvolvimento):

Código Penal - “Estupro de vulnerável”

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: 

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 

§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 

§ 2o  (VETADO) 

§ 3o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: 

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. 

§ 4o  Se da conduta resulta morte: 

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

  Estatuto da criança e do adolescente:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Os artigos acima têm um enfoque à vulnerabilidade no âmbito sexual da criança, que fica exposta e à mercê dos adultos. E, no caso do casamento infantil, a conjunção carnal ocorre na noite de núpcias, sem o consentimento ou entendimento da criança que, além de ser violada, é violentada e marcada física e psicologicamente. Além disto, casando, interrompem seus estudos. Direito à educação, à saúde e à dignidade, direitos elencados no ECA, no trecho acima, não são presentes nas vidas destas meninas.

Em 2013, uma menina do Iêmen de 8 (oito) anos morreu após sua noite de núpcias. Seu marido tinha 40 (quarenta) anos de idade e, segundo os médicos, ela teve hemorragia e ruptura uterina após a relação sexual. Este é somente um dos casos de casamento infantil resultantes em morte.

Observemos a nota da UNICEF:

“Quando as crianças casam, as suas perspectivas de vir a ter uma vida saudável e bem-sucedida diminuem drasticamente, desencadeando muitas vezes um ciclo intergeracional de pobreza. As meninas noivas têm menos probabilidades de terminar a sua escolaridade, mais probabilidades de vir a ser vítimas de violência e de serem infectadas com o VIH. As crianças de mães adolescentes correm um maior risco de vir a ser nados-mortos, de morrer após o parto ou de ter baixo peso à nascença. As meninas noivas muitas vezes não dispõem das competências necessárias para o mundo do emprego.”

(UNICEF – Comunicado de imprensa – ‘O número de meninas noivas em África pode mais que duplicar para 310 milhões até 2050 - UNICEF GENEBRA/NOVA IORQUE, 26 de Novembro de 2015’)

Não é comum, na população que adota a prática do casamento infantil, a realização de denúncia perante as organizações internacionais com o intuito de combater essa prática. Entretanto, a minoria consciente procura formas de combate, visando proteção aos vulneráveis e melhoria nas condições de vida da população.


Conclusão

Em setembro, viralizou nas redes sociais uma notícia de que a ativista africana Theresa Kachindamoto conseguiu anular, nos últimos três anos, cerca de 850 casamentos infantis no distrito de Malawi, na África (país com taxa de casamento infantil mais alta do mundo). Dentre as ações de políticas públicas tomadas por ela, destaca-se a conscientização de políticos influentes para que fossem promulgados decretos em prol da anulação destes casamentos.

Em 2015, foi aprovado em Malawiu o projeto de Lei que proíbe casamento infantil e estabelece a idade mínima de 18 (dezoito) anos. O processo de aplicação da Lei será longo e trabalhoso, conforme a Unifef também constatou:

Os dados também revelam claramente que, para acabar com o casamento na infância, é preciso um enfoque muito mais nítido em alcançar as raparigas mais pobres e marginalizadas – aquelas que estão mais carenciadas e correm maiores riscos – através de uma educação de qualidade e de um leque de outros serviços de proteção. A sua vida, e o seu futuro, bem como o futuro das suas comunidades, estão em perigo. Cada menina noiva representa uma tragédia individual. O aumento do seu número é intolerável. (UNICEF – Comunicado de imprensa – ‘O número de meninas noivas em África pode mais que duplicar para 310 milhões até 2050 - UNICEF GENEBRA/NOVA IORQUE, 26 de Novembro de 2015)

O trecho abaixo ratifica a possibilidade de mudança de um costume, uma vez que o fato de ser tradição não coincidir com o fato de ser coerente:

“O procedimento cuja repetição regular constitui o aspecto material do costume não é necessariamente positivo: pode, também, cuidar-se de uma omissão, de uma abstenção, de um não fazer, frente a determinado contexto. Ação ou omissão, os respectivos sujeitos hão de ser sempre pessoas jurídicas de direito internacional público.”

(Capítulo II, Formas Extraconvencionais de Expressão do Direito Internacional, fl. 156, Livro Direito Internacional Público-Curso Elementar, Francisco Rezek, 15ª ed., 2014)

Além do processo de conscientização interna que o membro daquela comunidade pode trazer aos seus conviventes, há outras formas de intervir em busca de uma mudança da situação. Dentre eles, temos o Protesto.

O protesto é uma forma normativa do Direito Internacional Público que visa o impedimento do uso de obra costumeira para defesa de interesses entre nações. Ele é registrado em organismos internacionais no órgão que trata da matéria que será protestada.

A exigibilidade pode ser por meio da propositura de tratados cuja coercibilidade será o seu cumprimento como condição à eficácia de outra aliança. Um exemplo seria determinado país ser isolado das alianças comerciais enquanto não se adequar às normas de direitos humanos. Seria uma forma exógeno/endógena, pela qual o país absorve uma norma externa.


Referências bibliográficas

REZEK Francisco, 13ª Edição revista  aumentada e atualizada 2011, editora Saraiva

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990

http://oglobo.globo.com/mundo/menina-de-oito-anos-morre-apos-lua-de-mel-com-marido-de-40-9902004

http://www.lejournalinternational.fr/Idade-legal-para-o-casamento-no-Malawi-o-fim-do-calvario_a2770.html

https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/lider-feminista-anula-850-casamentos-infantis-em-malawi/

UNICEF – Comunicado de imprensa – ‘O número de meninas noivas em África pode mais que duplicar para 310 milhões até 2050 - UNICEF GENEBRA/NOVA IORQUE, 26 de Novembro de 2015.

Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Athina Hellen Evangelista; CONCEIÇÃO, Luanda Beatriz Constantino. Casamento infantil, direitos humanos e o direito público internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4998, 8 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53428. Acesso em: 22 dez. 2024.

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